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ARTIGO ORIGINAL

Proposição de um escore de risco cirúrgico em pacientes submetidos à cirurgia de revascularização miocárdica

Michel Pereira CadoreI; João Carlos Vieira da Costa GuaragnaII; Justino Fermin Amonte AnackerIII; Luciano Cabral AlbuquerqueIV; Luiz Carlos BodaneseV; Jacqueline da Costa Escobar PiccoliVI; João Batista PetracoVII; Marco Antônio GoldaniVIII

DOI: 10.1590/S0102-76382010000400007

RESUMO

Introdução: Escores para avaliação de risco cirúrgico em pacientes submetidos à cirurgia de revascularização miocárdica são amplamente utilizados. Objetivo: Construir um escore capaz de predizer mortalidade em pacientes submetidos à cirurgia de revascularização miocárdica. Métodos: No período entre janeiro de 1996 e dezembro de 2007, foram coletados dados de 2809 pacientes submetidos à cirurgia de revascularização miocárdica no Hospital São Lucas da PUC-RS. Em cerca de 2/3 da amostra (n=1875), foi construído o escore, após análises uni e multivariada. No restante (n=934), o escore foi validado. O escore final foi construído com a amostra total, utilizando as mesmas variáveis (n=2809). A acurácia do modelo foi testada utilizando-se a área sob a curva ROC. Resultados: A idade média foi 61,3 ± 10,1 anos (desvio padrão) e 34% eram mulheres. Os fatores de risco identificados como preditores independentes de mortalidade cirúrgica e utilizados para montagem do escore (parênteses) foram: idade > 60 anos (2), sexo feminino (2), vasculopatia extracardíaca (2), insuficiência cardíaca classe funcional III e IV (3), fração de ejeção < 45% (2), fibrilação atrial (2), doença pulmonar obstrutiva crônica (3), estenose aórtica (3), creatinina 1,5-2,4 (2), creatinina > 2,5 ou diálise (4) e cirurgia de emergência/urgência (16). A área sob a curva ROC obtida foi de 0,86 (IC 0,81-0,9). Conclusão: O escore desenvolvido por meio de variáveis clínicas de fácil obtenção (idade, sexo, vasculopatia extracardíaca, classe funcional, fração de ejeção, fibrilação atrial, doença pulmonar obstrutiva crônica, estenose aórtica, creatinina e cirurgia de emergência/urgência) mostrou-se capaz de predizer mortalidade em pacientes submetidos à cirurgia de revascularização miocárdica no nosso Hospital.

ABSTRACT

Introduction: Scores to predict surgical risk in patients submitted to myocardial revascularization surgery are broadly used. Objective: To develop a score capable to predict mortality in patients submitted to myocardial revascularization surgery. Methods: From January 1996 to December 2007, data were collected from 2809 patients submitted to myocardial revascularization surgery at PUC-RS São Lucas Hospital. In 2/3 of the sample (n=1875), the score was developed, after uni and mutivariated analyses. In the remaining 1/3 (n =934) the score was validated. The final score was developed with the total sample, using the same variables (n=2809). The accuracy of the model was tested using the area under the ROC curve. Results: The mean age was 61.3 ±10.1 years and 34% were women. The risk factors identified as independent predictors of surgical mortality and used for score development (parentheses) were: age > 60 years (2), female (2), extracardiac vasculopathy (2), heart failure functional class III and IV (3), ejection fraction<45% (2), atrial fibrillation (2), chronic obstructive pulmonary disease (3), aortic stenosis (3), creatinine 1.5-2.4 (2), creatinine > 2.5 or dialysis (4), emergency/urgency surgery (16). The area obtained under the ROC curve was 0.86 (CI 0.81-0.9). Conclusion: The score developed, using clinical variables easy to obtain (age, sex, extracardiac vasculopathy, functional class, ejection fraction, atrial fibrillation, chronic obstructive pulmonary disease, aortic stenosis, creatinine and emergency/urgency surgery) showed capability to predict mortality in patients submitted to myocardial revascularization surgery in our Hospital.
INTRODUÇÃO

