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Influence of Maze Procedure in the treatment of rheumatic atrial fibrillation: comparative study of immediate and long term follow-up

Marcelo B Jatene0; Miguel Barbero-Marcial0; Flavio TARASOUTCHI0; Rita A. CARDOSO0; Pablo M. A Pomerantzeff0; Adib D Jatene0

DOI: 10.1590/S0102-76381998000200003

INTRODUÇÃO

No tratamento de pacientes portadores de valvopatia mitral e fibrilação atrial (FA), ficou sempre presente a idéia de que o tratamento isolado da valva mitral acometida pudesse restabelecer o ritmo sinusal. Acreditava-se que, ao se afastar a causa orgânica através de uma plastia ou troca valvar e reduzindo a pressão intra-atrial, se pudesse recuperar e manter o ritmo cardíaco regular nos períodos de pós-operatório (PO) imediato e tardio.

Avaliações em pacientes portadores de valvopatia mitral e FA submetidos a tratamento cirúrgico da valva puderam comprovar a reversão da FA para ritmo sinusal em apenas uma parte dos pacientes.

GRINBERG et al. (1) mostraram reversão para ritmo sinusal em 37% dos portadores de FA prévia. MARATIA et al. (2) observaram reversão para ritmo sinusal em 28% dos portadores de FA após intervenção na valva mitral, demonstrando relação do diâmetro do átrio esquerdo (AE) (> 52 mm) com a manutenção da FA, a despeito do tratamento efetivo da valvopatia mitral.

Em decorrência da manutenção da FA, os riscos de fenômenos tromboembólicos não podem ser afastados, como demonstrado por GRINBERG et al. (1) e CHUA et al. (3), restando a esses pacientes a necessidade do uso de anticoagulação profilática por via oral.

Sendo assim, com o intuito de buscar uma solução mais definitiva no controle da FA em pacientes valvopatas mitrais, a partir de 1991, o tratamento cirúrgico da FA proposto por COX et al. (4-7) vem sendo utilizado em associação ao tratamento cirúrgico da valva mitral, em um grupo específico de pacientes.

O objetivo deste estudo é avaliar a eficiência da operação de Cox no tratamento da FA de origem reumática associada ao tratamento cirúrgico da valva mitral, em pacientes consecutivos, e comparar os resultados imediatos e tardios com um grupo de pacientes portadores de FA e valvopatia mitral submetido, no mesmo período, a tratamento cirúrgico apenas da valva mitral.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Entre julho de 1991 e junho de 1994, 55 pacientes portadores de valvopatia mitral de etiologia reumática e FA associada foram operados. A idade variou entre 16 e 74 anos (51,5 anos), sendo 47 pacientes do sexo feminino. Todos eram portadores de FA com duração mínima de um ano, sendo que 27 apresentavam sintomas de palpitações taquicárdicas freqüentes, além dos sintomas de insuficiência cardíaca congestiva (ICC) decorrentes da valvopatia mitral. Nove pacientes foram acometidos por acidente vascular cerebral (AVC) no pré-operatório, com seqüela motora em 2 e recuperação total em 7.

Com relação à indicação cirúrgica, os sintomas relacionados à doença valvar mitral foram a causa principal da indicação; 29 pacientes encontravam-se em ICC classe funcional (CF) III (New York Heart Association - NYHA) e os demais 26 em ICC CF IV (NYHA). Nenhum dos pacientes foi operado em caráter de emergência, sendo possível o controle clínico pré-operatório, mesmo naqueles com edema agudo de pulmão (EAP).

Foram excluídos os pacientes portadores de outras cardiopatias ou disfunções valvares associadas, exceto os portadores de insuficiência tricúspide (ITr) secundária a valvopatia mitral. Foram excluídos, ainda, os pacientes submetidos a operações cardíacas prévias.

O critério de seleção foi retrospectivo, não randomizado, respeitando o encaminhamento previamente agendado pelo clínico responsável pelo caso para os diferentes cirurgiões da Instituição, para correção cirúrgica apenas da valva mitral ou em associação com a operação de Cox.

Todos os pacientes se submeteram a exame ecocardiográfico pré-operatório, para estudo das valvas cardíacas, análise de trombos intracavitários, além da avaliação de parâmetros como diâmetro de AE, função ventricular, área valvar (AV) e medidas de pressão em câmaras direitas.

Em função do tipo de tratamento cirúrgico utilizado, foram identificados dois grupos de pacientes: o primeiro (G I) composto pelos casos nos quais, além da operação da valva mitral (e tricúspide, caso necessário), realizou-se a operação de Cox para tratamento da FA; o segundo grupo (G II) composto de pacientes que se submeteram apenas ao tratamento da valva mitral (e tricúspide, caso necessário), sem abordagem específica da FA. Os dois grupos foram posteriormente comparados, com relação à evolução clínica, ecocardiográfica e controle da arritmia.

O G I era composto por 20 pacientes, cuja idade variou de 33 anos a 67 anos (média de 50,5 ± 9,7 anos), sendo 17 do sexo feminino. Com relação ao diagnóstico da valvopatia mitral, a estenose mitral (EMi) isolada estava presente em 14 pacientes (3 com ITr) e 6 eram portadores de dupla disfunção mitral (DDMi) (3 com ITr).

Dez pacientes encontravam-se em ICC CF IV, com episódio prévio de edema agudo do pulmão (EAP) em 4 pacientes, e 10 em ICC CF III. Em 4 pacientes ocorreram episódios tromboembólicos prévios à operação, com evolução favorável sem seqüelas em 2 e aparecimento de disartria em 1 paciente e seqüela motora em membro inferior esquerdo em outro.

