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RELATO DE CASO

Ressecção de lipoma do septo interventricular

Fernando FigueiraI; Fernando Moraes NetoII; Carlos Roberto Ribeiro de MoraesIII

DOI: 10.1590/S0102-76382010000400026

INTRODUÇÃO

Tumores primários do coração são raros, tendo incidência de 0,2% a 0,4% em séries de necropsia[1,2]. Cerca de 75% dos tumores primários do coração são benignos. Dentre esses, 8% são representados por lipomas[2].

Lipomas cardíacos são tumores encapsulados, compostos por células gordurosas maduras. Eles são neoplasmas verdadeiros, devendo ser diferenciados da lipomatose hipertrófica do septo interatrial, na qual há uma deposição não encapsulada de tecido adiposo maduro e fetal[3].

Os lipomas do coração podem ser epimiocárdicos, intracavitários ou intramiocárdicos e podem localizar-se nos átrios ou nos ventrículos.

No presente trabalho, relatamos um raro caso de ressecção cirúrgica de lipoma intramiocárdico, localizado no septo interventricular.


RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, 43 anos, assintomático, de vida sedentária, decidiu fazer uma avaliação cardiológica haja vista ter a intenção de realizar caminhadas. Nos antecedentes desse paciente, havia referência à ressecção de lipoma do braço esquerdo aos 7 anos de idade. O exame físico era normal. Radiografia do tórax demonstrou área cardíaca de tamanho normal. Eletrocardiograma revelou alterações difusas da repolarização ventricular. Ecocardiograma mostrou massa localizada na porção basal do septo interventricular, medindo 3,2 x 2,2 cm, a qual não comprometia a dinâmica cardíaca nem os fluxos intracavitários. Tomografia computadorizada do tórax confirmou a existência de massa hipodensa, medindo 4,5x4,0x4,0 cm em seus maiores diâmetros, comprometendo a topografia do septo interventricular. Realizou-se angiorressonância magnética do coração, a qual confirmou a presença de massa de contornos irregulares e limites bem definidos, envolvida por cápsula fibrosa, medindo 38 x 35 mm, localizada na porção médio-basal do septo interventricular. As imagens de caracterização tecidual sugeriram que a massa era formada por tecido adiposo. Foi indicada, então, a cirurgia. O paciente foi ainda submetido a estudo hemodinâmico e cinecoronariografia. As pressões intracavitárias eram normais, não se observando obstáculo à ejeção ventricular. As artérias coronárias estavam livres de processo obstrutivo.

O paciente foi encaminhado ao nosso serviço para tratamento cirúrgico, e a operação foi realizada através esternotomia mediana, com circulação extracorpórea convencional e proteção miocárdica por meio da infusão na raiz da aorta de solução cardioplégica gelada e hipotermia tópica do coração. Realizou-se ventriculotomia direita longitudinal. Foi possível visualizar uma massa amarelada incrustada no septo interventricular. A musculatura septal foi incisada longitudinalmente (Figura 1), e o tumor foi integralmente ressecado (Figura 2). A musculatura septal e a ventriculotomia direita foram restauradas com suturas contínuas de prolene 5-0. No pós-operatório, o paciente apresentou sangramento excessivo, sendo submetido à reexploração cirúrgica. Havia dois pequenos pontos de sangramento na ventriculotomia, os quais foram suturados. O paciente evoluiu sem intercorrências e teve alta hospitalar no 7º dia, assintomático e sem fazer uso de medicação.


Fig. 1 - Aspecto cirúrgico demonstrando o ventrículo direito aberto e o lipoma sendo ressecado após incisão na musculatura do septo interventricular


Fig. 2 - Lipoma ressecado



O exame anatomopatológico confirmou tratar-se de um lipoma, medindo 5x4x3,2 cm, encapsulado, composto por tecido adiposo maduro.


DISCUSSÃO

Lipomas do coração são tumores muito raros. A primeira descrição deve-se a Albers, em 1856, e cerca de 60 casos haviam sido descritos até 1995[4]. Entre nós, numa série de 50 casos de tumores primários do coração, estudados clinica e histologicamente por Fernandes et al.[5], havia apenas um caso de lipoma. Outros 4 casos foram, desde então, descritos na literatura nacional[6-9].

Também muito rara é a localização de tumor cardíaco no septo interventricular, o que ocorre em apenas 2% dos casos[5]. Portanto, a combinação de um raro tumor (lipoma) com uma rara localização (septo interventricular) é especialmente incomum[10,11].