Nas decisões médicas relacionadas a intervenções, sejam clínicas ou cirúrgicas, os benefícios devem ser pesados contra seus riscos. Para estimar este risco, muitas variáveis devem ser levadas em consideração, incluindo características do paciente e da doença. A estratificação de risco permite prognosticar melhor o risco operatório de determinado indivíduo e tem grande importância na análise retrospectiva dos resultados cirúrgicos, permitindo a comparação não só entre instituições, como também entre cirurgiões individualmente, e possibilitando, em última análise, um controle de qualidade na prática clínica diária [1,2]. Classicamente, uma série de vieses pode contribuir para predizer a probabilidade de um evento [3].

O perfil de pacientes submetidos à cirurgia de revascularização miocárdica (CRM) mudou, em comparação com os pacientes da década de 70. Esta população cirúrgica, atualmente, é constituída por um maior percentual de idosos e mulheres, maior prevalência de condições cardíacas precárias e comorbidades associadas [4].

Existem alguns escores para estimar o risco de morte em pacientes submetidos à CRM [5-13]. Entre estes, o mais difundido é o EuroSCORE [10-12]. No âmbito nacional, já existe um escore desenvolvido para predizer o risco de pacientes submetidos à CRM [14]. O perfil de pacientes submetidos a CRM no Brasil difere significativamente daqueles da Europa, como demonstrado em um estudo [15], que comparou os fatores de risco dos pacientes incluídos no EuroSCORE com os fatores de risco prevalentes nos pacientes submetidos à CRM em quatro hospitais. Neste estudo, houve maior proporção de pacientes jovens, mulheres, hipertensos e diabéticos. Além disso, todos os fatores de risco analisados foram significativamente diferentes entre as duas populações analisadas. Desta maneira, os fatores associados à mortalidade podem também diferir.

Este estudo foi realizado com o objetivo de definir os fatores de risco associados à mortalidade cirúrgica em pacientes submetidos à CRM no nosso serviço, construir um escore de risco e validá-lo numa amostra subsequente.


MÉTODOS

População e amostra

No período entre Janeiro de 1996 e Dezembro de 2007, 3.895 pacientes foram submetidos à cirurgia cardíaca no Hospital São Lucas da PUC - RS. Desses, 2809 realizaram CRM isolada ou combinada com troca valvar (TV), sendo motivo deste estudo.

Delineamento do estudo

Estudo observacional de coorte histórica. Os dados foram coletados prospectivamente e inseridos no Bando de Dados da unidade de pós-operatório de cirurgia cardíaca do Hospital São Lucas da PUCRS. O projeto de pesquisa deste estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da FAMED PUCRS, sob o registro de número 06003478.

Critérios de inclusão

Pacientes com idade igual ou maior que 18 anos submetidos à CRM isolada ou combinada com TV.

Critérios de exclusão

Foram excluídas da análise cirurgias de TV isolada.

Variáveis em estudo

As variáveis incluídas na análise foram:

  • Gênero (masculino/feminino);
  • Idade;
  • Prioridade cirúrgica: cirurgia de emergência/urgência colocada como variável única e definida como necessidade de intervenção em até 48 horas, devido a risco iminente de morte ou estado clínico-hemodinâmico instável;
  • Classe funcional da insuficiência cardíaca congestiva (ICC) de acordo com critérios da New York Heart Association;
  • Fibrilação atrial prévia;
  • Doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC): diagnosticada clinicamente e/ou por estudo radiológico do tórax e/ou espirometria e/ou em tratamento medicamentoso (corticoide ou broncodilatadores);
  • Fração de ejeção: medida por ecocardiografia, radiocardiografia ou ventriculografia;
  • Creatinina sérica;
  • Vasculopatia extracardíaca: definida clinicamente pela presença de doença carotídea significativa ou arteriopatia periférica;
  • Presença de estenose aórtica;
  • Necessidade de uso de balão intra-aórtico (BIA);
  • Lesão de tronco da coronária esquerda (TCE) > 50%;
  • Diabetes mellitus (DM);
  • Obesidade definida pelo índice de massa corporal (IMC) > 35 kg/m²;
  • Acidente vascular cerebral (AVC) prévio;
  • Hipertensão arterial sistêmica (HAS);
  • Infarto agudo do miocárdio (IAM) prévio;
  • Cirurgia cardíaca (CC) prévia;
  • Classe funcional de angina pelos critérios da Canadian Cardiovascular Society;
  • Angina instável.