O diagnóstico de valvopatia mitral foi feito clinicamente e confirmado pelo ecocardiograma (ECO). Dentre os parâmetros avaliados pelo ECO, observou-se aumento do diâmetro do AE, que variou de 4,6 cm a 6,5 cm (5,35 ± 0,51 cm); a pressão sistólica de artéria pulmonar variou de 34 mmHg a 70 mmHg (53,8 ± 10,43 mmHg); a fração de ejeção (FE) variou de 0,63 a 0,76 (0,69 ± 0,04) e a área valvar de 0,50 cm2 a 1,70 cm2 (1,01 ± 0,31 cm2); trombose atrial esquerda foi observada em 4 pacientes.

Cateterismo cardíaco realizado em todos os pacientes confirmando o diagnóstico ecocardiográfico, não se evidenciando obstruções nas artérias coronárias, senão em 1 paciente, no qual se detectou lesão coronária isolada de 50% no ramo interventricular anterior. A operação de Cox I foi realizada nos primeiros 13 pacientes e, a partir de setembro de 1993, passou-se a utilizar rotineiramente a operação de Cox III em todos os casos.

O G II era composto por 35 pacientes, cuja idade variou de 16 anos a 74 anos (51,6 ± 14,7 anos), sendo 30 do sexo feminino. A EMi isolada estava presente em 21 pacientes (1 com ITr); DDMi em 13 (4 com ITr) e IMi em 1.

No pré-operatório, 19 pacientes encontravam-se em ICC CF III e 16 em ICC CF IV, com episódio prévio de EAP em 3. Em 5 pacientes ocorreram episódios tromboembólicos prévios à operação, com evolução favorável sem seqüelas.

Avaliação ecocardiográfica demonstrou aumento do diâmetro do AE, que variou de 4,0 cm a 10,0 cm (5,57 ± 1,32 cm); a pressão sistólica de artéria pulmonar variou de 35 mmHg a 68 mmHg (48,4 ± 9,25 mmHg); a FE variou de 0,57 a 0,87 (0,70 ± 0,05) e a AV, de 0,70 cm2 a 2,0 cm2 (1,21 ± 0,39 cm2); trombose atrial esquerda foi observada em 5 casos.

Cateterismo cardíaco realizado em 33 pacientes confirmou os achados ecocardiográficos, sem presença de lesões das coronárias. Dois pacientes com 16 anos de idade não foram submetidos a cateterismo cardíaco.

As informações relativas aos parâmetros clínicos e ecocardiográficos pré-operatórios dos dois grupos, bem como a análise estatística da comparabilidade dos grupos, estão nas Tabelas 1 e 2.





Foram analisados aspectos intra-operatórios, como tempo de operação, tempo de circulação extracorpórea (CEC) e de anóxia nos dois grupos, além dos resultados imediatos e tardios (de dois anos a cinco anos de evolução), no que se refere à evolução clínica hospitalar e ambulatorial (analisando as complicações observadas), controle e/ou recorrência da FA e acompanhamento ecocardiográfico para avaliação dos resultados da atuação na valva mitral e recuperação da contração atrial.

O ritmo cardíaco foi avaliado em diferentes momentos, sendo o primeiro após a CEC, na unidade de terapia intensiva (UTI) e, a seguir, durante a evolução tardia.

Técnica e Operatória

Todos os pacientes foram operados por esternotomia mediana, com o auxílio de CEC.

Em todos os pacientes, a proteção miocárdica foi realizada com hipotermia moderada (25°C), hipotermia tópica com soro gelado no pericárdio e indução de parada cardíaca com solução cardioplégica cristalóide de St. Thomas, infundida na porção inicial da aorta com gelco 14 ou diretamente nos óstios coronarianos, na presença de algum grau de regurgitação aórtica; a cardioplegia era repetida a cada 25 a 30 minutos.

Nos pacientes do GI, após abertura do pericárdio na linha mediana, iniciou-se o isolamento extenso e cuidadoso de todo o coração, liberando a veia cava superior (VCS) e a veia cava inferior (VCI), veias pulmonares, aorta e tronco pulmonar de todos os tecidos extracardíacos, reflexões pericárdicas e sulcos anatômicos. Em seguida, procedeu-se à heparinização (4 mg/kg de peso) e canulação das cavas com introdução de cânulas de 1/4" e 3/8", respectivamente, na VCS e VCI, o mais distal possível. A canulação da aorta foi feita com cânula posicionada na porção mais distal da aorta ascendente.

Utilizou-se a operação de Cox I (5, 9, 11, 12), originalmente descrita, nos primeiros 13 pacientes e a partir de setembro de 1993 passou-se a utilizar a operação de Cox III (7, 10), empregada nos outros sete pacientes. Realizou-se a ressecção das aurículas direita e esquerda em todos os pacientes, bem como aplicação de criotermia nos anéis mitral, tricúspide e seio coronário.

Em todos os casos utilizou-se fio de marcapasso ventricular, conectando-o ao gerador nos casos de bradicardia, com FC inferior a 70 batimentos por minuto (bpm). Foram utilizadas drogas inotrópicas (dopamina) na tentativa de melhorar a resposta cronotrópica em todos os pacientes.

Análise Estatística

A análise descritiva das variáveis quantitativas consistiu em expressar os valores mínimo e máximo, calcular mediana, média e desvio-padrão. Para as variáveis qualitativas se estabeleceram freqüências absolutas e relativas.

A análise comparativa dos grupos foi subdividida em duas etapas:

1) Comparação dos grupos com relação às características pré e pós-operatórias: teste t-Student para amostras independente (8), ou teste da soma de postos de Wilcoxon (9) para variáveis quantitativas e, para variáveis qualitativas, empregou-se o teste exato de Fisher (10).

