Article

lock Open Access lock Peer-Reviewed

1

Views

ORIGINAL ARTICLE

Development of an experimental model, in dogs, to study homogous aortic valve grafts

Rui Manoel Sequeira de ALMEIDA0; Danton R. da Rocha Loures0; Hélcio GIFFHORN0; Katia PIFFER0; Ana Cláudia Araújo dos SANTOS0; Maureen Aparecida de OLIVEIRA0; Edison José Ribeiro0; Maria João Amorim Ferreira0

DOI: 10.1590/S0102-76381998000100009

ABSTRACT

The aim of this research was to develop an experimental model, with dogs, to study homologous aortic valve grafts. A group of twenty randomly selected dogs was divided into two subgroups of tem, being Group I the donor group and Group II the recipient group. The surgical approach to the animals of Group I was through a median thoracotomy through which the heart was explanted. The homograft aortic valve was trimmed and prepared. The technical procedures are described step by step. All the dogs from Group II had a median laparotomy performed and the homograft was immediately implanted in the abdominal aorta below the emergence of both renal arteries. The median weight of Group I dogs was 5.5 ± 1.7 kg and 11.9 ± 2.3 kg for Group II. The abdominal aorta's diameter was 8.8 ± 1.2 mm and the one of the homograft valve was 11.8 ± 1.4 mm. The only problem during surgery was the injury of the lymphatic ducts in four cases, with no consequences after its ligation. The mean period of occlusion was 37.6 ± 13.3 minutes. One animal died ten days after surgery due to inferior mesenteric infarction; a second one was sacrificed 14 days after surgery due to a serious infection of the surgical wound; a third animal escaped from the bioterium 25 days after surgery. All the remaining dogs were submitted to a new laparotomy after 30 days. The abdominal cavity was analyzed for adhesions and grafts' haematoma and the aortic pressures proximal and distally to the graft registered (mean gradient was 2.5 mm/Hg). The cusps and the graft were satisfactory, except in two cases, due to partial fixation of one of the cusps; thrombi appeared on all the other two sinuses of Valsalva. Concluding it was felt that this experimental model is compatible, for future studies, of aortic valve homologous grafts.

RESUMO

Vinte cães foram divididos em dois grupos de dez, sendo um o grupo doador (Grupo 1) e o outro, o receptor (Grupo 2). Todos os animais do grupo 1 foram submetidos a uma toracotomia mediana e sacrificados, para a retirada do coração e da valva aórtica; os cães do grupo 2 foram submetidos a uma laparotomia mediana para o implante das valvas aórticas homólogas na aorta abdominal infra-renal. O peso médio dos cães do grupo 1 era de 5,5 ± 1,7 kg e o diâmetro médio da aorta descendente de 11,8 ± 1,4 mm. No grupo 2 o peso médio era de 11,9 ± 2,3 kg e o diâmetro da aorta abdominal, de 8,8 ± 1,2 mm. A operação no grupo 2 teve como intercorrência a lesão do conduto linfático, em 4 casos, sendo o tempo médio de isquemia, durante o implante do enxerto homólogo, de 37,6 ± 13,3 min. Os animais foram acompanhados por um período de trinta dias, à exceção de 3. Um cão faleceu no décimo dia de pós-operatório por infarto da artéria mesentérica inferior; um segundo foi sacrificado no décimo quarto dia, por apresentar deiscência parcial da ferida cirúrgica, e o terceiro se evadiu no vigésimo quinto dia de pós-operatório. Dois animais apresentaram deiscência da incisão cirúrgica, levando a uma morbidade de 20%. No trigésimo dia, todos os animais sobreviventes foram submetidos a nova laparotomia, quando foram analisados as aderências da cavidade abdominal e o hematoma em torno do enxerto homólogo, e foram aferidas e registradas as pressões proximal e distal ao enxerto valvar (gradiente médio de 25 mmHg). Após o sacrifício do animal, os enxertos foram explantados para a análise das válvulas que eram normais, à excepção de dois, que apresentavam trombos e retração com fibrose, porém, sem significação clínica. Conclui-se que o modelo é viável para estudos futuros sobre valvas aórticas homólogas.
INTRODUÇÃO

A moléstia reumática é doença extremamente comum em nosso meio, provocando lesões valvares, com porcentagem elevada da população. Na maioria das lesões, há a necessidade da substituição da valva por prótese.

