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The use of pure oxygen and venous arterial shunt in membrane oxygenators

Domingos Junqueira de MORAES0; Mário Coli Junqueira de MORAES0; José Ronaldo J. DIAS0; Paulo MARTINS0; Zuleica Coli J. de MORAES0; Celita Geraldo de SOUZA0; Sérgio Lopes de AZEVEDO0; Madalena O. GATTI0; Maurício NOVAES0

DOI: 10.1590/S0102-76381997000100013

INTRODUÇÃO

Admite-se, atualmente, que a circulação extracorpórea com oxigenação artificial provoca uma reação inflamatória geral de intensidade variável, que poderia ser comparada a uma queimadura de extenção proporcional ao tempo de perfusão. Há alterações no sangue e nos tecidos, que são mais evidentes com os oxigenadores de bolhas, mas que também ocorrem com os oxigenadores de membrana. Essas reações podem ser demonstradas pelo aumento de C5 e C3 no sangue, bem como alterações na cascata da coagulação, na cascata fibrinolítica e da kalicreína. Também na depressão do sistema imunológico (1, 2).

O maior potencial de dano ao sangue e aos tecidos é, provavelmente, conseqüência da grande dispersão do sangue na superfície não endotelial dos oxigenadores; daí porque, na circulação assistida, onde o sangue circula também artificialmente pelos tubos de plástico e é impulsionado por uma bomba mecânica, mas oxigenado pelos pulmões, essas alterações, tanto no sangue como nos tecidos e órgãos, são incomparavelmente menores (3, 4).

O conceito de transferir o oxigênio do sangue arterializado para a circulação venosa corresponde ao princípio da circulação fetal onde o débito das artérias uterinas é mais ou menos igual ao do débito cardíaco fetal (5). Por outro lado, devemos nos lembrar que as necessidades de oxigênio do feto são satisfeitas com saturação arterial menor que a saturação venosa da mãe, em torno de 62% na aorta torácica (Figura 1).

Nós já empregamos esse princípio em mais de 300 perfusões em hipotermia, usando oxigenadores de bolhas (6, 7).


Fig.1 - Representação esquemática da circulação fetal humana. Adaptação de Rudolph citado no livro de Comroe: Phisiology of Respiration. Year Book Medical Publishers. 2 ed. p. 242.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Cinqüenta pacientes com idade variando entre 35 anos e 82 anos, peso de 43 kg ® 98 kg sendo 32 masculinos e 18 femininos foram prospectivamente estudados. Empregou-se oxigenador de membrana (DMG), normotermia (34°C ® 36°C), e hemodiluição com Ringer e Manitol. O gás do oxigenador foi oxigênio puro na proporção de 1/1. Foi estabelecio um shunt veno-arterial de modo que só uma percentagem do sangue venoso passasse pelo oxigenador (Figura 2).


Fig.2 - Representação esquemática do circuito de perfusão indicando os monitores do fluxo do shunt, regulagem e saturação arterial e venosa.

Ao iniciar a perfusão progressivamente, foi-se abrindo o torniquete graduado que regula o shunt de modo que se pudesse alcançar um fluxo pelo shunt em torno de 30% ® 50% do débito da perfusão, ao mesmo tempo que se controlava pelo oxímetro na linha venosa e arterial medidas consideradas por nós dentro dos limites fisiológicos.

Uma vez estabelecido o volume do shunt, por exemplo 40%, essa mesma porcentagem acompanhou automaticamente, na mesma proporção, as variações que ocorriam no débito sistêmico dado pela bomba de rolete. A medida do volume do shunt foi feita por meio de fluxometro eletromagnético muito preciso (Biopump). O oxímetro empregado foi "Oxisat Bentley". O fluxo de perfusão foi feito com drenagem das cavas com cânula única ou separadas (lesões valvares) e de modo geral atingiu 50 ml ® 60 ml por kg de peso corporal. O retorno arterial foi feito pela aorta em todos os pacientes. O hematócrito foi mantido entre 20% ® 30%, sendo transfundido sangue ou concentrado de hemácias se tendesse a baixar aquém de 20%.

