Article

lock Open Access lock Peer-Reviewed

74

Views

ARTIGO ORIGINAL

Tratamento cirúrgico da conexão anômala parcial das veias pulmonares em veia cava superior

Marcelo Dagola PaulistaI; Paulo Henrique Dagola PaulistaII; Ana Luiza Paulista GuerraIII; Paulo Paredes PaulistaIV

DOI: 10.1590/S0102-76382009000200007

RESUMO

OBJETIVO: O tratamento cirúrgico da conexão anômala das veias pulmonares em veia cava superior, associada ao defeito septal atrial tipo seio venoso, é bem estabelecido e transcorre com baixa mortalidade e morbidade. Com a finalidade de diminuir a incidência de estenose ou oclusão da veia cava superior direita, especialmente quando associada à presença de veia cava superior esquerda, o apêndice atrial direito foi utilizado para ampliar a veia cava superior direita, após o desvio das veias pulmonares para o átrio esquerdo. MÉTODOS: No período entre junho de 1986 e setembro de 2008, foram operados 95 pacientes, consecutivos, portadores desta anomalia com drenagem em veia cava superior direita e porção alta do átrio direito. A idade variou de 6 meses a 68 anos e o sexo feminino predominou com 50 casos. RESULTADOS: No material apresentado, não ocorreu nenhum óbito na fase de pós-operatório imediato ou tardio. O ritmo cardíaco permaneceu sempre sinusal e não ocorreram complicações na evolução. CONCLUSÃO: O presente trabalho demonstra a aplicabilidade da técnica descrita, com resultados favoráveis em relação a mortalidade, distúrbios de ritmo e complicações na região da veia cava superior direita.

ABSTRACT

OBJECTIVE: Surgical treatment of anomalous pulmonary venous connection to the superior vena cava, associated with sinus venous atrial septal defect, is well established and correlates with low mortality and morbidity. In order to reduce the incidence of stenosis or occlusion of the right superior vena cava, especially when associated with the presence of left superior vena cava, the right atrial appendage was used to enlarge the right superior vena cava, after the diversion of the anomalous pulmonary veins for the left atrium. METHODS: Between June 1986 and September 2008, 95 consecutive patients were operated with anomalous drainage in the superior right vena cava and high right atrium. Ages ranged from 6 months to 68 years and females predominated with 50 cases. RESULTS: There was no death in the immediate or late post operative care. The sinus cardiac rhythm was preserved in all cases and there was no complications in the late follow up. CONCLUSION: This paper demonstrates the applicability of the technique described, with favorable results on mortality, rhythm disturbances and complications in the right superior vena cava.
INTRODUÇÃO

Os defeitos do septo atrial são frequentes entre as cardiopatias congênitas. O tipo mais comum é a comunicação interatrial chamada "ostium secundum" localizada na região da fossa oval. O segundo em incidência é o tipo conhecido como "ostium primum", que geralmente faz parte do defeito do septo atrioventricular, localizado próximo às valvas atrioventriculares. Finalmente, a comunicação interatrial menos frequente (incidência de 10 a 20% dos defeitos atriais) é a chamada "seio venoso", localizada na porção superior do septo, próximo à junção cavo-atrial e resultante da falência embrionária na formação e septação do sinus venosus, de onde deriva seu nome [1].

Os defeitos do tipo seio venoso têm como características se associarem à falência de uma ou mais veias pulmonares do lobo superior do pulmão direito de se conectarem ao átrio esquerdo, durante o desenvolvimento fetal. Como consequência, estas veias anômalas podem drenar parcialmente o pulmão direito diretamente no átrio direito, veia cava superior direita ou a outras veias tributárias [2,3], como a veia cava inferior, veia inominada ou veia cava superior esquerda (veia cardinal), cuja persistência, em torno de 10%, pode ser causa de complicações pós-operatórias.

A drenagem venosa anômala de todo o pulmão direito ou de parte dele na veia cava inferior, conhecida como síndrome da Cimitarra, não será objeto de nosso estudo.

