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ARTIGO ORIGINAL

Bandagem reversível do tronco pulmonar: modelo experimental para preparo rápido do ventrículo pulmonar

Renato S Assad0; Marcelo CARDARELLI0; Maria Cristina Donadio ABDUCH0; Vera Demarchi AIELLO0; Marina MAIZATO; Adib D Jatene0

DOI: 10.1590/S0102-76381998000300010

INTRODUÇÃO

A operação de Jatene é o tratamento de escolha para a transposição dos grandes vasos (TGA) com septo interventricular intacto, durante o período neonatal. Nessa fase, o ventrículo esquerdo (VE) ainda se encontra preparado para suportar a resistência vascular sistêmica, devido à fisiologia circulatória intra-uterina.

Entretanto, existem alguns pacientes que perdem a oportunidade de obter o tratamento adequado duante essa fase, por diversos motivos. Podemos ter neonatos gravemente enfermos ou nascidos em locais distantes dos centros de referência ou aqueles que apresentam associação com comunicação interventricular (CIV restritiva, culminando em VE despreparado para o tratamento cirúrgico definitivo.

Aproximadamente 75% dos pacientes com TGA apresentam o septo interventricular intacto ou com CIV restritiva (1). Quando esses pacientes se apresentam após o período neonatal, o treinamento do ventrículo pulmonar (VE) deve ser realizado, com o objetivo de prepará-lo para suportar a circulação sistêmica, na operação de Jatene.

A bandagem do tronco pulmonar (TP) para estimular o desenvolvimento da massa muscular do ventrículo esquerdo, seguida pela operação de Jatene meses depois, foi introduzida por Yacoub et al. (2), em 1977.

O conceito de preparo rápido do VE, imediatamente seguido pela operação de Jatene, foi introduzido em 1988 por Jonas et al., (3) limitando o intervalo entre a primeira e a segunda cirurgia para uma média de 7 dias. Além dos avanços em técnicas de ecocardiograma para avaliação mais precisa da massa e volume do VE (4), inúmeras publicações têm demonstrado a incrível indução rápida (dentro de 48 horas) dos genes responsáveis pela isoenzima de adaptação da actina, miosina e tropomiosina miocárdicas em resposta a uma sobrecarga pressórica aguda (5-9).

Entretanto, a bandagem do TP pode causar alguns problemas, tais como:

¨ Grau inadequado da bandagem;

¨ Procedimentos paliativos adicionais (operação de Blalock-Taussig) são necessários para aumentar o fluxo sangüíneo pulmonar;

¨ Distorção anatômica do TP e/ou artérias pulmonares;

¨ Lesão da valva pulmonar;

¨ Migração da bandagem.

O princípio de se utilizar um cateter-balão para impor um obstáculo à via de saída do VD foi relatado pela primeira vez por Tatooles & Kittle (10), em 1968. Esses autores utilizaram experimentalmente o cateter biliar de Fogarty em cães, sugerindo que o procedimento poderia ser útil em pacientes com descompensação cardíaca grave, secundária ao shunt da esquerda para a direita. Eles propõem aquele cateter como tratamento paliativo, por um breve período de tempo, na preparação para a correção definitiva. Simultâneamente, estudos experimentais de Simpson et al. (11) utilizaram cateter-balão de silastic para ocluir parcialmente a luz do TP de cães, por um período de 1 a 4 meses. Houve problemas de migração do cateter devido à sua grande flexibilidade.

Posteriormente, o cateter-balão foi aplicado clinicamente pela primeira vez por Rashkind et al. (12) em 1969, como adjunto no diagnóstico de hipertensão pulmonar, em crianças com cardiopatias congênitas associadas ao hiperfluxo pulmonar.

Em 1975, Barbero-Marcial et al. (13) aplicaram, em nosso meio, o cateter-balão em paciente portador de CIV e insuficiência cardíaca grave, resultando em melhora do edema pulmonar e insuficiência respiratória.

No ano seguinte, também em nosso meio, Gomes et al (14) empregaram o cateter de Rashkind em cães, para estudo agudo da oclusão parcial do TP. Esses autores sugeriram que a utilização do cateter de Swan-Ganz modificado poderia oferecer maiores recursos.

Nossos estudos para aplicação desta idéia no preparo rápido do ventrículo pulmonar iniciaram-se nos laboratórios de pesquisa do Children's Hospital de Boston, em 1991, e foram seguidos, em 1992, por estudos experimentais de Bonhoeffer et al. (15) e Krzeski et al (16). Nesse mesmo ano, foi publicada a primeira aplicação clínica desta idéia para a operação de Jatene, com sucesso (17). Esse caso enfatiza a possibilidade desta manobra.