Atualmente, existem vários substitutos valvares, divididos em dois grandes grupos: as próteses mecânicas e as biológicas, estas homólogas e heterólogas. Todas têm vantagens e desvantagens. Para se chegar à prótese ideal devem ser analisados vários aspectos: durabilidade, formação de trombos com obstrução e/ou embolização, uso ou não de anticoagulantes, risco de substituição, endocardite infecciosa e desempenho hemodinâmico (1).

Entre todos os substitutos valvares, as valvas aórticas homólogas aparecem como sendo um substituto quase ideal. Além das vantagens hemodinâmicas, o baixo risco de endocardite infecciosa e a baixa morbimortalidade, a ausência de anticoagulação, a durabilidade igual ou maior à de alguns tipos de próteses biológicas e mecânicas, são fatos favoráveis. Apesar de obtenção relativamente fácil e de custo mais compatível com a realidade nacional, poucas têm sido as Instituições que utilizam os enxertos valvares aórticos homólogos, ou se dedicam ao estudo experimental, mesmo no Brasil.

O tratamento das doenças valvares cardíacas foi, desde o início, um desafio. As primeiras tentativas ocorreram antes do advento da circulação extracorpórea, que permitiu a atuação do cirurgião a "céu aberto", com a substituição do coração e dos pulmões por um sistema mecânico auxiliar. HUFNAGEL & HARVEY (2) implantaram a primeira prótese valvar mecânica (prótese de bola) na aorta descendente, em paciente portador de insuficiência aórtica. Apesar dos inconvenientes destas primeiras próteses, os resultados foram satisfatórios, levando LAM et al. (3) a realizarem trabalhos experimentais em cães, com próteses valvares aórticas homólogas, ("enxertos homólogos") na aorta torácica descendente. Os resultados foram insatisfatórios, em virtude da retração e fibrose das válvulas e da dificuldade na criação de uma insuficiência aórtica experimental. BROCK (4) demonstrou que, com fluxo pulsátil, através do enxerto homólogo, as suas válvulas não apresentariam este processo de fibrose e retração. Baseado em seus trabalhos experimentais, MURRAY (5) provou ser possível, clinicamente, inserir um enxerto homólogo na aorta descendente de pacientes com insuficiência aórtica, com melhora de seus sintomas. Trabalhos subseqüentes demonstraram que a estrutura e o desempenho dos enxertos homólogos estavam preservados, em seguimento de até 15 anos de 2 dos 6 pacientes iniciais (2, 6).

O difícil acesso a este tipo de substituto valvar, em conseqüência da dificuldade de doadores e da sua difícil conservação e estocagem, a evolução processou-se no sentido das próteses metálicas e biológicas heterólogas.

Os estudos com homoenxertos prosseguiram e GUNNING & DURAN (7), em Oxford, descreveram o uso experimental de enxertos homólogos em posição subcoronariana, fixados com uma única linha de sutura. No mesmo ano, ROSS (1) e BARRATT-BOYES (8) descreveram, separadamente, o uso clínico desta técnica, com bons resultados, o que levou alguns centros ao uso cauteloso deste tipo de enxerto como substituto da valva aórtica. Diversas contribuições foram feitas: a modificação técnica para o implante usando-se duas linhas de sutura, por BARRATT-BOYES (9) o preparo utilizado por LONGMORE et al. (10), e a preservação e esterilização, por LOCKEY et al (11). No Brasil, Felipozzi (citado por BRAILE (12) e ZERBINI (13)) introduziu o uso clínico de enxertos homólogos, em 1967.

