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ARTIGO ORIGINAL

Circulação extracorpórea com desvio veno-arterial e baixa pressão parcial de oxigênio

Mário Coli Junqueira de MORAES0,0; Domingos Junqueira de MORAES0; Eduardo Sérgio Bastos0; Henrique Murad0,0

DOI: 10.1590/S0102-76382001000300010

INTRODUÇÃO

É certo que a circulação extracorpórea determina alterações no sangue e nos tecidos perfundidos, gerando segundo a opinião de KIRKLIN et al. (1) um quadro geral de inflamação ou auto-agressão.

Inicialmente, reconhecida com denominações tais como, síndrome pós-perfusão, pulmão de bomba, passou posteriormente a ser conceituada como reação inflamatória geral do organismo. Esse conceito foi inicialmente proposto por KIRKLIN et al. (1). As manifestações clínicas se caracterizam por alterações funcionais muito ou pouco severas nas funções pulmonares, renais, acúmulo de líquido no espaço intersticial, febre, leucocitose, vasoconstricção e maior susceptibilidade a infecções.

Experimentalmente, nota-se que essas alterações são bem menos acentuadas na circulação assistida, onde o sangue também passa artificialmente pelos tubos de plástico, sendo impulsionado por uma bomba mecânica, entretanto, oxigenado pelo próprio pulmão do animal da experiência.

Apesar da maioria dos pacientes submetidos à operações cardíacas evoluir bem, boa parte da morbidade e certa percentagem na mortalidade podem ser atribuídas a circunstâncias não-fisiológicas da circulação extracorpórea com exclusão cardiopulmonar. De fato houve, em todos esses anos de pesquisa e aplicação clínica, melhora substancial dos oxigenadores e do sistema de monitorização, mas pouco se mudou no circuito.

A proposta do nosso trabalho visa à modificação deste circuito de perfusão com a introdução do conceito de desvio e mistura veno-arterial, usando o princípio da circulação fetal que resulta em transferência do oxigênio materno para a circulação sistêmica do feto.

Assim, o nosso trabalho tem por objetivo estudar um modelo experimental em que o débito circulatório durante a circulação extracorpórea, seja alto, próximo ao normal, porém com redução de 50% do fluxo pulmonar, determinando dessa forma uma queda no pO2 arterial, mas mantendo normal o débito sistêmico e em condições de normotermia.

O outro objetivo é estudar essa mesma situação em uma série clínica, comparando 2 grupos de 20 pacientes. Em um deles usando perfusão com pO2 alto e misturador de gases (oxigênio e ar comprimido) no oxigenador de membrana; no outro grupo, fazendo um desvio e mistura veno-arterial de 60% do sangue venoso pela membrana do oxigenador, com a manutenção do pO2 baixo e fluxo de perfusão normal, usando, dessa forma, somente oxigênio, sem necessitar de ar comprimido e portanto, de misturador de gases ("blender").

MATERIAL E MÉTODOS

Estudo Experimental

Foram estudados 20 cães, de raça mista (7 fêmeas e 13 machos), com peso variável entre 9 kg e 21,5 kg numa média de 13 kg, oriundos do Instituto Municipal de Medicina Veterinária do Rio de Janeiro, já devidamente vacinados e submetidos a quarentena. Permaneceram eles no biotério da cirurgia experimental do Hospital Universitário Antônio Pedro - UFF e no biotério da cirurgia experimental do Hospital Adventista Silvestre, sendo operados no período de 10 de janeiro de 96 a 11 de junho de 97 e classificados para o presente estudo em 2 grupos de 10 cães:

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Grupo I: Circulação extracorpórea com coração batendo;
*

Grupo II: Circulação extracorpórea com coração fibrilando.

Grupo I

Integraram este grupo 10 cães: 3 fêmeas e 7 machos, pesando entre 10 kg e 20 kg (média 12,5 kg). Todos os animais foram submetidos à circulação extracorpórea com temperatura entre 34ºC e 36ºC e duração de 60 minutos.

Os cães foram anestesiados com tiopental sódico (4 mg/kg) e pancurôneo (0,3 mg/kg) na veia cubital do membro dianteiro esquerdo, aplicando-se nessa mesma veia soro Ringer Lactato lento. Foi realizada punção de artéria femoral esquerda sob visão direta para medir a pressão arterial média (PAM) e retirada de amostra de sangue para gasometria.