  • As variáveis foram escolhidas levando em conta estudos prévios [5,10] e plausibilidade biológica. A fração de ejeção, insuficiência renal, vasculopatia extracardíaca e a necessidade de revascularização de emergência são as variáveis mais importantes que podem elevar o risco perioperatório. A determinação da fração de ejeção tem inquestionável importância em pacientes submetidos a CRM. Aqueles com fração de ejeção mais baixa têm mais dificuldade de desmame da circulação extracorpórea e mais frequentemente desenvolvem síndrome de baixo débito no pós-operatório. A vasculopatia extracardíaca agrega mais morbi-mortalidade, por aumentar a chance de embolia periférica ou AVC. Pacientes com DPOC têm maior incidência de arritmias, mais dificuldade de desmame da ventilação mecânica e maior risco de apresentar pneumonia. Em pacientes com insuficiência renal, há maior taxa de sangramento devido à disfunção plaquetária, o que também aumenta morbidade. Pacientes diabéticos têm maior incidência de infecções, complicações renais e cerebrais. Pacientes em estado pré-operatório instável (angina, arritmias) também têm maior risco de morte.

    Julgamos necessário considerar a troca valvar aórtica como uma variável, visto que atualmente é realizada com maior frequência, agregando maior risco cirúrgico. Além disso, a percentagem de pacientes mais idosos que são submetidos à CRM aumentou, juntamente com a prevalência de estenose aórtica calcífica.

    Procedimentos maiores concomitantes com a CRM, como implante de tubo valvado ou aneurismectomia, não foram incluídos na análise devido a sua infrequência, assim como a presença de endocardite ativa.

    Desfecho

    Óbito, considerado no transoperatório e durante todo o período de hospitalização.

    Procedimentos

    A anestesia, as técnicas de circulação extracorpórea e de cardioplegia foram realizadas de acordo com a padronização do Hospital São Lucas da PUC-RS, conforme previamente descrito [16]. Após a cirurgia, todos os pacientes foram transferidos para a Unidade de Tratamento Intensivo de pós-operatório em cirurgia cardíaca, em ventilação mecânica.

    Análise estatística

    As variáveis contínuas foram descritas por média e desvio padrão e comparadas pelo teste t de Student. As categóricas (ou contínuas categorizadas) foram descritas por contagens e percentuais e comparadas pelo teste de qui-quadrado. Para o processo de construção do escore de risco, o banco de dados foi dividido de modo aleatório em duas porções: 2/3 dos dados foram utilizados para modelagem e 1/3 para validação.

    Obtenção do modelo de risco preliminar

    A consideração inicial das variáveis seguiu um modelo hierárquico baseado em plausibilidade biológica e informações externas (literatura) quanto à relevância e força das associações desses potenciais fatores de risco com a ocorrência do desfecho em estudo (óbito intra-hospitalar). Uma vez listadas essas variáveis, usamos regressão logística múltipla passo a passo (stepwise) em processo de seleção retrógrada (backward selection), mantendo-se no modelo todas as variáveis com nível de significância P<0,05. Após, foi construído um escore de risco ponderado no qual para cada variável foi dada uma pontuação de acordo com a magnitude de seu coeficiente b da equação logística. Ao serem transformados (exp [b]) em odds ratios (razão de chances), foi criada esta pontuação. Os valores foram arredondados para o número inteiro mais próximo para compor o escore.

