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ORIGINAL ARTICLE

Immediate and late results in the surgical treatment of the aorta (type A) acute dissection

Bayard GONTIJO FILHO0; Flávio Coelho COLLUCI0; Fernando Antônio Fantini0; Mário O Vrandecic0

DOI: 10.1590/S0102-76381997000400002

ABSTRACT

A retrospective analysis of the surgical treatment of Type A acute aortic dissection was performed during the period Jan.86 and Dec.96. A total of 64 patients were operated on (mean age 52.6 + 10.9 years) with predominance of the male gender (64.1%). In 17 cases there was intrapericardial rupture of the dissection; the intimal tear was located in the ascending aorta in 58 patients (90.6%) and in the aortic arch in the remaining (9.4%). The basic surgical procedure consisted of extensive resection of the ascending aorta with substitution by a bovine pericardial conduit. However, other techniques were employed in a few patients in the beginning of our experience. Deep hypothermia with circulatory arrest was used in 32.8% of the patients, but with increasing frequency in the last years. The native aortic valve was preserved in 76.5% of patients. Total hospital mortality was 28.1% (18 patients), but was significatively lower in the last 4 years (17.8%). Late follow-up showed 4 deaths; CVA and pulmonary embolism were responsible for two of these deaths, respectively. The cause could not be determined in the other two. Reoperations were necessary in 7 patients without mortality; progressive aortic insufficiency was the major indication for reoperation. Structural failures of bioprosthesis and bovine pericardial grafts were not recorded during this period. This experience reinforces our approach to a more radical treatment of Type A acute aortic dissection with probably more use of aortic valve replacements and deep hypothermia with circulatory arrest.

RESUMO

Realizamos uma análise retrospectiva do tratamento cirúrgico da dissecção aguda da aorta do tipo A no período compreendido entre janeiro de 1986 a dezembro de 1996. Foram tratados 64 pacientes com idade média de 52,6 ± 10,9 anos, sendo a maioria do sexo masculino (64,1%). Em 17 casos (26,6%) havia rotura intrapericárdica da dissecção; a fenda de origem da dissecção encontrava-se na aorta ascendente em 58 pacientes (90,6%) e no arco aórtico nos demais (9,4%). O tratamento básico compreendeu a ressecção da aorta ascendente com substituição por prótese de pericárdio bovino, embora outras técnicas tenham sido empregadas em um pequeno número de pacientes, no início de nossa experiência. A hipotermia profunda com parada cardiocirculatória foi usada em 32,8% dos pacientes, de forma crescente nos últimos anos. A valva aórtica do paciente foi preservada em 76,5% das vezes. A mortalidade global foi de 28,1% (18 pacientes), porém significativamente menor nos últimos 4 anos (17,8%). Na evolução tardia houve 4 óbitos, sendo 2 de causa indeterminada e os outros 2 por AVC e embolia pulmonar, respectivamente. Reoperações foram necessárias em 7 pacientes, sem mortalidade, sendo a causa principal da reoperação a progressão da insuficiência aórtica. Nesse período de observação não houve falência estrutural das biopróteses nem dos enxertos de pericárdio bovino. Esta experiência nos reforça uma tática mais radical no tratamento das dissecções agudas do tipo A, com maior liberdade na substituição da valva aórtica e na utilização da hipotermia profunda em quase todos os pacientes.
INTRODUÇÃO

O tratamento cirúrgico das dissecções agudas da aorta tem ocupado espaço constante nas publicações referentes às doenças cardiovasculares. A aceitação generalizada da operação como indicação absoluta das dissecções agudas do tipo A não eliminou diversos pontos de controvérsias, como a preservação da valva aórtica, tipo de prótese e enxerto para substituição aórtica, melhor técnica de preservação do sistema nervoso central, além de outras. Como a dissecção aguda apresenta uma incidência relativamente alta em pacientes de média idade, torna-se fundamental a determinação dos procedimentos mais seguros e duradouros. Nossa experiência durante os últimos 10 anos apresentou mudanças adquiridas com a experiência acumulada e com a observação dos pacientes após a alta hospitalar. Trata-se de um processo contínuo ao qual, a cada dia, somam-se novas informações e novas condutas.