Em 1993, KatayAma et al. (18) apresentaram estudo de hipertrofia do VD de ovelhas após 4 dias de sobrecarga sistólica intermitente, induzida pelo cateter-balão de atrioseptostomia.

Em 1997, Bonnet et al (19) desenvolveram cateter-balão semelhante ao proposto neste estudo. Foram estudados 6 cordeiros durante um período de 5 dias de treinamento do VD, não resultando em hipertrofia significante do VD. Entretanto, esses autores sugerem esta técnica como método de avaliação da reserva de pós carga do ventrículo pulmonar antes da realização da bandagem cirúrgica do TP.

Um novo cateter para induzir a hipertrofia rápida do ventrículo pulmonar foi desenvolvido na Divisão de Bioengenharia do Instituto do Coração HCFMUSP. Sua principal aplicação seria o tratamento de pacientes portadores de TGA, que se apresentam com o VE despreparado para a operação de Jatene. O objetivo deste estudo foi de avaliar as alterações morfológicas e ecocardiográficas do VD de cabritos jovens submetidos à sobrecarga sistólica gradual e progressiva imposta pelo cateter.

MATERIAL E MÉTODOS

Anestesia

Seis cabritos jovens com idade entre 30 e 60 dias e peso médio de 5,3 kg (min. 4,0 kg e máx. 6,8 kg) foram estudados. Os animais permaneceram 24 horas em jejum antes da operação. A indução anestésica foi feita com Quetamina (20 mg/kg). Em seguida, uma linha de infusão venosa foi obtida através de punção da veia jugular. O animal foi, então, sedado com Nembutal (5 a 10 mg/kg, endovenoso) e intubado. O ventilador (Harvard 708, South Natick, MA, E.U.A.) foi mantido com fração inspirada de oxigênio de 100% e volume tidal de 15 ml/kg. O animal foi posicionado em decúbito lateral direito e preparado para procedimento estéril. A artéria femoral foi puncionada para monitorização da pressão arterial (ACQknowledge 3.01, Biopac Systems, Inc., Goleta, CA, E.U.A.) e de gases sangüíneos (Nova Biomedical - SP Ultra C, Waltham, MA, E.U.A.). O ECG foi monitorizado através do mesmo sistema de software da pressão arterial. Todos os animais receberam tratamento antibiótico, iniciado imediatamente antes da operação e mantido até o sacrifício. O esquema antibiótico consistiu de cefazolina (500 mg) e gentamicina (10 mg) por via intra-muscular, a cada 12 horas.

Novo Cateter-Balão

O novo cateter foi desenvolvido a partir de algumas modificações do cateter de Swan-Ganz, feitas pela Divisão de Bioengenharia do Instituto do Coração HUCFMUSP. 1) o termômetro do cateter foi removido e sua via foi anulada; 2) o comprimento do cateter foi reduzido, de modo que o orifício distal ficou posicionado a 30 mm do orifício proximal original; 3) o balão original de látex foi substituído por outro expecialmente manufaturado com copolímeros do poliéster poliuretano segmentado, diluído em N, N dimetilacetamida. Este copolímero é um elastômero que apresenta alta resistência à rotura, além de ser um dos materiais mais hemocompatíveis. Algumas propriedades deste copolímero estão listadas na Tabela 1. A espessura desejada do balão foi obtida através do processo de "dipping", pelo qual se obteve a espessura desejada com o depósito de quatro camadas sucessivas do copolímero de poliuretano. A técnica de deposicão e secagem do copolímero de poliuretano foi realizada em câmara de fluxo laminar classe 100, com sistema de exaustão de gases.



Um protótipo do molde do balão foi confeccionado em aço inoxidável, conforme o esquema indicado na Figura 1. O balão foi fixado entre os dois orifícios de medida de pressão com fio de polipropileno 6-0 e adesivo de PVC grau alimentício. O cateter ficou, então, constituído de três vias, uma para o balão e duas para as medidas de pressões (Figura 2). A via proximal mede pressões ao nível do VD e a distal, ao nível do TP. Para avaliar a resistência e estanqueidade do balão, foi realizado um ensaio com cada cateter. O balão foi insuflado com ar até atingir um diâmetro externo de 20 mm e inserido em meio aquoso, sob pressão de 120 mmHg, durante 15 dias. Após esse período, caso não houvesse vazamento do balão, o cateter era liberado e preparado para uso estéril em animais.