2) Os dados de evolução foram analisados empregando-se os métodos estatísticos descritos na etapa 1, além do método de Kaplan-Meier (11) e da Análise de Perfil (12). Utilizou-se nível de significância de 5%. Para análise dos dados se utilizou o sistema SAS (Statistical Analisys System).

RESULTADOS

Técnica Operatória

Todos os pacientes do G I foram submetidos à operação de Cox, sendo a técnica original (Cox I) empregada nos primeiros 13 e a técnica modificada (Cox III) nos 7 subseqüentes. Ao se comparar os pacientes submetidos à operação de Cox I e Cox III, não se observou diferença do ponto de vista estatístico entre os dois grupos, com relação às características clínicas e ecocardiográficas pré-operatórias, tempo de CEC e de pinçamento, ritmo cardíaco, evolução clínica e ecocardiográfica pós-operatória, com valor de p sempre superior a 0,05. Apenas com relação ao tempo total de operação, observou-se mediana de 480 minutos para aqueles submetidos à operação de Cox I e 375 minutos para a operação de Cox III (p = 0,0078).

No G I, a valva mitral foi conservada em 12 (60%) pacientes e substituída em 8 (40%), sendo utilizada bioprótese de pericárdio bovino (PB) Fisics de diferentes diâmetros. No G II, a valva mitral foi conservada em 19 (54,3%) pacientes e substituída em 16 (45,7%), também por bioprótese de pericárdio bovino Fisics. Os tipos de procedimento na valva mitral, bem como os procedimentos associados estão na Tabela 3.



Com relação ao tempo total de operação, tempo de CEC e de pinçamento aórtico, observou-se que o tempo total médio de operação foi de 450 minutos (min) no GI e 269,1 min no G II; o tempo médio de CEC foi de 158,6 min no G I e 64,9 min no G II e o tempo médio de pinçamento aórtico foi de 125,9 min no G I e 46,5 min no G II. Considerando os valores de mediana, pode-se calcular os acréscimos ocorridos no G I em relação ao G II, a saber: 165 min no tempo total de operação (p = 0,0001), 87,5 min no tempo de CEC (p = 0,0001) e 78,5 min no tempo de pinçamento aórtico (p = 0,0001). Os dados descritivos dos tempos de operação, CEC e pinçamento estão na Tabela 4.



Mortalidade Hospitalar

A mortalidade hospitalar nos primeiros 30 dias foi de 3 (5,4%) pacientes, sendo 1 no G I, em paciente do sexo feminino, 57 anos, portadora de EMi, em ICC CF IV no pré-operatório; foi inicialmente submetida à operação de Cox + comissurotomia mitral, apresentando dificuldades na saída de CEC; o ECO intra-operatório evidenciou boa abertura valvar, porém com regurgitação de grau moderado, que motivou o retorno à CEC e troca da valva mitral por bioprótese de PB; após nova saída de CEC, houve persistência do baixo débito com evolução desfavorável e óbito no 1º PO.

Os outros dois óbitos ocorreram em pacientes do G II, sendo o primeiro em paciente do sexo feminino, 50 anos, portadora de DDMi e em ICC CF IV; submetida à troca da valva mitral por bioprótese de PB, apresentou evolução em baixo débito, com óbito no 1º PO. O segundo paciente era do sexo feminino, 64 anos, portadora de EMi, em ICC CF IV, tendo sido submetida a comissurotomia mitral, com boa evolução e alta hospitalar em ritmo sinusal no 10º PO. Retornou no 28º PO com quadro de insuficiência respiratória aguda, tendo sido constatado quadro de embolia pulmonar, com óbito logo após a admissão no hospital.

O tempo médio de internação após a operação foi de 14,68 dias no G I e 10,38 dias no G II (p = 0,0006).

Complicações

Dentre as complicações pós-operatórias imediatas observadas, nos pacientes do G I, houve uma reoperação por sangramento, com boa evolução. Baixo débito cardíaco foi observado em 2 pacientes, sendo que em 1 deles utilizou-se também o balão intra-aórtico (BIA) e bomba centrífuga, com evolução para óbito. Broncopneumonia foi observada em um paciente, com boa evolução. Um paciente necessitou ser reoperado no 24º PO, para substituição de bioprótese, infectada por Enterococcus faecalis, com boa evolução.

No G II, o baixo débito cardíaco foi observado em 3 pacientes, com evolução desfavorável e óbito em um deles. Episódios de convulsão ocorreram em 3 pacientes, sendo que 1 deles também apresentou quadro de insuficiência respiratória com necessidade de suporte ventilatório prolongado e realização de traqueostomia na 2ª semana de PO; colecistite aguda foi observada em paciente com realização de colecistectomia, com evolução favorável.

Ritmo Cardíaco

A avaliação do ritmo cardíaco pós CEC demonstrou que todos os pacientes do G I reverteram a FA para ritmo regular, sendo 15 (75%) em ritmo sinusal e 5 (25%) em ritmo juncional. No G II, 13 (37,1%) pacientes permaneceram em FA após a CEC e 22 (62,9%) reverteram para ritmo sinusal (p < 0,0001). Nos pacientes do G II que permaneceram em FA, tentou-se a desfibrilação elétrica no intra-operatório, sem reversão imediata ou manutenção de ritmo regular. O ritmo pós CEC está exposto na Tabela 5.

Na avaliação do ritmo na UTI, observou-se que 4 (21,1%) pacientes do G I apresentaram FA, recuperando o ritmo regular em todos os casos. No G II, 28 (82,4%) pacientes apresentaram FA na UTI (p = 0,0001); 4 reverteram para ritmo sinusal. O comportamento do ritmo cardíaco e a ocorrência de FA na UTI encontram-se na Tabela 6.

