Article

lock Open Access lock Peer-Reviewed

4

Views

ARTIGO ORIGINAL

Perfusão da artéria pulmonar não melhora os índices de fator natriurético cerebral (BNP) em estudo experimental em suínos

Edmo Atique GabrielI; Rafael Fagionato LocaliII; Priscila Katsumi MatsuokaIII; Ludmila Santiago AlmeidaIV; Paulo Sérgio Venerando SilvaV; Marcia Marcelino de Souza IshigaiVI; Tomas SalernoVII; Enio BuffoloVIII

DOI: 10.1590/S0102-76382010000400016

INTRODUÇÃO

O princípio básico que norteou o desenvolvimento das técnicas de preservação miocárdica foi a lesão de isquemia e reperfusão. O reparo das anomalias e disfunções do coração por si só não é suficiente para prover substratos energéticos e eletrolíticos para o miocárdio, sobretudo em caso de períodos prolongados de isquemia [1-5].

A prevenção da lesão de isquemia e reperfusão, de forma plena, durante cirurgias cardíacas com emprego de circulação extracorpórea (CEC), tem se restringido à proteção miocárdica. No entanto, sabe-se que, teoricamente, a função precípua da CEC seria contemplar as demandas metabólicas e energéticas do coração como também dos pulmões [4-6].

Em cirurgias cardíacas com CEC, o emprego da técnica de pinçamento aórtico em associação com cardioplegia impossibilita que o ventrículo direito mantenha a perfusão dos pulmões. Analogamente, em cirurgias com CEC, nas quais o coração é mantido batendo, sem pinçamento aórtico, a perfusão dos pulmões também é comprometida, uma vez que há drenagem parcial ou total do volume sanguíneo das câmaras direitas, consequentemente limitando o fluxo de perfusão do tronco pulmonar. Soma-se a tudo isso a constatação feita por Schlensak et al. [7] de que o fluxo arterial brônquico torna-se baixo e muito variável durante a CEC, em virtude da utilização de fluxo não pulsátil.

Deve-se ter em mente que existe íntima relação entre o ventrículo direito e a vasculatura pulmonar, englobando o tronco pulmonar e suas mais periféricas extensões capilares. Diante disso, a sístole ventricular direita e, portanto, o trabalho desempenhado pelo ventrículo direito, depende de parâmetros hemodinâmicos como PAPM e RVP. Mediante regime de elevados níveis dos referidos parâmetros, sinais de sobrecarga e disfunção ventricular direita podem ser identificados por intermédio de caracteres clínicos, eletrocardiográficos e ecocardiográficos. Um dos principais caracteres clínicos de sobrecarga ventricular direita seria a elevação da síntese tecidual de BNP, uma vez que este peptídeo tem sido apontado por muitos autores como um dos mais relevantes marcadores indiretos de sobrecarga ventricular [8-10].

Uma vez perfundindos os pulmões durante a CEC, com pressão de perfusão controlada, os efeitos deletérios causados pela CEC no tocante à elevação significativa de PAPM e RVP podem ser atenuados. Dessa forma, o desempenho do ventrículo direito poderia ser otimizado e eventuais sinais de sobrecarga certamente seriam prevenidos. Assim, pode-se postular que a perfusão pulmonar, com pressão de perfusão controlada, tende a não causar sobrecarga ventricular direita no período pós-CEC e, subsequentemente, os valores de BNP expressos pelo miocárdio ventricular direito não estariam elevados de forma substancial [7,11].

De forma pontual, Nagaya et al. [11] demonstraram que, no pós-operatório de tromboendarterectomia pulmonar, além da redução dos níveis de PAPM e RVP, há redução significativa da síntese de BNP pelo ventrículo direito. Os autores apontam que existe correlação entre descenso dos níveis de PAPM e RVP e redução do BNP pelo ventrículo direito. Pode-se apreender, dessa forma, que a perfusão inadequada dos pulmões poderia ter impacto negativo, tanto de natureza mecânica como inflamatória, no miocárdio do ventrículo direito.