Fig. 1 - Protótipo do molde de balão feito em aço inoxidável polido.


Fig. 2 - Cateter-balão desenvolvido pela Bioengenharia do Incor-HCFMUSP (adaptação do cateter de Swan-Gans), com três vias: uma para insuflar o balão e duas outras para medidas de pressões do ventrículo direito (VD) e tronco pulmonar (TP).

Procedimento

Foi realizada toracotomia lateral esquerda ao nível do 4º espaço intercostal. O pulmão foi afastado e o saco pericárdico foi amplamente aberto para exposição da VSVD. Uma sutura em bolsa com polipropilene 6-0 foi feita na VSVD para inserção do cateter-balão. Antes da inserção do cateter, o animal recebeu heparina na dose de 500 U/kg por via intra-venosa. O anticoagulante foi mantido até o sacrifício na dose de 2500U a cada 12 horas, por via subcutânea. O cateter foi, então, inserido na VSVD em direção ao tronco pulmonar, de modo que o balão ficasse posicionado acima do plano da valva pulmonar. As pressões de VD e TP foram medidas para certificar a posição ideal do balão. O cateter foi fixado com o fio de polipropileno da sutura em bolsa e exteriorizado através da parede do tórax. Após a drenagem do tórax, as costelas foram aproximadas e os tecidos moles fechados por planos. Cerca de seis horas de pós-operatório imediato, o dreno de tórax era removido, após a contatação de drenagem miníma, ausência de fístula bronco-pleural e boa expansibilidade pulmonar.

Estudos Ecocardiográficos

Todos os animais foram submetidos ao ecocardiograma (Ultramark 4, Advanced Technology Laboratories, Bothell, WA, E.U.A.) no pré-operatório para confirmação da menor espessura do VD em relação ao ventrículo esquerdo. Foram utilizados transdutores de 2,5 e 5 mHz, apropriados para o tamanho do animal. Os exames foram feitos em modo M e bidimensional através da via paraesternal. Após o implante do cateter-balão, a posição do balão era confirmada pelo ecocardiograma antes de se iniciar o protocolo. A avaliação pós-operatória da hipertrofia da massa muscular do VD, induzida pelo cateter-balão, foi realizada com intervalos de 1 a 2 dias em todos os cabritos.

Protocolo

Todos os cabritos receberam digitalicos (0,5 mg/kg/dia, via intramuscular). O treinamento do VD foi iniciado após recuperação plena da operação (1 a 5 dias de convalescença), através da injeção de 0,5 ml de água destilada no balão. Posteriormente, volumes adicionais (0,5 ml) eram injetados no balão a cada 2 dias, causando sobrecarga sistólica gradual e progressiva ao VD. Caso o animal apresentasse alteração do rítmo cardíaco, hipotensão, desconforto respiratório e/ou agitação após insuflação do balão, o volume era imediatamente aliviado para valores prévios, compatíveis com a manutenção da condição hemodinâmica, ou seja, de acordo com a tolerância do VD. O treinamento do VD foi mantido por um período de 9 a vinte dias. Após esse período, os animais foram sacrificados para análise morfológica do coração.

Estudos Morfológicos

Foram colhidas amostras do subepicárdio da parede anterior da VSVD durante a condição basal (antes do preparo do VD) para análise em microscópio óptico e eletrônico de transmissão. As amostras do miocárdio do VD treinado, para microscopia eletrônica de transmissão, foram colhidas antes do sacrifício dos animais, realizado entre 1 e 3 semanas após o início do treinamento do VD. Após a remoção do coração treinado, a posição do cateter era confirmada no TP. Em seguida, os corações eram fixados em formalina tamponada a 10%, por um período de 24 horas. Foi realizado um corte transversal da massa ventricular, um centímetro abaixo da junção atrioventricular. Foram, então, obtidas secções do septo interventricular e ventrículos direito e esquerdo (paredes anterior e posterior). Após processamento histológico de rotina, secções com espessura de 5µ foram coradas com hematoxilina e eosina. O diâmetro externo dos miócitos seccionados longitudinalmente e o respectivo núcleo foram medidos ao nível do núcleo, usando um sistema de análise de imagem (Quantimet-Leica, Leica Cambridge Ltd., Cambridge, Reino Unido), com aumento de 400x (Figura 3).


