Article

lock Open Access lock Peer-Reviewed

1

Views

ARTIGO ORIGINAL

Contratura isquêmica do miocárdio: estudo experimental em ratos

Eduardo Tiveron VELUDO0; Alexandre Luiz ARANHA0; Alexandre PACCHIONI0; Gustavo Ribeiro de OLIVEIRA0; Albert Amin Sader0; Yvone Avalloni de Moraes V. A. VICENTE0; Walter V. A Vicente0

DOI: 10.1590/S0102-76381997000300013

RESUMO

A contratura isquêmica do miocárdio (CIM) tem sido muito utilizada na investigação da fisiopatologia da isquemia global do coração. Este trabalho descreve um modelo experimental adequado ao estudo da CIM, em ratos. Foram empregados 8 animais da raça Wistar, anestesiados com éter sulfúrico. O coração, removido rapidamente por toracotomia, foi imerso em solução de NaCl 0,9% a 37°C. Por meio de um cateter-balão de látex introduzido na cavidade ventricular esquerda, insuflado sob pressão de 20 mmHg e conectado a um eletrofisiógrafo, registrou-se o início da CIM (TCI) e sua intensidade (IC). A dP/dT do fenômeno foi calculada. Definiu-se uma elevação de 5 mmHg na linha de base do traçado como indicativa do início da contratura. O ponto de inflexão da curva representou a intensidade da contratura (IC). A dP/dT foi calculada. Os resultados (média ± desvio padrão) obtidos foram semelhantes aos da literatura: TCI (min) = 15,5 ± 0,59; IC (mmHg) = 62,0 ± 5,81; dP/dT (mmHg/min) = 14,2 ± 3,05.

ABSTRACT

Ischemic contracture of the heart (ICH) has been largely employed for the investigation of global heart ischemia physiopathology. We herein describe a simple ICH experimental model. Eight Wistar rats, anesthetized with sulfuric ether, were studied. The heart was rapidly removed by thoracotomy, and then immersed in a 37°C saline bath. A latex balloon catheter placed in the left ventricle and distended to 20 mmHg was used to detect ICH onset (ICHO) and intensity (ICHI). A 5 mmHg baseline elevation pepresented ICHO. ICHI was represented by peak balloon pressure. ICH dP/dT was calculated. The results (mean ± standard deviation) were similar to the literature: ICHO (min) = 15.5 ± 0.59; ICHI (mmHg) = 62.0 ± 5.81; dP/dT (mmHg/min) = 14.2 ± 3.05.
INTRODUÇÃO

Em 1955, MELROSE et al. (1) lançaram as bases da cardioplegia ao injetarem uma solução de citrato de potássio no ponto inicial da aorta de cães submetidos a circulação extracorpórea. Apesar da pouca receptividade inicial devido ao efeito cáustico da alta concentração de potássio (200 mEq/l), o interesse pela proteção miocárdica reavivou-se, em 1972, quando COOLEY et al. (2) descreveram fenômeno geralmente mortal, "stone heart", caracterizado pela contratura do miocárdio submetido a longos períodos de isquemia, na ausência de cardioplegia.

O "stone heart" guarda certa analogia com as contraturas uterina e tetânica, e parece decorrer do comprometimento da capacidade de relaxamento do miocárdio submetido à isquemia prolongada (3). Uma das hipóteses bioquímicas mais aceitas para explicá-lo imputa a exaustão das reservas energéticas do miocárdio, particularmente de adenosina trifosfato (ATP), como mecanismo desencadeador da contratura.

Alguns autores postulam que, ao se reduzir a concentração de ATP a 10% do valor normal (4), atinge-se uma condição metabólica crítica para o surgimento desse fenômeno, decorrente da interligação forte e prolongada entre os filamentos de actina e miosina (3, 4). Uma vez iniciada a contratura, sua intensidade agrava-se rapidamente, à medida que os níveis de ATP continuam a cair (3). Ao mesmo tempo, o colapso das bombas iônicas, ATP dependentes, determina aumento do cálcio intracelular que, provavelmente, além de modular a contratura, ativa várias enzimas, como fosfolipases e proteases, danosas às membranas celulares. Além disso, a pletora de ions cálcio inibe a produção de ATP remanescente, de forma a fechar um círculo vicioso, de deterioração metabólica, potencialmente letal (5).

