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ARTIGO ORIGINAL

Emprego do anel de Gregori na posição invertida para o tratamento da insuficiência tricúspide: experiência inicial

Roberto Gomes de Carvalho0; Leonardo Andrade Mulinari0; Paulo R. GIUBLIN0; José Carlos Mulaski0; Arleto Zacarias SILVA Jr, Luiz Roberto LOPES Andrade0; Carlos SCHIMIDLIN0; Marcélia BROMMESLSTRÖET0; Marcelo DANTAS0; Vinícius WOSTOVICH0; Paulo STHALKE0; Rinaldo Luís WOLKER0; Danton R. da Rocha Loures0

DOI: 10.1590/S0102-76381998000200009

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, o procedimento de eleição para o tratamento da insuficiência tricúspide (IT) é a plástica valvar. Várias técnicas foram descritas com a finalidade de preservar a valva tricúspide (1-6). Os resultados da plastia são superiores quando comparados com a troca valvar ou até com tratamento clínico (7). Ainda existem controvérsias sobre qual a melhor técnica, se a plastia circunferencial ou implante do anel. Mas alguns estudos mostram que o emprego do anel tem mostrado melhores resultados (3, 8, 9). O objetivo deste trabalho é analisar os resultados e descrever a técnica com o implante do anel de Gregori (empregado para plastia da valva mitral) na posição invertida para o tratamento da insuficiência tricúspide.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

No período entre julho de 1991 e novembro de 1997, 11 pacientes com insuficiência tricúspide foram submetidos a implante do anel de Gregori na posição invertida (Figura 1), além da correção de outras lesões cardíacas. A idade variou de 14 a 69 anos, com média de 36,4 anos. Sete pacientes eram do sexo feminino e 4 do masculino. A avaliação dos pacientes foi realizada pelos sintomas segundo a classificação do grau funcional (GF) da NYHA e estudo ecocardiográfico mais relacionado ao tamanho do ventrículo direito (VD). Esta avaliação foi realizada nos períodos de pré e pós-operatório.


Fig. 1 - Acima: posição invertida do anel e abaixo: dilatação do anel da valva tricúspide, mais na parte anterior e posterior. A = cúspide anterior, P = cúspide posterior; S = cúspide septal.

Além destes parâmetros, o ritmo cardíaco foi observado, ritmo sinusal (RS) ou fibrilação atrial (FA). Seis (54,5%) pacientes estavam em FA e 5 (45,4%) em RS. Oito (73%) pacientes estavam no GF III ou IV. O estudo ecocardiográfico mostrou aumento do tamanho do VD tendo como média 34 mm (12 a 48 mm), sendo que o valor normal varia de 7 a 26 mm.

Técnica Cirúrgica

Após esternotomia mediana, era instalada a CEC com cânula introduzida na veia cava superior e no átrio direito em direção à veia cava inferior. Utilizou-se oxigenador de membranas e bomba centrífuga. A proteção do miocárdio foi realizada com injeção de solução hemocardioplégica anterógrada. Como em alguns casos havia necessidade de abordar a valva mitral, a via de acesso era a clássica ou transeptal com extensão para o teto do átrio esquerdo. Após a correção do procedimento associado o ar era retirado das cavidades esquerdas, a aorta despinçada, com retorno dos batimentos cardíacos. A análise da valva tricúspide consistia na observação das cúspides, cordas tendíneas e músculos papilares. O número do anel dependia da distância entre as comissuras ântero-septal e póstero-septal. Os pontos eram passados no anel em forma de "U" do átrio em direção ao ventrículo desde a comissura póstero-septal até a ântero-septal. Os pontos, então, eram passados na face externa do anel protético (Braile - São José do Rio Preto). A parte mais retificada do anel coincidia com a cúspide anterior. Normalmente, o número do anel utilizado foi 34 ou 36. O teste da valva era feito com o coração batendo. A seguir, o átrio direito era fechado com fio monofilamentado 5-0 e o coração desconectado da CEC.