    Validação

    O escore de risco preliminar foi aplicado no banco de dados de validação obtendo-se duas estatísticas de desempenho: estatística c (área sob a curva ROC), teste de Hosmer-Lemeshow (HL) e, consequentemente, o coeficiente de correlação de Pearson entre os eventos observados e os preditos pelo modelo. Os valores para a área sob a curva ROC entre 0,85 e 0,90 indicam excelente poder discriminatório. Um qui-quadrado de HL não significativo (P > 0,05) sinaliza boa calibração do modelo. Um valor de coeficiente de correlação de Pearson r >0,7 indica correlação muito forte entre os valores observados e os preditos.

    Obtenção do escore de risco final

    Uma vez observado um desempenho apropriado do modelo no processo de validação, os bancos de dados (modelagem e validação) foram combinados para a obtenção do escore final. Neste processo, não foram incluídas ou removidas variáveis, o que resultou simplesmente na obtenção de estimativas mais precisas para os coeficientes já previamente calculados. Foram, também, apresentadas as mesmas estatísticas de desempenho descritas acima.

    O modelo logístico resultante seguiu a fórmula abaixo e, diferentemente do escore, apresenta estimativas diretas da probabilidade de ocorrência do desfecho. Este processo é entendido por alguns autores [17] como sendo mais apropriado na obtenção de estimativas de evento, apesar de apresentar certo grau de complexidade matemática para o seu uso na prática médica diária. A aplicação do modelo logístico é mais adequada para prognóstico de risco individual, principalmente em pacientes com risco muito elevado no modelo aditivo.

    P (evento) = 1 / 1 +exp (-(β0 +β1x1 + . . . + βk xk))

    Os dados foram processados e analisados com o auxílio do programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 15.0.


    RESULTADOS

    Características

    Na amostra total (2809), 280 pacientes tiveram óbito (10%). Considerando-se apenas as cirurgias eletivas, a taxa de óbito cai para 6,3%. Nos casos onde a intervenção cirúrgica foi de urgência/emergência (7%), a mortalidade foi muito elevada: 54%. Esses pacientes contribuíram com 42% do total de óbitos. A idade média da população estudada foi 61,3 anos (± 10,1 anos) e 58% dos pacientes tinham idade igual ou maior que 60 anos. Em relação ao gênero, 34% eram mulheres. Em 4,4% dos pacientes, houve necessidade de troca valvar aórtica associada (Tabela 1).




    Desenvolvimento do Modelo de Risco (Modelagem)

    Em 1875 pacientes aleatoriamente escolhidos (2/3 da amostra total), foi realizada regressão logística múltipla dos preditores, os quais foram selecionados de acordo com a sua significância estatística para a construção do escore (Tabela 2). A área sob a curva ROC do modelo obtido foi 0,84 (IC 95% 0,8 a 0,87). A correlação de Pearson obtida foi de 0,99 com P < 0,001.




    Validação do Modelo de Risco

    A validação externa foi realizada em 934 pacientes (1/3 da amostra total) escolhidos aleatoriamente. O modelo de risco teve acurácia medida pela área sob a curva ROC de 0,85 (IC 95% 0,80 a 0,89). A correlação de Pearson obtida na amostra de validação foi de 0,99, com P < 0,001. Também houve boa correlação entre mortalidade prevista e observada, sendo obtido um coeficiente de correlação de Pearson de 0,95 com P = 0,0012.

    Modelo de Risco na amostra total

    O modelo foi, então, reconstruído a partir da conjugação do escore desenvolvido com dados dos 2/3 da amostra com os dados da validação. Com as variáveis listadas foi usada regressão logística múltipla originando o escore de risco recalibrado baseado na magnitude dos coeficientes β da equação logística (Tabela 3 e Tabela 4). A área sob a curva ROC do modelo obtido foi 0,86 (IC 95% 0,81 - 0,9) (Figura 1). A Tabela 5 mostra o risco de óbito de acordo com o escore e a classificação desse risco (escore aditivo). Para cálculo do escore logístico (avaliação de risco individual), deve ser usada a equação logística inserida na Tabela 3. Para testar a calibração do modelo, foi comparada a mortalidade observada com a prevista entre todos os pacientes em cada um dos cinco intervalos de classificação do escore, obtendo-se um coeficiente de correlação prevista/observada de 0,99, com P < 0,001 e teste de H-L igual a 0,617 (Tabelas 3 a 5 e Figuras 1 e 2).