À luz de todas estas informações, o presente estudo visa determinar se a perfusão do tronco pulmonar pode modificar a expressão tecidual de BNP pelo ventrículo direito, em cirurgias com CEC.


MÉTODOS

Animais


Após aprovação da pesquisa pelo comitê de ética institucional, realizou-se estudo experimental no laboratório de técnica operatória e cirurgia experimental da Universidade Federal de São Paulo. O manuseio destes animais seguiu as diretrizes do "Guide for the Care and Use of Laboratory Animals" e os princípios éticos na experimentação animal do Colégio Brasileiro de Experimentação Animal. Neste estudo, foram utilizados 32 porcos do sexo masculino, com média de idade de 2,7 meses, peso médio de 20,4 kg, comprimento médio de 70,3 cm, todos pertencentes à linhagem Pernalan C-56. Os suínos foram escolhidos para realização desta pesquisa experimental uma vez que apresentam, do ponto de vista cardiológico e pulmonar, semelhanças anatômicas e fisiológicas com o ser humano. Foram considerados aptos para inclusão na pesquisa aqueles animais que não apresentassem sinais clínicos e laboratoriais de infecção de qualquer sítio.

Desenho do estudo

Nesta pesquisa, etiquetas numeradas de 1 a 32 foram colocadas em uma caixa fechada. Para cada animal, previamente ao procedimento operatório e após sua separação dos demais, foi retirada, aleatoriamente, uma etiqueta da caixa. Os animais que receberam os números 1-4, 5-10 e 11-16 pertenceram, respectivamente, aos subgrupos IA, IB e IC. Os animais que receberam os números 17-20, 21-26 e 27-32 pertenceram, respectivamente, aos subgrupos IIA, IIB e IIC.

O procedimento operatório foi realizado imediatamente após a randomização do animal. A randomização do animal seguinte era realizada somente no fim do procedimento operatório.

Assim sendo, os animais foram divididos, de forma randômica, em dois grupos principais, de acordo com a estratégia de CEC - grupo I (n = 16 - cardioplegia) e grupo II (n = 16 - coração batendo). Cada um dos grupos principais foi subdividido, também de forma randômica, em três subgrupos, de acordo com a estratégia de perfusão do tronco pulmonar - subgrupo A (n = 4): controle - sem perfusão pulmonar (IA/IIA), subgrupo B (n = 6): perfusão do tronco pulmonar com sangue arterial (IB/IIB) e subgrupo C (n = 6): perfusão do tronco pulmonar com sangue venoso (IC/IIC).

Anestesia e preparo pré-operatório

Os animais receberam como pré-anestésicos as drogas acepromazina (0,1 mg/kg) e quetamina (10 mg/kg), ambas por via intramuscular. Decorridos 30 minutos, procedeu-se à indução anestésica com injeção intravenosa de pentobarbital sódico, na dosagem de 12,5 mg/kg, na veia marginal da orelha direita. Os animais eram mantidos sob ventilação mecânica, com aproximadamente 14 movimentos respiratórios por minuto e 10 ml/kg de volume corrente. A manutenção anestésica foi realizada com fentanil, na dose de 0,01 mg/kg, por via endovenosa, e tiopental, na dose de 1 g, por via endovenosa, a cada 20 minutos. Um cateter de polietileno 8 Fr foi introduzido na artéria carótida interna direita, sob anestesia e por meio de dissecção e flebotomia, para aferição da pressão arterial média.

Um cateter de Swan-Ganz de calibre 7 Fr (93A-131H-7F, Edwards, Baxter Edwards Critical Care, Irvine, CA) foi introduzido na veia jugular externa direita, por meio de dissecção e flebotomia, e sua foi ponta foi posicionada na artéria pulmonar, guiada pelos traços de pressão. Estes cateteres foram conectados a transdutores individuais de pressão e a um polígrafo modelo Viridia 24C (Hewlett-Packard Corp, Andover, MS, USA) para aferição de parâmetros hemodinâmicos como pressão média de artéria pulmonar. Um terceiro cateter de polietileno (8 Fr) foi introduzido na veia jugular externa esquerda, por meio de dissecção e flebotomia, e era utilizado como acesso venoso central.