A ventilação foi mantida com intubação orotraqueal e respirador de pressão Takaoka®, modelo Assistor 690. Toracotomia ântero-lateral direita pelo quarto espaço intercostal.

Os membros inferiores foram mantidos em extensão para que uma artéria femoral servisse de via de retorno arterial e a outra artéria femoral fosse utilizada para monitorização da pressão arterial média e coleta de amostras para gasometrias.

Mediu-se a temperatura retal com termômetro "Yelow Spring".

As canulações arterial e venosa foram realizadas com material próprio descartável.

Manteve-se, durante a toracotomia, rigorosa hemostasia com uso de bisturi elétrico. Preencheu-se o circuito de circulação extracorpórea com expansor plasmático (500 ml) e manitol (50 ml).

Após abertura do pericárdio, a veia cava inferior foi canulada com tubo de material plástico (nº 26 e nº 28) através da aurícula direita e laçada com fita cardíaca. A artéria femoral direita ou esquerda foi canulada com cânula própria, para se fazer o retorno do sangue drenado pela veia cava no reservatório de cardioplegia. Iniciada a circulação extracorpórea, foi garroteada a veia cava inferior e o sangue todo desviado para o reservatório de onde, ao mesmo tempo, era bombeado para a artéria femoral do cão, permanecendo o mesmo nível no reservatório de cardioplegia sangüínea DMG.

Mantinham-se monitorizada a pressão arterial e a ventilação pulmonar. O animal continuou nessa situação durante 30 minutos.

Após esse tempo, a cânula posicionada na cava inferior era posicionada na cava superior e garroteada. Assim, todo o sangue da cava superior se desviava para o reservatório durante mais 30 minutos. Repetiam-se as mesmas dosagens de gases, bem como, a monitorização da pressão arterial média e o fluxo sangüíneo medido pela bomba de rolete.

Grupo II

O grupo II constituiu-se, como o anterior, de 10 cães: 6 machos e 4 fêmeas, pesando entre 9 kg e 21,5 kg, com peso médio de 14 kg. Em essência se manteve, do ponto de vista fisiológico, a mesma situação, ou seja, apenas a metade do sangue drenado das veias cavas passava pelo pulmão. A diferença principal é que, neste grupo, se injeta o sangue venoso na artéria pulmonar por meio de outra bomba de rolete, e calcula-se a metade do fluxo pela média obtida de cada veia cava nas experiências anteriores, isto é, 50 ml/kg/min (Figura 1).



De modo geral, essa quantidade é que representa a metade do débito sistêmico.

Alguns minutos após iniciar a circulação extracorpórea, o coração é fibrilado artificialmente.

O sangue venoso injetado na artéria pulmonar por meio de outra bomba de rolete é recolhido, já oxigenado, pela ponta do ventrículo esquerdo e, por gravidade, vai-se juntar no mesmo reservatório. Daí, o sangue já misturado com o sangue do átrio direito é injetado na artéria femoral, mantendo a circulação sistêmica com fluxo total.

Como a mistura do sangue venoso e arterial se faz no reservatório, a dosagem de gases do sangue arterial pode ser realizada em qualquer ponto da linha arterial, ou na aorta torácica. A dosagem de gases do sangue venoso é retirada diretamente do átrio direito, e a pressão arterial é monitorizada constantemente. No final de 30 minutos, o coração é desfibrilado com cardioversão elétrica e, após 5 minutos, novamente posto a fibrilar. A perfusão é mantida por 60 minutos como no grupo I.

Estudo Clínico

Foram estudados, retrospectivamente, 40 pacientes escolhidos ao acaso dentro de limites que variaram de 60 até 120 minutos de perfusão, sendo 24 homens e 16 mulheres. A idade dos pacientes variou de 45 a 79 anos, com a mediana de 67, havendo 12 com idade superior a 70 anos. Coincidentemente em cada grupo, houve 6 operados com idade maior ou igual a 70 anos, assim como 12 homens e 8 mulheres. O peso variou de 45 a 94 kg, com média de 70 kg.

Todos foram submetidos à revascularização miocárdica pela primeira vez no Serviço de Cirurgia Cardíaca do Hospital Adventista Silvestre - Rio de Janeiro. Os pacientes foram divididos em grupos A e B com 20 pacientes cada um.