Fig. 3 - Foto de miócito cardíaco seccionado longitudinalmente, indicando a medida do diâmetro externo e seu respectivo núcleo (setas).

As amostras do miocárdio para microscopia eletrônica de transmissão foram fixadas em glutaraldeído a 3% e, após processamento de rotina, secções com 1µ de espessura foram examinadas através do microscópio eletrônico (Philips EM 301, Eindhoven, Holanda).

Em cada experimento, foram tiradas 12 fotografias (aumento de 1600x) aleatoriamente de cada condição, ou seja, das amostras basais e dos corações treinados. Através de um sistema-teste contendo 340 pontos espaçados regularmente, foi determinado em cada foto o número de pontos sobre as mitocôndrias, relativo ao número de pontos sobre o miócito inteiro. Esta relação determina a densidade de volume das mitocôndrias. O erro relativo associado à estimativa da densidade do volume por morfometria foi menor que 5% para as amostras do pré e pós treinamento do VD.

Análise Estatística

Os valores estão expressos como médias ± desvio padrão. Utilizou-se o teste T de Student para comparar os dados das amostras basais com aqueles após o treinamento do VD. Os diâmetros dos miócitos e dos núcleos do VD, septo e VE foram comparados entre si através de análise de variância. A significância estatística foi estabelecida ao nível de 5%.

RESULTADOS

Os animais permaneceram estáveis do ponto de vista hemodinâmico e respiratório, com gasometria arterial pré e pós procedimento dentro dos limites fisiológicos.

O gradiente sistólico atingido durante o protocolo variou de 25 mmHg a 133 mmHg, com média de 62 mmHg ± 41 mmHg. Nenhum animal apresentou migração ou rotura do balão. No cabrito de número 506, a ponta do cateter-balão se encontrava impactada na parede da bifurcação do TP, o que dificultou a leitura da pressão distal ao balão. Este animal apresentou evolução febril no pós-operatório, apesar da antibioticoterapia de amplo espectro.

Achados Morfológicos

Macroscopia: Dois cabritos (409 e 1206) apresentaram derrame pleural importante. A superfície da íntima do tronco pulmonar apresentou discreta alteração, sendo que no cabrito de número 506, foram observadas também vegetações compatíveis com trombo organizado. Não foi encontrado espessamento, nem lesão das valvas pulmonar e/ou tricúspide. Quanto ao cateter, foram observadas pequenas vegetações junto aos orifícios em 3 dos 6 animais (409, 506 e 1206. No cabrito de número 409, as vegetações estendiam-se para as artérias pulmonares, onde foram encontrados cocos Gram-positivos.

Microscopia óptica: A Tabela 2 mostra os resultados dos diâmetros das fibras cardíacas, medidos antes e depois do preparo do VD. Foi observado aumento significativo do diâmetro do miócito do VD preparado, o qual variou de 6,69µ ± 1,00µ nas amostras basais, para 7,98µ ± 1,94µ após o treinamento (p<0,001), conforme ilustrado na Figura 4. Quando comparamos as fibras do VD com as do VE do coração preparado, observamos que o diâmetro dos miócitos do ventrículo estimulado (VD) (7,98µ ± 1,94µ) suplantou o diâmetro dos miócitos da parede posterior do VE (7,58µ ± 1,25µ; p=0,003). Não houve diferença estatisticamente significante entre o diâmetro dos miócitos do VD treinado (7,98µ ± 1,94µ) com o diâmetro das fibras septais (7,80µ ± 1,41µ; p=0,155).




Fig. 4 - Diâmetros dos miócitos cardíacos, medidos pela microscopia óptica (µ).

Quanto ao núcleo, a Tabela 3 mostra que houve também aumento significativo de seu diâmetro nas amostras do VD treinado, de 3,83µ ± 0,69µ para 4,08µ ± 0,85µ (p<0,003). Estes dados estão dispostos graficamente na Figura 5. O diâmetro atingido pelo núcleo do VD treinado não diferiu estatisticamente daquele dos núcleos septais e do VE (p=0,884). Não houve edema nem fibrose miocárdica significativos.




Fig. 5 - Diâmetros dos núcleos dos miócitos cardiacos, medidos pela microscopia óptica (µ).

