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ORIGINAL ARTICLE

Heart transplant: the experience of the Heart Institute of Pernambuco with 35 cases

Fernando MORAES NETO0; Deuzeny TENÓRIO0; Claudio A. GOMES0; Euclides Tenório0; Sheila Hazin0; Marcos MAGALHÃES0; Carlos R Moraes0

DOI: 10.1590/S0102-76382001000200009

ABSTRACT

Material and Methods: From August/ 1991 to February/ 2000, 35 orthotopic heart transplants were performed at the Heart Institute of Pernambuco. There were 29 male and 6 female patients ranging in age from 15 to 69 years (mean: 46.9 yr.). Recipient diagnoses included ischemic cardiomyopathy in 18, idiopatic dilated cardiomyopathy in 13, mixomatous disease in 2, rheumatic valvar disease in 1 and Chagas` disease in 1. All were in the final stage of heart failure (functional class III or IV of the New York Heart Association) and the ejection fraction ranged from 16 to 27% (mean: 20.9 ± 2.9). Seventeen (48.5%) patients had had previous cardiac operations. The classical surgical technique described by Lower and Shumway, in 1960, was used in all cases. Mean graft ischemic time was 91 ± 21 minutes (ranged from 60 to 180 minutes). Results: There were 7 (20%) deaths in the early postoperative period. Non-fatal postoperative complications occurred in other 13 patients including 5 episodes of rejection. Mean follow-up period of the 28 survivors was 31.2 months (ranged from 1 to 68 mo.) There were 14 late deaths owing to rejection (4), infection (4), graft coronary artery disease (2), chronic renal failure (2) and sudden death (2). The actuarial survival estimated is 70% at 1 year and 30% at 5 years. Conclusion: It is concluded that cardiac transplantation program is feasible in our community but poorer results in comparison to international experience should be expected owing to social problems of the recipient population.

RESUMO

Casuística e Métodos: Entre agosto de 1991 e fevereiro de 2000, 35 transplantes cardíacos ortotópicos foram realizados no Instituto do Coração de Pernambuco. Vinte e nove pacientes eram do sexo masculino e 6 do feminino, variando a idade de 15 a 69 anos (média 46,9). O diagnóstico dos receptores foi miocardiopatia isquêmica em 18 pacientes, miocardiopatia dilatada idiopática em 13, doença mixomatosa em 2, doença valvar reumática em 1 e doença de Chagas em 1. Todos estavam em fase final da insuficiência cardíaca (classe funcional III ou IV da classificação da New York Heart Association), e a fração de ejeção variou de 16 a 27% (média: 20,9 ± 2,9). Em todos utilizou-se a clássica técnica cirúrgica descrita por Lower e Shumway, em 1960. O tempo médio de isquemia do enxerto foi de 91 ± 21 minutos (variou de 60 a 180 min.). Resultados: Ocorreram 7 (20%) óbitos no pós-operatório imediato. Treze outros pacientes apresentaram complicações não fatais, incluindo 5 episódios de rejeição. O tempo médio de seguimento dos 28 sobreviventes foi de 31,2 meses (variou de 1 a 68 meses). Houve 14 mortes tardias devido a rejeição (4), infecção (4), doença arterial coronária (2), insuficiência renal crônica (2) e morte súbita (2). A curva actuarial estima sobrevida de 70% com 1 ano e de 30% aos 5 anos. Conclusão: É possível manter um programa de transplante cardíaco em nossa comunidade, embora se deva esperar resultados piores do que os da experiência internacional devido às limitações sociais da população de receptores.
INTRODUÇÃO

O transplante de coração é atualmente um procedimento eficiente no tratamento de pacientes em insuficiência cardíaca terminal. Entretanto, problemas de ordem logística, especialmente a escassez de doadores, impedem que o número de transplantes atenda a demanda existente. Essa realidade é mais evidente em países em desenvolvimento, como o Brasil, onde um número relativamente pequeno de centros tem conseguido manter, em atividade, programas de transplante cardíaco (1). Em 1991, instituímos em Recife um programa de transplante de coração (2), sendo objetivo deste trabalho relatar os resultados dos primeiros 35 casos operados.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

No período compreendido entre agosto de 1991 e fevereiro de 2000, 35 pacientes foram submetidos a transplante cardíaco no Instituto do Coração do Real Hospital Português de Beneficência em Pernambuco. Vinte e nove (82,9%) eram do sexo masculino e 6 (17,1%) do feminino, variando a idade entre 15 e 69 anos (média = 46,9 anos; DP = 13,6).

