The scimitar syndrome, anomalous drainage of pulmonary veins from the right lung to the inferior vena cava, is not a common pathology. Most surgeons when faced with such a case have doubts about which surgical technique is best for its treatment. This paper shows some of the controversies in the surgical repair of this syndrome based upon one case successfully treated by us.
A síndrome da cimitarra, retorno anômalo parcial da drenagem venosa pulmonar para veia cava inferior (VCI), é lesão rara, razão pela qual a maioria dos cirurgiões não tem grande experiência com a técnica de correção. Relatamos o caso de paciente do sexo feminino, com 29 anos de idade, com o diagnóstico de síndrome da cimitarra comprovado pelo cateterismo cardíaco, que revelava calibrosa veia anômala do pulmão direito em direção à VCI e desembocando na junção entre esta e o átrio direito. Para o tratamento cirúrgico optamos, inicialmente, pela técnica de Kirklin, porém os achados operatórios nos obrigaram a mudar de técnica, levando-nos a dividir a veia anômala e reimplantá-la na parede do átrio direito, conforme descrito por Cooley. São técnicas diferentes com tempos distintos, prolongando, portanto, o tempo de operação. Um dos objetivos deste trabalho é contribuir para o processo de decisão dos cirurgiões, já que a comparação entre as técnicas não é encontrada na literatura.
INTRODUÇÃO
A síndrome da cimitarra, retorno anômalo parcial da drenagem venosa pulmonar para veia cava inferior (VCI), é lesão rara, razão pela qual a maioria dos cirurgiões não tem grande experiência com a técnica de correção. Dentre as anomalias ocasionalmente associadas, podemos citar: hipoplasia do pulmão direito, anatomia brônquica anormal, dextrocardia e suprimento arterial sistêmico para o lobo inferior do pulmão direito (1). O tratamento cirúrgico da síndrome foi descrito, pela primeira vez, por KIRKLIN et al. (2), em 1956.
Recentemente, operamos uma paciente de 29 anos de idade. Ao decidir a conduta cirúrgica, houve dúvida, e o processo de decisão prolongou a operação. Este trabalho objetiva relatar o caso e discutir as técnicas cirúrgicas propostas para o tratamento desta lesão, a fim de que os cirurgiões não enfrentem dificuldades na decisão, com prolongamento do ato cirúrgico.
RELATO DO CASO
S. L. O., sexo feminino, 29 anos, com diagnóstico de síndrome de cimitarra e dextrocardia. Tinha diagnóstico de cardiopatia desde os 2 anos de idade. Em janeiro de 1987, com 20 anos, foi submetida a cateterismo cardíaco, que revelou:
¨ Síndrome da cimitarra com mal posicionamento ventricular direito e pressão de artéria pulmonar normal.
¨ Angiografia normal, exceto a injeção de contraste na artéria pulmonar direita, que mostrava uma sub-ramificação menor que a artéria pulmonar esquerda.
¨ Contraste coletado em uma calibrosa veia anômala com direção para a VCI, desembocando na junção entre esta e o átrio direito (Dr. Moacyr Godoy).
Apresentava cansaço fácil e amenorréia, dedos hipocráticos e regular desenvolvimento físico. Pesava 49 quilos, altura de 1,52 m e superfície corporal de 1,41 m2. A radiografia de tórax demonstrou dextrocardia com situs solitus (Figura 1). O ecocardiograma revelou: veia pulmonar direita anômala drenando na confluência entre a VCI e o átrio direito (Figura 2).
Fig. 1 - Radiografia de tórax revelando dextrocardia.
Fig. 2 - Ecocardiograma pré-operatório mostrando veia pulmonar direita anômala drenando na confluência entre veia cava inferior (VCI) e átrio direito (AD).
Em 29/10/96 foi operada com auxílio da circulação extracorpórea (CEC), sendo a drenagem da veia cava inferior realizada pela veia ilíaca direita. O tempo de circulação extracorpórea e de pinçamento aórtico foi de 106 min e 70 min, respectivamente. A temperatura corporal mínima foi de 25°C.
A paciente saiu bem de CEC, sem necessidade de drogas inotrópicas, sendo extubada na manhã seguinte. Apresentou derrame pleural à direita, que foi drenado no terceiro dia de pós-operatório.
Foi realizado ecocardiograma no dia 14/11/96 (décimo-quinto dia de pós-operatório), que revelou excelente drenagem da veia pulmonar direita no átrio esquerdo, via túnel atrial (Figura 3).
Fig. 3 - Ecocardiograma pós-operatório que evidencia drenagem da veia pulmonar direita anômala no átrio esquerdo via túnel atrial.
COMENTÁRIOS
A síndrome de cimitarra representa cerca de 3% dos casos de drenagem anômala das veias pulmonares (3).
DUPUIS et al. (4, 5) demonstraram diferenças clínicas, fisiopatológicas e de resposta ao tratamento cirúrgico em dois grupos de doentes: pacientes cujo diagnóstico era feito antes de 1 ano de idade ou mais de 1 ano. Dividiram, assim, a síndrome em forma infantil e adulta. Os pacientes do grupo infantil apresentavam hipertensão pulmonar grave e pior prognóstico que os pacientes da forma adulta. Na classificação destes autores, a paciente operada por nosso grupo pertencia ao grupo adulto.
O manejo cirúrgico da doença da cimitarra merece ser discutido, já que poucos cirurgiões possuem experiência com este tipo de lesão, acrescido do fato de que, em um estudo comparativo de 37 casos, DUPUIS et al. (6) encontraram resultados desfavoráveis do tratamento cirúrgico a longo prazo.