CEC e perfusão pulmonar

Nos animais do grupo I, após heparinização sistêmica (4 mg/kg), a instalação da CEC foi feita por meio de canulação da aorta e canulação bicaval e foram empregadas duas cardioplegias, a primeira logo após o pinçamento da aorta e, a segunda, após intervalo de 15 minutos. Uma vez estabelecida a CEC total, a ventilação mecânica era desligada. A perfusão do tronco pulmonar, feita por meio da inserção de uma cânula no tronco pulmonar, era iniciada logo após o término da primeira cardioplegia e tinha duração de 30 minutos, sendo que a pressão de perfusão pulmonar era rigorosamente controlada por manômetro digital, tendo com base a pressão média da artéria pulmonar, mensurada antes da toracotomia mediana, por intermédio do cateter de Swan-Ganz. Durante o período de perfusão do tronco pulmonar, foi utilizada uma sonda ("Vent") para drenagem das câmaras esquerdas, a fim de evitar a distensão das mesmas. O fluxo de perfusão sistêmica era baseado na superfície corpórea do animal e o fluxo de perfusão do tronco pulmonar era ajustado de acordo o nível de pressão de perfusão pulmonar definido previamente. Logo após a saída de CEC, eram realizadas as mensurações hemodinâmicas do período pós-operatório.

Nos animais do grupo II, após heparinização sistêmica (4mg/kg), estabelecia-se a CEC total e a ventilação mecânica era desligada. A perfusão do tronco pulmonar era iniciada e mantida por 30 minutos, sendo que a pressão de perfusão do tronco pulmonar era rigorosamente controlada por manômetro digital, tendo com base a pressão média da artéria pulmonar, mensurada antes da toracotomia mediana, por meio do cateter de Swan-Ganz. Durante o período de perfusão pulmonar, as duas veias cavas eram mantidas garroteadas e o átrio direito era drenado por uma sonda ("Vent"), para que a perfusão do tronco pulmonar fosse feita somente por meio da cânula introduzida no tronco pulmonar. O fluxo de perfusão sistêmica era baseado na superfície corpórea do animal e o fluxo de perfusão do tronco pulmonar era ajustado de acordo o nível de pressão de perfusão pulmonar definido previamente. Logo após a saída de CEC, eram realizadas as mensurações hemodinâmicas do período pós-operatório.

Nos grupos I e II, a perfusão pulmonar com sangue arterial foi realizada por meio de uma linha artificial, que foi derivada da linha da recirculação. A perfusão pulmonar com sangue venoso, por sua vez, foi realizada a partir de uma derivação criada na linha entre o reservatório venoso e o oxigenador. Durante o procedimento, a pressão pulmonar arterial média e o fluxo de perfusão pulmonar médio foram, respectivamente, equivalentes a 24,6 mmHg e 200 ml/min. Não houve diferenças, quanto à pressão de perfusão pulmonar, usando sangue venoso ou sangue arterial. O fluxo de perfusão sistêmica variou de 1,2 a 1,4 l/min/m2. O tempo médio de CEC variou de 35 a 40 minutos.

O circuito de CEC utilizado nos experimentos, como também o sistema de cardioplegia Unique e o oxigenador Thymus, foram manufaturados pela Nipro Brasil.

Avaliação hemodinâmica/BNP/análise histológica

As avaliações hemodinâmicas, feitas por meio do cateter de Swan-Ganz, foram realizadas logo após a saída de CEC e contemplaram as variáveis pressão arterial pulmonar média e resistência vascular pulmonar. Fragmentos do infundíbulo foram coletados para determinar a expressão do peptídeo natriurético cerebral (BNP) e o padrão histológico tecidual, nos períodos pré-operatório (após toracotomia e pericardiotomia, antes da instalação da CEC) e após período de 30 minutos de perfusão do tronco pulmonar. A saída de CEC praticamente coincidia com o término dos 30 minutos de perfusão pulmonar. A expressão tecidual do BNP foi analisada por meio do método de "polymerase chain reaction in real time" (PCR-RT) e o estudo histológico das amostras de miocárdio foi feito segundo a técnica de hematoxilina e eosina.

