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Total correction of tetralogy of Fallot in the first year of life

Fernando MORAES NETO0; Cleuza LAPA0; Carlos R Moraes0; Sheila Hazin0; Cláudio A Gomes0; Euclides Tenório0; Sandra S Mattos0

DOI: 10.1590/S0102-76381998000100006

INTRODUÇÃO

As vantagens e desvantagens da correção definitiva das cardiopatias congênitas no primeiro ano de vida vêm sendo investigadas há vários anos, havendo evidência de que essa conduta atenua os efeitos secundários em órgãos vitais, produzidos pela lesão cardíaca (1). Com relação à tétrade de Fallot (TF), seu reparo precoce vem sendo realizado em diversos centros, com baixa mortalidade (2-12).

A conduta adotada em nosso grupo, até recentemente, consistia em realizar o tratamento cirúrgico da TF em dois estágios. Entre 1970 e 1997, realizamos a correção definitiva em 314 pacientes, com mortalidade de 14%, e a operação de Blalock-Taussig, em 132, com mortalidade de 9%. Nos últimos cinco anos, a mortalidade da correção intracardíaca, realizada em 59 doentes, caiu para 5%. Nesse mesmo período, a mortalidade da operação de Blalock no primeiro ano de vida foi de 14%.

A análise dessa experiência revelou, assim, uma acentuada diminuição do risco da correção da TF, ao mesmo tempo em que permaneceu alta a mortalidade das operações de shunt, quando realizada no primeiro ano de vida. Esse fato, associado ao aperfeiçoamento das técnicas de perfusão e de controle trans e pós-operatório de pequenas crianças, induziu-nos a mudar de conduta. No presente trabalho, descrevemos os resultados preliminares da correção definitiva da TF no primeiro ano de vida.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Entre janeiro de 1996 e novembro de 1997, 15 crianças com menos de um ano de idade portadoras de TF foram eletivamente submetidas à correção intracardíaca, no Instituto do Coração de Pernambuco. Elas representam a totalidade dos casos de TF com menos de um ano atendidos no Serviço no período referido. Dez eram do sexo masculino e 5, do feminino. A idade variou de 3 a 11 meses (média: 6 meses) e o peso de 5 kg a 9 kg (média: 7,2 kg).

Treze crianças tinham sintomas de hipoxemia e 2 eram acianóticas e assintomáticas. O diagnóstico definitivo foi estabelecido em todos os casos por ecoDopplecardiografia bidimensional, tendo apenas uma criança sido submetida a cateterismo cardíaco em outro hospital.

Técnica Cirúrgica

Todos os pacientes foram operados com auxílio da circulação extracorpórea (CEC) convencional com oxigenador de membranas e hipotermia moderada (25°C). Obteve-se proteção miocárdica por infusão na aorta de solução cardioplégica cristalóide gelada e hipotermia tópica do coração.

A correção intracardíaca foi feita por via transventricular em 14 casos e por via transatrial e pulmonar numa criança cujo ramo interventricular anterior cruzava a via de saída do ventrículo direito (VD). Procedeu-se à ressecção de ambos os ramos da crista supraventricular e, nos casos de hipoplasia do anel pulmonar, estendeu-se a ventriculotomia até a bifurcação do tronco pulmonar. O fechamento da comunicação interventricular (CIV) e a ampliação da via de saída do VD foram sempre feitas com pericárdio bovino em sutura contínua de Prolene 6-0.

Uma vez interrompida a CEC e obtida estabilidade hemodinâmica, realizaram-se medidas de pressão nas cavidades cardíacas direitas e colheram-se amostras de sangue para gasometria.

Na sala de recuperação, todas as crianças foram mantidas em assistência ventilatória por algumas horas com respirador de volume. Procurou-se realizar a extubação precocemente, desde que as condições hemodinâmicas fossem estáveis e não houvesse sangramento ou déficit neurológico.

RESULTADOS

Dados Operatórios

O tempo de CEC variou de 50 min a 125 min (média: 84 min) e o de pinçamento aórtico de 32 min a 86 min (média: 56 min). Em 11 pacientes, realizou-se a ampliação da via de saída do ventrículo direito, sendo que, em 4, a ampliação se estendeu ao anel e tronco pulmonar (TP). Em nenhum paciente detectou-se, ao final da operação, shunt residual. O gradiente pressórico VD-TP variou de 2 a 25 mmHg (média: 12 mmHg).



Pós-Operatório Imediato

Não houve óbitos nesta série de casos. A grande maioria dos pacientes teve evolução pós-operatória sem intercorrências, registrando-se apenas que 2 exigiram ventilação artificial prolongada (mais de 12 horas) e que uma criança apresentou parada cardíaca de fácil reversão devido à hiperpotassemia. Uma criança (caso nº 3) teve insuficiência cardíaca de difícil controle.

Pós-Operatório Tardio

Uma criança faleceu 7 meses após a operação em decorrência de meningite. Todos os outros apresentam excelente evolução clínica. O estudo ecocardiográfico pós-operatório tem evidenciado, em todos os casos, ausência de gradientes significativos na via de saída do VD e função ventricular normal.

COMENTÁRIOS

A correção da TF em dois estágios foi uma conduta universalmente aceita até 1973, quando BARRAT-BOYES & NEUTZE (2) e STARR et al. (3) propuseram, independentemente, a correção intracardíaca no primeiro ano de vida, criando, assim, uma das controvérsias ainda não resolvidas em cirurgia cardíaca.