Microscopia eletrônica: A densidade de volume das mitocôndrias estão indicadas na Tabela 4. Quando agrupamos todas as amostras basais contra aquelas do VD treinado, não notamos diferença estatisticamente significante (p=0,385). Entretanto, ao relacionarmos estes dados com o tempo de preparo do coração, observamos que o coração do cabrito de número 2205, submetido ao maior tempo de treinamento (20 dias), foi o único que apresentou aumento significativo do volume de densidade das mitocôndrias, de 0,17 ± 0,03 para 0,28 ± 0,05 (p<0,001) (Figura 6).






Fig. 6 - Fotografias do miocárdio (animal 2205) com maior tempo de treinamento (20 dias), apresentando aumento significativo do volume de densidade das mitocôndrias (aumento de 1600x) (Foto 6-A: pré-treinamento; Foto 6-B: pós treinamento, mitocôndrias estão indicadas pelas setas).

Todos os demais, que permaneceram com o balão insuflado por período de tempo menor (8 a 13 dias), exibiram uma queda desses valores, significativa em 2 animais (# 409 e 2711). Não foi detectado sinal de degeneração mitocondrial, fibrose intersticial ou edema importante.

Achados ecocardiográficos: A Tabela 5 mostra os dados ecocardiográficos durante o preparo rápido do VD. Observamos que um curto período de 6 a 10 dias foi necessário para que a espessura da parece livre do VD ficasse equalizada com a parede livre do VE e septo. É notório que a espessura da parede livre do VD do animal de número 2711, que era de 3 mm antes do preparo rápido, tenha superado a do VE (4 mm), passando para 6 mm, apenas após 6 dias de treinamento do VD! A contratilidade do VE manteve-se preservada durante todo o protocolo. Dois animais (# 409 e 1206) apresentaram derrame pleural importante e apenas 1 (2711) apresentou derrame pericárdico discreto durante o preparo do VD.



COMENTÁRIOS

O cateter apresentado neste estudo proporciona uma nova opção não cirúrgica para o primeiro estágio do preparo rápido do VE, em pacientes com TGA e septo interventricular íntegro. Ele foi desenhado para manipular a pós carga do ventrículo pulmonar, pela variação da luz do tronco pulmonar através da insuflação do balão. Assim, um estresse sistólico progressivo, porém reversível, pode ser aplicado no ventrículo pulmonar, limitando a gravidade da estenose imposta agudamente, durante a bandagem convencional. O clínico pode determinar as pressões rapidamente, proximal e distal ao balão, o que permitiria uma avaliação mais precisa da condição hemodinâmica do paciente.

De acordo com a experiência do Children's Hospital de Boston, a operação de Jatene após o preparo rápido do VE estava associada a um grau importante de lesão miocárdica. A disfunção tardia observada foi inversamente proporcional a uma hipertrofia mais rápida e a uma disfunção mais grave após a bandagem do TP, ou seja, uma sobrecarga aguda extrema parece prejudicar o resultado tardio da operação (20).

TAQUINI et al. (21) e vlahakes et al. (22) demonstraram que o aumento súbito na pós carga do VD resulta na incapacidade de gerar uma pressão sistólica maior que 60 mm Hg, sem um aumento correspondente na sua massa muscular. Nossos dados demonstraram que um aumento gradual da pós carga do VD permitiu não apenas a sua tolerância progressiva à estenose do TP produzida pelo cateter-balão, como também sua capacidade de gerar pressões até mesmo superiores à do VE após o período de treinamento.

LANGE et al. (23) demonstraram que a pressão diastólica final do ventrículo direito aumentava menos com uma sobrecarga pressórica gradualmente progressiva, sem prejuízo da função ventricular. Nos animais aqui estudados, não foi observada disfunção do VE durante o período de preparo do VD.

ILBAWI et al. (24) relataram que a combinação de sobrecarga pressórica e volumétrica seria o melhor método de se gerar a hipertrofia ventricular. Entretanto, a sobrecarga pressórica é considerada o fator mais importante no aumento da massa ventricular (25).

O índice de mortalidade entre 30% e 40% para experimentos de bandagem da aorta de animais representa conseqüência imediata da tolerância limitada frente a uma obstrução aguda da via de saída (26). O nosso modelo experimental permite que a sobrecarga sistólica se desenvolva gradualmente e de acordo com a tolerância do VD. Deste modo, a rapidez e a gravidade da imposição da sobrecarga sistólica ao ventrículo pulmonar é mais suave, o que gera um estresse menos agudo ao miocárdio. Isto pode favorecer a obtenção da pressão desejada num período curto de tempo (6 a 10 dias). No presente estudo, não foram administradas, nos animais, drogas inotrópicas endovenosas, tais como dopamina e/ou dobutamina, durante o treinamento do VD. Acreditamos que o uso deste cateter, associado ao suporte farmacológico da função cardíaca, poderá reduzir ainda mais o curto período de treinamento do ventrículo pulmonar obtido experimentalmente.