Este trabalho retrospectivo teve por finalidade analisar esta experiência e determinar as principais variáveis que determinaram os resultados.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

No período de janeiro/86 a dezembro/96, 64 pacientes portadores de dissecção aguda da aorta tipo A foram submetidos a correção cirúrgica no Biocór Instituto de Doenças Cardiovasculares. A idade dos pacientes variou de 31 à 74 anos (m = 52,6 ± 10,9), havendo predominância do sexo masculino (64,1%). Todos os pacientes foram operados dentro dos primeiros 15 dias do início do processo de dissecção. A rotura intrapericárdica esteve presente em 17 (26,6%) pacientes. Não conseguimos, retrospectivamente, os dados de todos os pacientes, com relação à presença e magnitude da insuficiência aórtica pré-operatória. Com relação à origem da dissecção, a fenda encontrava-se no início da aorta, em 58 (90,6%) pacientes e no arco aórtico nos outros 6 (9,4%) pacientes. Não foram incluídos neste estudo os pacientes portadores de dissecção aguda per-operatória e nem os pacientes com dissecção tipo B com extensão retrógrada ao arco aórtico e aorta ascendente. Diversas complicações clínicas estavam presentes em vários pacientes sendo as mais freqüentes o choque cardiogênico (10,7%) a insuficiência renal (4,7%) e a isquemia de membros inferiores (4,7%). Uma paciente, que apresentou a dissecção no 8º mês de gestação, foi operada logo após a realização do parto induzido.

TÉCNICA CIRÚRGICA

A correção da dissecção foi realizada, na grande maioria dos pacientes, com auxílio da circulação extracorpórea associada a hipotermia moderada ou profunda e proteção miocárdica com cardioplegia cristalóide. No início de nossa experiência, 1 paciente foi submetido à correção sem circulação extracorpórea, através da técnica de tromboexclusão e desvio extra anatômico. No início desta série, foi empregada a plastia da aorta ascendente em 6 pacientes, sendo posteriormente abandonada. A substituição da aorta ascendente com ou sem preservação da valva foi a técnica empregada nos demais pacientes. A Tabela 1 apresenta a técnica empregada nos 64 pacientes. A substituição da aorta foi realizada com próteses de pericárdio bovino na maioria dos pacientes (82,8%). Em alguns deles foi empregada a cola biológica (GRF) para correção da parte proximal da aorta. Posteriormente, esta foi substituída por uma técnica mais radical, que inclui a ressecção de toda a área dissecada da aorta ascendente até o limite com o tecido aórtico normal. A hipotermia profunda com parada cardíaca circulatória foi utilizada em 32,8% dos pacientes, porém com uma freqüência muito superior nos últimos anos (55% nos últimos 20 casos). O tempo de parada circulatória variou de 9 a 55 minutos (m = 26,0 mm). Dos 6 pacientes com fenda de origem no arco aórtico, 5 foram submetidos a uma ressecção ampliada com anastomose de prótese em bisel e fixação interna de lâmina de dissecção. O outro paciente foi submetido à técnica de tromboexclusão. Em 8 pacientes foram realizados procedimentos adicionais, 4 revascularizações miocárdicas, sendo em 2 pacientes decorrentes de oclusão per-operatória da coronária direita; 2 pacientes foram submetidos a revascularização do tronco braquiocefálico. As outras intervenções ocorreram no 3º dia de pós-operatório, para realização de fenestração abdominal por isquemia visceral persistente, e outra no 10º dia de pós-operatório, para implante de marcapasso endocardico definitivo.



Análise Estatística

Os dados foram analisados estatísticamente pelo programa computadorizado (Epi Info Versão 6.04 B, Epidemology Program Office, Centers for Disease Control). Para comparação das médias, foi utilizado o teste T de Student e, para comparações dentro dos grupos de variáveis, foi aplicada a análise de variância de dados repetidos. Significância estatística foi definida como sendo o valor de p. menor ou igual a 0,05.