Modelos experimentais, em ratos, têm sido amplamente utilizados (6-9) nas investigações da contratura isquêmica do miocárdio (CIM), podendo ser extendidos a diversos outros animais de experimentação como coelhos (5, 10-12), furões (4) e porcos (10, 13, 14). O objetivo deste trabalho foi desenvolver, em nosso Laboratório, um modelo para estudo da CIM. A escolha do animal deveu-se às vantagens caracterizadas pelo acesso e remoção simples e rápida do coração, bem como por prescindir-se de ventilação mecânica.

MATERIAL E MÉTODOS

Empregaram-se 8 ratos Wistar de 280 g a 320 g de peso, anestesiados com éter sulfúrico. Seccionaram-se transversalmente todos os planos da parede abdominal logo abaixo da transição toracoabdominal e, rapidamente, rebatido o plastrão torácico, graças à secção costal bilateral e, a partir desse momento, a contagem do tempo de isquemia. Aberto o saco pericárdico, rebatido o coração e exposição do pedículo cardíaco, após secção dos vasos da base, o coração era colocado em uma cuba contendo solução de cloreto de sódio a 0,9% à temperatura de 37°C.

Grande parte do átrio esquerdo era removida para exposição adequada da valva mitral, a fim de facilitar a inserção do balão na cavidade ventricular; realizada sutura em bolsa, com Polipropileno 5.0, no anel mitral, destinada a evitar a exteriorização do todo ou parte do balonete. Em seguida, fixava-se, com tira de esparadrapo, o cateter-balão à borda da cuba do banho-maria, de modo que o coração permanecesse completamente imerso e, aproximadamente, no mesmo plano do transdutor do fisiógrafo. A montagem experimental encontra-se esquematizada na Figura 1.


Fig.1 - Representação esquemática da montagem experimental utilizada para estudo da CIM: 1 = fisiógrafo; 2 = transdutor de pressão; 3 = torneira metálica; 4 = seringa (1 ml); 5 = torneira plástica; 6 = manômetro de mercúrio; 7 = coração com o balão de látex no interior do ventrículo esquerdo; 8 = banho-maria.

Um tubo de Polivinil, perfurado transversalmente cerca de 2 mm da ponta, foi introduzido num preservativo até que tomasse contato com a superfície interna da extremidade do mesmo. Com fio de algodão 2.0, amarrava-se o preservativo, a 8 mm da ponta do tubo de Polivinil. O conjunto cateter-balão era, então, imerso em água e testado por insuflação de ar, a fim de averiguar a eventual presença de vazamentos. Na extremidade oposta ao balonete, conectava-se ao tubo de Polivinil um intermediário metálico rosqueado em torneira plástica de 3 vias.

Graças à conexão, em série, da torneira plástica do catéter-balão com a torneira metálica acoplada ao transdutor de um fisiógrafo de inscrição à tinta, de quatro canais (Narco Bio-Systems, EUA), dispunha-se de duas vias laterais livres (uma de cada torneira). A da torneira do cateter-balão era conectada, por meio de uma extensão de Polivinil, a um manômetro de coluna de mercúrio, enquanto que a da torneira metálica adaptava-se uma seringa de 1 ml contendo água destilada.

Insuflava-se o balonete até atingir uma pressão de aproximadamente 20 mmHg, enquanto se mantinha fechada a via de entrada do fisiógrafo. Uma vez insuflado o balão, manipulavam-se ambas as torneiras de modo a conectar o cateter-balão com o registrador e se iniciava o traçado. O tempo decorrido desde a abertura da cavidade torácica até a insuflação do balão foi de, aproximadamente , 5 minutos. Para facilitar o procedimento, foi mantida a torneira metálica em suporte, no mesmo plano horizontal em que se encontravam o transdutor do fisiógrafo, o nível zero do manômetro de mercúrio e o coração imerso em banho-maria.