Analisando-se a evolução tardia dos pacientes quanto à presença de FA, observou-se que 5,3% dos pacientes do G I estavam em FA, contra 76,5% do G II (p < 0,0001), com dados expostos na Tabela 7.



Marcapasso (MP) temporário foi utilizado em 5 (26,3%) pacientes do G I por um, três, quatro, cinco e seis dias, por bradicardia (FC < 60 bpm) observada no PO. Em 3 (8,8%) pacientes do G II foi utilizado MP temporário por um, dois e quatro dias, pelo mesmo motivo que no G I; a comparação das proporções de uso de MP entre os dois grupos não revelou diferença estatisticamente significante (p = 0,118).

Uma paciente do G I necessitou implante de MP definitivo em novembro de 1995, em função de doença do nó sinoatrial.

Tromboembolismo

Não se observaram fenômenos tromboembólicos nos pacientes do G I no período pós-operatório. No G II, 7 pacientes apresentaram episódios tromboembólicos desde o 1º dia de PO, sendo 1 caso de embolia pulmonar no 28º PO, com evolução para óbito e 6 casos de embolia sistêmica com recuperação completa em 4 e seqüelas em 2. Seis pacientes encontravam-se em FA no momento que antecedeu ao episódio embólico.

Os dados evidenciaram diferença estatisticamente significante entre os grupos, com maior possibilidade associada ao G II (p = 0,041). O momento da ocorrência da embolia e sua evolução estão expostos na Tabela 8.



O Gráfico 1 demonstra a curva actuarial livre de embolia nos dois grupos, em intervalos de tempo de 12 meses, até 60 meses de evolução.

GRÁFICO 1

CURVA ACTUARIAL LIVRE DE EMBOLIA NOS 2 GRUPOS



Evolução Tardia

A mediana do tempo de evolução tardia nos dois grupos foi de 41 e 38,5 meses, respectivamente, para os grupos I e II, não havendo diferença estatisticamente significante entre os 2 grupos (p = 0,9383).

Do ponto de vista de evolução clínica, no pré-operatório, todos os pacientes encontravam-se em ICC CF III ou IV e no período de pós-operatório observou-se predomínio daqueles em ICC CF I, sendo 73,7% do G I e 64,7% do G II. Não se observou diferença estatisticamente significante entre os grupos (p = 0,143), havendo comportamento semelhante com relação à CF pós-operatória. A Figura 1 demonstra o comportamento dos pacientes quanto à CF nos períodos pré e pós-operatório (G I e G II).




Fig. 1 - Classe funcional pré e pós-operatória. (GI e GII)

Com relação ao uso de medicamentos após a operação, observou-se que, no G I, 50% dos pacientes não faziam uso de qualquer medicação, contra 9,1% no G II (p = 0,0001); pacientes recebendo duas ou mais drogas (digitálico ou diurético e/ou anticoagulante oral) no G I correspondiam a 35% contra 79,6% no G II (p = 0,0001).

Dos pacientes do G II que recebiam duas ou mais drogas, 15 estavam em uso de medicamentos antitrombóticos, sendo 9 em uso de anticoagulante oral e 6 em uso de ácido acetilsalicílico. Intolerância declarada ao uso de anticoagulantes foi observada em 4 pacientes e intolerância ao uso de quinidina ou amiodarona em 3.

Durante o período de evolução tardia, 4 pacientes, sendo 2 no G I e 2 no G II faleceram. Em relação aos pacientes do G I, o primeiro faleceu no 40º PO, em função de quadro infeccioso pulmonar e sepse. O outro paciente do GI era portador de insuficiência renal crônica (IRC), desenvolvida 12 meses após a alta; aos 29 meses de PO, necessitou internação de urgência por descompensação da IRC, com edema generalizado e hiperpotassemia, falecendo na mesma internação, desencadeada por arritmia ventricular (taquicardia ventricular).

Com relação aos pacientes do G II, o primeiro evoluiu em ICC CF II/III, sem disfunção da prótese, com necessidade de várias internações para controle de ICC descompensada. Em outubro de 1993 faleceu durante uma das internações referidas. A outra paciente faleceu em julho de 1993, por causa não cardíaca, em função de neoplasia de origem ginecológica. Dois pacientes necessitaram ser reoperados por disfunção da bioprótese, com boa evolução.

A curva actuarial de sobrevida dos 2 grupos não mostrou diferença estatisticamente significante (p = 0,7291), com probabilidade de sobrevida de 84% em 36 meses no GI e 87,7% em 36 meses no GII. Os dados relativos à curva actuarial de sobrevida estão expostos no Gráfico 2.

GRÁFICO 2

CURVA ACTUARIAL DE SOBREVIDA



Avaliação Ecocardiográfica

No mesmo período, os pacientes foram submetidos a estudo ecocardiográfico para avaliar os mesmos parâmetros do pré-operatório nos dois grupos. Com relação ao diâmetro do AE no pós-operatório, não se observou diferença estatisticamente significante entre os valores das medianas no G I e G II, respectivamente 4,85 cm e 5,0 cm (p = 0,2013).

Em relação aos dados de pré-operatório, observou-se diminuição do diâmetro nos dois grupos (5,3 cm no pré e 4,85 cm no pós no G I e 5,2 cm no pré e 5,0 cm no pós no G II), porém sem diferença estatisticamente significante.

Ao se analisar a FE no pós-operatório, da mesma forma, não se observou diferença entre os dois grupos, sendo 0,72 no G I e 0,70 no G II (p = 0,9913); também quando se comparou os valores de pré e pós-operatório, não se observou diferença entre os grupos.