Análise Estatística

Para se rejeitar a hipótese nula (Ho) de que não há diferença entre as medidas pré e pós ao nível de 0,05 com 7 graus de liberdade, deve-se obter um t observado igual ou superior ao t crítico de 2,365. Como o novo t observado é de 3,10, ou seja, maior que o t crítico, rejeita-se a Ho e aceita-se a hipótese experimental. A diferença é estatisticamente significativa, ou seja, não é fruto de erro amostral ao nível de 0,05.

RESULTADOS

Não houve mortalidade hospitalar, nem tardia. Uma paciente evoluiu com síndrome de baixo débito cardíaco e, a seguir, boa evolução. A primeira paciente operada engravidou após 3 anos da operação e apresentou gestação a termo e com parto normal.

Após média de 4,1 anos de evolução pós-operatória, não houve casos de tromboembolismo ou necessidade de reoperação. Quanto ao ritmo cardíaco, a FA passou de 6 pacientes no pré-operatório para 3 pacientes no pós-operatório. O ritmo sinusal passou de 5 para 7 pacientes no período de pós-operatório. No pré-operatório 9 pacientes estavam no grau Funcional III ou IV (81,8%), passando para o grau funcional I ou II em igual número (Figura 2). Uma paciente evoluiu com grau funcional III devido a insuficiência mitral após correção de endomiocardiofibrose bilateral com plastia da valva mitral (sem anel).


Fig. 2 - Melhora do grau funcional no pré-operatório (PRÉ) e pós-operatório (PÓS).

Quanto ao estudo ecocardiográfico, foi observado que a dimensão do ventrículo direito no pré-operatório era de 34 mm, passando para 24 mm no pós-operatório. Esta diferença foi estatisticamente significativa (p < 0,001) (Figura 3 ). As figuras 4a e 4b demonstram diminuição importante do refluxo através da valva tricúspide. A ventriculografia direita evidenciou com precisão a suficiência da valva tricúspide após a correção (Figura 5).


Fig. 3 - Redução do tamanho do ventrículo direito no pré-operatório e pós-operatório. Houve diferença estatística significativa. Pós = pós-operatório; Pré = pré-operatório; mm = milímetros; VN = valor normal (do ventrículo direito).




Fig. 4a - Ecodoppler na fase pré-operatória. AE = átrio esquerdo; VE = ventrículo esquerdo; VD = ventrículo direito.

Fig. 4b - Ecodoppler na fase pós-operatória com regressão significativa do refluxo através da valva tricúspide.


Fig. 5 - Ventrículografia direita na telesístole; valva tricúspide suficiente.

COMENTÁRIOS

Segundo estudo realizado por DELOCHE et al. (10), a dilatação do anel da valva tricúspide se dá em 80% ao nível da cúspide anterior e posterior. É nessa região onde a parede ventricular direita é mais fina. Desta maneira, o anel desenvolvido por GREGORI Jr. (11) para a correção da insuficiência mitral é semi-aberto e uma das hemielipses, mais retificada. Fazendo analogia para a valva tricúspide, observou-se que esta parte mais retificada do anel, na posição invertida, coincide com as cúspides anterior e posterior. A parte aberta do anel coincide com a cúspide septal evitando o comprometimento do feixe de condução. O primeiro relato do emprego do anel de Gregori na posição invertida foi descrito por CARVALHO (12), em 1996. Nesta série, não houve casos de bloqueio A-V total. Em virtude deste detalhe, outros tipos de anéis têm o formato semelhante ao de Gregori, em que a parte mais retificada acompanha a cúspide anterior, como o anel desenvolvido por CARPENTIER et al. (3) e McCARTHY & COSGROVE (5).