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Grupo A: Perfusão com pO2 acima de 150 mmHg;
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Grupo B: Perfusão com pO2 abaixo de 100 mmHg.

Grupo A

Vinte pacientes operados, 12 homens e 8 mulheres, com idade variando entre 46 e 77 anos (média de 65 anos). O peso variou de 48 a 94 kg com média de 70 kg.

A perfusão foi realizada com oxigenador de membrana DMG-3000, usando mistura de oxigênio com ar comprimido, sendo esta regulada em 40% de ar e 60% de oxigênio por meio de um misturador de gases ou "blender".

Grupo B

Constituído de 20 pacientes, 12 homens e 8 mulheres, com idade variando de 45 a 73 anos (média de 62 anos). O peso variou de 43 a 89 kg e média de 70 kg.

Neste grupo, empregou-se o mesmo tipo de oxigenador, porém com oxigênio puro e desvio veno-arterial regulado por meio de um torniquete, de modo que 40% do sangue venoso recirculava sem passar pelo oxigenador. Em 8 casos mediu-se o volume do desvio por meio de um fluxômetro eletromagnético "biopump" Medtronic.

Em todos os casos, foi monitorizada permanentemente a saturação de oxigênio da hemoglobina por meio de oxímetro "Bentley" acoplado em linha arterial e venosa.

Usou-se em todos pacientes bomba de rolete e oxigenador DMG. A perfusão foi normotérmica, e a hemodiluição com ringer e manitol ou ringer com haemacel e manitol. O fluxo de perfusão, nos 2 grupos de pacientes, foi obtido com drenagem de veias cavas e cânula única, tendo atingido em média 60 a 70 ml/kg/min de peso corporal ou 2,2 l/m2/min a 2,4 l/m2/min de superfície corporal do paciente. A proteção miocárdica se deu com cardioplegia sangüínea 4:1 na raiz da aorta. Realizou-se o retorno arterial pela aorta em todos os pacientes (Figura 2).



A temperatura manteve-se entre 34º a 36º C, e o hematócrito variou entre 20 e 30%, em todos os casos.

A anestesia foi realizada com fentanil, benzodiazepínico e curarização completa para se manter mínimo o consumo de oxigênio. No grupo com desvio veno-arterial, na fase final da perfusão, quando se acionava o permutador de calor para atingir-se a temperatura de 37º C, reduziu-se o desvio em torno de 20 a 30%. Além de determinação contínua da saturação arterial e venosa pelo oxímetro, foram realizadas gasometrias, com aparelho Ciba Corning 238, a cada 20 a 30 minutos, tanto do sangue venoso como do arterial, e monitoração contínua da pressão arterial.

Em todas as operações foram solicitados como exames pré-operatórios: radiografia de tórax, eletrocardiograma, ecocardiograma e Doppler de carótidas (pacientes acima de 65 anos), além de exames de laboratório como: hemograma, glicose, uréia, creatinina, sódio, potássio, cálcio, magnésio, anti-HIV, antígeno Austrália, anti-hepatite C, coagulograma completo, tipagem sangüínea e gasometria arterial, obedecendo as técnicas habituais do laboratório de patologia clínica do Hospital Adventista Silvestre.

No período pós-operatório foram realizados radiografia de tórax, eletrocardiograma, ecocardiograma e exames de sangue (hemograma, coagulograma completo, bioquímica e gasometrias arterial e venosa). Foram observado9s o volume de drenagem de tórax a cada hora nas primeiras 48 horas do pós-operatório e a quantidade de bolsas de sangue total e ou hemoderivados transfundidos durante a hospitalização. Devido a essa monitorização, foi possível dar ao paciente maior segurança.

Durante a circulação extracorpórea, o oxigenador de membrana foi empregado nos 2 grupos.

Para a avaliação estatística, comparam-se os grupos de pO2 baixo e pO2 alto. Foi utilizado teste t de Student para verificar as diferenças entre as médias aritméticas; já nas variáveis em que os valores apresentavam grande variedade, foi empregado o teste não-paramétrico de Mann Whitney.

Adotou-se o nível de significância de 5% de probabilidade.