Em relação a AV no pós-operatório, os valores da mediana foram 2,0 cm2 tanto no G I, como no, G II (p = 0,3025), sem diferença entre os dois grupos. Na comparação dos resultados no pré e pós-operatório, observou-se importante aumento de AV tanto no G I (AV pré - 1,0 cm2 e pós - 2,0 cm2), como no G II (AV pré - 1,2 cm2 e pós - 2,0 cm2).

COMENTÁRIOS

Em função da ocorrência freqüente em nosso meio da doença valvar de etiologia reumática, decidiu-se iniciar a experiência com a operação de Cox nos pacientes valvopatas mitrais portadores de FA, com indicação cirurgica da valva mitral e, no mesmo ato, realizar o tratamento da FA.

Dessa forma, poder-se-ia avaliar a operação de Cox no tratamento da FA de origem reumática. Em nossos primeiros 10 pacientes operados, 9 eram valvopatas mitrais e o resultado obtido por JATENE et al. (13) foi considerado satisfatório do ponto de vista de reprodutibilidade da técnica e controle inicial da arritmia. Dando seqüência a esta primeira experiência, em 32 pacientes, pudemos comprovar a eficácia da operação de Cox no controle da FA, com manutenção dos resultados a longo prazo (14). Resultados semelhantes no controle da FA em valvopatas foram obtidos, em nosso meio, por GREGORI Jr. et al. (l5).

KOSAKAI et al. (16), em uma série de 62 pacientes valvopatas mitrais, obtiveram sucesso no controle da FA em 84% deles, ampliando mais recentemente a série e mantendo os mesmos resultados (17).

Um aspecto que pode ser considerado adverso à aplicação da operação de Cox em portadores de valvopatia seria com relação às dimensões aumentadas dos átrios, em especial o AE nos casos de valvopatia mitral.

KOSAKAI et al. (16) atribuem ao tamanho aumentado do AE o insucesso registrado em cerca de 10% de seus pacientes, que não obtiveram controle da FA. Em nossa experiência (14), onde o tamanho médio do AE foi de 5,5 cm, conseguiu-se o controle da FA em 90% dos casos; incluía portadores de diferentes valvopatias, inclusive reoperações valvares. Nos 2 pacientes que permaneceram em FA a longo prazo, o AE media cerca de 6,0 cm, o que talvez tenha sido um dos principais fatores para o insucesso da operação.

Em nosso meio, JAZBIK et al. (18) e BATISTA et al. (19) propuseram técnicas cirúrgicas diferentes para o controle da FA, cujo ponto comum seria a redução do AE pela excisão de faixas de tecido atrial.

Os resultados observados neste estudo com relação ao controle da FA nos pacientes do G I podem ser considerados satisfatórios, com reversão para ritmo regular em todos os casos após a CEC, com manutenção dos resultados a curto e longo prazo em 95% deles. O diâmetro do AE no G I variou de 4,6 a 6,5 cm (5,35 ± 0,51 cm) no pré-operatório e, no período pós-operatório de 3,7 cm a 5,8 cm (4,83 ± 0,54 cm).

Os resultados obtidos evidenciam a aplicabilidade da técnica descrita por COX et al. (5-7) e COX (4) mesmo nos portadores de valvopatia mitral com dimensões aumentadas de AE, com controle da FA a curto prazo e manutenção dos resultados em seguimentos de até 60 meses. Parece-nos claro que a largura das faixas de tecido atrial não seria, isoladamente, fator da arritmia.

Indicações da Operação de Cox

Nos casos de portadores de FA associada a diferentes cardiopatias, alguns aspectos relacionados à indicação cirúrgica devem ser considerados. Por se tratar de procedimento cirúrgico descrito recentemente, com pouca casuística e, ainda, poucas conclusões sobre a evolução a longo prazo, fica presente a dúvida em associá-la a outras operações convencionais e bem estabelecidas, como, por exemplo, a comissurotomia ou troca valvar mitral.

Dentro desse espectro, os relatos de MARATIA et al. (2), CHUA et al. (3) e os dados observados nos pacientes do G II neste estudo demonstram, claramente, a não resolução da FA tratando apenas a valvopatia mitral. Cerca de 80% dos pacientes permanecem em ritmo de FA a longo prazo, sujeitos aos inconvenientes clínicos já relatados, além da necessidade de uso de medicamentos anticoagulantes na prevenção de episódios tromboembólicos.

McCARTHY et al. (20, 21) consideram como um sucesso limitado a resolução cirúrgica da valvopatia mitral sem reversão da FA, reforçando a idéia do tratamento concomitante das duas doenças.

Revascularização do miocárdio associada à operação de Cox vem sendo indicação cada vez mais freqüente, apesar de ainda pouco utilizada (22-24). Um dos pacientes deste estudo (caso 15 do G I) era portador de doença arterial coronária (achado de exame) e foi revascularizado, além do tratamento da valva mitral e da operação de Cox, com evolução favorável.

No entanto, a valvopatia mitral é a associação mais freqüente que se aplica à operação de Cox, com çasuísticas representativas, como as relatadas por JATENE et al. (14), GREGORI Jr. et al. (15, 25), KOSAKAI et al. (16, 17) e SANDOVAL et al. (26).

Ainda nos parece mandatória a indicação da operação em função da necessidade de tratamento da valvopatia; porém, neste estudo, pôde-se observar que, em 55% dos pacientes do G I, havia relatos de sintomas de palpitações taquicárdicas freqüentes, com tempo médio de FA pré-operatória de 2,7 ± 1,7 anos, alguns deles com necessidade de internação para melhor controle de sintomas, quando apresentavam distúrbios hemodinâmicos; todos os pacientes do G I estavam em uso de digitálicos e 30% em uso contínuo de drogas antiarrítmicas (quinidina ou amiodarona) no período pré-operatório.

