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CORRELAÇÃO CLÍNICO-CIRÚRGICA

Cardioversor desfibrilador implantável em criança com miocárdio não-compactado isolado

Ulisses Alexandre CrotiI; Domingo M BraileI; Marcos Aurélio Barboza de OliveiraI; Sírio Hassem SobrinhoI

DOI: 10.1590/S0102-76382009000100020

DADOS CLÍNICOS

Criança com 9 anos, 25 kg, sexo masculino, natural e procedente de Barretos, SP. Nascido a termo, quando apresentou parada cardiorrespiratória (PCR) sem causa definida e permaneceu por 30 dias internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Aos 11 meses apresentou episódio de desmaio, seguido de cianose e PCR, sendo submetido a cardioversão em decorrência de fibrilação ventricular (SIC). Na ocasião, iniciado corticóide e digital, evoluindo bem até os últimos dois meses, quando em repouso apresentou novo desmaio, sendo necessária massagem cardíaca e nova cardioversão para reversão do quadro. Introduzido amiodarona, espironolactona, ácido acetilsalicílico e suspenso digital. Após aproximadamente 10 episódios de síncopes e desmaios, a criança foi transferida para a UTI do nosso Serviço. Ao exame físico estava em bom estado geral, afebril, eupneico e acianótico. Precórdio sem alterações, ritmo cardíaco regular, com bulhas rítmicas e normofonéticas. Ausculta pulmonar normal. Abdome flácido, fígado a 2 cm do rebordo costal direito, baço não palpável e ruídos hidroaéreos presentes. Extremidades com boa perfusão, sem edemas, pulsos palpáveis e simétricos em todos os membros, sem seqüelas motoras, apenas com retardo mental leve, decorrente da PCR no momento do parto (SIC).


ELETROCARDIOGRAMA

Ritmo sinusal, freqüência 88 bat/mim, SÂP 0º, SÂQRS - 30º, intervalo PR 0,24s. Bloqueio atrioventricular de primeiro grau, sobrecarga atrial e ventricular esquerda, além de bloqueio de ramo esquerdo.


RADIOGRAMA

Situs solitus visceral em levocardia. Área cardíaca aumentada à custa do ventrículo esquerdo, com índice cardiotorácico de 0,68 e segundo arco discretamente aumentado. Trama vascular pulmonar sem alterações aparentes.


ECOCARDIOGRAMA

Situs solitus em levocardia. Conexões venoatrial, atrioventricular e ventriculoarterial normais. Ventrículo direito com paredes finas nas porções trabecular e de via de saída, ventrículo esquerdo com miocárdio de aspecto espongiforme (Figura 1), disfunção contrátil do ventrículo esquerdo de grau importante com fração de ejeção 33,8% e insuficiência valvar mitral discreta. Ausência de trombos intracavitários.


Fig. 1 - Corte apical quatro câmaras demonstrando o ventrículo esquerdo dilatado com trabeculações exuberantes nas paredes lateral e apical (setas,) caracterizando miocárdio não-compactado



DIAGNÓSTICO

Encaminhado ao nosso Serviço por repetidos episódios de fibrilação ventricular e recuperação de morte súbita [1], o tratamento foi orientado rapidamente para o implante de cardioversor desfibrilador. O diagnóstico de miocárdio não-compactado e não associado a outras anormalidades é extremamente raro, com poucos pacientes descritos pela literatura, creditando-se a causa a uma rara desordem de morfogênese endomiocárdica [2].


OPERAÇÃO

Paciente em decúbito dorsal, anestesia geral, incisão na região infraclavicular esquerda, divulsão do músculo peitoral maior e confecção da loja com dimensões adequadas para posterior implante do gerador. Punção da veia subclávia esquerda, passagem do fio-guia, dilatador e eletrodo até o ventrículo direito, posicionando na porção mais apical possível para que o coil entrasse em grande contato com a parede ventricular. Da mesma forma para o eletrodo atrial, foi possível obter medidas mais adequadas na parede lateral do átrio direito. Ambos os eletrodos foram implantados com fixação ativa. Na aferição das medidas, o eletrodo atrial apresentou limiar da ponta de 1,1 mv, impedância de 426 ohms e retorno de 23,0, o eletrodo ventricular direito, limiar de 0,7 mv, impedância de 420 ohms e retorno de 10,0. Após a indução da fibrilação ventricular (Figura 2), foram necessários dois choques para reversão ao ritmo sinusal, o primeiro de 15J e o segundo de 20J (Figura 3). Com o sistema testado e as medidas dentro dos padrões desejados, o implante do gerador foi finalizado com a incisão suturada por planos. O paciente foi encaminhado à UTI e realizada radiografia de tórax (Figura 4) e ecocardiograma para afastar complicações como pneumotórax e tamponamento. Em decorrência da disfunção ventricular e da arritmia prévia, o paciente recebeu alta no terceiro dia de pós-operatório, com altas doses de metoprolol e amiodarona.


Fig. 2 - Indução da fibrilação ventricular


Fig. 3 - Primeira desfibrilação ventricular com 15 J sem sucesso. Segunda desfibrilação ventricular com 20 J e reversão ao ritmo
sinusal


Fig. 4 - Radiografia de tórax no pós-operatório imediato com os eletrodos atrial e ventricular implantados



REFERÊNCIAS

1. Andrade JC, Ávila Neto V, Braile DM, Brofman PR, Costa AR, Costa R, et al. Diretrizes para o implante de cardioversor desfibrilador implantável. Arq Bras Cardiol. 2000;74(5):481-2. [MedLine]

2. Chin TK, Perloff JK, Williams RG, Jue K, Mohrmann R. Isolated noncompaction of left ventricular myocardium. A study of eight cases. Circulation. 1990;82(2):507-13. [MedLine]

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