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Traumatic rupture of the thoracic aorta: surgical treatment

Dielson Teixeira SAMPAIO0; João Marcos de Vasconcellos SANTOS0; Nílcio Cunha LOBO Jr.0; João Virgílio Uchoa FIGUERÓ0; Caetano S. LOPES0; Fernando R. NOVAES0; Maurício Cleber de PAULA FILHO0; Giovani Cardoso VERSIANI0; Carlos Camilo Smith FIGUEROA0

DOI: 10.1590/S0102-76381997000100007

INTRODUÇÃO

A rotura traumática da aorta torácica é responsável por 10% a 20% das mortes atribuídas a acidentes por veículos automotores, na sua maioria em alta velocidade (1); estima-se que apenas 10% a 15% das vítimas sobrevivam. Destes, a maioria morre dentro das primeiras 24h pós-trauma (1); entretanto, se diagnóstico e tratamento são prontamente estabelecidos o prognóstico é favorável (2).

Consideramos rotura aguda da aorta torácica aquela com até 3 meses de evolução, e crônica além desse período (3).

O presente estudo visa descrever nossa experiência no tratamento cirúrgico dessa lesão.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Foram revisados os casos de rotura traumática da aorta torácica operados pela nossa equipe no Hospital Felício Rocho, no período de julho de 1986 a dezembro de 1995.

Nesse período, foram operados 12 pacientes, sendo 9 do sexo masculino e 3 do feminino. A média de idades foi de 23,3 anos, variando de 15 a 59 anos (Tabelas 1 e 2).





Todos os pacientes tiveram o primeiro atendimento em outras instituições. Do total, 7 foram inicialmente admitidos em hospitais da região metropolitana de Belo Horizonte e 5 em hospitais do interior do Estado. Todos foram vítimas de acidentes de trânsito e apresentavam politraumatismos. Dos 9 em fase aguda do trauma, 7 foram abordados nas primeiras 48 horas após o trauma, 1 no sexto dia após o acidente e outro 15 dias após. Dos 3 em fase crônica, 1 foi operado aos 4 meses, 1 aos 8 meses e outro aos 5 anos após acidente de automóvel.

As lesões associadas podem ser analisadas na Tabela 3.



Em 11 pacientes a presença de alargamento do mediastino superior, ao exame radiológico do tórax, foi que levou à suspeita de lesão em aorta torácica (Figura 1). Em 1 paciente a presença de sopro ejetivo no foco aórtico com irradiação para o pescoço, diante de um quadro de acidente por desaceleração, foi o sinal para suspeita diagnóstica. Em todos os casos a lesão foi confirmada por aortografia com localização no istmo da aorta, logo abaixo da artéria subclávia esquerda (Figura 2).


Fig.1 - Radiografia simples do tórax. Observa-se alargamento do mediastino.


Fig.2 - Aortografia mostrando lesão traumática logo abaixo da subclávia esquerda.

Antes da indução anestésica, foram isolados quatro acessos venosos calibrosos, duas veias centrais e duas veias periféricas em membro superior, para o caso de necessidade de infusão rápida de soluções salinas e/ou hemoderivados, e monitorização da pressão em artéria radial direita.

A via de acesso utilizada foi a toracotomia póstero-lateral esquerda no 4º espaço intercostal. Foram dissecadas a aorta torácica proximal e distal à lesão, e a emergência das artérias subclávia e carótida esquerdas. Os ramos arteriais emergentes da aorta torácica, na região do hematoma traumático, foram reparados. O pinçamento aórtico proximal foi, de preferência, entre as artérias subclávia esquerda e carótida esquerda. Em todos os casos a lesão consistia na rotura total da parede do vaso, por vezes com distanciamento dos cotos. A camada adventícia e/ou pleura mediastinal continham o processo hemorrágico.

Feita heparinização distal à pinça da aorta com infusão de 300 ml a 500 ml de solução salina acrescida de 1 cc de heparina. As lesões foram tratadas com interposição de enxerto (Dacron Woven), compatível com o diâmetro do vaso, em anastomose término-terminal por sutura contínua com Polipropileno 3-0 (Figura 3).


Fig.3 - Desenho da interposição do enxerto aórtico.

Em apenas uma ocasião, foi associado ao pinçamento aórtico, shunt não heparinizado (Politetrafluoroetileno com 8 mm de diâmetro) entre a artéria subclávia esquerda e a aorta distal, com pinçamento proximal da aorta logo após a artéria subclávia esquerda.

RESULTADOS

Onze pacientes sobreviveram. Um paciente faleceu no pós-operatório imediato, por sangramento e choque hipovolêmico. Um paciente evoluiu com paresia de membros inferiores. Dez pacientes tiveram excelente evolução pós-operatória.

O tempo médio de pinçamento aórtico foi de 33,2 minutos, mínimo de 20 minutos e máximo de 45 minutos. Em 8 pacientes foi inferior ou igual a 30 minutos.