Neste trabalho foram analisados os resultados cirúrgicos da correção da conexão anômala parcial das veias pulmonares em veia cava superior com a técnica da ampliação da veia cava superior com o apêndice do átrio direito, após o redirecionamento das veias pulmonares anômalas ao átrio esquerdo, com emprego de retalho de pericárdio bovino preservado. Cooley e Spier [4] denominaram esta intervenção de atriocavoplastia e publicaram sua experiência inicial em 1982.


MÉTODOS

De 17 de junho de 1986 a 5 de setembro de 2008, 95 pacientes consecutivos foram operados para correção da conexão anômala parcial das veias pulmonares em veia cava superior direita e porção alta do átrio direito, nos hospitais da Real Benemérita Associação Portuguesa de Beneficência e no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, ambos na cidade de São Paulo, SP. Destes pacientes, 50 pertenciam ao sexo feminino e 45 ao masculino. A mediana da idade foi de 15 anos, variando de 6 meses a 68 anos, enquanto o peso variou de 5 a 96 quilos, com mediana de 43 quilos. A primeira operação da série foi realizada no Hospital da Beneficência Portuguesa.

Técnica cirúrgica

A cirurgia foi realizada por meio de toracotomia mediana transesternal com o paciente em decúbito dorsal e entubação endotraqueal, ventilação controlada e com cateteres para monitorização da pressão venosa central e pressão arterial. Foram monitorizados também o eletrocardiograma, as temperaturas orofaríngea e retal e o débito urinário.

A exposição do coração foi feita por abertura longitudinal do pericárdio e, após prévia heparinização sistêmica, a circulação extracorpórea foi instalada por meio da colocação de cânula de infusão arterial na aorta ascendente e canulação da veia cava inferior e superior, separadas, esta última bem alta, acima da drenagem das veias pulmonares em cava superior, junto à desembocadura da veia inominada ou na própria. É desejável expor por dissecção toda a veia cava superior, a origem das veias pulmonares anômalas e a veia ázigos direita.

Com a perfusão arterial estabilizada e temperatura corpórea em torno de 34ºC, foram realizados pinçamento aórtico transversal, drenagem do átrio esquerdo e administração de solução cardioplégica anterógrada com sangue gelado a 4ºC e colocação de gelo amorfo no pericárdio. Esta proteção foi repetida a cada 30 minutos.

A exposição cirúrgica (Figura 1) foi feita por meio de incisão longitudinal iniciada no ápice do apêndice atrial direito, mantida em sua borda e dirigida à parede anterior da veia cava superior, estendendo-se cefalicamente até expor amplamente a comunicação interatrial tipo seio venoso e a desembocadura das veias pulmonares anômalas (Figura 2).


Fig. 1 - Esquema cirúrgico mostrando em pontilhado em A, a incisão cirúrgica que avança pela veia cava superior (VCS). Em B, a ampla exposição do seio venoso (SV) e drenagem anômala das veias pulmonares (VP). Em C, aspecto da ampliação da veia cava superior com o apêndice do átrio direito (seta). VCI = veia cava inferior; AD = átrio direito. Modificado de Cooley e Speir [4]


Fig. 2 - Aspecto cirúrgico, com incisão desde o ápice do apêndice atrial direito à veia cava superior (VCS) e ampla exposição das veias pulmonares anômalas (VP) e do defeito interatrial tipo seio venoso (SV). AD = átrio direito; Ao = aorta



O defeito septal foi corrigido, com retalho de pericárdio bovino ou autólogo ou de politetrafluoretileno, tunelizando-se as veias pulmonares anômalas através do seio venoso, que foi ampliado se necessário ou criado se não estivesse presente, para o átrio esquerdo (Figura 3).


Fig. 3 - Aspecto cirúrgico mostrando retalho de pericárdio bovino (PB) fechando totalmente o defeito interatrial e direcionando as veias pulmonares anômalas para o átrio esquerdo. VCS = veia cava superior; AD = átrio direito



Para evitar a reconstrução da veia cava superior por sutura direita de suas bordas ou a sua ampliação com tecido estranho, que poderiam retrair e levar à estenose local, realizou-se neste momento a atriocavoplastia.