Outro aspecto que deve ser considerado seria o dos pacientes com história prévia de episódios tromboembólicos, presentes em 4 pacientes do G I (com seqüelas neurológicas em 2). A nosso ver, estes casos teriam indicação mais evidente para a operação de Cox, já que a manutenção da FA poderia levar a novos episódios, independentemente da anticoagulação (16).

Mortalidade Hospitalar

A mortalidade hospitalar global foi de 5,4%, sendo de 5,0% no G I (1 paciente) e 5,7% no G II (2 pacientes), sem diferença entre os grupos. Relatos de literatura mostram mortalidade variando de 0% a 7,0% nas séries iniciais nos casos de FA isolada (20, 22, 23, 27) e variando de 0% a 5,8% nos casos de associação da operação de Cox a outro procedimento, mais comumente o tratamento da valva mitral (14, 17, 25, 26).

Não observamos diferença da mortalidade hospitalar entre os grupos I e II, permitindo-nos inferir que, neste grupo com valvopatia mitral e FA, a associação da operação de Cox ao tratamento da valva mitral não provocou aumento da mortalidade hospitalar.

A causa de óbito mais freqüente foi o baixo débito cardíaco, em 2 pacientes neste estudo, 1 em cada grupo; KOSAKAI et al. (17) demonstraram que o baixo débito foi a causa desencadeante de um dos óbitos, assim como observado por SANDOVAL et al. (26), em caso de paciente com disfunção ventricular no pré-operatório. Em 1 dos pacientes do G II, observou-se episódio de embolia pulmonar com insuficiência respiratória aguda e óbito em paciente que recebeu alta hospitalar em ritmo sinusal, podendo ter apresentado, na evolução, episódio de FA, não documentado, o que justificaria de forma mais consistente a ocorrência da embolia.

CHUA et al. (3) mostraram mortalidade hospitalar de 2,5% em pacientes submetidos apenas a tratamento cirúrgico da valva mitral, com observação de maior risco naqueles submetidos a reoperações. Todos os casos do atual estudo encontravam-se em ICC CF III e IV no pré-operatório, não se observando maior mortalidade relacionada a este aspecto.

Complicações

O baixo débito cardíaco foi complicação observada em 5 pacientes deste estudo, sendo 2 do G I e 3 do G II; o tratamento foi com inotrópicos em todos, sendo em 1 com o auxílio de suporte circulatório com BIA; houve boa evolução em 3 pacientes e óbito em 2. KOSAKAI et al. (17) utilizaram o BIA em 4 pacientes que evoluíram em baixo débito, com boa evolução. SANDOVAL et al. (26) observaram 1 caso de baixo débito seguido de óbito. COX et al. (23, 27) não referem o baixo débito cardíaco como complicação freqüente no período pós-operatório.

Baixo débito cardíaco foi complicação observada também em pacientes submetidos apenas ao tratamento da valvopatia, presente em 4,1% dos pacientes com FA, conforme demonstraram CHUA et al. (3).

Apesar de ser procedimento cirúrgico complexo, que exige técnica cirúrgica cuidadosa, com várias incisões e potencialidade de sangramento, esta não foi uma complicação observada com freqüência. Apenas o primeiro paciente da série precisou ser reoperado por sangramento, com boa evolução. COX et al. (23, 27), em pacientes portadores de FA preferencialmente isolada, relataram 7% de incidência de reoperações e em casuística mais recente 9,7%, com boa evolução. KOSAKAI et al. (16, l7) mostraram incidência de reoperação ao redor de 8,0% em grupo de pacientes submetidos a tratamento cirúrgico da FA, todos portadores de valvopatia mitral.

Uma das complicações precoces diretamente relacionadas à operação de Cox, precocemente relatada por COX et al. (23) em 71% dos pacientes operados, é a propensão em reter grandes quantidades de líqüido no período pós-operatório imediato, levando a edema e congestão pulmonar. Uma das possíveis explicações seria a redução do nível sangüíneo do hormônio natriurético atrial, decorrente das inúmeras atriotomias.

Por outro lado, em séries de pacientes portadores de valvopatia mitral e FA, submetidos a tratamento concomitante da FA e da valvopatia, tal fenômeno não é relatado. JATENE et al. (14, 28, 29), KOSAKAI et al. (16, 17) e SANDOVAL et al. (26) não fazem referência à ocorrência de retenção hídrica no pós-operatório como complicação freqüente ou que traga conseqüências mais graves. Apenas GREGORI Jr. et al. (25) referem tratamento bem sucedido de retenção hídrica em pacientes valvopatas mitrais, sem maiores conseqüências.

De acordo com a suposição de KOSAKAI et al. (16), a impressão é de que, nos casos de valvopatia mitral reumática, na presença de processo degenerativo com fibrose e calcificação decorrentes da dilatação dos átrios, associada à miocardite reumática, a eficiência contrátil está comprometida, além de suas funções de produção hormonal já na fase de pré-operatório, e sua manipulação excessiva pela operação de Cox não traz maiores conseqüências.

Outro aspecto a ser considerado nos portadores de valvopatia mitral e FA é a menor ocorrência de retenção hídrica já que todos os operados, tanto no G I como no G II, se encontravam em ICC CF III ou IV, em uso de diuréticos no pré-operatório.

Técnica Operatória

Quanto à técnica, a operação de Cox exigiu mais tempo, o mesmo com a CEC, a parada anóxica e o tempo total de operação para sua realização quando associada à abordagem da valva mitral. Observou-se que, nos pacientes do G II, os tempos médios de CEC, pinçamento aórtico e total de operação foram, respectivamente, 64,9 min, 46,5 min e 269,1 min, ao passo que no G I, foram superiores, respectivamente, 158,6 min, 125,9 min e 450 min. Houve progressiva redução do tempo com o acúmulo da experiência.