O método PCR-RT somente foi aplicado quando as amostras teciduais de cada animal apresentaram valores de expressão de BNP minimamente detectáveis. Uma patologista especializada em reação inflamatória miocárdica realizou as análises de forma independente e sem ter conhecimento prévio acerca dos diversos subgrupos da pesquisa. Além disso, esta patologista adotou critérios semi-quantitativos para determinação da intensidade dos diferentes tipos de lesão inflamatória no miocárdio. A intensidade das lesões em cada campo sucessivo foi graduada como 0 para ausência de lesões, 1 para mínima, 2 para moderada e 3 para intensa. A extensão das lesões foi graduada como 0 (ausente), 1 (1-25% de tecido afetado), 2 (26-50% de tecido afetado) e 3 (<50% de tecido afetado). O escore médio para campos sucessivos representou o escore para cada amostra individual [12].

As análises comparativas referentes ao estudo hemodinâmico e à expressão miocárdica de BNP foram feitas entre pares de subgrupos, dentro de cada grupo principal, ou seja, não foram feitas comparações entre subgrupos pertencentes a grupos principais diferentes. Quanto ao estudo histológico, os períodos pré e pós-operatório foram comparados entre si, para cada subgrupo individualmente, uma vez que o padrão histológico miocárdico pré-operatório poderia ser confrontado com o padrão histológico miocárdico após 30 minutos de perfusão pulmonar.

Análise estatística

O tamanho da amostra para este experimento foi estimado por meio da fórmula de Sturges e, a partir desta, o número amostral 32 foi considerado como minimamente aceitável para tal finalidade. O poder estatístico do tamanho amostral 32 foi de 0,95 e, para 16 elementos em cada grupo principal, este poder foi de 0,70. A subdivisão de cada grupo principal em subgrupos produziu um poder estatístico baixo para o tamanho amostral de cada subgrupo e isto, sem dúvida, deve ser considerado como importante limitação deste estudo. As variáveis foram avaliadas, em termos de sua normalidade, por meio do teste de Kolmogórov-Smírnov. Tendo sido comprovada a não-normalidade, decidiu-se por aplicar o teste não-paramétrico adequado à comparação de dois grupos: o teste de Mann-Whitney. As próprias variáveis, com seus valores, foram as fornecedoras dos dados para a comprovação da não-normalidade.

O teste dos Postos Sinalizados de Wilcoxon foi aplicado para estabelecer uma análise comparativa entre os dois momentos temporais de observação (períodos pré e pós-operatório), para cada subgrupo individualmente (IA,IB, IC,IIA,IIB,IIC). Em caso de análise comparativa entre dois subgrupos (IAx IB; IA x IC; IB x IC; IIA x IIB; IIB x IIC; IIB x IIC), enfocando apenas o período pós-operatório, foi aplicado o teste de Mann-Whitney. Para a comparação concomitante entre três subgrupos entre si (IA x IB x IC; IIA x IIB x IIC), dentro de cada grupo principal, no período pós-operatório, foi aplicado o teste de Kruskal-Wallis. Foi admitido erro alfa de 5% , para a aplicação dos testes estatísticos. O programa SPSS (Statistical Package for Social Sciences), em sua versão 13.0, foi aplicado para a obtenção dos resultados.


RESULTADOS

No período pós-operatório, os valores obtidos para os parâmetros hemodinâmicos, determinados por intermédio de mensurações feitas com cateter de Swan-Ganz, demonstraram variações significantes, no que tange à pressão arterial pulmonar média e resistência vascular pulmonar, entre subgrupos de animais cujos pulmões foram perfundidos com pressão controlada e subgrupos de animais cujos pulmões não foram perfundidos com pressão de perfusão controlada.

A análise comparativa entre subgrupos dentro do grupo I (cardioplegia) foi caracterizada por valores pós-operatórios significantemente menores da pressão arterial pulmonar média e resistência vascular pulmonar, nos subgrupos de animais cujos pulmões foram perfundindos com sangue arterial ou venoso, adotando a estratégia de controle rigoroso da pressão de perfusão (Tabela 1).