Na Tabela 1 observam-se os principais dados pré-operatórios desse grupo de doentes. Dezoito eram portadores de miocardiopatia isquêmica, 13 tinham miocardiopatia dilatada idiopática, 2 apresentavam doença mixomatosa, 1 tinha valvopatia reumática e 1 exibia miocardiopatia chagásica. Trinta (85,7%) estavam em classe funcional IV, e 5 (14,3%) na classe III, de acordo com os critérios da New York Heart Association. A fração de ejeção (FE) variou de 16 a 27% (média = 20,9%; DP = 2,9), e a resistência vascular pulmonar oscilou entre 1,5 a 6 unidades Wood (média = 3,8; DP = 0,9). Dezessete (48,5%) pacientes haviam sido submetidos a 20 operações cardíacas prévias. Vinte e seis (74,2%) necessitaram de internações prévias para uso de inotrópicos ou estavam internados com suporte inotrópico à época do transplante. Três doentes (Casos 1, 5 e 27) exibiam situação clínica extremamente precária ao serem levados à sala de operações, um dos quais tinha falência múltipla de órgãos, estando há 20 dias em hemodiálise e com grande escara sacral.



Extensa avaliação clínica, laboratorial, psicológica e social foi realizada em todos os casos, e os critérios de seleção dos receptores foram os rotineiramente aceitos no presente (3).

Nos doadores, o diagnóstico clínico de morte cerebral foi confirmado por arteriografia e/ou eletroencefalografia. O coração foi retirado no mesmo hospital em 33 casos e transportado a distância em dois casos.

A avaliação imunológica pré-operatória consistiu na pesquisa de anticorpos pelo painel reativo linfocitário e pelo "cross-matching" (compatibilidade entre linfócitos do doador e soro do receptor).

A operação foi realizada através esternotomia mediana com circulação extracorpórea convencional e hipotermia sistêmica moderada 24 - 28º C. O tempo de perfusão variou de 112 a 285 minutos (média: 150 minutos; DP = 34). Em todos os casos, realizou-se a clássica técnica do transplante cardíaco ortotópico(4). Obteve-se a proteção miocárdica do coração do doador pela infusão de 1.000 ml de solução cardioplégica St. Thomas e imersão em solução salina a 4º C. O tempo de isquemia do enxerto variou de 60 a 180 minutos (média: 91 minutos; DP= 21).

A imunossupressão foi realizada pelo esquema tríplice composto de ciclosporina, azatioprina e corticóide na grande maioria dos pacientes. Nos últimos três casos, a azatioprina foi substituída pelo micofenolato de mofetil. Nos primeiros 10 doentes, a imunossupressão foi induzida pela globulina antilinfocitária. A ciclosporinemia foi periodicamente medida pelo método da radioimunoensaio. O diagnóstico definitivo de episódios de rejeição foi sempre estabelecido por estudo histológico de biópsias endomiocárdicas, seguindo os critérios classicamente estabelecidos (5).

Análise Estatística

Na análise dos resultados foram aplicados o teste de Mann-Whitney e o teste exato de Fisher. Em cada teste, adotou-se o nível de significância de 5%. Para a mediana do tempo de sobrevivência, o nível de confiança foi de 95%. A curva de sobrevida actuarial foi construída pelo método não-paramétrico de Kaplan-Meyer.

RESULTADOS

Mortalidade Hospitalar

Ocorreram 7 (20%) óbitos na fase de internação hospitalar (Tabela 4). Um paciente (caso 14) faleceu na sala de operações em decorrência de coagulopatia. Três doentes (casos 7, 10 e 18) morreram devido à lesão neurológica, sendo que, em um deles, essa complicação decorreu de falha mecânica do oxigenador. Uma paciente (caso 5) faleceu no 28º dia em conseqüência de miocardite por toxoplasma. Ela havia sido operada em falência múltipla de órgãos, com volumosa ascite e com grande escara sacral que exigiu enxerto de pele na mesma ocasião do transplante. No pós-operatório imediato, foi necessário reoperação para fechamento de fístula peritôneo-pericárdica através da qual o líquido ascítico encheu o saco pericárdico. Os outros óbitos decorreram de insuficiência renal aguda (caso 16) e parada cardíaca súbita (caso 30).

