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ARTIGO ORIGINAL

Comparação da perviedade entre artéria radial e veia safena em pacientes em pós-operatório de cirurgia de revascularização miocárdica com retorno dos sintomas

Herbert Coelho HortmannI; Homero Geraldo de OliveiraII; Renato Rocha RabelloIII; Eduardo Augusto Victor RochaIV; Sérgio Caporali de OliveiraV

DOI: 10.1590/S0102-76382010000200014

INTRODUÇÃO

A cirurgia de revascularização miocárdica (CRVM) iniciou-se no final da década de 60 [1]. Um dos maiores avanços da CRVM foi o emprego da artéria torácica interna (ATI) esquerda anastomosada no ramo descendente anterior (DA) da artéria coronária esquerda [2,3], comprovado, na década de 80, como padrão ouro na CRVM devido a sua maior perviedade a médio e longo prazo em relação à veia safena (VS). Consequentemente, estes estudos levaram os cirurgiões à procura de novos enxertos arteriais [4], como artéria torácica interna direita, radial, gastroepiplóica [5] e epigástrica inferior [6].

A artéria radial (AR) apareceu como boa opção, porém ainda não há comprovação da sua superioridade em relação à VS [7-11].

Em nosso serviço, tivemos a impressão de maior oclusão dos enxertos de AR, e esta foi a razão que motivou este estudo.

Este presente estudo tem como objetivo avaliar, retrospectivamente, a perviedade da artéria radial e da veia safena, com base em cineangiocoronariografia de pacientes com retorno dos sintomas ou teste positivo para isquemia miocárdica.


MÉTODOS

Este estudo foi aprovado pela Comissão de Ética e Pesquisa do Hospital Vera Cruz.

No período de janeiro de 1998 a dezembro de 2005, foram realizadas 1.116 CRVMs em nosso serviço, dentre estas, 469 com o uso de artéria radial como um dos enxertos.

A dissecção da AR foi feita após realização de teste de Allen modificado preferencialmente no membro superior não dominante. A incisão foi feita da fossa antecubital até o punho, expondo a fascia braquiorradial. A fascia foi aberta com eletrocautério e, com auxílio de afastador auto-estático, separou-se o músculo braquiorradial do flexor radial do carpo, expondo a AR. Foi realizada dissecção dos ramos da AR com tesoura e ligadura destes com clipes hemostáticos, preservando as veias radiais junto ao enxerto. Suas extremidades foram ligadas e seccionadas. Procedia-se com canulação proximal da AR com jelco nº 22 e infusão com solução salina com heparina e outra com papaverina sob baixa pressão. Em seguida, era embebida na solução de papaverina onde era mantida até seu implante. Realizava-se, então, síntese por planos do antebraço e enfaixamento compressivo.

A dissecção da VS foi feita de maneira usual com ligadura de seus ramos com fio inabsorvível.

A dissecção da ATI foi feita de maneira pediculada e não esqueletizada em todos os casos.

Foram analisadas as cineangiocoronariografias de pacientes previamente revascularizados com uso de AR e retorno dos sintomas em nosso serviço no período de 1998 a 2005. O grupo constou de 94 pacientes reestudados.

Foram indicações para estes reestudos: angina pectoris, teste ergométrico positivo para isquemia, cintilografia ou ecocardiograma de estresse sugestivos de isquemia miocárdica.

Separaram-se os enxertos em três grupos: ATI, VS e AR. No reestudo estratificamos os enxertos segundo a gravidade das lesões encontradas no pós-operatório: sem lesão grave (< 70%), obstrução grave (70% a 99%) e oclusão.

Todos os resultados foram submetidos a testes estatísticos de hipótese considerando cada parâmetro estudado com o uso do programa SPSS 14.0. As variáveis contínuas foram estudadas pelo teste t de Student ou equivalente não paramétrico (Teste Mann Whitney), e as variáveis categóricas pelo Qui-quadrado e, quando não foi possível utilizaram-se os testes Exato de Fisher e qui-quadrado Exato de Monte Carlo. Para todas as análises, o nível de significância foi considerado de 5% (P = 0,05).


RESULTADOS

Nos 94 pacientes reestudados com cineangio-coronariografia, foram usados 86 enxertos de ATI, 94 de AR e 111 de VS (Figura 1).


Fig. 1 - Análise dos enxertos reestudados



Destes pacientes, 67 (71,28%) eram homens e 27 (28,72%) mulheres. A média das idades foi de 59,19 anos (34-77 anos). A média do tempo de reestudo foi de 2,88 anos (0-8 anos).