Nos subgrupos do grupo II (coração batendo), nos quais os pulmões foram perfundidos com sangue arterial ou venoso, com pressão de perfusão controlada, detectou-se valor pós-operatório significantemente menor da resistência vascular pulmonar (Tabela 2).




No tocante à expressão de BNP no miocárdio do ventrículo direito, foram consideradas apenas as amostras teciduais nas quais a expressão quantitativa de BNP foi minimamente detectável pelo método de PCR-Real Time. Assim sendo, as amostras de tecido miocárdico que não expressaram valores de BNP minimamente detectáveis pelo método de PCR-RT não foram incluídas nesta análise, fato esse que gerou variabilidade do tamanho amostral apresentado para cada subgrupo estudado. Os valores pós-operatórios de BNP não foram significantemente relevantes entre os subgrupos do grupo I nem tampouco entre os subgrupos do grupo II (Tabela 3).




Avaliações feitas no período pré-operatório e após 30 minutos de perfusão do tronco pulmonar, em cada subgrupo individualmente, evidenciaram diferentes lesões miocárdicas, de natureza inflamatória, como edema intersticial, hemorragia intersticial, infiltrado celular, bandas de contração e áreas de necrose.

Estas lesões foram mensuradas, por meio de critérios semi-quantitativos, como referido em Métodos e apresentadas, de forma descritiva, para os subgrupos do grupo I (Tabela 4) e para os subgrupos do grupo II (Tabela 5).






Na sequência, as Figuras 1 a 3 ilustram e exemplificam as principais lesões miocárdicas, de natureza inflamatória, que foram encontradas nos diferentes subgrupos da pesquisa.


Fig. 1 - Comparação pós-operatória entre subgrupos do grupo I quanto às variáveis hemodinâmicas. IA - sem perfusão do tronco pulmonar; IB - perfusão do tronco pulmonar com sangue arterial; IC - perfusão do tronco pulmonar com sangue venoso; PAPMpressão arterial pulmonar média em mmHg; RVP - resistência vascular pulmonar em dyne.s.cm5


Fig. 2 - Comparação pós-operatória entre subgrupos do grupo II quanto às variáveis hemodinâmicas. IIA - sem perfusão do tronco pulmonar; IIB - perfusão do tronco pulmonar com sangue arterial; IIC - perfusão do tronco pulmonar com sangue venoso; PAPM - pressão arterial pulmonar média em mmHg; RVP - resistência vascular pulmonar em dyne.s.cm5


Fig. 3 - Expressão miocárdica de BNP nos grupos I e II. IA - sem perfusão do tronco pulmonar; IB - perfusão do tronco pulmonar com sangue arterial; IC - perfusão do tronco pulmonar com sangue venoso; IIA - sem perfusão do tronco pulmonar; IIB - perfusão do tronco pulmonar com sangue arterial; IIC - perfusão do tronco pulmonar com sangue venoso; BNP - peptídeo natriurético cerebral em ìg/ìL



DISCUSSÃO

Nas cirurgias cardíacas com emprego de CEC, não existe perfusão suficiente e adequada das artérias pulmonares, resultando em disfunção endotelial. Em decorrência da lesão de isquemia e reperfusão pulmonar, os receptores de superfície das células inflamatórias são estimulados, resultando na ativação de cascatas de sinalização intracelular e subsequente regulação positiva da transcrição de diversos mediadores pró-inflamatórios, como citocinas, quimocinas e moléculas de adesão celular [13-18].

Nos resultados do estudo de Schlensak et al. [7], houve um significante decréscimo no fluxo arterial brônquico na fase inicial da CEC total; este fluxo permaneceu diminuído até o final da CEC e retornou aos valores praticamente normais ao longo de 60 minutos de reperfusão após a saída de CEC. As análises histológicas feitas por estes autores revelaram que o aumento da espessura septal alveolar e o decréscimo na área de superfície alveolar foram significantemente atenuados pela perfusão controlada da artéria pulmonar [7].