RESULTADOS

Estudo Experimental

No grupo I verificou-se que a função cardíaca manteve-se normal durante todo o período da perfusão. A pressão arterial permaneceu em torno de 60 a 80 mmHg. A dosagem dos gases revelou uma média de pO2 e saturação arterial e venosa em níveis aceitáveis, principalmente em relação à saturação venosa, que é a que melhor revela o balanço de oxigênio. A gasometria arterial foi colhida em 2 a 3 pontos da aorta torácica, sendo o pO2 mais alto próximo à crossa. Deste modo, retirou-se amostra de sangue da aorta, sempre 3 cm acima do diafragma, onde a mistura do sangue estava mais homogênea.

No grupo II, uma vez fibrilado o ventrículo, a perfusão passou a ser feita com débito total, isto é, a soma das drenagens do átrio direito e do ventrículo esquerdo que, por sua vez, corresponde ao volume injetado pela segunda bomba na artéria pulmonar (Figura 1). Isto significa 50 ml/kg/min ou metade do débito total que fica em torno de 100 ml/kg/min. A pressão arterial se manteve estável e, quando necessário, se acrescentou mais volume ao circuito da perfusão. A temperatura foi mantida pelo permutador de calor do reservatório de cardioplegia sangüínea DMG. No final de 30 minutos, faz-se cardioversão elétrica e, 5 minutos após, novamente induzia-se a fibrilação.

O resultado da média dos exames de gasometria, conforme Tabela 1, mostrou que o pO2 do grupo I foi mais alto do que o do grupo II, tanto na gasometria arterial (pO2 = 109 x pO2 = 58) como na venosa (pO2 = 38 x pO2 = 36,6).



A saturação do grupo I foi mais alto quando comparado com grupo II também na gasometria arterial (SAT de O2 = 95% x SAT de O2 = 89%) e venosa (SAT de O2 = 52% x SAT de O2 = 50%).

Na Tabela 1 está demonstrada a média dos resultados de amostras de sangue arterial e venoso realizados durante a circulação extracorpórea dos grupos I e II.

A Tabela 2 demonstra os resultados médios do sangue arterial de exame de hematócrito e de gasometria, colhido 5 minutos antes de iniciar a circulação extracorpórea (CEC), dos grupos I e II.



Estudo Clínico

No grupo A, de 20 pacientes com pO2 acima de 150 mmHg, houve perda sangüínea pelos drenos nas primeiras 48 horas, no CTI, de 16.590 ml e com transfusões de 180 unidades de sangue ou hemoderivados.

Dentre os 20 pacientes do grupo B, com pO2 abaixo de 100 mmHg, houve um total de 10.165 ml de perda sangüínea pelos drenos nas primeiras 48 horas, com necessidade de transfusão de 63 unidades de sangue ou hemoderivados.

No grupo B, drenou-se apenas 65% do total drenado no grupo A. Também no grupo B houve hemotransfusão de apenas 33% do total transfundido no grupo A.

Não houve óbito hospitalar nos 2 grupos.

Apesar de chamar o grupo A de pO2 acima de 150 mmHg, quando foi feito o estudo estatístico avaliando os valores de pO2 arterial, durante a circulação extracorpórea dos 20 pacientes deste grupo, encontrou-se um valor muito mais alto, ou seja, média de pO2 igual a 192,44 mmHg (Tabela 3). Em relação ao sangramento torácico constatou-se mediana de 760 ml de drenagem sangüínea nas primeiras 48 horas de pós-operatório (Tabela 4) e obteve-se mediana de 9 unidades de transfusão de sangue ou hemoderivados (Tabela 5). Nessas mesmas tabelas foi surpreendentemente encontrado no grupo B apesar de classificá-lo como sendo pO2 abaixo de 100 mmHg, uma média de pO2 que foi igual a 72,20 mmHg. Já em relação ao sangramento torácico, obteve-se mediana de 495 ml de drenagem sangüínea nas primeiras 48 horas e mediana de 3 unidades de transfusão de sangue ou hemoderivados.







Observamos que esses 40 pacientes toleraram bem a perfusão e tiveram evolução pós-operatória sem incidentes relacionados com perfusão. Os pacientes submetidos à circulação extracorpórea com baixo pO2 e desvio veno-arterial, tiveram menor sangramento e significativa redução no volume de transfusão de sangue e hemoderivados, no período hospitalar, quando comparados estatisticamente pelo teste não-paramétrico de Mann-Whitney com os do primeiro grupo (Tabelas 3, 4, 5, 6 e 7).