A anestesia foi realizada com fentanil e curarização completa para se manter mínimo o consumo de oxigênio. Na fase final de perfusão, quando se acionava o permutador de calor para se atingir temperatura de 36,5oC ® 37oC iniciava-se também a ventilação pulmonar e se reduzia o shunt, dependendo da oximetria venosa. Além da determinação da saturação arterial e venosa contínua, pelo oxímetro foram realizadas dosagens de gazes a cada 15 min ® 20 min, tanto do sangue arterial como venoso.

RESULTADOS

A maioria dos pacientes manteve pressão arterial em torno de 60 mmHg ® 80 mmHg, e apresentou boa diurese. Todos acordaram bem no final da operação, não tendo sido observados quaisquer sinais de disfunção cerebral diagnosticada clinicamente. Como não se utilizou o permutador de calor, a não ser no final da perfusão, a temperatura corporal progressivamente baixou para 34oC. Manteve-se essa temperatura com permutador de calor se tendesse para baixar aquém de 34oC.

As determinações dos gazes realizadas a cada 15 min a 20 min revelaram que, mantendo-se o shunt entre 40% à50% do débito circulatório, a saturação arterial e venosa podia permanecer dentro de limites por nós considerados como seguros ou fisiológicos, ao mesmo tempo que teoricamente houvesse a vantagem de se reduzir, nessa mesma porcentagem, os efeitos deletérios ou inflamatórios causados pelos oxigenadores artificiais. Na Tabela 1 estão os resultados em 10 pacientes nos quais se manteve o shunt entre 40% ® 50%.



Verifica-se aí que a saturação arterial manteve-se em torno de 90% e a saturação venosa em torno de 65%.

Quando se reduziu o shunt para 30% ® 40%, verificou-se que houve uma pequena elevação na saturação (Tabela 2).





Para exemplificar, damos as dosagens gasométricas de 2 pacientes considerados como de risco mais elevado, ambos submetidos a perfusão de duração além de duas horas.

Houve 2 óbitos nessa série, nenhum relacionado à perfusão: Um paciente faleceu na 2ª semana após a operação, de insuficiência respiratória e outro na 4ª semana, de infarto do miocárdio.

COMENTÁRIOS

A idéia de diminuir os efeitos deletérios ou inflamatórios da circulação extracorpórea com oxigenação artificial por meio de shunt veno-arterial, procurando imitar o princípio da circulação fetal, ocorreu-nos, há mais de 10 anos, quando fizemos trabalho apresentado em Munich no Simpósio Comemorativo de 30 anos do emprego da circulação extracorpórea. Continuamos a usar a técnica e a empregamos com bons resultados em mais de 300 perfusões com hipotermia (22°C ® 30°C) e oxigenadores de bolhas. Com o advento dos oxigenadores de membrana e a tendência de se usar mais perfusões normotérmicas, para diminuir o tempo de perfusão, passamos a usar um shunt veno-arterial nesses oxigenadores e, assim, evitar o emprego de blenders e ar comprimido no circuito. Há cerca de um ano, quando passamos a dispor de um fluxômetro preciso (fluxômetro eletromagnético da Biopump) e também monitorizar constantemente a saturação venosa e arterial, propusemo-nos a fazer o presente trabalho. Procurando-se equilibrar ou combinar a maior percentagem de shunt com a necessidade, ao mesmo tempo, de se evitar déficit do fornecimento de oxigênio à mitocôndria, isto é, manter o metabolismo aeróbico, poder-se-ia obter a máxima vantagem do método no que diz respeito a diminuir as reações inflamatórias provocadas pelos oxigenadores. Os resultados a que chegamos indicam que, nessas proporções usadas, houve sempre bons resultados do ponto de vista clínico e da gazometria. A saturação arterial da hemoglobina em torno de 90%, que consideramos adequada, está, na monografia "Oxygen Transport" de J.D. Edwards, W.C. Shoemaker e J.L. Vincent, considerada como normal no capítulo referente ao tratamento da insuficiência respiratória aguda S.A.R.A. Durante a perfusão, entretanto, a informação mais importante é fornecida pela saturação venosa que representa o balanço de oxigênio, devendo ficar acima de 55%, preferivelmente, em torno de 70% (8, 9). Levando-se em conta que, normalmente, o "Oxygen delivery" excede o consumo de oxigênio por um fator de ± 4 X 1, somente quando a saturação venosa baixa aquém de 40% existe uma situação de relativa emergência que pode ser perfeitamente reconhecida pelo perfusionista pela côr extremamente escura da linha venosa. Também se deve levar em conta que o consumo de oxigênio, no paciente paralisado, sem os batimentos cardíacos, e o esforço respiratório é em torno de 30% menor, mesmo em normotermia. Deixando-se a temperatura baixar espontaneamente para 34ºC, estamos ainda dentro do que se convencionou chamar de perfusão normotérmica, mas nessa temperatura também o consumo de O2 é em torno de 25% menor. Somando-se, representa em torno de 50% de redução de consumo de O2 nas condições em que o paciente está sendo operado.