Gabriel et al. [19] demonstraram, experimentalmente, vantagens de perfusão do tronco pulmonar com pressão controlada, usando sangue arterial e sangue venoso. Do ponto de vista hemodinâmico, estes autores observaram redução significativa da pressão arterial pulmonar média e resistência vascular pulmonar no período pós-operatório imediato, em animais submetidos à perfusão controlada do tronco pulmonar.

Níveis elevados de BNP são encontrados em pacientes com disfunção ventricular, infarto agudo do miocárdio, angina instável, hipertensão e hipertrofia ventricular. Em pacientes com sobrecarga pressórica de ventrículo direito devido à hipertensão pulmonar primária e tromboembolismo, os níveis de BNP estão mais elevados do que naqueles pacientes com sobrecarga volumétrica do ventrículo direito devido ao defeito de septo atrial [20-22].

Em pacientes com hipertensão pulmonar crônica tromboembólica, os níveis de BNP têm sido usados como marcadores de hipertensão pulmonar primária e, após a tromboendarterectomia, os níveis de BNP e a resistência vascular pulmonar total decrescem. Pacientes que apresentam insuficiência cardíaca direita e esquerda apresentam valores significativamente mais elevados de BNP em relação àqueles que apresentam somente insuficiência cardíaca esquerda. Em pacientes com sobrecarga pressórica crônica de ventrículo direito, a mensuração de fração de ejeção deste ventrículo revelou correlação negativa com os níveis plasmáticos de BNP, sugerindo que os níveis de BNP estejam elevados em pacientes com disfunção sistólica de ventrículo direito. O BNP é secretado principalmente pelos ventrículos do coração e tem sido usado como marcador não invasivo de disfunção ventricular direita. Trabalhos recentes têm mostrado que os níveis de BNP aumentam proporcionalmente ao grau de hipertensão pulmonar e disfunção ventricular direita [23,24].

Nagaya et al. [11] demonstraram que os níveis pré-operatórios de BNP plasmático estão significativamente elevados em pacientes portadores de hipertensão pulmonar tromboembólica. Estes autores destacaram que, na fase pós-operatória, os níveis de BNP plasmático apresentaram correlação positiva com a pressão arterial pulmonar média e correlação negativa com o débito cardíaco, portanto, demonstrando uma forte correlação positiva com a resistência vascular pulmonar. O decréscimo nos níveis de BNP correlacionou-se com decréscimo na resistência vascular pulmonar, após a tromboendarterectomia pulmonar.

Embora muitas pesquisas apontem a existência de correlação entre valores de BNP e variáveis como pressão arterial pulmonar média e resistência vascular pulmonar, não houve relação direta, no presente estudo, entre benefícios hemodinâmicos associados à perfusão controlada do tronco pulmonar e à expressão de BNP no miocárdio ventricular direito. Os autores do presente estudo hipotetizam que o tempo destinado à perfusão pulmonar, ou seja, a duração da perfusão controlada do tronco pulmonar poderia se constituir num importante fator limitante para obtenção de variações significantes da expressão miocárdica de BNP. Assim, a perfusão controlada do tronco pulmonar por um período de 30 minutos não foi suficiente para promover alterações substanciais na síntese de BNP pelos miócitos do ventrículo direito.

No tocante à análise histológica das amostras de miocárdio ventricular direito, o presente estudo revelou que, nos subgrupos IA e IB, a hemorragia intersticial foi significante no período pós-operatório. Nos subgrupos IB e IC, a presença de bandas de contração e áreas de necrose miocárdica foi notável no período pós-operatório.

Quanto ao grupo II, os subgrupos IIA e IIC apresentaram lesões miocárdicas significantes no período pós-operatório, expressas principalmente por áreas de necrose. No subgrupo IIB, não houve diferenças significantes entre os períodos pré e pós-operatório, quanto à graduação das lesões inflamatórias. Com base nestes achados histológicos, pode-se postular que as lesões inflamatórias encontradas no período pós-operatório de cada subgrupo foram decorrentes de fatores pró-inflamatórios inerentes ao sistema de circulação extracorpórea, independentemente se o tronco pulmonar foi perfundido durante o procedimento. Logo, sobressai-se novamente a questão relativa à possível influência do tempo de perfusão controlada do tronco pulmonar, uma vez que os achados histológicos foram correlacionados especificamente com um período contínuo de 30 minutos de perfusão do tronco pulmonar.