Apresenta-se a seguir os resultados avaliados estatisticamente.

Os valores medianos de dias internados em pO2 baixo e alto apresentam-se semelhantes. Em relação ao peso, idade e pressão arterial média durante a perfusão os valores médios comparados dos grupos A e B (pO2 alto e pO2 baixo) apresentaram diferenças não significativas.

Quanto ao tempo de perfusão, o valor médio no grupo A (pO2 alto = 1:34h) apresenta valor mais elevado do que no grupo B (pO2 baixo = 1:19h), sendo significativa a diferença.

A média do fluxo de perfusão é mais elevado no grupo B (pO2 baixo = 4,34 l/min) do que no grupo A (pO2 alto = 3,74 l/min), sendo significativa a diferença.

Tanto para menores como maiores valores em pO2 arterial, o grupo A (pO2 alto) apresenta médias mais elevadas do que grupo B (pO2 baixo), pois a média de pO2 arterial no grupo A, é mais elevado que a média do grupo B, e sendo significativa a diferença, conforme Gráfico 1 e Tabela 3, ou seja, a média do grupo A foi pO2 de 192,44 mmHg, enquanto que o grupo B teve uma média de 72,20 mmHg.



Pode-se comparar no Gráfico 1 o pO2 durante a perfusão, com 3 variáveis de valores médios, mínimo e máximo, dos grupos A e B conforme Tabela 3. O grupo de pacientes com pO2 alto (grupo A), comparado com o grupo de pO2 baixo (grupo B), apresentou os valores em média (Tabela 3).

O sangramento no grupo A (pO2 alto) em valor mediano é mais elevado do que no grupo B (pO2 baixo), sendo significativa a diferença, conforme se pode ver na Tabela 4 e no Gráfico 2.



O total de hemoderivados (concentrado de hemácias, concentrado de plaquetas e plasma fresco) apresenta mediana no grupo A (pO2 alto) mais elevada do que no grupo B (pO2 baixo), sendo significativa a diferença (Tabelas 5 e 7).

A mediana dos 20 pacientes do grupo B (pO2 baixo) transfundidos com hemoderivados foi de 3 unidades, enquanto a mediana dos outros 20 pacientes do grupo A (pO2 alto) foi de 9 unidades por paciente.

O Gráfico 2 demonstra a mediana dos grupos A e B quanto à hemotransfusão. Em 20 pacientes do grupo B, com pO2 abaixo de 100 mmHg, houve drenagem com valor mediano de 495 ml/48h, enquanto que nos 20 pacientes do grupo A, de pO2 alto, encontrou-se mediana de 760 ml/48h.

COMENTÁRIOS

Apesar do sucesso obtido com a grande maioria dos pacientes submetidos à operação cardíaca, boa parte da morbidade e talvez alguma porcentagem da mortalidade podem ser atribuídas a circunstâncias não-fisiológicas da circulação extracorpórea com exclusão cardiopulmonar(2).

Como se podem melhorar os efeitos danosos conseqüentes do emprego da circulação extracorpórea com a exclusão cardiopulmonar? Segundo BLACKSTONE et al.(3) e KIRKLIN et al.(1) seriam esses os caminhos:

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Conseguir material que seja mais compatível do ponto de vista biológico com o sangue.
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Modificar o circuito usado para perfusão com exclusão cardiopulmonar.
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Desenvolver drogas que possam neutralizar os efeitos danosos conseqüentes da exposição do sangue ao circuito de circulação artificial.

Em relação ao item 1, vários materiais como policarbonato, polipropileno, acrílico, silicone, látex, polivinil, poliester, poliuretano e alumínio ajudam a construir melhores oxigenadores, sem, no entanto, formar o ambiente ideal para a passagem do sangue. O fato é que toda parte do circuito cria uma superfície hostil ao sangue. Este contato fora do ambiente do sistema vascular prejudica a sua integridade e estimula reações sangüíneas, incluindo a reação de coagulação. Atualmente, existe esforço para diminuir esse resultado com a aplicação de circuitos pré-heparinizados, que podem criar uma barreira biológica entre a superfície estranha do circuito e o sangue. Acrescentamos que a hemodiluição, (4-6) diminuindo a porcentagem de células sangüíneas, como hemácias, leucócitos e plaquetas que entram em contato com a superfície não-endotelial de material plástico, deve contribuir para diminuir os efeitos deletérios da circulação extracorpórea, sendo estas células os principais sinalizadores biológicos do sangue que reconhecem o meio artificial.