Não foi possível estabelecer correlação estatística entre esses óbitos e operações prévias, tempo de perfusão e tempo de isquemia do enxerto.

Complicações Pós-operatórias

Além dos pacientes que faleceram, 13 (37,1%) outros apresentaram complicações durante o período de internação hospitalar (Tabela 2). As complicações mais freqüentes foram rejeição (5 casos), candidíase oral (4 casos), insuficiência renal que exigiu hemodiálise (4 casos) e sangramento, necessitando exploração cirúrgica (3 casos). Outras complicações ocorridas, em um caso cada, incluíram: convulsão, bloqueio A-V total permanente, síndrome de baixo débito cardíaco que exigiu contrapulsação com balão intra-aórtico, lesão neurológica com déficit permanente, úlcera gástrica perfurada e escara sacral, estas últimas tratadas cirurgicamente.



Pós-operatório Tardio

A Tabela 3 agrupa os principais dados do pós-operatório tardio dos 28 pacientes que receberam alta hospitalar após o transplante cardíaco.



O tempo de evolução variou de 1 a 68 meses, com mediana igual a 31,2 meses (IC 95%: 13 a 49 meses).

Vinte e três (82,1%) dos 28 sobreviventes apresentaram algum tipo de complicação no decorrer desse período de observação. Doze pacientes apresentaram 24 episódios de rejeição aguda, que exigiu pulsoterapia, e 16 tiveram um total de 24 infecções. Outras complicações incluíram o desenvolvimento de hipertensão arterial sistêmica (7 casos), de insuficiência renal crônica (4 casos), de diabete melito (3 casos) e episódios de hemorragia digestiva por sangramento de úlcera gástrica ou de pólipos intestinais.

Ocorreram 14 óbitos tardios em decorrência de rejeição (4 casos), infecção (4 casos), doença arterial coronária (2 casos), insuficiência renal crônica (2 casos) e morte súbita (2 casos). Dos 4 pacientes que faleceram por rejeição, 3 haviam abandonado o tratamento, e 2 deles haviam retornado ao hábito do alcoolismo. Por outro lado, dos 4 doentes que faleceram por infecção, em 2 a causa foi dengue.

Curva Actuarial de Sobrevida

A curva actuarial de sobrevida (Gráfico 1), incluindo a mortalidade operatória, mostra sobrevivência do receptor no 1º, 2º, 3º, 4º e 5º anos, respectivamente de 70,3%, 66,9%, 46,5%, 36,2% e 30,1%



COMENTÁRIOS

No Brasil, onde a cirurgia cardíaca é muito desenvolvida, o número de centros que realizam rotineiramente transplantes cardíacos e o número anual de transplantes estão aquém do desejado(1). Vários fatores contribuem para essa situação, entre eles a escassez de doadores, dificuldades na organização do sistema público de saúde e problemas socioeconômicos. Em 1991, estabelecemos no Instituto do Coração do Real Hospital Português de Beneficência em Pernambuco um programa de transplante cardíaco. Desde então, mais de 200 doentes foram avaliados no ambulatório especializado, e 65 preencheram os critérios de indicação de transplante cardíaco. Entretanto, apenas 35 transplantes foram realizados nesse período. Os outros ou faleceram antes do procedimento ou continuam em lista de espera, o que demonstra a dificuldade desse tipo de tratamento em nosso meio.

A distribuição por sexo e idade de nossos pacientes corresponde à experiência de outros centros(6) : 82,9% eram homens e a média de idade foi de 46,9 anos, sendo que 16 (45,7%) tinham mais de 50 anos. Com relação às doenças que levaram à indicação do transplante, nossos dados também correspondem à experiência internacional, observando-se predomínio das miocardiopatias isquêmica e dilatada idiopática (6).