Assim é que KIRKLIN et al. (2) relataram 6 pacientes operados com sucesso, aconselhando a técnica de criar uma CIA e redirecionar o sangue arterial pulmonar do orifício da VCI para o átrio esquerdo através de um retalho de pericárdio.
É técnica semelhante à por nós utilizada para a CIA do tipo seio venoso com drenagem anômala das veias pulmonares na veia cava superior.
No Texas Heart Institute, DUNCAN & COOLEY (7) e OGLIETTI et al. (8) operaram 11 pacientes, entre 1958-1975. Chamam a atenção para a dextroversão que aconteceu entre 8 dos 11 casos, e propõem técnica diferente: ligadura da veia pulmonar anômala próximo à junção da VCI, anastomose dessa veia na parede do átrio direito, criação de uma CIA na fossa oval e um túnel entre o novo orifício na parede do átrio direito para o átrio esquerdo através da CIA (Figura 4). Ressaltam que, devido à posição muito posterior do átrio esquerdo, é impossível a anastomose direta da veia pulmonar anômala e o átrio esquerdo, como seria desejável.
Fig. 4 - Esquema técnico da cirurgia proposta por Cooley para o tratamento da síndrome da cimitarra.
O cirurgião, no seu primeiro caso, terá que decidir com base na experiência publicada, bastante reduzida.
Optamos, inicialmente, pela técnica de Kirklin, com uma modificação: drenagem da VCI por cânula na veia ilíaca direita para evitar hipotermia profunda e retirada da cânula, como descrito pelo mesmo autor. Após abertura do átrio direito em direção à VCI, no início da feitura do túnel do pericárdio, percebemos que duas veias supra-hepáticas iriam ficar estenosadas e, assim, necessitar de outro retalho externo, para evitar o angustiamento da VCI. Decidimos, então, dividir a entrada da veia anômala na VCI após dissecá-la em direção ao pulmão e reimplantá-la na parede do átrio direito, conforme a técnica descrita por Cooley. O longo tempo de CEC e pinçamento aórtico esteve dentro dos limites publicados por NAJM et al. (1). Isto deveu-se, principalmente, à troca de um procedimento por outro, que, embora visassem à mesma correção fisiológica (criação de uma CIA e de um túnel para desviar o sangue arterializado para o átrio esquerdo), são tecnicamente diferentes, com tempos distintos.
Um dos objetivos desta comunicação é contribuir para facilitar o processo de decisão dos cirurgiões, já que a comparação entre as técnicas não é encontrada na literatura especializada.
Por outro lado, a dextrocardia (com situs solitus) também dificulta a operação. A nossa experiência com o fechamento da CIA e dextrocardia ou dextroversão, em 4 casos anteriores, facilitou a abordagem cirúrgica inicial. Tínhamos operado 1 paciente com dextrocardia (imagem em espelho) e CIA do tipo ostium primum e 2 pacientes somente com dextroversão (situs solitus) e CIA do tipo ostium secundum sem mortalidade (dados não publicados).
Enfim, quando o cirurgião opta pelo tratamento cirúrgico desta lesão, é imprescindível conhecer os trabalhos que descrevem as principais técnicas cirúrgicas para abordar a síndrome de cimitarra (DUNCAN & COOLEY (7), OGLIETTI et al. (8), KIRKLIN et al. (2), ZUBIATE & KAY (9), TORRES & DIETL (10).
No caso, embora o ecocardiograma tenha demonstrado que a veia pulmonar anômala na VCI se encontrava em posição supra-diafragmática, nos deparamos com dificuldades técnicas em virtude do achado operatório, tendo que optar por uma abordagem diferente da inicialmente proposta.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1 Najm H K, Willians W G, Coles J G - Scimitar syndrome: twenty years experience and results of repair. J Thorac Cardiovasc Surg 1996; 112: 1161-9.
2 Kirklin J W, Ellis Jr. F H, Wood W H - Treatment of anomalous pulmonary venous conection in association with interatrial comunications. Surgery 1956; 39: 389-98.
3 Snellen H A, Van Ingen H C, Hoesmit C H M - Patterns of anomalous pulmonary venous drainage. Circulation 1968; 38: 45-63.
4 Dupuis C, Charaf L A C, Breviere G M, Abou P, Remy-Jardin M, Helmius G - The "adult" form of the scimitar syndrome. Am J Cardiol 1992; 70: 502-7.
5 Dupuis C, Charaf L A C, Breviere G, Abou P - "Infantile" form of the scimitar syndrome with pulmonary hypertension. Am J Cardiol 1993; 71: 1326-30.
6 Dupuis C, Charaf L A C, Abou P, Breviere G M - Le traitment chirurgical du syndrome du cimitarre chez l'enfant, I'adolescent et l'adulte. Arch Mal Couer 1993; 86: 541-7.
7 Duncan J M & Cooley D A - Dextrocardia and associated cardiac defects. In: Arciniegas E, ed. Pediatric cardiac surgery. Chicago: Year Book Med. Publ. 1985; 433.
8 Oglietti J, Frazier H O, Reul Jr. G J, Cooley D A - Correction of anomalous venous return from the right lung to the inferior vena cava (scimitar deformity). Tex Heart Inst Bull 1976; 32: 210-9.
9 Zubiate P & Kay J H - Surgical correction of anomalous pulmonary venous connection. Ann Surg 1962; 156: 234-50.
10 Torres A R & Dietl C A - Surgical management of the scimitar syndrome: an age - dependent spectrum. Cardiovasc Surg 1993; 1: 432-8.