    Fig. 1 - Área sob a curva ROC na detecção da ocorrência de óbito h = 0,86 (IC 95%: 0,81 - 0,9) no Modelo de Risco Final (n=2809)


    Fig. 2 - Dispersão de pontos representando as mortalidades previstas (pelo modelo logístico) e observada entre os pacientes (n=2089; eventos = 280 óbitos) O coeficiente Pearson foi de r=0,99 e teste de Hosmer-Lemeshow = 0,617, indicando bom desempenho do modelo.



    DISCUSSÃO

    Este estudo identificou 11 preditores para óbito em cirurgia de revascularização miocárdica os quais formaram o escore: idade > 60 anos, cirurgia de urgência/emergência, fração de ejeção < 45%, cirurgia em mulheres, cirurgia de TV aórtica concomitante, DPOC, fibrilação atrial, vasculopatia extracardíaca, ICC classe funcional III ou IV (NYHA) e insuficiência renal (duas variáveis). Foi desenvolvido, dessa forma, um instrumento de utilidade clínica de fácil aplicação para calcular o risco de óbito do paciente submetido à CRM. A escolha das variáveis foi baseada na própria experiência do setor de pós-operatório de CC do Hospital São Lucas da PUC-RS, assim como em estudos prévios da literatura [5,10]. Devemos ter em mente, por outro lado, que, ao utilizarmos modelos preditivos de risco à beira do leito, avaliamos a probabilidade de óbito de uma população e não daquele paciente em particular [18].

    A taxa de óbito neste estudo foi de 10%. A mortalidade total observada no EuroSCORE foi de 4,7%. Quando não consideradas as cirurgias de urgência/emergência, a mortalidade foi de 6,3% (CRM isolada ou associada à TV aórtica). Apesar de ser mais elevada que a maioria dos centros europeus e norte-americanos, a mortalidade observada no nosso estudo é semelhante à relatada no Brasil de acordo com os dados do DATASUS, isto é, 7% para CRM [19]. Considerando que tanto o registro da Society of Thoracic Surgeons (STS) como o UK Cardiac Surgical Register são voluntários, enquanto que o DATASUS é administrativo, a comparação entre os resultados cirúrgicos obtidos é inapropriada. Pons et al. [20], do Catalan Study Group on Open Surgery Heart, desenvolveram um modelo de risco para óbito a partir da análise de 1309 cirurgias cardíacas, onde 46,4% eram CRM. A mortalidade global relatada pelos autores relacionada à CRM foi de 8,1%, sendo de 4,2% para casos eletivos.

    No atual estudo, a idade média dos indivíduos foi 61,3 anos, semelhante à população do EuroSCORE, no qual esta foi de 62,5 anos. Pacientes com idade igual ou maior que 60 anos representaram 58% da população do estudo, e no EuroSCORE, 66%. Ainda, 34% eram mulheres, e no EuroSCORE, 28%.

    O EuroSCORE é o modelo de predição de risco mais difundido dentre os existentes [10]. Estudos que avaliaram o EuroSCORE em determinadas populações mostram resultados conflitantes a respeito de sua acurácia [21-26]. Campagnucci et al. [27], em nosso meio, avaliaram 100 pacientes submetidos à CRM e compararam as taxas de mortalidade esperada de acordo com o EuroSCORE com a taxa de mortalidade observada. Não houve boa correlação entre a taxa de mortalidade esperada e a observada, indicando má calibração do modelo para o número de pacientes na amostra estudada. Os autores concluíram que, para a validação da análise de regressão logística, são necessárias centenas de indivíduos, o que limita a aplicabilidade do EuroSCORE.

    É sabido que estes escores podem possuir aplicabilidade limitada em populações com perfis diferentes daquelas nas quais o escore foi desenvolvido. A população de pacientes do nosso hospital pode diferir da população nacional; sendo assim, para maior validação deverá ser testado em outras instituições brasileiras, da mesma maneira que o escore de Gomes et al. [14].