Em suma, a perfusão controlada do tronco pulmonar por 30 minutos, durante cirurgia cardíaca com CEC, segundo o modelo experimental elaborado, não promoveu alterações marcantes na expressão miocárdica de BNP, no período pós-CEC imediato.


AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à empresa Nipro Brasil, pelo subsídio e apoio logístico indispensáveis para realização desta pesquisa. Também agradecem ao estaticista Euro Barros Couto Jr, pela meticulosa avaliação dos dados da pesquisa, à Profa. Dra. Márcia Marcelino de Souza Ishigai, pela dedicação e empenho na interpretação dos achados histológicos, ao Prof. Dr. Ismael Guerreiro Silva, pelas análises de biologia molecular, e ao médico veterinário Dr. Paulo Sérgio Venerando Silva, pelo valioso apoio na anestesia, monitorização hemodinâmica e realização de exames nos animais utilizados neste estudo.


REFERÊNCIAS

1. Buckberg GD. Myocardial temperature management during aortic clamping for cardiac surgery. Protection, preoccupation, and perspective. J Thorac Cardiovasc Surg. 1991;102(6):895-903. [MedLine]

2. Kassab GS, Kostelec M, Buckberg GD, Covell J, Sadeghi A, Hoffman JI. Myocardial protection in the failing heart: II. Effect of pulsatile cardioplegic perfusion under simulated left ventricular restoration. J Thorac Cardiovasc Surg. 2006;132(4):884-90. [MedLine]

3. Dearani JA, Axford TC, Patel MA, Healey NA, Lavin PT, Khuri SF. Role of myocardial temperature measurement in monitoring the adequacy of myocardial protection during cardiac surgery. Ann Thorac Surg. 2001;72(6):S2235-43.

4. Nicolini F, Beghi C, Muscari C, Agostinelli A, Maria Budillon A, Spaggiari I, et al. Myocardial protection in adult cardiac surgery: current options and future challenges. Eur J Cardiothorac Surg. 2003;24(6):986-93. [MedLine]

5. Cressoni ES, Avanci LE, Braile DM, Cicogna AC, Oliveira APML, Gerez MAE, et al. Proteção miocárdica ao coração hipertrofiado: o eterno desafio. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2008;23(1):97-107. [MedLine] Visualizar artigo

6. Mota AL, Rodrigues AJ, Évora PRB. Circulação extracorpórea em adultos no século XXI. Ciência, arte ou empirismo? Rev Bras Cir Cardiovasc. 2008;23(1):78-92. [MedLine] Visualizar artigo

7. Schlensak C, Doenst T, Preusser S, Wunderlich M, Kleinschmidt M, Beyersdorf F. Bronchial artery perfusion during cardiopulmonary bypass does not prevent ischemia of the lung in piglets: assessment of bronchial artery blood flow with fluorescent microspheres. Eur J Cardiothorac Surg. 2001;19(3):326-31.

8. Siepe M, Goebel U, Mecklenburg A, Doenst T, Benk C, Stein P, et al. Pulsatile pulmonary perfusion during cardiopulmonary bypass reduces the pulmonary inflammatory response. Ann Thorac Surg. 2008;86(1):115-22. [MedLine]

9. Inokawa H, Sevala M, Funkhouser WK, Egan TM. Ex-vivo perfusion and ventilation of rat lungs from non-heart-beating donors before transplant. Ann Thorac Surg. 2006;82(4):1219-25. [MedLine]

10. Sievers HH, Freund-Kaas C, Eleftheriadis S, Fischer T, Kuppe H, Kraatz EG, et al. Lung protection during total cardiopulmonary bypass by isolated lung perfusion: preliminary results of a novel perfusion strategy. Ann Thorac Surg. 2002;74(4):1167-72.