Com relação ao ato cirúrgico, utilizamos em todos os casos a técnica clássica de transplante ortotópico de LOWER & SHUMWAY (4) que, em nossa pequena experiência, mostrou-se simples e efetiva. Atualmente, na experiência internacional, cerca de 80% dos transplantes são realizados com captação à distância (6). Entretanto, tal como vem ocorrendo em outros centros de nosso país(1,7), a maioria (94,2%) dos nossos transplantes foi realizada com a coleta do órgão em sala contígua. Essa prática oferece maior conforto e segurança às equipes, pois diminui o tempo de isquemia do enxerto que, em nossa série, foi em média de 91 ± 21 minutos.

A mortalidade imediata em nossa série foi elevada, mas é comparável à relatada em outras séries brasileiras (1,7). Dois fatores, em nossa opinião, podem explicar esse fato: a natural curva de aprendizado que todos os Serviços experimentam e a precária situação clínica pré-operatória da maioria dos doentes. Seis dos 7 óbitos imediatos ocorreram entre os primeiros 18 casos operados, enquanto, nos últimos 17 transplantes, houve apenas uma morte. Por outro lado, a grande maioria dos doentes estava em fase final de insuficiência cardíaca, necessitando inotrópicos (3 se encontravam moribundos ao serem levados à sala de operações). Outro dado importante é que 17 (48,5% dos casos) já haviam sido submetidos a pelo menos uma operação cardíaca previamente.

A causa de óbito imediato mais freqüente (3 casos) foi lesão neurológica, complicação que tende a diminuir com o aumento da experiência (7). Um paciente, já operado anteriormente, e cujo descolamento do coração foi tecnicamente difícil, faleceu na sala de operações devido à coagulopatia. Os outros óbitos decorreram de miocardite por toxoplasma, insuficiência renal aguda e parada cardíaca súbita, causas freqüentemente registradas na literatura (6,7).

No período de internação hospitalar, 13 pacientes apresentaram complicações não fatais dentro do contexto esperado e relatado na literatura, após transplante cardíaco (7,8). Deve ser ressaltado que, excetuando 4 pacientes que exibiram candidíase oral, não ocorreram complicações infecciosas no pós-operatório imediato. Episódios de rejeição foram diagnosticados em 5 casos.

Na evolução tardia de nossos doentes, encontra-se provavelmente a grande diferença entre a nossa experiência com o transplante cardíaco e a experiência internacional e a de outros centros brasileiros (6,7). Vinte e três (82,1%) dos 28 sobreviventes apresentaram complicações ao longo de um período de observação que variou de 1 a 68 meses, com mediana igual a 31,2 meses, predominando 24 episódios de rejeição aguda, ocorridos em 12 doentes e 24 infecções, apresentadas por 16 pacientes. Ocorre que muitas dessas complicações, já freqüentes após transplante, e que contribuíram para a elevada mortalidade tardia, foram seguramente provocadas por falta de aderência do paciente ao tratamento e aos cuidados pós-transplante. Três pacientes abandonaram o tratamento imunossupressor, e 2 retornaram ao hábito do alcoolismo. Ademais, 2 outros doentes contraíram dengue, infecção endêmica e muito freqüente em nosso meio. Apesar de benigna, na maioria dos casos, a dengue tem-se mostrado fatal quando atinge pessoas imunodeprimidas.

A mortalidade tardia ocorreu em 14 casos, e além de rejeição (4 casos) e de infecção (4 casos), outras causas de óbito incluíram doença arterial coronária (2 casos), insuficiência renal crônica (2 casos) e morte súbita (2 casos). Quando construída a curva actuarial de sobrevivência, verificamos que a perspectiva de sobrevida de um ano (70%) e de 5 anos (30%) difere substancialmente da experiência internacional e da brasileira (1,6,7) em decorrência das limitações sociais da maioria da nossa população de receptores.

Baseados na experiência descrita no presente trabalho, é lícito concluir ser possível a manutenção de um programa de transplante cardíaco em nosso meio, devendo-se, contudo, aguardar resultados menos favoráveis do que os obtidos em regiões economicamente mais desenvolvidas em face das limitações sociais da população de receptores.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Article receive on Tuesday, August 1, 2000

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