COMENTÁRIOS

A rotura traumática da aorta torácica geralmente ocorre em traumas que produzam desaceleração horizontal aguda. O arco aórtico e a aorta torácica descendente desaceleram em velocidades diferentes, resultando numa rotura transversa da aorta ascendente ou do istmo aórtico (4).

Cerca de 80% dos pacientes com rotura traumática da aorta exsanguinam imediatamente. Em geral, a lesão dos sobreviventes localiza-se logo após a emergência da artéria subclávia esquerda. Nesses pacientes, a hemorragia é contida pela adventícia da aorta e/ou pela pleura mediastinal.

O risco de rotura fatal dentro do hemitórax esquerdo está sempre presente, sobretudo nos 2 primeiros meses de evolução. Se a rotura não ocorre nesse período, um pseudo-aneurisma desenvolve-se lentamente, cuja expansão leva a sintomas de compressão do brônquio fonte esquerdo (4). O achado radiológico de massa mediastinal calcificada pode alertar para o diagnóstico. Dos nossos pacientes operados em fase crônica, todos vítimas de acidente automobilístico, 1 apresentou dor torácica anterior aguda 4 meses após, outro dispnéia aos esforços e dor em região posterior do hemitórax esquerdo 8 meses após o trauma e, em outro paciente com relato de acidente há 5 anos, detectou-se alargamento mediastinal durante avaliação de admissão profissional.

Freqüentemente, não há sinais ou sintomas característicos em paciente com trauma fechado do tórax que indiquem a presença de rotura da aorta torácica. Comumente, há múltiplas fraturas, hemotórax, dispnéia e choque. Pulsos periféricos são usualmente normais e sopros são raros (4).

CLARK et al. (2) afirmam que o achado de hemotórax esquerdo (maior que 500 cc), pulsos femorais consideravelmente mais fracos do que nas extremidades superiores (pseudo-coarctação) ou a presença de hematoma supraclavicular são pistas específicas para a presença de lesão aórtica constituindo sinais de alto risco de exsanguinação.

Todas as vítimas de acidente por desaceleração em alta velocidade devem ser consideradas suspeitas de trauma aórtico. O melhor exame para suspeita da rotura traumática de aorta torácica é a radiografia do tórax (2).

KODAL et al. (1), em sua série de 64 pacientes, encontraram que os achados radiológicos mais comuns são: alargamento mediastinal (81%); fratura de arcos costais (63%); desvio de esôfago indicado por desvio de sonda nasogástrica (60%); hemotórax (36%) e condensação apical (27%). Para esses autores, evidências radiológicas de mediastino alargado, compressão do brônquio fonte esquerdo, desvio do esofago, desvio da traquéia e mascaramento do contorno aórtico em 1 paciente com trauma por desaceleração, indicam a aortografia imediata. Nenhum sinal radiológico isolado prediz totalmente a rotura da aorta.

Em 11 dos nossos pacientes, foi a presença de alargamento do mediatisno na radiografia do tórax que levou à suspeita de lesão aórtica. Em 1 caso a presença de sopro ejetivo em foco aórtico, considerado raro, foi o que nos levou a indicar aortografia. Esse foi o exame definitivo utilizado em todos os casos. Todas as lesões localizavam-se no istmo aórtico.

BUCHMASTER et al. (5) descrevem sua experiência com a ecocardiografia transesofágica na avaliação das lesões da aorta torácica, que, quando identifica imagem característica no istmo aórtico, define o diagnóstico, permitindo a abordagem cirúrgica; é, portanto, 100% sensível e específico para o trauma aórtico.

RABINSKY et al. (6), avaliando 823 pacientes de séries cirúrgicas com rotura da aorta, encontraram que, em 96,7% dos casos, a lesão localizava-se no istmo, em 2,3% na aorta ascendente ou arco aórtico e, em apenas 1%, na aorta descendente. Comparativamente, também analisaram 740 casos coletados em autópsias. Destes, 50,4% tinham rotura no istmo, enquanto que 27,2% tinham roturas localizadas na aorta ascendente e 15,7% na aorta descendente.

O tratamento da rotura traumática da aorta torácica é, preferencialmente, cirúrgico e deve ser estabelecido o mais rápido possível, devido ao risco de exsanguinação. O adiamento temporário ou definitivo da operação e o tratamento com anti-hipertensivos e/ou betabloqueadores pode ser necessário em alguns casos. AKINS et al. (7) descreveram os critérios para adiar-se ou evitar-se a operação nesses pacientes. São eles: trauma maior do sistema nervoso central, queimaduras ou feridas abertas extensas que acarretam risco de infecção, sepses estabelecida e insuficiência respiratória acentuada.