Dos 86 enxertos de ATI, 73 (84,88%) se encontravam sem lesões graves, três (3,49%) com obstrução grave e 10 (11,63%) ocluídos. Dos 94 enxertos de AR, 55 (58,51%) se encontravam sem lesões graves, seis (6,38%) com obstrução grave e 33 (35,11%) ocluídos. Dos 111 enxertos de VS, 73 (65,76%) se encontravam sem lesões graves, um (0,9%) com obstrução grave e 37 (33,33%) ocluídos (P= 0,001).

A análise dos dados acima mostrou diferença entre os enxertos com P= 0,001, ou seja, há diferença estatística entre eles. Foi feita a análise dos resíduos para determinar qual diferença é estatisticamente significativa. Se a diferença entre os resíduos for superior a 2 ou inferior a -2, ela é estatisticamente significante.

Pela análise dos resíduos, foi observado que não houve diferença estatística de oclusão entre os enxertos de artéria radial e veia safena magna, porém há uma maior perviedade estatisticamente significante (P= 0,001) da VS em relação à AR.

A perviedade da AR é pior no sexo feminino (40,7%) comparado com o sexo masculino (65,7%), com P= 0,006 (Tabela 1, Figura 2).




Fig. 2 - Análise dos resultados da artéria radial quanto ao sexo



Na comparação entre AR e VS por artéria coronária revascularizada houve diferença estatisticamente significativa quando anastomosadas na artéria coronária direita (CD) com uma maior perviedade da VS (70,73%) em relação à AR (46,67%), com P= 0,036 (Tabela 2, Figura 3).




Fig. 3 - Análise entre artéria radial e veia safena anastomosadas na artéria coronária direita



DISCUSSÃO

No início da década de 90, depois dos reestudos animadores dos enxertos de AR utilizados nos anos 70 por Carpentier, além dos avanços técnicos de dissecção e farmacológicos do manuseio do vasoespasmo, ressurgiu o interesse pela AR como enxerto na CRVM [12,13].

Vários estudos observacionais indicaram maior perviedade da AR em relação à VS [10,11]. Borger et al. [7] demonstraram menor mortalidade ou evento cardiovascular, em 5 anos, nos pacientes submetidos à CRVM com dois enxertos arteriais em relação àqueles que receberam apenas a ATI e enxertos de VS. Em contrapartida, em 2004, Khot et al. [8] mostraram redução da perviedade dos enxertos de AR quando comparados aos enxertos de ATI e VS. Em 2006, Locali et al. [9] realizaram uma metanálise que não demonstrou diferença estatística na perviedade dos enxertos da AR em relação aos enxertos de VS. Eles ressaltam que todos os estudos analisados apresentavam vieses, portanto, não possibilitavam uma conclusão definitiva.

Considerando-se que nossa instituição é privada, não há possibilidade de reestudo dos pacientes de maneira sistemática, se os mesmo não apresentarem sintomas.

Em nosso estudo foram analisadas cineangio-coronariografias de pacientes com retorno dos sintomas ou com teste positivo para isquemia miocárdica, o que reduz os casos de isquemia silenciosa. Por este motivo, observamos menor patência em todos os enxertos analisados (ATI: 84,88%, AR: 58,55% e VS: 65,76%), comparados à patência de enxertos em pacientes assintomáticos, na literatura. Este mesmo aspecto foi observado por Buxton et al. [14] e Achouh et al. [15].

Não houve diferença estatística na oclusão dos enxertos de AR e VS, porém há maior taxa de enxertos de AR com obstrução grave. Isto pode ocorrer pelo fato da AR ser mais susceptível a vasoespasmo.

Houve diferença estatística nos enxertos de AR quando comparados os sexos, com pior patência dos enxertos em mulheres. Este mesmo aspecto foi observado por Lawton et al. [16] e supostamente pelo menor calibre da AR em mulheres.

Houve diferença estatística entre os enxertos quando anastomosados na CD e seus ramos com maior perviedade da VS. Em 2009, Hadinata et al. [17] compararam AR e VS anastomosados na CD ou seus ramos. Não houve diferença estatística, porém foi observada maior falência de enxertos de AR quando a lesão da artéria coronária era inferior a 80%, o que não se observou nos enxertos de VS.