Trabalhos experimentais e clínicos controlados provaram haver redução em quase 100% das microembolias quando se substitui o oxigenador artificial pelo próprio pulmão (7,8). Finalmente, os distúrbios de coagulação e conseqüente aumento do sangramento nos pacientes submetidos à circulação extracorpórea estão entre os problemas mais importantes e reconhecidos pelos cirurgiões desde o início do seu emprego (9).

Propusemos e estudamos uma terceira hipótese: fluxo alto, porém com relativo baixo pO2 em normotermia. O objetivo foi diferenciar o que representa a perfusão tissular propriamente dita e o pO2 diminuído ou hipóxia. Em outras palavras, distinguir hipoperfusão, vale dizer, isquemia de hipóxia. Já em 1982, GOLLAN (10), pioneiro no estudo da fisiologia da circulação extracorpórea, enunciou os requisitos para uma perfusão ideal: fluxo alto, discreta hipercarbia, hemodiluição e discreta hipoxia (12,12).

Os motivos alegados por GOLLAN (10) seriam que, dessa forma, se manteria melhor a perfusão dos órgãos internos, como cérebro, coração e rins devido à vasodilatação seletiva das artérias para as vísceras, que seriam assim melhor perfundidas do que a circulação periférica. Tal distribuição preferencial se observa, também, na circulação fetal. Por outro lado, admite-se que, dentre os fatores responsáveis pela reação inflamatória e morbidade, conseqüentes do uso mais ou menos prolongado de circulação extracorpórea, com exclusão cardiopulmonar, está o oxigenador (1).

É possível reduzir a saturação de hemoglobina do sangue, ao mesmo tempo em que se mantém alto o fluxo da perfusão tissular (13), e assim não haver tendência para metabolismo anaeróbico?

Naturalmente que dentre outros fatores a temperatura corporal seria dos mais importantes, pois com a redução da temperatura, teríamos uma proporcional redução do consumo de oxigênio (14). Os seguintes fatores diminuem o consumo de oxigênio, mesmo em normotermia:

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Sulfato de morfina 20 a 25%
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Anestesia geral 25%
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Respiração controlada e curarização 30%

No estudo experimental nos limitamos a examinar animais (cães) com temperatura de 34º a 36ºC, isto é, próximo do que se denomina perfusão normotérmica. Ao decidirmos usar o próprio pulmão do animal para oxigenar o sangue, em vez de um oxigenador artificial, tínhamos como objetivo observar apenas o limite mínimo de saturação do oxigênio da hemoglobina ou pO2 compatível com boa perfusão tecidual e saturação venosa acima de 50%, sem a interferência dos fatores já referidos e que são relacionados ao uso do oxigenadores artificiais.

Todos os animais acordaram ao final da perfusão e não houve comprovação de tendência para discrasia sangüínea.

Na experimentação em cães, nossa proposta consistiu em criar um circuito de perfusão, que automaticamente só permitiria passar a metade do sangue venoso pelos pulmões. Nos animais em que foram mantidos os batimentos cardíacos e desviado todo o sangue de uma das cavas, deveria teoricamente haver um consumo pouco maior de oxigênio, pois o coração, mantendo a circulação pulmonar e parte da circulação sistêmica, deveria contribuir para aumento relativo do consumo de oxigênio. Isto poderia ser evidenciado pela menor saturação venosa da hemoglobina, quando comparado com o grupo em que a circulação tanto pulmonar como sistêmica era feita por meio de uma bomba mecânica (15).

Entretanto, pela comparação da média da saturação venosa verificada em cada grupo, não houve diferença significativa, sendo 52% em média no primeiro grupo e 50% no segundo. Em relação à saturação arterial, verifica-se que no grupo I ela esteve mais alta do que no grupo II, devido ao local de onde foi retirada a amostra de sangue na aorta (torácica). Isto é conseqüência de estar o coração batendo e ejetando o sangue que vem dos pulmões totalmente oxigenado. Assim, a saturação do grupo II representa melhor a real média quando se mistura a metade do sangue arterial com a metade do sangue venoso.