Finalmente, devemos fazer considerações sobre a hemodiluição. O conteúdo de oxigênio do sangue é função linear do hematócrito, mas há uma relação exponencial entre o hematócrito e a viscosidade sangüínea: assim, uma queda do hematócrito pode produzir paradoxalmente um aumento no transporte de oxigênio (10-13). Nas temperaturas entre 32oC e 37oC, a capacidade máxima de transportar oxigênio se dá com hematócrito de 30%. Assim, o hematócrito entre 25% e 30% seria o mais eficiente e ideal nessas circunstâncias.



CONCLUSÕES

* O emprego de oxigênio puro e shunt veno-arterial mostrou ser método adequado e seguro para abolir o uso de ar comprimido e blenders nos oxigenadores de membrana.
* Teoricamente pode-se reduzir em 40% a 50% os efeitos deletérios ou inflamatórios da oxigenação artificial, passando-se apenas um terço ou metade do sangue venoso pelo oxigenador, nas perfusões normotérmicas (34 ® 36ºC).
* Na hipotermia, pela baixa do consumo de O2, o método pode ser usado com mais liberdade, conforme trabalho por nós publicado usando oxigenador de bolhas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 Blackstom E H, Kirklin J W, Stewart R W, Chenoweth D E - Damaging effects of cardiopulmonary by pass. In Prostaglandins in clinical medicine. Keneth K W V & Rossi E C eds. New York: Year Book Medical Publishers Inc., 1982.

2 Graulle G P, Davis R F, Utley Z R eds. - Cardiopulmonary bypass principles and practice. Philadelphia: Willians and Wilkins Co., 1980: 249.

3 Moraes D J, Abilio F M, Cunha M F et al. - Perfusion for myocardial revascularization without an artificial oxygenator. Cardiovasc Bull Texas Heart Inst 1979; 6: 144.

4 Killen D A, Pichler J M, Borkon A M, Reed W A - Biomedicus assist devices for salvage of cardiac surgical patients. Ann Thoracic Surg 1991; 52: 230-5.

5 Medeiros Sobrinho J H - Fisiologia cardiovascular. Circulação fetal e neonatal. São Paulo: Fundo Editorial Bick Procienx, 1965: 303.

6 Moraes D J, Moraes M C J, Dias R et al. - Extracorporeal circulation with venous arterial shunt. In: Hagh S, Klavekon W P, Mayr N, Sebening F eds. Thirty years of extracorporeal circulation. Munich, 1984.

7 Moraes M C J - Oxigenação autógena e mistura arteriovenosa em circulação extracorpórea [Tese. Mestrado] Rio de Janeiro. Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1984

8 Daravic G O - Hemodynamic Monitoring. 2 ed. Philadelphia: W B Saunders, 1985: 231.

9 Ciley E R & Barlett R H - Extracorporeal life support for respiratory failure. In: Gravlee GP, Davis RF, Utley JR, eds. Cardiopulmonary bypass: principles and practice. Philadelphia: W B Saunders, 1974: 65.

10 Mesmer K - Hemodilution. Surg Cln N. Am 1975; 55: 659-78.

11 Moraes D J, Jasbik W, Coutinho H, Zima A, Braga D S, Franco S - Hemodilution in extracorporeal circulation using plasma and dextram as diluent. J Cardiovasc Surg 1963; 4: 36-8.

12 Gollan F - Optimal blood perfusion. In: Litwak R S & Jurado R A eds. Care of the cardiac surgical patient. New York: Appleton, 1982:1.

13 Moraes D J, Jasbik W, Franco S - Perfusão prolongada com hemólise mínima: uso de plasma em substituição ao sangue do oxigenador. Rev Bras Cir 1960; 39: 129-32.

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