Tempos longos de CEC foram descritos por COX et al. (23) e McCARTHY et al. (20), que referiram tempos médios de 184 min e 143 min, em um grupo de pacientes submetidos à operação de Cox, sem procedimentos associados. KOSAKAI et al. (16), em pacientes com características semelhantes às do grupo deste estudo, demonstraram tempo médio de CEC de 226 min e tempo médio de pinçamento aórtico de 142 min.

Tais resultados demonstram ser a operação de Cox procedimento que demanda tempo operatório maior, não somente quando é realizado em associação com tratamento cirúrgico da valva mitral, mas também quando realizado de forma isolada.

O procedimento cirúrgico, além de demandar maiores tempos operatórios, se refletiu no período pós-operatório imediato, como demonstraram KAWAGUCHI et al. (30), que constataram maior tempo de intubação e de permanência na UTI no grupo de pacientes submetidos à operação de Cox e tratamento cirúrgico da valva mitral (p = 0,021). Em nosso estudo, não se observou diferença estatisticamente significante entre os dois grupos, com relação ao período de pós-operatório imediato, apesar do tempo de permanência hospitar ligeiramente superior no G I (15,1 dias), em relação ao G II (14,4 dias).

Os resultados observados neste estudo, bem como em casuísticas anteriores (28, 29), demonstraram que, tanto a operação de Cox I como a de Cox III, mostraram-se eficientes no controle da FA em pacientes portadores de valvopatia de origem reumática, o mesmo observado por GREGORI Jr. et al. (15), que, desde o início do emprego da operação de Cox, vêm utilizando a técnica de Cox I, com resultados satisfatórios.

Apesar das várias propostas de modificações técnicas, acreditamos que tanto a operação de Cox I como a de Cox III empregadas nos pacientes do G I se mostraram eficientes no tratamento da FA, ficando pequenas alterações técnicas restritas a cada caso, sem modificar de forma importante o princípio da operação.

Tromboembolismo

Os fenômenos embólicos no período pré-operatório de pacientes portadores de valvopatia mitral, apesar de mais freqüentemente associados a ritmo de FA, apresentam, também, incidência significativa em pacientes em ritmo sinusal. BONCHEK (31) relata que 9% dos pacientes em ritmo sinusal apresentaram episódios de embolia sistêmica, contra 21% de pacientes em FA.

Observou-se, neste estudo, também que nem sempre se consegue diagnosticar com exatidão a presença de trombos nos átrios, já que, na avaliação pré-operatória por ECO, a trombose atrial foi detectada em 9 (4 no G I e 5 no G II) pacientes e, no ato operatório, trombose atrial foi identificada em 15 (6 no G I e 9 no G II) pacientes, em sua grande maioria localizados na aurícula esquerda.

Com relação ao período pós-operatório, observa-se incidência variável de episódios embólicos. MONTOYA et al. (32) relataram que 4% dos pacientes operados por EMi apresentaram embolia no pós-operatório em diferentes intervalos de tempo, sendo que 3 se encontravam em FA, a despeito de anticoagulação.

HERRERA et al. (33) referiram incidência de 9,7% de embolia central e periférica, em intervalo de tempo que variou de 1 a 189 meses, sendo que 60% se encontravam em FA, com metade deles recebendo anticoagulação oral.

Nos pacientes do G II deste estudo, observou-se incidência de 21,2% de episódios embólicos em período de tempo que variou de 1 dia até 46 meses de PO, sendo que 6 pacientes estavam em FA e 1 em ritmo sinusal previamente ao episódio embólico, com 2 recebendo anticoagulação oral.

Em nenhum dos pacientes do G I foram sugeridos episódios embólicos no período estudado, reforçando a idéia de que a manutenção do ritmo regular, a diminuição das dimensões do AE e o tratamento da lesão valvar sejam fatores que, conjuntamente, possam prevenir tais episódios.

Controle da Fibrilação Atrial

A FA, no período de pós-operatório imediato em todos os tipos de operação no coração, é ocorrência freqüente. CRESWELL et al. (34) referem que 34,6% de todos os pacientes submetidos a esse tipo de operação apresentam arritmia atrial (preferencialmente FA) no pós-operatório imediato.

Tais situações poderiam ser representadas por desequilíbrio metabólico ou hemodinâmico no período pós-operatório, uso de drogas vasoativas, aumento das dimensões dos átrios e isquemia atrial desencadeada por manipulação cirúrgica ou por proteção miocárdica não adequada (35).

Mesmo nos pacientes submetidos à operação de Cox, há relato de ocorrência de FA no pós-operatório imediato. COX et al. (27) relataram incidência superior a 34% de arritmias atriais, sendo 6,3% de FA. KOSAKAI et al. (16) demonstraram ocorrência de 43,5% de FA ou flutter atrial nas duas primeiras semanas de pós-operatório em pacientes portadores de FA e valvopatia mitral.

Nos pacientes do G I, observou-se ocorrência de 21,1% de FA, com recuperação para ritmo sinusal (3 após medicação anti-arrítmica e 1 após cardioversão elétrica) e manutenção de ritmo regular a longo prazo em todos, com exceção de 1, que retornou e se manteve em FA.

Acreditamos que a ocorrência de FA em pacientes submetidos à operação de Cox no período de pós-operatório não deva ser rigorosamente valorizada em uma fase tão inicial, já que os pacientes estão sujeitos aos mesmos desequilíbrios hidroeletrolíticos que qualquer paciente submetido à cirurgia cardíaca, além do processo inflamatório decorrente da intensa manipulação do tecido atrial. Superada esta fase inicial, observa-se nítida tendência à manutenção de ritmo regular a longo prazo, como pode ser demonstrado na avaliação dos pacientes do G I e em experiências relatadas por COX et al. (23, 27) e KOSAKAI et al. (16, 17).