Os lipomas ocorrem em qualquer idade e a frequência é igual em ambos os sexos. Os sintomas são variáveis, podendo incluir manifestações de insuficiência cardíaca, arritmias e síncope. Nosso paciente era assintomático, sendo um exemplo de como a evolução da moderna tecnologia tem resultado em diagnósticos mais frequentes e precisos dos tumores cardíacos.

O diagnóstico de lipoma cardíaco pode ser estabelecido por ecocardiografia bidimensional, tomografia computadorizada e ressonância magnética. A ressonância magnética é particularmente útil, porque permite a caracterização do tipo de tecido. Estudo hemodinâmico e cinecoronariografia são dispensáveis na maioria dos casos. Em nosso paciente, esses exames foram realizados devido à idade (43 anos) do mesmo e, especialmente, porque o eletrocardiograma apresentava alterações da repolarização ventricular.

Todos os tumores cardíacos são potencialmente letais devido à possibilidade deles produzirem obstruções, embolismo e distúrbios do ritmo. A segurança das técnicas de circulação extracorpórea e de proteção miocárdica tem tornado possível a ressecção com segurança dos tumores do coração. Portanto, mesmo em pacientes assintomáticos todos os tumores de coração têm indicação cirúrgica.

O tipo de abordagem depende essencialmente da localização e do tamanho do tumor. Em nosso caso havia a possibilidade de abordar o tumor tanto por atriotomia quanto por ventriculotomia direitas. Optamos pela segunda opção, imaginando que devido ao tamanho do tumor seria mais confortável e seguro sua abordagem pelo ventrículo direito.

Geralmente, a excisão dos tumores cardíacos resulta em cura dos pacientes e em excelente prognóstico tardio.


REFERÊNCIAS

1. McAllister HA Jr. Tumors of the heart and pericardium. In: Silver MD, ed. Cardiovascular pathology. 2nd ed. New York:Churchill Livinstone; 1991. p.1297-333.

2. Colucci WS, Schoen FJ, Braunwald E. Primary tumors of the heart. In: Braunwald E, ed. Heart disease: a textbook of cardiovascular medicine. vol. 2. Philadelphia:WB Saunders;1997. p.1464-77.

3. Alcocer JJ, Katz WE, Hattler BG. Surgical treatment of lipomatous hypertrophy of the interatrial septum. Ann Thorac Surg. 1998;65(6):1784-6. [MedLine]

4. Mullen JC, Schipper SA, Sett SS, Trusler GA. Right atrial lipoma. Ann Thorac Surg. 1995;59(5):1239-41. [MedLine]

5. Fernandes F, Soufen HN, Ianni BM, Arteaga E, Ramires FJ, Mady C. Primary neoplasms of the heart. Clinical and histological presentation of 50 cases. Arq Bras Cardiol. 2001;76(3):231-7. [MedLine]

6. Silveira WL, Nery MW, Soares EC, Leite AF, Nazzetta H, Batista MA, et al. Lipoma de átrio direito. Arq Bras Cardiol. 2001;77(4):361-8. [MedLine]

7. Pêgo-Fernandes PM, Costa PL, Fernandes F, Benvenuti LA, Oliveira SA. Lipoma atrial direito. Arq Bras Cardiol. 2003;80(1):94-6.

8. Pêgo-Fernandes PM, Batagello CA, Fernandes F, Jatene FB, Oliveira SA. Lipoma de ventrículo esquerdo: relato de caso. Arq Bras Cardiol. 2004;82(2):188-90.

9. Joaquim MR, Braile DM, Arruda MV, Soares MJ. Ressecção de um lipoma de átrio direito e reconstrução parcial com pericárdio bovino. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2009;24(2):239-41. [MedLine] Visualizar artigo

10. Nishi H, Mitsuno M, Ryomoto M, Hao H, Hirota S, Miyamoto Y. Giant cardiac lipoma in the ventricular septum involving the tricuspid valve. Ann Thorac Surg. 2009;88(4):1337-9. [MedLine]

11. Ozaki N, Mukohara N, Yoshida M, Shida T. Cardiac lipoma in the ventricular septum: a case report. Thorac Cardiovasc Surg. 2006;54(5):356-7. [MedLine]

Article receive on quinta-feira, 25 de março de 2010

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