O cateter angiográfico de Berman (cateter-balão apenas com orifício proximal) já foi utilizado experimentalmente para esse fim (15, 16). Entretanto, a possibilidade de se medir a pressão distal com o cateter desenvolvido em nosso estudo representa importante arma para uso clínico. A medida da pressão pós balão (bandagem interna) reflete indiretamente o fluxo sangüíneo pulmonar. Assim, a sobrecarga sistólica exercida sobre o ventrículo pulmonar pode atingir seu ponto máximo, desde que respeite a manutenção da pressão arterial pulmonar. Esta informação, juntamente com a oximetria de pulso do paciente, otimiza o fluxo sangüíneo pulmonar.

Uma bandagem muito apertada do TP pode causar uma redução importante do fluxo sangüíneo pulmonar, que, por sua vez, explica a cianose importante nos casos de preparo do ventrículo, sem a operação de Blalock-Taussig. Além do mais, o cateter-balão evita a intervenção cirúrgica para colocação de uma banda fixa, a qual pode ser inadequada. Assim, a integridade anatômica da cavidade pericárdica e de seu conteúdo é preservada. Em resumo, o cateter-balão permite uma bandagem do TP com ajuste fino do fluxo pulmonar.

A hipertrofia dos miócitos resulta em aumento na utilização de oxigênio e exige um aumento proporcional de mitocôndrias responsáveis pelo consumo de oxigênio e suprimento energético. Esse fenômeno foi claramente demonstrado por estudos biológicos de hipertrofia de longa duração (27). Tanto o aumento do diâmetro nuclear, quanto a densidade do volume de mitocôndrias são parâmetros histológicos que indicam hipertrofia miocárdica. Outras evidências morfológicas, não quantificadas no presente estudo, incluem quantidade de miofilamentos aumentados e ribossomo livre ou acoplado à membrana.

A análise da densidade de volume das mitocôndrias revela um ponto importante no desenvolvimento da hipertrofia induzida pelo cateter-balão. O aumento desta densidade de volume se deu de forma expressiva no animal de número 2205, o qual teve seu ventrículo treinado por um período mais prolongado (20 dias), embora a equalização de suas massas ventriculares tenha ocorrido em apenas 6 dias após o início da insuflação do balão. Tal achado pode significar a necessidade de um tempo maior de preparo para se atingir uma densidade de volume de mitocôndrias superior àquela de um ventrículo despreparado. Esse fato abre a possibilidade de estudo de outros componentes submicroscópicos (miofilamentos, tubulos T etc), para se determinar quais deles e em que proporção aumentam ao longo do tempo de preparo rápido. A diminuição da densidade de volume das mitocôndrias nos animais com tempo de treinamento inferior (13 dias) sugere que, nas fases mais iniciais do preparo rápido, outros componentes citoplasmáticos aumentam mais precocemente que as mitocôndrias.

No presente estudo, o diâmetro dos miócitos do VD preparado superou o diâmetro daqueles do VE, o que sugere que o VD estaria apto a suportar uma pós carga igual ou superior à do VE. Da mesma forma, a equalização dos diâmetros nucleares dos miócitos sugere que o núcleo está sendo sede de uma transcrição genética aumentada para atender à demanda de uma maior síntese protéica no ventrículo preparado. Assim, o ventrículo pulmonar estaria em condições plenas de maior esforço muscular, suficiente para manusear o trabalho de uma pós carga elevada, ou seja, a resistência vascular periférica.

CONCLUSÃO

O cateter-balão proposto neste estudo permite uma avaliação mais precisa da sobrecarga sistólica induzida ao VD. Esta sobrecarga imposta pelo balão possibilitou a hipertrofia rápida do ventrículo pulmonar dos animais estudados (6 a 10 dias). Esta abordagem poderá permitir o preparo não cirúrgico do ventrículo pulmonar em pacientes com TGA dentro de um curto período de tempo, preservando a integridade anatômica do coração e das grandes artérias.

AGRADECIMENTOS: Agradecemos à bióloga Shizie Fukasawa e à técnica de laboratório Mary Penha Pereira pela valiosa colaboração na preparação das lâminas para microscopia eletrônica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Article receive on sábado, 1 de agosto de 1998

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