Resultados Hospitalares

A mortalidade hospitalar global foi de 18 (28,1%) pacientes. A Tabela 2 apresenta as causas de óbito. Nos pacientes com rotura e tamponamento houve um acréscimo significativo da mortalidade (47,0%). A separação desta série em 2 períodos, sendo o primeiro (Grupo 1) compreendido entre janeiro/86 a dezembro/92 (36 pacientes) e o segundo (Grupo 2) entre janeiro/93 e dezembro/96 (28 pacientes), apresentou melhora expressiva dos resultados cirúrgicos (Figura 1). Enquanto a mortalidade no Grupo 1 foi de 36,1%, no Grupo 2 houve uma redução para 17,8%. Foram pesquisados fatores que pudessem ter influenciado esta melhora dos resultados. A hipotermia profunda foi empregada em 17% dos pacientes no Grupo 1 e 51% no Grupo 2, sendo o resultado altamente significativo (p < 0,001). Também foi significativo o emprego das próteses de pericárdio bovino (p < 0,01) cuja freqüência subiu de 72,2% no Grupo 1 para 96,4% no Grupo 2. A preservação da valva aórtica foi fator determinante de maior mortalidade na série. Nos 64 pacientes operados a valva aórtica foi preservada em 49 (76,5%) e substituída em 15 (23,5%). Dos 18 óbitos hospitalares 17 ocorreram nos pacientes que tiveram sua valva preservada. Tal resultado apesar de altamente significativo, deve ser analisado criteriosamente devido às múltiplas e diferentes variáveis encontradas entre os pacientes operados, sugerindo, no entanto, uma revisão com relação à conduta quanto à preservação da valva aórtica. Com relação às complicações pós-operatórias não relacionadas à mortalidade hospitalar, encontramos 5 reoperações para revisão de hemostasia, 5 pacientes com insuficiência respiratória, 2 quadros de isquemia grave dos membros inferiores, tendo 1 resultado em amputação, além de 2 quadros de acidente vascular cerebral com pequena seqüela.




Fig. 1 - Biocor Hospital de Doenças Cardiovasculares

Resultados Após a Alta

Os pacientes foram acompanhados após a alta em consultas periódicas a partir do 3º mês de pós-operatório e cada 6 meses ou ano subseqüente dependendo da condição de cada paciente. Os principais objetivos do seguimento são: avaliação da reconstrução valvar, avaliação das próteses empregadas, controle da aorta remanescente e controle clínico, particularmente da hipertensão arterial. São utilizados basicamente a ecocardiografia e a tomografia computadorizada. Para a aorta abdominal a avaliação é feita por ultra-sonografia e, quando necessário, a tomografia.

Mortalidade Tardia

Houve 4 óbitos tardios, todos com mais de 1 ano de pós-operatório. Em 2 casos a causa não pôde ser determinada através da informação de familiares. Um paciente faleceu devido a acidente vascular cerebral e outro por tromboembolismo pulmonar.

Reoperações

Reoperações foram necessárias em 7 pacientes após a alta. A principal causa da reoperação foi a progressão de insuficiência aórtica (4 casos). Um paciente foi reoperado no 3º mês após a correção da dissecção por prótese tubular e suspensão valvar, por apresentar insuficiência aórtica grave graças a desabamento valvar; a reoperação consistiu em substituição da valva aórtica por bioprótese porcina. Dos outros três pacientes,1 havia sido submetido a plastia da aorta e os outros dois a correção com prótese tubular; todos apresentaram dilatação progressiva do coto aórtico remanescente e do anel valvar e foram reoperados no 4º, 5º e 6º ano de pós-operatório, respectivamente. Todos foram submetidos a correção com condutos valvados e reimplante coronário. A dilatação progressiva da aorta torácica em um, da aorta tóraco-abdominal em outro, foi motivo de reoperação em 2 pacientes. Ambos foram reoperados com implante de prótese tubular de Dracon e reimplante dos ramos viscerais no paciente portador de aneurisma tóraco-abdominal. O último paciente foi submetido a revascularização do miocárdio. Não houve mortalidade nas reoperações e todos os pacientes encontram-se em controle ambulatorial.