    A idade acima de 60 anos foi preditor de óbito importante neste estudo, originando 2 pontos no escore. O EuroSCORE determinou que, a partir de 60 anos, há incremento no risco de óbito e acrescenta um ponto para cada 5 anos a partir de então.

    No presente estudo, a mortalidade foi mais elevada nas mulheres: 11,9% contra 9% nos homens, sendo fator de risco independente para óbito hospitalar (OR: 1,55 IC 95% 1,13-2,11). No escore de risco, originou 2 pontos, enquanto no EuroSCORE, contabiliza 1 ponto.

    Pacientes em classe funcional III ou IV constituíram15% dos casos da nossa amostra e tiveram mortalidade hospitalar de 29% contra 6,5% naqueles em que a classe funcional era I ou II. No escore contribuiu com 3 pontos. A ICC classificada pela NYHA avalia as limitações funcionais do paciente ocasionadas pela insuficiência cardíaca, independente da presença de disfunção sistólica do ventrículo esquerdo. Inclui, portanto, disfunção diastólica na sua avaliação. Esta variável não pontua no EuroSCORE.

    A presença de DPOC concomitante também foi fator contribuinte para o aumento de morte, obtendo um OR de 2,99 e IC 2,16-4,14. Originou 3 pontos no escore. Esta variável também faz parte do EuroSCORE. Acredita-se que a disfunção pulmonar ocasionada pela DPOC proporciona o surgimento de arritmias ventriculares deletérias no pósoperatório [28].

    A fibrilação atrial se associou com a ocorrência de óbito nesse estudo. Obteve um OR de 2,21 e IC 1,21-4,02, contribuindo com 2 pontos no escore. Esta variável foi significativa no escore da STS [6], mas não no EuroSCORE.

    A presença de vasculopatia extracardíaca atingiu significância estatística. Obteve um OR de 2,24 e IC 1,51- 3,33. No escore do grupo de estudos de Northern New England (NNE), a mortalidade hospitalar foi 2,4 vezes mais elevada em pacientes com doença vascular periférica [29].

    Neste estudo, encontramos que FE < 45% foi fator de risco para óbito com OR de 1,56; IC 95% 1,13-2,56 na regressão logística, acrescentando 2 pontos no modelo de risco. Isto demonstra a importância da disfunção ventricular, mesmo na ausência de sintomas. No EuroSCORE, a FE < 30% soma 2 pontos ao risco e entre 30-50% 1 ponto.

    O estudo demonstrou que pacientes candidatos à CRM e que apresentam estenose aórtica com necessidade de TV têm risco de óbito três vezes maior. Acrescentou 3 pontos ao escore. O EuroSCORE não contempla nenhuma doença valvar, isoladamente, na quantificação de risco. Entretanto, na sua amostra, 30% dos pacientes eram valvopatas. No EuroSCORE, a necessidade de troca valvar concomitante pode ser incluída no item "outras cirurgias além da revascularização miocárdica". O risco de pacientes que são submetidos à troca valvar difere daquele de pacientes submetidos à CRM. O trabalho de Guaragna et al. [30] traz um escore desenvolvido especialmente em pacientes submetidos à troca valvar.

    A presença de creatinina elevada foi um importante preditor de risco para óbito no presente estudo. Em pacientes com creatinina > 2,5 mg/dl, o risco foi quatro vezes maior (OR 4,04; IC 95% 1,96- 8,35). Incluímos pacientes em diálise nesse grupo, devido ao pequeno número na amostra.

    O maior impacto na pontuação do escore desenvolvido em nosso estudo foi a realização de CRM em pacientes com risco de vida iminente. Essa situação esteve presente em 7% dos casos na amostra e a taxa de óbito foi de 54%, sendo responsável por 42% dos óbitos. No escore de Parsonnet et al. [5], desenvolvido há 20 anos e ainda utilizado em algumas instituições, a prioridade cirúrgica acrescentou risco de óbito de forma significativa, mas foi excluída da tabulação ponderada porque, segundo os autores, "na prática torna-se impossível conseguir uma definição uniforme de termos".