MATERIAL E MÉTODOS

Utilizaram-se 20 cães, sadios, mestiços, adultos, de ambos os sexos, com peso corpóreo variando entre 3 kg e 15 kg, provenientes do Canil da Prefeitura Municipal de Curitiba, e tratados segundo as normas do International Guiding Principles for Biomedical Research Involving Animals (14). Os cães permaneceram em quarentena pré-operatória de 24 a 48 horas. Os animais foram distribuídos em dois grupos de dez, sendo o grupo 1 (obs. 1, 3, 5, 7, 9, 11, 13, 15, 17, 19) definido como o grupo doador e o grupo 2 (obs. 2, 4, 6, 8, 10, 12, 14, 16, 18, 20), como grupo receptor. Todos os animais foram alojados no Biotério do Centro de Cirurgia Experimental da Faculdade Evangélica de Medicina do Paraná. Realizada a medicação pré-anestésica com 0,01 mg/kg de sulfato de atropina (Atropina®, Frumtost) e 1 mg/kg de midazolam (Dormonid®, Roche), o cão foi pesado e realizada tricotomia da região operatória. O animal foi colocado em decúbito dorsal, na mesa cirúrgica. Em seguida, procedeu-se ao acesso a uma veia superficial por meio de uma punção da veia cefálica e colocação de soro fisiológico e administração de 25 mg/kg de peso do animal de solução de tiobarbiturato (1-metil-butil) etil sódico (Thionembutal®, Abbott), por via endovenosa, como solução anestésica.

Obtenção dos Enxertos Valvares (Grupo 1)

Após o preparo, foi administrada solução de KCl 19,1%, na concentração de 5 amp/100ml S. F., até a parada cardíaca em assistolia. A região cirúrgica foi limpa com solução degermante de polivinilpirrolidona-iodo (Povidine Degermante®, Darrow) e à anti-sepsia com tintura de polivinilpirrolidona-iodo (Povidine Tintura®, Darrow); colocação de campos cirúrgicos. Realizada esternotomia mediana, seguida de pericardiotomia com fixação das margens do pericárdio. Realizada a ligadura das veias cavas inferior e superior, bem como do tronco pulmonar, secção da aorta ascendente, imediatamente antes da saída do tronco braquiocefálico. Secção das veias cavas e tronco pulmonar, proximalmente à ligadura e retirada do coração da cavidade pericárdica, com ligadura da porção distal da aorta. Síntese da parede torácica, por planos anatômicos.

Dissecção do Coração

Retirado o coração do cão, com 4 cm a 5 cm da aorta ascendente, procedeu-se à sua preparação. A valva aórtica, a porção da aorta ascendente, 8 mm a 10 mm de músculo ventricular adjacente ao anel aórtico, a cúspide anterior da valva mitral e 3 mm a 4 mm das artérias coronárias foram dissecados, descartando-se o restante do coração. A peça foi cuidadosamente lavada em 250 ml de solução salina isotônica com 5.000 U.I. de heparina. A dissecção foi realizada cuidadosamente na porção ventricular da valva aórtica, deixando apenas uma tira de músculo do ventrículo esquerdo, de 5 mm a 7 mm, em toda a volta, incluindo a porção da cúspide anterior da valva mitral, sem cordas. Distalmente à valva, a aorta ascendente foi preservada, com as suas três camadas, até um comprimento de 2 mm a 3 cm. O enxerto foi, então, evertido, os óstios das coronárias foram fechados com sutura contínua de fio de Polipropileno; em seguida, o enxerto foi revertido e as artérias coronárias ligadas, próximo à parede da aorta. O diâmetro da aorta foi medido na sua porção distal, sendo este valor considerado como referencial.

Técnica para Implante (Grupo 2)

Preparo dos Cães

Após o preparo inicial, foi realizada a administração de 15 mg/kg de peso do animal de solução de tiobarbiturato (1-metil-butil) etil sódico (Thionembutal®, Abbott), por via endovenosa, como solução anestésica, a intubação orotraqueal, e fornecimento de oxigênio, a administração, por via endovenosa, de 80 mg/kg de peso do animal de cefalotina sódica tamponada (Cefalotina®, Biochimo), como solução antibiótica, tendo a anestesia sido mantida com um terço das doses iniciais de Thionembutal®. Realizou-se uma incisão mediana, de pele e tecido celular subcutâneo, iniciando-se no nível do apêndice xifóide, terminando no nível do osso púbis. Abertura da cavidade peritoneal com exame da mesma e o afastamento cranial das alças intestinais, para fora da cavidade abdominal. Realizada a secção do peritônio posterior, e liberação da aorta até a visibilização da veia cava inferior, nas artérias renais e ilíacas. Passadas falsas ligaduras (torniquete) das artérias lombares e mesentérica inferior. Realizada a injeção de heparina (Liquemine®, Roche), E.V., na dosagem de 0,5 ml/kg de peso do animal (50 U.I./kg), como solução anticoagulante. Após a circulação da mesma (1 minuto), colocação de pinças aórticas ("pinças de DeBakey clássicas") distalmente às artérias renais e proximalmente às ilíacas, secção da aorta, entre as duas pinças.