Para isto, toda a veia cava superior incisada foi ampliada, usando-se o apêndice atrial direito que foi levado ao vértice distal da incisão da veia cava superior e suturado em toda a extensão nas laterais da mesma (Figura 4). Com esta simples manobra, a região foi ampliada com tecido do próprio paciente, com manutenção da sua vascularização e sem ocorrência de fibrose ou retração local. A incisão cirúrgica na borda do apêndice atrial ficava afastada do nó sinusal e assim distúrbios de ritmo foram evitados.


Fig. 4 - Aspecto cirúrgico da ampliação da veia cava superior (VCS) com o apêndice atrial direito. AD = átrio direito; Ao = aorta



Terminado o tempo principal, o ar foi cuidadosamente retirado das câmaras cardíacas direitas e esquerdas, a aorta despinçada, os batimentos recuperados e o paciente reaquecido e desconectado da perfusão. A revisão e o fechamento do tórax foram realizados da maneira habitual.


RESULTADOS

Em nossa experiência, com o tratamento cirúrgico da conexão anômala parcial das veias pulmonares em veia cava superior direita e porção alta do átrio direito, foram operados 95 pacientes com a técnica descrita, entre junho de 1986 a setembro 2008. O procedimento cirúrgico utilizado foi sempre o mesmo, não tendo ocorrido nenhum óbito na fase hospitalar ou tardia. Apenas um paciente tinha ausência de comunicação interatrial tipo seio venoso e o septo interatrial era íntegro.

No início da série o diagnóstico era hemodinâmico e, atualmente, apenas ecodopplercardiográfico.

A idade variou de 6 meses a 68 anos e o ritmo por ocasião da alta e na verificação tardia, foi sempre sinusal [5], com exceção de um paciente que apresentou inicialmente ritmo juncional, revertido para sinusal espontaneamente. Não houve emprego de marca-passo em nenhum paciente ou necessidade de reoperação.


DISCUSSÃO

Depois que os cirurgiões cardiovasculares abandonaram sua relutância em utilizar retalhos de diferentes materiais para corrigir defeitos intracardíacos, a correção da drenagem anômala parcial também ficou resolvida, tunelizando-se sua desembocadura em veia cava superior para o átrio esquerdo. No entanto, o fechamento da incisão mais frequentemente empregado, que é a atriotomia direita lateral, estendida para a veia cava superior, passou a ser acompanhado de fibrose no local da sutura direta destas estruturas, com consequente estenose ou mesmo oclusão da veia cava superior [4].

Esta ocorrência é mais frequente quando a veia cava superior esquerda é persistente, pois ocorre desvio de sangue da veia cava superior direita, que exibe então menor calibre e tem maior tendência à estenose ou oclusão ao ser dividida longitudinalmente na cirurgia. O emprego de material estranho ampliando a região, para minorar o problema, não parece tê-lo resolvido totalmente [6,7].

Para evitar estas complicações, em 1984, Warden et al. [8] e mais tarde Gustafson et al. [9] reportaram a técnica na qual a veia cava superior é seccionada acima da desembocadura da mais alta veia pulmonar anômala e o coto distal ou cefálico é anastomosado no apêndice atrial direito. O coto proximal ou caudal é então suturado cego e serve para drenar as veias pulmonares anômalas, através da comunicação interatrial tipo seio venoso para o átrio esquerdo mediante o uso de retalho de pericárdio bovino ou similar (Figura 5).