O fisiógrafo, para realização de até 4 experimentos simultâneos, foi calibrado para responder à pressão intracavitária com uma deflexão de 25 mm, para cada 100 mmHg, com velocidade de deslocamento do papel de 0,005 cm/seg. Os traçados obtidos foram semelhantes ao da Figura 2.


Fig.2 - Traçado correspondente ao fenômeno da CIM. A linha de base representa a pressão de insuflação do balão; neste caso, 24 mmHg. A seta indica o início da contratura (TCI).

Considerou-se o tempo até o início da contratura isquêmica (TCI) como correspondente ao intervalo desde a abertura do tórax até a detecção de uma elevação de 5 mmHg na linha de base do traçado. O ponto de inflexão da curva, de positiva para negativa, traduziu a intensidade da contratura. A razão entre a intensidade da contratura e o tempo decorrido desde seu início (TCI) até a inflexão da curva correspondeu à dP/dT do fenômeno.

RESULTADOS

Os resultados (média ± desvio padrão) encontram-se na Tabela 1



CONCLUSÃO

O modelo experimental empregado mostrou-se adequado ao estudo da CIM, obtendo-se resultados semelhantes aos da literatura.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 Melrose D G, Dreyer B, Bentali H H, Baker J B E - Elective cardiac arrest: preliminare communication. Lancet 1955; 2: 21.

2 Cooley D A, Reul G J, Wukasch D C - Ischemic contracture of the heart: "stone heart". Am J Cardiol 1972; 29: 575-7.

3 Katz A M & Tada M - The "stone heart": a challenge to the biochemist. Am J Cardiol 1972; 29: 578-80.

4 Koretsune Y & Marban E - Mechanism of ischemic contracture in ferret hearts: relative roles of [Ca++] ion elevation and ATP depletion. Am J Physiol 1990; 258: H9-16.

5 Chen C C, Morisbrige N, Masuda M et al. - R56865, a Na + and Ca++ overload inhibitor, reduces miocardial ischemia-reperfusion injury in blood-perfused rabbit hearts. J Mol Cell Cardiol 1993; 25: 1445-59.

6 Hearse D J, Garlick P B, Humphrey S M - Ischemic contracture of the myocardium: mechanism and prevention. Am J Cardiol 1977; 39: 986-93.

7 Lasley R D, Rhee J W, Van Wylen D G L, Mentzer Jr. R - Adenosine A1 receptor mediated protection of the globally ischemic isolated rat heart. J Mol Cell Cardiol 1990; 22: 39-47.

8 Riva E & Hearse D J - Calcium and cardioplegia in neonates: dose-response and time-response studies in rats. Am J Physiol 1991; 261: H1609-16.

9 Steinberg J B, Doherty N E, Munakh N A et al. - Oxygenated cardioplegia: the metabolic and functional effects of glucose and insulin. Ann Thorac Surg 1991; 51: 620-9.

10 Baker J E, Boerboom L E, Olinger G N - Is protection of ischemic neonatal myocardium by cardioplegia species dependent? J Thorac Cardiovasc Surg 1990; 99: 280-7.

11 Quantz M, Tchervenkov C, Chiu R C J - Unique response of immature hearts to isquemia. J Thorac Cardiovasc Surg 1992; 103: 927-35.

12 Stringhan J C, Southard J H, Hegge J, Triemstra L, Fields B L, Belzer F - Limitation of heart preservation by cold storage. Transplantation 1992; 53: 287-94.

13 Vicente W, Bukhanov K, Semelhago L, Salerno T A, Wittnich C - Increased susceptibility of fibrillating hearts to irreversible ischemia: a comparison of adult versus neonatal hearts. Card Surg 1987; 38: 199-202.

14 Wittnich C, Maitland A, Vicente W, Salerno T - Not all neonatal hearts are equally protected from ischemic damage during hypothermia. Ann Thorac Surg 1991; 52: 1000-4.

CCBY All scientific articles published at bjcvs.org are licensed under a Creative Commons license

Indexes

All rights reserved 2017 / © 2024 Brazilian Society of Cardiovascular Surgery DEVELOPMENT BY