Avaliação das Próteses e Enxertos

Até o presente, não houve falha estrutural das próteses ou enxertos empregados. Sabemos, entretanto, que o período médio de seguimento para avaliação das biopróteses aórticas é, ainda, relativamente curto para conclusões definitivas. Com relação ao pericárdio bovino, não foram observados casos de dilatação nem de calcificação extensa. Os pacientes que se submeteram a reoperação nos quais tivemos acesso ao enxerto de pericárdio bovino (3 casos) , o tecido foi encontrado em boas condições até o 5º ano de pós-operatório, apenas com forte aderência aos tecidos vizinhos. A superfície interna encontrava-se totalmente homogênea com a formação de neoíntima, comprovada por estudo anatomopatológico, que também mostrou preservação satisfatória do colágeno e pequenos focos de calacificação.

Avaliação da Valva Aórtica Conservada

Nesta série houve um índice de preservação valvar bastante elevado (76,5%). Receberam alta com a valva aórtica 32 pacientes. Destes 32, não conseguimos seguimento em 4. Nos demais pacientes (28), 4 foram reoperados. Nos outros 24 pacientes a análise ecocardiográfica demonstra valva normal em 18, insuficiência aórtica leve em 3 e moderada em outros 3, todos com boa função ventricular.

COMENTÁRIOS

Apesar de estabelecida como o tratamento de escolha das dissecções agudas da aorta, tipo A, a correção cirúrgica apresenta índice relativamente alto de complicações e mortalidade hospitalar. Segundo trabalhos recentes, a mortalidade pós-operatória imediata pode variar de 13% a 29% (1-4), sendo maior nos casos em que a lesão de origem encontra-se no arco aórtico. Nesta situação, presente em aproximadamente 12%-15% das dissecções tipo A (9% na presente série), a correção cirúrgica é mais difícil exigindo, quase sempre, um período mais prolongado de parada circulatória e reconstrução extensa do arco aórtico (2). Entretanto, os principais fatores determinantes do resultado pós-operatório imediato estão relacionados às próprias características da doença e ao quadro clínico pré-operatório. A rápida progressão da doença com acometimento quase sempre de diversos subsistemas do organismo determina um quadro de extrema gravidade pré-operatória. A rotura intrapericárdica com tamponamento cardíaco, evento principal responsável pela mortalidade precoce esteve presente em 26,6% dos nossos pacientes operados. Neste grupo a mortalidade pós-operatória foi significativamente superior que nos pacientes que não apresentavam rotura (47,0% contra 21,5%). A precocidade ao atendimento cirúrgico é, portanto, fundamental, não só para evitar a rotura aórtica, como para deter a progressão do processo e suas múltiplas conseqüências.

Diagnóstico

A confirmação do diagnóstico clínico tem sido realizada basicamente pela ecocardiografia (transtorácica ou transesofágica), tomografia ou angiografia. A maioria dos Serviços, incluindo o nosso, tem utilizado a ecocardiografia como único exame pré-operatório para a indicação cirúrgica das dissecções agudas do tipo A. Em geral, preferimos o ecocardiograma transesofágico, que pode atingir um grau de 97% a 100% de sensibilidade e 77% a 97% de especificidade (5). Além da confirmação diagnóstica, o fundamental é que o exame ecocardiográfico nos forneça informações sobre a presença e magnitude da insuficiência aórtica, as dimensões do anel aórtico, evidências da insuficiência aórtica pré-existente à dissecção, dados importantes na conduta cirúrgica, no que se refere à preservação da valva aórtica. Nossa conduta reserva a tomografia e angiografia para situações especiais ou para casos duvidosos, uma vez que tais exames são mais demorados e, principalmente, a angiografia pode precipitar a rotura aórtica. Pacientes com história fortemente positiva para coronariopatia ou pacientes previamente submetidos a cirurgia cardíaca ou procedimentos especiais de revascularização do miocárdio deverão ser submetidos a coronariografia pré-operatória.