Anastomose término-terminal da porção proximal da aorta abdominal com a porção proximal do enxerto homólogo, fixando-se a válvula não-coronariana à parede da aorta da anastomose, para permitir o fechamento parcial das válvulas do enxerto durante a diástole. Realizou-se a anastomose término-terminal da porção distal da aorta abdominal com a porção distal do enxerto homólogo, em sutura contínua. Antes do término da sutura, a pinça distal é aberta para a retirada de ar. Simultaneamente, é infundido bicarbonato de sódio a 10%, na dose de 1 mEq/kg de peso do animal. É feita a liberação da pinça proximal, hemostasia local e fechamento do peritônio. As alças intestinais são colocadas na cavidade abdominal e é realizada hemostasia geral e a síntese da parede abdominal por planos anatômicos e curativos.

Controle Pós-Operatório

O animal permaneceu na sala de operação até o completo restabelecimento de suas funções, sendo identificado com uma coleira numerada e, em seguida, foi levado ao biotério. Prescreveu-se um jejum de 12 h, seguido de dieta líqüida (solução açucarada de leite e água) por 30 h e dieta livre padrão a partir do segundo dia de pós-operatório. No exame clínico diário observou-se a ferida cirúrgica, os pulsos femorais e as possíveis complicações.

Técnica de Implante das Valvas

O preparo do cão e a abordagem cirúrgica para a retirada do implante foram feitos do mesmo modo que o seu implante, sendo modificada apenas na abertura do peritônio posterior, através da incisão prévia com observação do hematoma em torno do enxerto homólogo. Realizada a dissecação das aderências, para liberar a aorta e a confecção de duas bolsas, na parede da aorta nativa, proximal e distalmente ao enxerto homólogo. Introduziu-se um cateter, tipo Aboccath®, em cada uma das bolsas, para medida simultânea das pressões, por intermédio de um manômetro de mercúrio. Após, foi administrada solução de KCl a 19,1%, na concentração de 5 amp/100 ml S.F., até a parada cardíaca em assistolia. Realizada a ligadura da aorta, proximal e distalmente ao enxerto, e retirada a peça, que inclui a aorta nativa nos dois extremos do enxerto homólogo. As alças intestinais foram recolocadas na cavidade abdominal e foi feita a síntese da parede abdominal por planos anatômicos.

Todas as valvas explantadas foram examinadas. Foram registrados os seguintes aspectos:

* pressão na aorta proximal e distal ao enxerto;
* aparência e consistência da parede interna da aorta do enxerto após a abertura da peça, no sentido longitudinal;
* aparência e consistência das válvulas do enxerto;
* análise das suturas.



Os animais do Grupo 1, que foram sacrificados e dos quais foram retirados os corações, apresentaram um peso médio de 5,55 ± 1,75 kg. Destes, 70% eram do sexo masculino. Os enxertos apresentaram um diâmetro médio de 11,8 ± 1,4 mm, sendo que 40% tinham 3 óstios coronarianos, em 3 casos saindo do seio da Valsalva da válvula coronariana direita (obs. 3, 5, 19) e em 1, da esquerda (obs. 9). A retirada do coração dos cães deste grupo foi realizada, em média, em 17,3 ± 6,0 min, e o preparo do enxerto em 23,5 ± 6,0 min (Tabela 2).