Como a base de dados do nosso estudo foi a descrição cirúrgica e a cineangiocoronariografia, há uma limitação na caracterização exata dos pacientes. Porém, como os enxertos analisados foram dos mesmos pacientes, eles estavam submetidos às mesmas condições de risco como comorbidades e leito distal.

Dados deste estudo, como a grande taxa de falência de enxertos de AR em mulheres e quando anastomosados na CD são importantes na orientação da escolha do segundo enxerto na CRVM.


CONCLUSÃO

A perviedade da AR como segundo enxerto na CRVM é segura, contudo apresenta resultados piores que os enxertos de VS, principalmente em mulheres e quando anastomosados na CD.


REFERÊNCIAS

1. Kirklin JW, Barratt-Boyes BG. Cardiac surgery. 3rd ed. New York:Churchill Livingstone;2003. p.354.

2. Loop FD, Lytle BW, Cosgrove DM, Stewart RW, Goormastic M, Williams GW, et al. Influence of the internal-mammaryartery graft on 10-year survival and other cardiac events. N Engl J Med. 1986;314(1):1-6. [MedLine]

3. Grondin CM, Campeau L, Lespérance J, Enjalbert M, Bourassa MG. Comparison of late changes in internal mammary artery and saphenous vein grafts in two consecutive series of patients 10 years after operation. Circulation. 1984;70(3 Pt 2): I208-12. [MedLine]

4. Lisboa LAF, Dallan LAO, Puig LB, Abreu Filho C, Leca RC, Dallan LAP, et al. Seguimento clínico a médio prazo com uso exclusivo de enxertos arteriais na revascularização completa do miocárdio em pacientes com doença coronária triarterial. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2004;19(1):9-16. Visualizar artigo

5. Buffolo E, Maluf M, Barone B, Andrade JC, Gallucci C. Direct myocardial revascularization with the left gastro-epiploic artery. A new alternative to aortocoronary bypass. A case report. Arq Bras Cardiol. 1987;48(3):167-71. [MedLine]

6. Puig LB, Ciongolli W, Cividanes GV, Dontos A, Kopel L, Bittencourt D, et al. Inferior epigastric artery as a free graft for myocardial revascularization. J Thorac Cardiovasc Surg. 1990;99(2):251-5. [MedLine]

7. Borger MA, Cohen G, Buth KJ, Rao V, Bozinovski J, Liaghati-Nasseri N, et al. Multiple arterial grafts. Radial versus right internal thoracic arteries. Circulation. 1998;98(19 Suppl):II7-13.

8. Khot UN, Friedman DT, Pettersson G, Smedira NG, Li J, Ellis SG. Radial artery bypass grafts have an increased occurrence of angiographically severe stenosis and occlusion compared with left internal mammary arteries and saphenous vein grafts. Circulation. 2004;109(17):2086-91. [MedLine]

9. Locali RF, Buffolo E, Catani R. Artéria radial versus veia safena para revascularização do miocárdio: metanálise (não houve diferença estatisticamente significante). Rev Bras Cir Cardiovasc. 2006;21(3):255-61. Visualizar artigo

10. Possati G, Gaudino M, Prati F, Alessandrini F, Trani C, Glieca F, et al. Long-term results of the radial artery used for myocardial revascularization. Circulation. 2003;108(11):1350-4. [MedLine]

11. Modine T, Al-Ruzzeh S, Mazrani W, Azeem F, Bustami M, Ilsley C, et al. Use of radial artery graft reduces the morbidity of coronary artery bypass graft surgery in patients aged 65 years and older. Ann Thorac Surg. 2002;74(4):1144-7. [MedLine]

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14. Buxton BF, Durairaj M, Hare DL, Gordon I, Moten S, Orford V, et al. Do angiographic results from symptom-directed studies reflect true graft patency? Ann Thorac Surg. 2005;80(3):896-900. [MedLine]

15. Achouh P, Boutekadjirt R, Toledano D, Hammoudi N, Pagny JY, Goube P, et al. Long-term (5- to 20-year) patency of the radial artery for coronary bypass grafting. J Thorac Cardiovasc Surg. 2009. [Epub ahead of print] [MedLine]

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17. Hadinata IE, Hayward PA, Hare DL, Matalanis GS, Seevanayagam S, Rosalion A, et al. Choice of conduit for the right coronary system: 8-year analysis of Radial Artery Patency and Clinical Outcomes trial. Ann Thorac Surg. 2009;88(5):1404-9. [MedLine]

Article receive on terça-feira, 22 de dezembro de 2009

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