11. Nagaya N, Nishikimi T, Okano Y, Uematsu M, Satoh T, Kyotani S, et al. Plasma brain natriuretic peptide levels increase in proportion to the extent of right ventricular dysfunction in pulmonary hypertension. J Am Coll Cardiol. 1998;31(1):202-8. [MedLine]

12. Delmonte C, Capelozzi VL. Morphologic determinants of asphyxia in lungs: a semiquantitative study in forensic autopsies. Am J Forensic Med Pathol. 2001;22(2):139-49. [MedLine]

13. Boyle EM Jr, Pohlman TH, Johnson MC, Verrier ED. Endothelial cell injury in cardiovascular surgery: the systemic inflammatory response. Ann Thorac Surg. 1997;63(1):277-84. [MedLine]

14. Fan X, Liu Y, Wang Q, Yu C, Wei B, Ruan Y. Lung perfusion with clarithromycin ameliorates lung function after cardiopulmonary bypass. Ann Thorac Surg. 2006;81(3):896-901. [MedLine]

15. Real JM, Marques MM, Camargo AA, Deheinzelin D, Dias AA. The role of the acute phase protein PTX3 in the ventilator-induced lung injury. Eur Respir J. 2007;30(Suppl 51):456s. [MedLine]

16. Liu Y, Wang Q, Zhu X, Liu D, Pan S, Ruan Y, et al. Pulmonary artery perfusion with protective solution reduces lung injury after cardiopulmonary bypass. Ann Thorac Surg. 2000;69(5):1402-7. [MedLine]

17. Shimamoto A, Pohlman TH, Shomura S, Tarukawa T, Takao M, Shimpo H. Toll-like receptor 4 mediates lung ischemia-reperfusion injury. Ann Thorac Surg. 2006;82(6):2017-23. [MedLine]

18. Li C, Ha T, Kelley J, Gao X, Qiu Y, Kao RL, et al. Modulating Toll-like receptor mediated signaling by (1->3)-beta-D-glucan rapidly induces cardioprotection. Cardiovasc Res. 2004;61(3):538-47. [MedLine]

19. Gabriel EA, Fagionato Locali R, Katsumi Matsuoka P, Santiago Almeida L, Guerreiro Silva I, Capelozzi VL, et al. Lung perfusion during cardiac surgery with cardiopulmonary bypass: is it necessary? Interact Cardiovasc Thorac Surg. 2008;7(6):1089-95. [MedLine]

20. Yap LB, Mukerjee D, Timms PM, Ashrafian H, Coghlan JG. Natriuretic peptides, respiratory disease, and the right heart. Chest. 2004;126(4):1330-6. [MedLine]

21. Krishnaswamy P, Lubien E, Clopton P, Koon J, Kazanegra R, Wanner E, et al. Utility of B-natriuretic peptide levels in identifying patients with left ventricular systolic or diastolic dysfunction. Am J Med. 2001;111(4):274-9. [MedLine]

22. Omland T,Aakvaag A, Bonarjee VV, Caidahl K, Lie RT, Nilsen DW, et al. Plasma brain natriuretic peptide as an indicator of left ventricular systolic function and long-term survival after acute myocardial infarction. Comparison with plasma atrial natriuretic peptide and N-terminal proatrial natriuretic peptide. Circulation. 1996;93(11):1963-9. [MedLine]

23. Nakanishi K, Tajima F, Itoh H, Nakata Y, Osada H, Hama N, et al. Changes in atrial natriuretic peptide and brain natriuretic peptide associated with hypobaric hypoxia-induced pulmonary hypertension in rats. Virchows Arch. 2001;439(6):808-17. [MedLine]

24. Zhao L, Mason NA, Strange JW, Walker H, Wilkins MR. Beneficial effects of phosphodiesterase 5 inhibition in pulmonary hypertension are influenced by natriuretic Peptide activity. Circulation. 2003;107(2):234-7. [MedLine]

Article receive on segunda-feira, 26 de abril de 2010

CCBY All scientific articles published at bjcvs.org are licensed under a Creative Commons license

Indexes

All rights reserved 2017 / © 2024 Brazilian Society of Cardiovascular Surgery DEVELOPMENT BY