Técnica Cirúrgica

A abordagem direta com eliminação da fenda de origem da dissecção e o controle do risco eminente de rotura intra-pericárdica são os objetivos básicos do tratamento cirúrgico. Além disto, são também importantes o controle da insuficiência aórtica e o restabelecimento do fluxo sangüíneo aos subsistemas acometidos pela delaminação. A eliminação da fenda de origem, principalmente quando se origina no arco aórtico, não é tida como fundamental por todos os autores, embora existam evidências de melhores resultados pós-operatórios quando isto é conseguido (2). Com o uso da hipotermia profunda com parada circulatória podemos dizer que este objetivo pode ser alcançado em praticamente todos os pacientes com dissecção aguda tipo A. O uso da perfusão cerebral retrógrada, via cava superior, possibilita uma extensão do período de parada circulatória, permitindo reconstruções mais extensas. A certeza do restabelecimento do fluxo sangüíneo a todos os subsistemas envolvidos no processo patológico é um dos problemas encontrados no tratamento cirúrgico. O restabelecimento do fluxo coronário e dos vasos supra aórticos pode ser conseguido através da exposição direta; já o mesmo não se pode dizer para os órgãos abdominais e membros inferiores. As complicações como isquemia mesentérica e insuficiência renal ainda acompanham todas as séries cirúrgicas e são fatores de mortalidade pós-operatória. Na nossa experiência, a insuficiência renal foi uma das principais causas de óbito pós-operatório (4,7%). Um paciente que apresentou evidências de isquemia visceral abdominal importante no pós-operatório foi submetido a fenestração por visão direta da aorta abdominal, porém sem sucesso, devido à persistência de insuficiência renal pós-operatória. A fenestração, apesar de ser um método paliativo, tem sido recomendada para casos de isquemia persistente de órgãos e extremidades após a correção cirúrgica (6). Relatos recentes têm indicado tratamento cirúrgico radical com substituição total da aorta, desde a valva aórtica até a sua bifurcação como método de se prevenir tais complicações, além de eliminar o risco de rotura aórtica extrapericárdica (7). Apesar de alguns bons resultados, ainda não é aceito como tratamento de eleição, devido à extensão do procedimento cirúrgico e da alta complexidade pós-operatória.

Plastia da Aorta Ascendente x Ressecção

É certo que quase todos os Serviços abandonaram as técnicas de plastia isolada da aorta ascendente como tratamento primário das dissecções agudas do tipo A. Os motivos principais foram não só a alta mortalidade imediata principalmente por hemorragia e rotura aórtica, como também pela freqüente degeneração da aorta remanescente, gerando alto índice de reoperações tardias. Também as técnicas de inclusão, associadas à substituição da aorta ascendente para efeito de hemostasia, têm sido condenadas devido ao alto índice de complicações, como os pseudoaneurismas. Na nossa experiência, a ressecção sistemática de toda a área dissecada foi fator importante na melhoria dos resultados cirúrgicos. Estendemos a ressecção proximal até atingirmos a parede normal da aorta, conseguindo-se, desta forma, uma boa exposição e um controle seguro da anastomose com a prótese. Quando necessário, promove-se a suspensão da valva aórtica e a reconstrução do seio de Valsalva com a própria prótese empregada. Vários grupos utilizam cola biológica para reconstrução proximal da aorta (1, 8, 9). A abordagem de aortoplastia com utilização apenas da cola biológica preconizada por CARPENTIER (10) parece não ser partilhada por outros grupos. Empregamos a cola em alguns pacientes e os resultados não foram totalmente satisfatórios, o que nos levou à ressecção radical de toda a dissecção como tratamento de escolha. Deve-se ressaltar que, recentemente, Von OPPELL et al. (11) publicaram aparecimento de bloqueio AV total no pós-operatório aparentemente relacionado à cola biológica (GRF).