Os animais do Grupo 2, que foram submetidos ao implante eram do sexo masculino em 50% dos casos e apresentaram um peso médio de 11,9 ± 2,3 kg. A aorta abdominal tinha, em média, um diâmetro interno de 8,8 ± 1,2 mm (Tabela 3). O tempo de operação considerado desde a incisão da pele até ao final do fechamento foi de 121,0 ± 30,0 min. O tempo de pinçamento da aorta abdominal foi de 37,6 ± 13,3 min. Na abertura das pinças, o sangramento total observado foi de 27,0 ml (0 - 80) (Tabela 4). Em 4 cães (obs. 2, 4, 10, 14) o conduto linfático foi ligado, durante o ato cirúrgico, por lesão durante a dissecação da aorta, sem repercussão no período de pós-operatório.







RESULTADOS

Na evolução pós-operatória imediata (primeiras 48 horas), todos os cães tiveram uma boa recuperação, sendo que iniciaram a deambulação após a oitava hora, à exceção dos de números 8 e 20, que levaram 18 horas para deambular. No restante do período de observação (30 dias), a evolução foi satisfatória, sendo os cães submetidos a uma avaliação diária da incisão cirúrgica e dos pulsos femorais.

Todos os cães foram sacrificados no trigésimo dia de pós-operatório, exceto 3 (obs. 4, 8, 16). O de nº 4, faleceu no 10º dia de pós-operatório, tendo sido observada, na autópsia, necrose da porção distal do intestino delgado e do cólon ascendente. Este cão, no dia anterior ao óbito, apresentava a ferida cirúrgica em boas condições e ambos os pulsos ilíacos presentes e palpáveis. O de nº 8 foi sacrificado no 14º dia de pós-operatório, por apresentar deiscência da incisão cirúrgica, na sua porção superior. Este cão apresentou, no dia do sacrifício, pulsos ilíacos palpáveis, tendo sido medidas as pressões na aorta proximal e distalmente ao enxerto valvar aórtico homólogo, que demonstraram um gradiente de 10 mmHg (Tabela 6). O de nº 16 fugiu do biotério no 25º dia de pós-operatório, sendo que, no dia anterior, apresentava boa cicatrização cirúrgica e pulsos femorais normais.



Antes do sacrifício, todos os cães foram pesados (média de 12,8 ± 2,6 kg), tendo havido um ganho ponderal médio de 0,9 kg. No ato cirúrgico, para o sacrifício, todos apresentaram aderências em vários graus; o hematoma retroperitonial, como indica a Tabela 5, não comprometeu o diâmetro interno da aorta abdominal, ou do enxerto homólogo, não provocando qualquer compressão externa.

As pressões foram medidas na aorta abdominal proximal e distal ao enxerto, em todos os cães, à exceção do de nº 16, em que foram medidas durante a realização de estudo hemodinâmico. O gradiente médio entre as pressões proximal e distal foi de 2,5 ± 4,6 mmHg, sendo que em 75% não houve gradiente.

Todos os enxertos foram retirados, após o sacrifício dos cães, bem como 3 cm a 4 cm de aorta abdominal proximal e distal. Em nenhum caso se observou calcificação, da parede da aorta ou das válvulas. As suturas entre a aorta e o enxerto homólogo não apresentaram qualquer solução de continuidade.

As válvulas, em todos os casos, estavam normais, sem retração e/ou fibrose, ao exame macroscópico, à exceção dos cães de números 2 e 10; no primeiro caso, as válvulas encontravam-se normais, com presença de trombos entre a válvula direita e esquerda e, no segundo, retração e fibrose com a presença de trombos organizados nos três seios de Valsalva.

COMENTÁRIOS

Nesta pesquisa foram usados dois grupos de cães, em que os animais do grupo receptor apresentavam peso duas vezes superior, em média, em relação aos do grupo doador, considerando o diâmetro da aorta ascendente maior que o da aorta abdominal.

A amostra dos cães do Grupo 1 é homogênea, em relação ao peso dos animais e ao diâmetro do enxerto, de acordo com desvio padrão. Esta amostra apresentou uma incidência de 40% de enxertos valvares com três óstios coronarianos (Tabela 2). Nestes casos (obs. 3, 5, 13, 19), procedeu-se ao fechamento dos três óstios pela parte interna do enxerto; nos casos com dois óstios no seio de Valsalva da coronária direita (obs. 3, 5, 19), um deles dava origem a uma artéria de pequeno calibre, que não foi ligada pela parte externa; no caso da presença de dois óstios no seio de Valsalva da coronária esquerda (obs. 13), um deles dava origem ao ramo interventricular anterior e o outro, à circunflexa, ambas ligadas pela parte externa.