Normalmente, quando está presente uma insuficiência tricúspide funcional, isso significa evolução arrastada de lesões do coração esquerdo, principalmente a valvopatia mitral. Muitas vezes são doentes já submetidos a tratamento cirúrgico, com risco operatório aumentado, principalmente em relação à mortalidade. No presente estudo, não houve mortalidade hospitalar e nem tardia. Alguns estudos mostram mortalidade que varia de 6,3%, MlNALE et al. (6); 13%, RIVERA et al. (9); 11%, De PAULIS et al. (13); 18%, BREYER et al. (14); 14,7%, KAY et al. (1). Melhor seleção de pacientes para o tratamento cirúrgico, maior experiência do grupo cirúrgico e da anestesia e melhores condições de pós-operatório contribuem para resultados satisfatórios, até mesmo a ausência de mortalidade, como neste trabalho.

O melhor método para avaliar a valva tricúspide é o estudo ecodopplercardiográfico colorido proporcionando valores que retratam a realidade. No presente estudo este exame foi de fundamental importância na avaliação dos resultados. A diminuição do tamanho do ventrículo direito nos estudos pós-operatórios foi significativa sob ponto de vista estatístico. Isto demonstra diminuição e desaparecimento da regurgitação. YADA et al. (16) classificaram a gravidade e o modo da lesão valvar e relataram diminuição do diâmetro do anel valvar de 26,1 mm/m2 para 17,3 mm/m2. CZER et al. (17) realizaram estudo ecocardiográfico colorido pré, pós CEC e após 22 semanas de pós-operatório; observaram que no fechamento do tórax já se tinha idéia de como seria a anatomia da valva tricúspide a longo prazo; houve regressão da insuficiência tricúspide de 3,9+ para 0,9+ e o diâmetro do anel passou de 3,3 cm para 1,5 cm, com diferença estatística. Desta maneira, existe correlação entre a melhora ecocardiográfica e os sintomas clínicos, pois cerca de 90% dos pacientes no nosso estudo estavam no grau funcional I e II no pós-operatório.

Além do implante do anel, existem outras técnicas para a correção da insuficiência tricúspide. A operação proposta por KAY et al. (1), em que se elimina a cúspide posterior; não tem bons resultados tardios porque a valva pode ficar estenótica ou evoluir para dilatação da cúspide anterior, como descreveram CARPENTIER et al. (3). Controvérsias existem em relação à plastia circunferencial desenvolvida por DeVEGA (2) e o implante do anel de Carpentier. GRONDIN et al. (8), em 1975, compararam as duas técnicas e concluíram que na plastia de DeVega as forças de tensão se dão nos locais de inicio e final da sutura, enquanto que, no anel, as forças de tensão se dão em todo o anel, levando a melhores resultados tardios. Deloche, em discussão do trabalho de McGRATH et al. (15) afirma que, na sua casuística, o retorno da insuficiência tricúspide foi de 6,2% para a plastia, circunferencial e de 0,6% quando foi utilizado o anel de Carpentier. LAMBERTZ et al. (18) avaliaram a longo prazo 51 pacientes operados pela técnica de Carpentier e observaram diminuição significativa do tamanho do átrio direito de 13 para 8 mm. RIVERA et al. (9), realizaram estudo prospectivo e randomizado com anel flexível de Carpentier e anuloplastia de DeVega em 159 pacientes. A incidência de insuficiência moderada ou grave foi mais freqüente na plastia de DeVega do que no grupo com implante do anel (47% x 5%). Mostrou maior eficiência quando se empregou o anel em 94% do que a plastia circunferencial em 53%. COHN (19) comentou que a plastia de DeVega é eficaz somente nas lesões moderadas, enquanto que o implante do anel é mais eficaz nas lesões graves.

Conceito preconizado por CARPENTIER et al. (3) coincide com os achados do presente trabalho. Estes autores descrevem que o anel protético tem a finalidade de remodelação do anel do paciente e que a distribuição das forças de tensão por igual em todo o anel evita a sua dilatação e previne a rotura da cúspide.

CONCLUSÕES

A experiência inicial com o implante do anel de Gregori na posição invertida demonstra que é uma técnica simples e reprodutível. Houve melhora clínica importante e a diminuição do tamanho do ventrículo direito foi significativa, traduzindo regressão do grau de insuficiência. É um procedimento que pode ser empregado rotineiramente nos casos de insuficiência tricúspide importante.

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS

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