Substitutos da Aorta Ascendente

No início da cirurgia cardíaca moderna, vários substitutos foram empregados para substituição da aorta, tais como homoenxertos, nylon, Teflon e outros. Entretanto, apenas o Dacon permaneceu como único enxerto, nos últimos 30 anos, o que caracteriza sua grande eficácia como enxerto das grandes artérias. Vários avanços foram alcançados com este tecido, porém o mais significativo para o tratamento das dissecções agudas foi, sem dúvida, a impregnação industrial de colágeno tornando a prótese totalmente impermeável e segura, mesmo nos casos submetidos à hipotermia profunda. A impossibilidade de se ter um acesso regular a estas próteses e a grande experiência com tecidos biológicos no nosso país, levou-nos a iniciar o uso do pericárdio bovino como substituto vascular com ótimos resultados (12). Este tecido, além de fácil acesso, baixo custo e alta resistência, apresenta excelentes características de manipulação e impermeabilidade. A nosso ver, a sua melhor indicação encontra-se na dissecção aguda da aorta devido às características friáveis dos tecidos e à necessidade de utilização da hipotermia profunda. Não observamos, até a presente data, nenhuma falha estrutural com os enxertos de pericárdio bovino em um período superior a 10 anos de seguimento.

Valva Aórtica - Preservar x Substituir

Como na maioria dos pacientes, a valva aórtica encontra-se anatomicamente normal na dissecção aguda, sendo a insuficiência aórtica causada quase sempre por prolapso da válvula não coronariana, a sua preservação com suspensão comissural é a técnica mais indicada (13). Os relatos da literatura com relação à preservação da valva aórtica são bastante variáveis, com índices que variam de 50% a 90%. Apesar disto, todos a consideram um procedimento eficaz e seguro. MAZZUCATELLI et al.(14) apresentam um índice de 86% de preservação valvar em 93 pacientes operados. Neste estudo, dos 41 pacientes sobreviventes a longo prazo com a valva aórtica, 7 foram reoperados por insuficiência aórtica grave e outros 12 apresentaram insuficiência moderada, o que representa um total de 46,3% de disfunção valvar. WEINSCHELBAUM et al. (9), em grupo de 46 pacientes sobreviventes à correção de dissecção aguda com cola biológica e preservação valvar, relatam ausência de insuficiência aórtica no pós-operatório imediato em todos os pacientes. Durante a evolução, entretanto, 4 pacientes foram reoperados por insuficiência aórtica importante, enquanto outros 9 apresentaram regurgitação moderada a grave e 8 com insuficiência leve, todos com boa condição clínica. A natureza progressiva da disfunção valvar ficou evidente, sendo, portanto, um fator de extrema importância e preocupação. Ergin, discutindo o trabalho de Bachet et al. (1), afirma que o índice de reoperações diminui quando se assume uma correção mais radical na parte proximal da aorta. A grande variação existente entre os vários grupos com relação à preservação da valva aórtica demonstra uma necessidade de se definir corretamente quais são os reais candidatos à reoperação valvar e quais as técnicas mais eficazes para um resultado seguro e duradouro. A nossa experiência com preservação da valva aórtica apresentou influência negativa no resultado imediato e foi associada a um índice de 25% de desenvolvimento de insuficiência aórtica significativa na evolução a longo prazo. Existe um consenso na literatura que pacientes portadores de síndrome de Marfan e pacientes com anel aórtico dilatado deverão ter sua valva aórtica substituída durante a correção da dissecção aguda. A estas indicações, acrescentaríamos os pacientes com insuficiência aórtica grave com prolapso importante de uma ou mais válvulas e acometimento das comissuras, geralmente a não coronariana. Também nos pacientes com dissecção aórtica com idade superior a 60 anos, somos favoráveis à substituição valvar com maior liberdade, devido à boa perspectiva das biopróteses nesta faixa etária.