Estudo dos fatores preditivos da ocorrência de FA após a operação de Cox foi realizado por KUMATA et al. (36), que sugerem haver relação entre a maior magnitude da onda de FA (p < 0,01) e o menor tamanho do AE (p<0,001) com a maior incidência de recuperação de ritmo sinusal. Segundo KOSAKAI et al. (16), alguns dos possíveis fatores que estariam relacionados com a não reversão da FA em 16% dos pacientes seria o tempo mais prolongado de FA no pré-operatório, diâmetro aumentado de AE tanto no pré como no pós-operatório e presença de AE gigante, mais comum nos pacientes que não recuperaram o ritmo sinusal.

Nos pacientes do G II, observou-se comportamento compatível com a literatura com relação à não reversão da FA após a correção da valvopatia mitral. CHUA et al. (3) referem que, mesmo em pacientes em ritmo sinusal no pré-operatório, após cirurgia da valva mitral, 5% deles assumem ritmo de FA tardiamente e 80% dos portadores de FA no pré-operatório permanecem em FA após 5 anos de evolução, demonstrando relação entre o tamanho do AE e a manutenção da FA.

Comportamento semelhante foi observado nos pacientes do G II, onde 76,5% permaneceram em ritmo de FA, a despeito do tratamento da valva mitral ter sido considerado eficaz.

Nos casos de manutenção de FA após a operação apenas da valva mitral, vários tipos de tratamento vêm sendo aplicados, com resultados favoráveis, apesar da necessidade de manutenção de medicação antiarrítmica ou de desfibrilações elétricas freqüentes.

Nos pacientes deste estudo, no G I, houve reversão da FA em todos que a apresentavam no pós-operatório imediato, após uso de antiarrítmicos em 3 casos ou cardioversão elétrica em 1. No G II, observou-se baixo índice de reversão da FA (4 em 28 casos), mesmo após o uso de antiarrítmicos ou cardioversão elétrica, com manutenção da FA tardiamente.

Evolução e Mortalidade Tardiar

Sob o ponto de vista clínico, tanto os pacientes do G I como os do G II mostraram importante melhora da CF no pós-operatório em comparação com o pré-operatório, onde todos os pacientes se encontravam em ICC CF III ou IV. Acreditamos ser o tratamento da lesão valvar o principal fator para melhora clínica, independentemente da associação ou não da operação de Cox.

Relatos com até 18 anos de evolução após operação isolada da valva mitral (33, 37, 38) demonstram que a grande maioria dos pacientes evolui em ICC CF I e II, ficando a piora clínica durante a evolução relacionada à recorrência da lesão valvar. Pouca referência se faz à descompensação clínica motivada pela FA.

Nos casos de valvopatia mitral associada à FA, com a utilização da operação de Cox em associação ao tratamento da valvopatia, pôde-se observar importante melhora clínica dos pacientes no pós-operatório tardio. Tal situação pôde ser observada nos pacientes do G I, em relato pessoal anterior (14) e nos relatos de KOSAKAI et al. (16, 17) e KAWAGUCHI et al. (30). Mesmo assim, reafirma-se a impressão de que o tratamento da valvopatia assume maior importância do que a operação de Cox, quanto à melhora clínica dos pacientes.

Com relação ao uso de medicação no pós-operatório, observou-se que 50% dos pacientes do G I não vêm fazendo uso de qualquer tipo de medicação no período estudado e 35% vêm fazendo uso de duas ou mais drogas. Diferentemente, no G II, a grande maioria dos pacientes (79,6%) vem se utilizando de duas ou mais drogas, sendo 15 destes em uso de drogas antitrombóticas. Intolerância aos medicamentos também foi fator que mereceu ser comentado, relatado por 7 pacientes do G II.

Referência semelhante foi feita por KAWAGUCHI et al. (30), onde 73% dos pacientes submetidos à operação de Cox e correção da valvopatia mitral puderam descontinuar o uso de medicação anticoagulante, além de 15% que suspenderam qualquer tipo de medicação.

Apesar do resultado semelhante do G I e do G II quanto à CF no pós-operatório, um menor número de pacientes no G I necessita de medicação, além de haver menos referência de problemas relacionados aos medicamentos, sugerindo benefício da utilização da operação de Cox, com melhor qualidade de sobrevida, em comparação com os pacientes não submetidos à operação.

Com relação à mortalidade tardia, 2 pacientes do G I e 2 do G II faleceram. Em 1 paciente do G II a causa foi de origem cardíaca, com disfunção ventricular progressiva, sem disfunção valvar. Os demais apresentaram, como causas de mortalidade tardia, infecção pulmonar, insuficiência renal crônica e neoplasia ginecológica, estando os 2 pacientes do G I em ritmo sinusal e os 2 do G II em FA.

Relatos como os de HERRERA et al. (33), SKOULARIGIS et al. (38) e HOUSMAN et al. (37) referem incidência de 9,5% a 15% de mortalidade tardia em pacientes submetidos a tratamento cirúrgico da valva mitral. As causas foram variadas, desde causas de origem cardíaca (disfunção valvar, tromboembolismo, disfunção ventricular e morte súbita), não cardíacas, até mesmo desconhecidas, com óbito domiciliar.

CONCLUSÕES

A operação de Cox mostrou ser eficiente no controle da FA, devendo ser considerada como opção terapêutica consistente nos pacientes portadores de FA associada a valvopatia mitral.

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