Como todos os animais foram submetidos à perfusão com hemodiluição e como o conteúdo de oxigênio do sangue depende do hematócrito, devemos nos lembrar de que paradoxalmente, pela diminuição da viscosidade sangüínea, mesmo com hematócrito mais baixo, pode haver até melhor transporte de oxigênio para os tecidos, segundo trabalho clássico de MESSMER (16). Nas temperaturas entre 32º C e 37º C, a capacidade máxima de transportar oxigênio se dá com hematócrito de 30%. Assim o hematócrito entre 20 e 30% pode até ser benéfico nestas circunstâncias. O melhor indicador para se avaliar o balanço do oxigênio é a saturação de oxigênio da hemoglobina venosa, que deve ficar acima de 50% ou pO2 acima de 27 ou 30 mmHg. O ideal é saturação venosa em torno de 70% ou pO2 de 35 mmHg.

Não encontramos na literatura consultada estudos feitos com esse mesmo circuito de perfusão, de modo que não foi possível comparar os nossos dados com os de outros.

Na observação clínica, em todos esses anos de circulação extracorpórea os oxigenadores e o sistema de monitorização melhoraram muito, porém o circuito básico pouco mudou. Assim, os 40 pacientes dos 2 grupos também foram perfundidos com a temperatura entre 34º e 36º C, e o que mais chamou atenção foi uma diferença estatisticamente significativa nas perdas sangüíneas pelos drenos de tórax nas primeiras 48 horas de pós-operatório, bem como quantidade de sangue e hemoderivados transfundidos em cada grupo de pacientes (17-19). O grupo A apresentou uma média de pO2 de 192 mmHg, e usou dois gases: ar comprimido e oxigênio. Entretanto, alguns hospitais não tem ar comprimido em rede ligado ao centro cirúrgico, mesmo os que o usam dependem de uma boa manutenção para evitar risco de contaminação. Outro problema não muito raro é que o misturador de gases ("blender") pode ficar desregulado.

No grupo B, mesmo usando oxigênio puro no oxigenador de membrana obteve-se média de pO2 igual a 72 mmHg durante a perfusão; desviou-se o sangue venoso e sempre existiu a preocupação de diminuir o extenso contato do sangue com a superfície não endotelial dos oxigenadores e assim reduzir os efeitos deletérios ou inflamatórios da perfusão. Pois procurou-se passar até 50% do sangue venoso pelo desvio veno-arterial, usando sempre que possível fluxo alto. Devido a isso, o pO2 ficou mais baixo.

Em estudo comparativo, entre o oxigenador de membrana DMG modelo 3000S (com desvio veno-arterial) e o oxigenador de membrana Dideco (Itália) que foi realizado pela equipe do Professor Sérgio A. Oliveira (comunicação pessoal), em São Paulo, uma das conclusões a que chegaram foi que as hemácias dos pacientes perfundidos com desvio veno-arterial têm uma vida média mais longa do que as hemácias dos pacientes perfundidas pelo método clássico, isto é, sem desvio veno-arterial e com dois gases para alimentar o oxigenador. Talvez isso explique por que em nossa casuística os pacientes perfundidos sem desvio veno-arterial tiveram que receber maior quantidade de sangue e hemoderivados no período pós-operatório, ou seja, 9 unidades no grupo A contra 3 unidades no grupo B.

Das manifestações clínicas que caracterizam a agressão sofrida pelo organismo, quando submetido à circulação extracorpórea com oxigenação artificial, as alterações na cascata da coagulação foram reconhecidas desde o início da aplicação deste método à cirurgia cardíaca. Nos 20 pacientes submetidos à perfusão, com desvio veno-arterial, comparados aos outros 20 submetidos também à perfusão com dois gases no oxigenador, não houve diferença prática significativa quanto ao: tempo de perfusão, idade dos pacientes e temperatura durante a perfusão. Isto sugere que, o grupo A, com pO2 mais alto, teve mais alterações na cascata da coagulação, pois está relacionado ao maior sangramento pelos drenos e, por conseqüência, mais transfusões de hemoderivados.

Face aos dados obtidos concluímos que esse método é no momento, sob este aspecto, mais adequado para a circulação extracorpórea.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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