Em conclusão, a nossa observação aponta para uma correção cirúrgica mais radical na dissecção aguda da aorta tipo A, baseada na ressecção de todo o tecido dissecado ao nível da aorta ascendente, reparo do arco aórtico com emprego da hipotermia profunda com parada circulatória e um reparo proximal associado a maior índice de substituição valvar do que até agora temos empregado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Discussão

DR. SÉRGIO ALMEIDA DE OLIVEIRA

São Paulo, SP

Meus cumprimentos ao Dr. Bayard e aos seus colegas do Instituto Biocor, pelo trabalho apresentado. Este excelente trabalho mostra a evolução da técnica operatória para a correção das dissecções agudas da aorta tipo I ou A. A utilização da hipotermia profunda com parada circulatória e a correção distal sem pinçamento facilitam a técnica e permitem adequada avaliação e correção das roturas ao nível de croça da aorta. Após o período da parada circulatória, achamos que o restabelecimento do fluxo anterógrado, com transferência da cânula arterial, da artéria femoral para o enxerto, permite melhor perfusão sistemática, com restabelecimento da circulação exclusivamente pela luz verdadeira. Não vi em seu trabalho referência ao emprego de retroperfusão cerebral, como medida protetora durante a parada circulatória. Embora ainda muito discutível, o mecanismo da proteção cerebral pela retroperfusão nós temos utilizado rotineiramente e gostaria de conhecer a sua opinião a este respeito. Em sua casuística, os tubos de pericárdio bovino foram empregados em 82% dos pacientes. Nós temos utilizado estes tubos em pacientes cujos convênios não autorizam o uso dos tubos de Dacron. Embora não haja, ainda, um seguimento tardio suficientemente longo para uma conclusão final, vimos com satisfação que a experiência do seu grupo, como também a do nosso Serviço, vem mostrando bom desempenho destes enxertos biológicos. Não vi em seu trabalho referências aos pacientes com dissecção de aorta incidindo em pacientes já operados do coração. Este grupo vem se tornando cada vez mais freqüente, especialmente em pacientes que foram, no passado, operados para correção de lesões de valva aórtica, ou para revascularização do miocárdico. Em nosso grupo, dos 191 pacientes operados para correção da dissecção da aorta, 54 (28,2%) tinham uma ou mais cirurgias cardíacas prévias. Este é um grupo de alto risco e que exige uma abordagem especial. Gostaria de conhecer sua opinião sobre este subgrupo. Compartilhamos com a idéia da conservação da valva aórtica sempre que possível. Em nossa série, a valva aórtica foi preservada em 86% dos pacientes operados, durante a fase aguda da dissecção da aorta. São estas as considerações que tenho a fazer sobre este ótimo trabalho.

DR. GONTIJO FILHO

(Encerramento)

Agradeço os comentários do Dr. Sérgio Almeida de Oliveira, que confirmam, em grande parte, os resultados apresentados em nosso trabalho. Sem dúvida, o uso da hipotermia profunda com parada circulatória foi um marco no tratamento das lesões da aorta, particularmente nas dissecções agudas. Temos empregado a retroperfusão cerebral pela veia cava superior quando o tempo estimado de parada circulatória é superior a 30 minutos, o que é infreqüente nos casos de dissecção aguda. Quanto à reperfusão após a parada circulatória, também promovemos a mudança do circuito arterial para a aorta ascendente. Com referência aos pacientes portadores de dissecção da aorta e previamente submetidos a um procedimento cardíaco, não os incluímos neste relato, por dois motivos: primeiro, a grande maioria dos pacientes que operamos nesta situação apresentava quadro de dissecção crônica; por outro lado, os pacientes que apresentaram dissecção aguda trans-operatória ou no pós-operatório imediato configuram, a nosso ver, um outro grupo de estudo com características e prognósticos distintos, que já foi motivo de um relato prévio do nosso grupo. Finalmente, gostaria de dizer que nos agrada saber da experiência do seu grupo com as próteses de pericárdio bovino, que são, a nosso ver, extremamente úteis no tratamento das dissecções agudas, pela sua facilidade de manipulação, pela total impermeabilidade e pelo baixo custo do produto.

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