Fig. 5 - Técnica na qual a veia cava superior é seccionada acima da desembocadura da mais alta veia pulmonar anômala e o coto distal ou cefálico é anastomosado no apêndice atrial direito. VCS = veia cava superior; VCI = veia cava inferior; AD = átrio direito; AE = átrio esquerdo; T = valva tricúspide; VP = veia pulmonar; SV = seio venoso fechado com pericárdio bovino. Modificado de Nakahira et al. [6]



Devido à ocorrência de casos de obstrução da veia cava superior com esta técnica, alguns autores procuram ampliar a desembocadura da veia cava superior no apêndice atrial direito com pericárdio autólogo pediculado. Mesmo com esta técnica e sua modificação, ampliando a região, os autores descrevem casos de estenose ou oclusão de veia cava superior especialmente quando estava persistente a veia cava superior esquerda [5]. Uma possível causa da estenose da veia cava superior está na necessidade de trazer o coto cefálico da veia cava superior até o apêndice atrial direito. Apesar da mobilização extensa da veia cava superior e da veia inominada, pode permanecer tensão nestas estruturas levando às lesões descritas. O uso de tubo de politetrafluoretileno expandido ou similar é preconizado por alguns, o que provavelmente termina sendo causa de novos problemas.


CONCLUSÃO

A correção cirúrgica da conexão anômala parcial das veias pulmonares em veia cava superior, associadas ou não à comunicação interatrial tipo seio venoso, é procedimento bem estabelecido, com baixa mortalidade e morbidade e bons resultados a longo prazo.

Existem várias técnicas possíveis de serem empregadas na maioria dos casos. O presente trabalho tem a intenção de demonstrar a aplicabilidade da técnica descrita, com resultados favoráveis, especialmente com relação a mortalidade, distúrbios de ritmo e complicações na região da veia cava superior direita.


AGRADECIMENTOS

A Maria Helena Lombardi e Carlos Santiago Batista Ordoñez Antezana, pelo auxílio na elaboração deste trabalho.


REFERÊNCIAS

1. Schuster SR, Gross RE, Colodny AH. Surgical management of anomalous right pulmonary venous drainage to the superior vena cava, associated with superior marginal defect of the atrial septum. Surgery. 1962;51:805-8. [MedLine]

2. Healey JE Jr. An anatomic survey of anomalous pulmonary veins: their clinical significance. J Thorac Surg. 1952;23(5):433-44. [MedLine]

3. Kirklin JW, Barrat-Boyes BG. Atrial septal defect and parcial anomalous pulmonary venous connection. In: Kirklin JW, Barrat-Boyes BG, eds. Cardiac surgery. 2nd ed. Vol 1. New York:Churchill Livingstone;1993. p:627-30.

4. Cooley DA, Speir AM. Atrio-cavoplasty for repair of sinus venosus atrial defect. Tex Heart Inst J. 1982;9(1):37-40. [MedLine]

5. Buz S, Alexi-Meskishvili V, Villavicencio-Lorini F, Yigitbasi M, Hubler M, Weng Y, et al. Analysis of arrhythmias after correction of partial anomalous pulmonary venous connection. Ann Thorac Surg. 2009;87(2):580-3. [MedLine]

6. Nakahira A, Yagihara T, Kagisaki K, Hagino I, Ishizaka T, Koh M, et al. Partial anomalous pulmonary venous connection to the superior vena cava. Ann Thorac Surg. 2006;82(3):978-82. [MedLine]

7. Friedli B, Guérin R, Davignon A, Fouron JC, Stanley P. Surgical treatment of partial anomalous pulmonary venous drainage. A long-term follow-up study. Circulation. 1972;45(1):159-70. [MedLine]

8. Warden HE, Gustafson RA, Tarnay TJ, Neal WA. An alternative method for repair of partial anomalous pulmonary venous connection to the superior vena cava. Ann Thorac Surg. 1984;38(6):601-5. [MedLine]

9. Gustafson RA, Warden HE, Murray GF. Partial anomalous pulmonary venous connection to the superior vena cava. Ann Thorac Surg. 1995;60(6 Suppl):S614-7. [MedLine]

Article receive on terça-feira, 20 de janeiro de 2009

CCBY All scientific articles published at bjcvs.org are licensed under a Creative Commons license

Indexes

All rights reserved 2017 / © 2024 Brazilian Society of Cardiovascular Surgery DEVELOPMENT BY