    Dentre as variáveis contempladas no EuroSCORE que não foram significativas no nosso estudo encontram-se a lesão de tronco e a cirurgia cardíaca prévia. Estas duas variáveis não foram significativas na análise univariada. A história de AVC, que também pontua no EuroSCORE, embora aumente a chance de AVC no peri-operatório [31], não foi significativa na análise multivariada do nosso estudo. Similarmente ao escore STS, a fibrilação atrial foi significativa no nosso estudo, aumentando em duas vezes o risco cirúrgico, e não foi preditora de risco no EuroSCORE. A classe funcional pela NYHA também pontuou no atual escore e não no EuroSCORE. As demais variáveis que construíram nosso escore também foram significativas no EuroSCORE.

    É interessante comparar nosso estudo com o EuroSCORE em relação a pacientes de risco equivalente, o que pode auxiliar na avaliação da qualidade cirúrgica. Por exemplo, uma paciente com menos de 60 anos, do sexo feminino, e que possui doença vascular periférica obterá 3 pontos no EuroSCORE e será considerada de médio risco, com mortalidade estimada em 3%. No escore atual, obterá 4 pontos e também será considerada de médio risco, com mortalidade semelhante, estimada em 3,7%. De forma contrária, um homem de 65 anos, com fibrilação atrial, insuficiência renal crônica com creatinina de 2 mg/dl e DPOC, obterá no EuroSCORE 4 pontos, sendo considerado também de médio risco, com mortalidade estimada em 3%. Já no presente escore, obterá 9 pontos, sendo considerado de risco elevado, com mortalidade estimada em 27,5%.

    Acurácia do escore

    A discriminação do modelo desenvolvido neste estudo de acordo com a curva ROC foi 0,86 (IC 95% 0,81 - 0,90). A calibração do presente escore, isto é, o grau de concordância entre a mortalidade observada e o risco previsto obteve um coeficiente de correlação de Pearson de 0,99, com P < 0,001 e teste H-L de 0,617, o que indica um bom desempenho do modelo. Na maioria dos escores de mortalidade, a área sob a curva ROC encontra-se entre 0,79 e 0,86 [6,7,9-11] (Tabela 6).




    Nosso modelo de risco foi construído e validado numa única instituição. Vários estudos demonstram que os escores apresentam desempenho inferior quando aplicados a grupos de pacientes diferentes dos quais foram desenvolvidos [14]. Portanto, a validação em população externa com novos dados de outras instituições é importante para que o escore tenha ampla aplicação clínica. Como todos os escores existentes na literatura, o atual não apresenta perfeita discriminação, apesar de ser considerada boa (área sob a curva ROC 0,86; IC 95% 0,81-0,9). É provável que mecanismos ainda desconhecidos de resposta fisiopatológica à cirurgia ou de fatores que influenciam a resposta individual de cada paciente possam contribuir para que o escore não tenha valor preditivo mais elevado.

    Com a melhora contínua do cuidado médico é possível que o modelo perca a calibração. Essa perda deverá ser compensada recalibrando o índice de risco com o uso de dados mais recentes a partir de novas coortes de pacientes.

    Como o escore tem origem em banco de dados clínicos, o sistema oferece uma estimativa de risco cirúrgico do "mundo real". O escore serve para monitorar deficiência hospitalar, da equipe multidisciplinar (cirurgião, anestesista e equipe de pós-operatório) e a indicação cirúrgica. O modelo tem acurácia suficiente para ser empregado de rotina no Hospital São Lucas da PUC - RS e para ser testado com dados de outra instituição.


    CONCLUSÃO

    Mediante a identificação de fatores pré-operatórios, que se associaram à ocorrência de óbito hospitalar após CRM, foi possível o desenvolvimento de um escore baseado em variáveis que são facilmente obtidas em todo candidato à cirurgia, o que certamente facilitará a estratificação de risco de nossos pacientes, parte esta fundamental para um melhor manejo dos mesmos no período pós-operatório. Este escore poderá ser testado em outras instituições brasileiras.


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    Article receive on domingo, 18 de julho de 2010

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