No Grupo 2, os cães apresentaram a mesma homogeneidade, em relação ao peso e ao diâmetro da aorta abdominal, (Tabela 3). A operação de implante da valva aórtica homóloga na aorta abdominal, que pode ser descrita como transplante heterotópico de um enxerto valvar aórtico homólogo, decorreu sem intercorrências, graças à experiência e entrosamento da equipe cirúrgica (Tabela 4).

No ato cirúrgico, durante a dissecção da aorta abdominal em 4 casos houve lesão do conduto linfático (obs. 2, 4, 10, 14), localizado à esquerda e atrás da aorta, e sem conseqüências.

As feridas cirúrgicas, observadas diariamente, apresentaram deiscência parcial em 2 casos (obs. 8, 10).

Um cão (obs. 16) fugiu do biotério no 25º dia pós-operatório, em boas condições.

A mortalidade nesta série foi de 1 caso (obs. 4), no 10º dia de pós-operatório. Este cão apresentou, nos dias anteriores ao óbito, fezes de cor escura; na autópsia, foi constatada necrose da porção distal do intestino delgado e do colo ascendente. Analisando-se, retrospectivamente, verificou-se que, na dissecação da aorta abdominal, houve necessidade de ligar alguns vasos, entre os quais, possivelmente a artéria mesentérica inferior, levando a um quadro de infarto intestinal; a retirada da peça, mostrou válvulas com a sua estrutura mantida.

Todos os cães sacrificados foram pesados, no 30º dia de pós-operatório, com ganho de peso, à exceção dos de nº 4 e 18, que mantiveram o peso original.

Pela medida das pressões arteriais proximal e distal ao enxerto, verificou-se que não houve gradiente, através das duas linhas de sutura e das válvulas que fechavam parcialmente o enxerto, em 6 casos; nas outras observações, o gradiente variou de 8% a 10% da pressão sistólica. Com estes dados, constatou-se que não houve alteração do fluxo de sangue, para as estruturas irrigadas abaixo da área de implante (Tabela 6).

Todos os enxertos explantados foram cuidadosamente analisados. A deposição de cálcio não foi encontrada em nenhum deles, provavelmente pelo período do estudo ter sido curto, apenas 30 dias. Observou-se, no caso de número 2, a presença de um hematoma entre as válvulas direita e esquerda, sem influência na sua movimentação, em decorrência da válvula não-coronariana estar apenas parcialmente fixa; no cão de número 10 observou-se retração, fibrose e aparecimento de trombos nos seios de Valsalva das válvulas direita, esquerda e não-coronariana, também devido à fixação parcial da não-coronariana (Tabela 7).



LAM et al. (3) descreveram o uso experimental de enxertos valvares aórticos homólogos colocados na aorta torácica descendente de cães. Estes autores operaram, numa primeira série, 27 cães, tendo tido uma mortalidade imediata (30 dias) de 74%, sendo as causas mais freqüentes hemorragia, deiscência das suturas e problemas anestésicos; numa segunda série de 48 cães, a mortalidade foi de 62,5%, por causas semelhantes. Outro problema enfrentado por estes autores foi que as válvulas da valva aórtica apresentavam alterações, como fibrose e retração, decorrentes de não serem submetidas a um fluxo pulsátil, tendo, na segunda série, provocado uma insuficiência na valva do cão receptor. MURRAY (15) (1956) observou que, quando havia regurgitação aórtica importante, a valva transplantada iniciava sua função imediatamente, diferentemente dos casos sem lesão valvar nos quais as válvulas do enxerto aderiam à parede aórtica e apresentavam coágulos.