Em 1985, MATTOX et al. (8) recomendaram que o reparo cirúrgico com pinçamento simples é técnica segura para a abordagem da lesão traumática da aorta torácica; baseando-se numa extensa revisão da literatura sobre 571 casos, encontraram que a paraplegia ocorre em 4,5% dos operados sob by-pass cardiopulmonar parcial, em 8,3% daqueles submetidos a pinçamento da aorta simples e, em 10,3% daqueles com suporte de shunt, sendo as mortalidades respectivas de 33%, 13% e 15%. O by-pass cardiopulmonar com heparinização sistêmica parece aumentar a morbidade e mortalidade cirúrgicas, especialmente em pacientes com trauma craniano (1).

Tivemos mortalidade de 8,3%. Um dos nossos pacientes (56 anos, trauma há 4 meses), faleceu no pós-operatório imediato por sangramento na anastomose, após crise hipertensiva na Unidade de Tratamento Intensivo.

Em 11 pacientes a operação foi com pinçamento aórtico simples; em apenas 1 caso, associamos shunt não heparinizado (politetrafluoretileno de 8 mm) entre a artéria subclávia esquerda e a aorta descendente.

O estudo de KATZ et al. (9) para fatores de risco potenciais de lesões do trato espinal, sugere que estas provavelmente ocorrem após longos períodos de pinçamento aórtico, quando nenhum shunt é usado para perfundir a aorta distal. Os autores recomendam clampeamento aórtico simples apenas se o tempo de isquemia estiver dentro dos limites de 30 minutos.

A melhor técnica para proteger o trato espinal e os rins durante a operação permanece controversa. A proteção completa contra a paraplegia pode ser impossível nesses pacientes politraumatizados, desde que múltiplos fatores são responsáveis pela isquemia medular (1). A paraplegia pós-operatória parece relacionar-se a uma combinação de fatores, como a anatomia da circulação do trato espinal, o envolvimento dessa circulação por processo ateromatoso e a hipotensão durante e após a operação.

Em nossos pacientes, o tempo médio de isquemia per-operatória foi de 33,2 minutos; em 8 desses pacientes o tratamento foi feito com tempo de pinçamento aórtico menor ou igual a 30 minutos. Um (8,3%) paciente evoluiu no pós-operatório com paresia de MMII, no qual a operação foi feita com clampeamento aórtico simples, com tempo de isquemia em torno de 45 minutos e na vigência de hipotensão. Diante da experiência acumulada, recomenda-se que o pinçamento aórtico se faça sob regime de pressões mais elevadas, tendo-se como referência a monitorização de pressão intra-arterial em torno de 100 mmHg.

É importante para o sucesso cirúrgico a realização rápida das anastomoses com dissecação e controle hemostático prévio dos ramos aórticos envolvidos no hematoma traumático, de modo a evitar sangramentos. Temos evitado enlaçar a aorta proximal e distal à lesão, uma vez que é manobra de risco, podendo levar a traumas do esôfago, traquéia ou parede posterior da aorta.

Concluindo, acreditamos que o tratamento cirúrgico da rotura traumática da aorta torácica, pela técnica de pinçamento simples, fornece resultados satisfatórios.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 Kodali S, Jamieson W R E, Stephens M, Miyagishima R J, Janusz M T, Tyers G F O - Traumatic rupture of the thoracic aorta: a 20 year review: 1969-1989. Circulation 1991; 84 (Suppl.3): 40-6.

2 Clark D E, Zeiger M A, Wallace K L, Packard A B, Nowicki E R - Blunt aortic trauma: signs of high risk. J Trauma 1990; 30: 701-5.

3 Crawford E S & Crawford J L - Diseases of the aorta. Baltimore: Williams & Wilkins, 1984: 377-86.

4 Rich N M & Spencer F C - Vascular trauma. Philadelphia: W B Saunders, 1978: 425-40.

5 Buckmaster M j, Kearney P A, Johnson S B, Smith M D, Sapin P M - Further experience with transesophageal echocardiografy in the evaluation of thoracic aortic injury. J Trauma 1994; 37: 989-95.

6 Rabinsky J, Sidhu G S, Wagner R B - Mid-descending aortic traumatic aneurysms. Ann Thorac Surg 1990; 50: 155-60.

7 Akins C W, Buckley M J, Dagget W - Acute traumatic disruption of the thoracic aorta: a 10 year experience. Ann Thorac Surg 1981; 31: 305-9.

8 Mattox K L, Holzman M, Pickard L R, Beall Jr. A C, De Bakey M E - Clamp/Repair: a safe technique for treatment of blunt injury to descending thoracic aorta. Ann Thorac Surg 1985; 40: 456-63.

9 Katz N M, Blackstone E H, Kirklin J W, Karp R B - Incremental risk factors for spinal cord injury following operation for acute traumatic aortic transection. J Thorac Cardiovasc Surg 1981; 81: 669-74.

Article receive on Wednesday, January 1, 1997

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