Aqueles que defendem a correção definitiva da TF, no primeiro ano de vida, sugerem importantes vantagens, a saber: 1) normalização precoce da fisiologia cardiovascular com fluxo e pressões normais em todas as câmaras cardíacas; 2) interrupção da progressão da hipertrofia ventricular direita, que ocorre quando o VD trabalha na presença de estenose pulmonar; 3) ressecção menor do infundíbulo, admitindo-se que isso leva a uma diminuição da incidência tardia de arritmias ventriculares; 4) normalização precoce da saturação arterial de oxigênio, evitando-se os efeitos deletérios da hipoxemia crônica sobre outros órgãos; 5) evitam-se potenciais complicações das operações de shunt, especialmente distorção das artérias pulmonares e desenvolvimento de hipertensão pulmonar; 6) finalmente, há nítidas vantagens econômicas e psicossociais.

Os que defendem a conduta de paliar inicialmente com a operação de Blalock-Taussig argumentam que a morbi-mortalidade da correção definitiva precoce pode superar as vantagens potenciais acima enumeradas. Os resultados relatados por diversos grupos (2-12) e nossa experiência preliminar não suportam essa idéia. Mesmo sem fazermos seleção de doentes (todas as crianças que chegaram ao Serviço no período do estudo, com diagnóstico de TF, tinham indicação para correção definitiva), obtivemos excelente resultado com baixa morbidade e mortalidade zero. Evidentemente, a decisão de corrigir a TF no primeiro ano de vida pressupõe que o grupo cirúrgico tenha grande experiência no manuseio dessa má-formação e disponha de condições adequadas.

Outro argumento contra a correção precoce da TF relaciona-se à alta incidência de ampliação do anel pulmonar quando a operação é realizada no primeiro ano de vida (12). A análise da literatura nos deixa a impressão de que isso reflete a gravidade da morfologia dos casos que têm sido operados naquela faixa etária, pois a maioria dos grupos somente tem indicado a operação em crianças muito sintomáticas (5-7,10). Quando a operação é realizada eletivamente, independentemente de sintomas, como em nossa série preliminar, a incidência é similar a de casuísticas com crianças maiores (13, 14). Em nossa série de 15 crianças, apenas 4 exigiram ampliação do anel. As demais, a medida intra-operatória das pressões e a avaliação ecocardiográfica pós-operatória revelaram não existir gradiente significativo em nenhum caso.

Em nossa experiência, a ecocardiografia bidimensional tem se mostrado um excelente método diagnóstico da TF, permitindo a indicação cirúrgica sem necessidade de estudo hemodinâmico, conforme foi bem demonstrado por SANTORO et al. (15).

Os resultados tardios da correção da TF no primeiro ano de vida são excelentes (16), existindo evidências de que a regressão da hipertrofia ventricular direita tem relação direta com a precocidade da cirurgia (17).

Em resumo, a experiência de diversos grupos e a nossa experiência preliminar com 15 crianças sustentam a conduta da correção eletiva da TF no primeiro ano de vida, com baixa morbidade e mortalidade, além de resultados satisfatórios a longo prazo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 Castaneda A R, Mayer J E, Jonas R A, Lock J E, Wessel D L, Hickey P R - The neonate with critical congenital heart disease: repair, a surgical challenge. J Thorac Cardiovasc Surg 1989; 98: 861-75.

2 Barrat-Boyes B G & Neutze J M - Primary repair of tetralogy of Fallot in infancy using profound hypothermia with circulatory arrest and limited cardiopulmonary bypass: a comparison with conventional two-stage management. Ann Surg 1973; 178: 406-11.

3 Starr A, Bonchek L I, Sunderland C O - Total correction of tetralogy of Fallot in infancy. J Thorac Cardiovasc Surg 1973; 65: 45-57.

4 Castaneda A R, Freed M D, Williams R G, Norwood W I - Repair of tetralogy of Fallot in infancy: early and late results. J Thorac Cardiovasc Surg 1977; 74: 372-80.

5 Tucker W Y, Turley K, Ullyot D J, Ebert P A - Management of symptomatic tetralogy of Fallot in the first year of life. J Thorac Cardiov Surg 1979; 78: 494-501.

6 Gustafson R A, Murray G F, Warden H E et al. - Early primary repair of tetralogy of Fallot. Ann Thorac Surg 1988; 45: 235-41.

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9 Uva M S, Lacour-Gayet F, Komiya T et al. - Surgery for tetralogy of Fallot at less than six months of age. J Thorac Cardiovasc Surg 1994; 107: 1291-300.

10 Starnes V A, Luciani G B, Latter D A, Griffin M L - Current surgical management of tetralogy of Fallot. Ann Thorac Surg 1994; 58: 211-15.

11 Stellin G, Milanesi O, Rubino M et al. - Repair of tetralogy of Fallot in the first six months of life: transatrial versus transventricular approach. Ann Thorac Surg 1995; 60 (Suppl. 6): 588-91.

12 Reddy V M, Liddicoat J R, McElhinney D B et al. - Routine primary repair of tetralogy of Fallot in neonates and infants less than three months of age. Ann Thorac Surg 1995; 60: 592-6.

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14 Pacifico A D, Kirklin J W, Blackstone E H - Surgical management of pulmonary stenosis in tetralogy of Fallot. J Thorac Cardiov Surg 1977; 74: 382-95.

15 Santoro G, Marino B, DiCarlo D et al. - Echocardiographically guided repair of tetralogy of Fallot. Am J Cardiol 1994; 73: 808-11.

16 Walsh E P, Rockenmacher S, Keane J F, Hougen T J, Lock J E, Castaneda A R - Late results in patients with tetralogy of Fallot repaired during infancy. Circulation 1988; 77: 1062-7.
[ Medline ]

17 Seliem M A, Wu Y T, Glenwright K - Relation between age at surgery and regression of right ventricular hypertrophy in tetralogy of Fallot. Pediatr Cardiol 1995; 16: 53-5.

Article receive on Sunday, February 1, 1998

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