Em 1965, DURAN et al. (15) apresentaram um trabalho em que mostraram o comportamento dos enxertos valvares aórticos homólogos, implantados na aorta descendente de cães, em dois grupos de animais; no primeiro grupo, os cães não apresentavam insuficiência da valva aórtica e, no segundo grupo, era criada durante o ato cirúrgico, repetindo a pesquisa de LAM et al. (3). Os resultados relatados, apesar da alta mortalidade imediata em ambos os grupos, confirmaram que, quando o enxerto valvar não é submetido a um fluxo pulsátil, as válvulas têm tendência a se espessarem e aparecem coágulos nos seios de Valsalva. No grupo em que não foi realizada insuficiência aórtica, a mortalidade foi de 56% nas primeiras 24 horas, 73% nos primeiros 7 dias, tendo todos os cães falecido até o 34° dia de pós-operatório. Todas as causas de óbito foram conseqüência da operação.

Dois dos animais do nosso estudo apresentaram alterações das válvulas e trombos, porque a cúspide não-coronariana estava parcialmente fixa. À maneira de outros autores (3, 5, 15), o grupo de Brock, em 1953 (citado por ROSS, em 1988) (16), demonstrou que as válvulas persistiriam com sua função normal, se sujeitas a um fluxo pulsátil, ou seja, que o enxerto homólogo somente funcionaria na presença de uma insuficiência da valva nativa; baseados neste princípio foi que YANKAH et al. (17, 18) modificaram a técnica para os estudos experimentais. Estes autores apresentaram trabalhos em que utilizavam um modelo experimental em ratos, nos quais o enxerto homólogo era colocado na aorta abdominal, abaixo das artérias renais, com a válvula anterior da valva aórtica parcialmente incorporada à anastomose proximal, a fim de criar uma insuficiência valvar e, assim, assegurar uma lavagem completa dos seios de Valsalva, durante a sístole e a diástole, prevenindo a trombose local. Este modelo experimental foi modificado por GREEN et al. (19), em conseqüência da discrepância entre o diâmetro da aorta torácica e abdominal. Apesar deste modelo experimental e sua modificação serem cirurgicamente mais fáceis, têm a desvantagem do uso de microscopia, com magnificação de dez vezes e, por conseguinte, o uso de técnicas de microcirurgia.

Nesta pesquisa, como solução para estes problemas, foi modificada a técnica:

* fixou-se a válvula não-coronariana à parede da aorta proximal, entre esta e a porção ventricular do enxerto homólogo, de modo a permitir o fechamento parcial dos componentes do enxerto homólogo durante a diástole;
* usando um animal de maior porte, não houve necessidade do uso de material de magnificação, em virtude de o diâmetro médio da aorta ser de 9 mm e o do enxerto homólogo ser superior, em média, a 12 mm.

Com o implante do enxerto na aorta abdominal, a mortalidade foi de 10%, devido à ligadura da artéria mesentérica inferior; após este caso, todos os ramos da aorta, mesmo os mais próximos dos locais da sutura, eram apenas isolados por falsas ligaduras e não mais ligados definitivamente. Em um dos casos (obs. 16), foi realizada uma aortografia, para verificar o aspecto do enxerto in situ e a circulação e os ramos da aorta.

Nos modelos experimentais, anteriormente apresentados, a dificuldade técnica e a morbimortalidade decorrem da abordagem da aorta descendente através de toracotomia póstero-lateral, com necessidade de ventilação assistida no transoperatório e do uso de drenos pleurais no pós-operatório imediato.

Nesta pesquisa, não houve necessidade do uso de ventilação assistida, tanto no trans como no pós-operatório, a não ser nos casos de números 2 e 16, em que cães tiveram uma parada cardiorrespiratória e respiratória, respectivamente, provavelmente em decorrência da quantidade de anestésico. As incisões cirúrgicas foram fechadas, sem a colocação de drenos, tornando o pós-operatório mais confortável e de mais fácil controle.

O modelo apresentado neste trabalho elimina as desvantagens dos trabalhos anteriormente citados: a) não há necessidade de manipulação cirúrgica trabalhosa, visto a abordagem realizar-se através de laparotomia mediana; b) não haver necessidade de equipamentos de magnificação, como o microscópio ótico ou óculos cirúrgicos de aumento; c) menor risco de lesão de estruturas irrigadas a partir da aorta, considerando que a anastomose é realizada abaixo da emergência das artérias renais e parte das lombares.

Diante destes resultados, pode-se concluir que este modelo é viável para a obtenção de enxertos valvares aórticos homólogos e o seu implante na aorta abdominal de cães.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 Ross D N - Homograft replacement of the aortic valve. Lancet 1962; 2: 487-8.

2 Hufnagel C A & Harvey W P - The surgical correction of aortic insufficiency. Bull Georgetown Univ Med Center 1953; 6: 60-5.

3 Lam C R, Aram H H, Munnel E R - An experimental study of aortic homografts. Surg Gynaecol Obstet 1952; 94: 129-35.

4 Brock R C - Aortic homografting: report of 6 successful case. Guy's Hosp Rep 1953; 102: 204-28.

5 Murray G - Homologous aortic-valve-segment transplants as surgical treatment for aortic and mitral insufficiency. Angiology 1956; 7: 466-71.

6 Kerwin A G, Lenkei S C, Wilson D R - Aortic valve homograft in the treatment of aortic insufficiency: report of nine cases with one follow-up for 6 years. N Engl J Med 1962; 266: 852-7.

7 Gunning A J & Duran C G - A method for placing a total homologous aortic valve in the subcoronary position. Lancet 1962; 2: 488-9.

8 Barratt-Boyes B G - Homograft aortic valve replacement in the aortic incompetence and stenosis. Thorax 1964; 19: 131-50.

9 Barratt-Boyes B G - A method for preparing and inserting a homograft aortic valve. Br J Surg 1965; 52: 847-56.

10 Longmore D B, Lockey E, Ross D N, Pickering B N - The preparation of aortic-valve homografts. Lancet 1966; 2: 463-4.

11 Lockey E, Al-Janabi N, Gonzalez-Lavin L, Ross D N - A method of sterilizing and preserving fresh allograft heart valves. Thorax 1972; 27: 398-400.
[ Medline ]

12 Braile D M - Prótese valvular de pericárdio bovino: desenvolvimento e aplicação clínica em posição mitral. [Tese. Doutorado]. São Paulo: Escola Paulista de Medicina, 1990. 110p.

13 Zerbini E J - Emprego de valvas homólogas na cirurgia cardíaca. Rev Paulista Med 1969; 74: 1-4.

14 Who Advisory Committee on Medical Research - International Guiding Principles for Biomedical Research Involving Animals. Who Chronicle 1985; 39: 51-6.

15 Duran C G, Manley G, Gunning A J - The behaviour of homo-transplanted aortic valves in the dog. Br J Surg 1965; 52: 549-52.

16 Ross D N - Cardiac valve allografts 1962-1987. In: Yankah A C, Hetzer R, Miller D C, Ross D N, Somerville J, Yacoub M H, eds. Current concepts on the use of aortic and pulmonary allografts for heart valve substitutes. New York: Darmstadt, Steinkopff, Springer, 1988: 1-11.

17 Yankah A C, Wottge H U, Muller-Ruchholtz W - Cardiac valve allografts 1962-1987. In: Yankah A C, Hetzer R, Miller D C, Ross D N, Somerville J, Yacoub M H, eds. Current concepts on the use of aortic and pulmonary allografts for heart valve substitutes. New York: Darmstadt, Steinkopff, Springer, 1988: 77-87.

18 Yankah A C, Dreyer W, Wottge H U, Muller-Ruchholtz W, Bernhard A - Cardiac valve allografts 1962-1987. In: Yankah A C, Hetzer R, Miller D C, Ross D N, Somerville J, Yacoub M H, eds. Current concepts on the use of aortic and pulmonary allografts for heart valve substitutes. New York: Darmstadt, Steinkopff, Springer, 1988: 73-84.

19 Green M K, Zhao X M, Senewiratne S, McGiffin D C - A microsurgical rat model for aortic valve allografts. Transplant Proc 1992; 24: 2286.

20 Almeida R S, Wyse R, De Leval M, Stark J - Utilização de valvas homólogas e heterólogas em condutos extracardíacos. Rev Bras Cir Cardiovasc 1988; 3: 101-8.
[ Lilacs ]

Article receive on Monday, September 1, 1997

CCBY All scientific articles published at bjcvs.org are licensed under a Creative Commons license

Indexes

All rights reserved 2017 / © 2024 Brazilian Society of Cardiovascular Surgery DEVELOPMENT BY