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RELATO DE CASO

Correção total da conexão anômala total das veias pulmonares em paciente adulto

Fernando A AtikI; Mauricio JaramilloII; Jorge Y AfiuneIII; Luiz Fernando CaneoIV

DOI: 10.1590/S0102-76382009000100015

INTRODUÇÃO

A fisiopatologia de todas as formas anatômicas da conexão anômala total das veias pulmonares (CATVP) é dependente da integridade da drenagem venosa pulmonar e da presença de comunicações intracardíacas. A grande maioria dos pacientes apresenta insuficiência cardíaca de difícil controle por hiperfluxo pulmonar ou obstrução da drenagem venosa pulmonar no período neonatal [1]. A história natural da doença demonstra que somente 20% dos pacientes sobrevivem até o primeiro ano de vida sem tratamento [2].

Excepcionalmente, pacientes podem apresentar sintomas mais tardiamente, caso não haja obstrução venosa pulmonar e existam grandes comunicações intracardíacas que permitam fluxo unidirecional da direita para esquerda [3]. Apesar disso, a ocorrência de hipertensão pulmonar avançada é comum.

O objetivo deste trabalho é relatar o caso de um paciente adulto, portador de CATVP na forma supracardíaca não-obstrutiva submetido a correção cirúrgica com sucesso.


RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, 22 anos, com queixa de dispnéia aos grandes esforços associada a tosse seca há 6 anos. Na época, procurou auxílio médico, tendo sido diagnosticada cardiopatia congênita, porém o paciente negou tratamento cirúrgico por razões sociais. Apresentou intensificação da dispnéia nos últimos anos, aliada a palpitações taquicárdicas, turvação visual, palidez cutâneo-mucosa e sudorese fria em extremidades, desencadeadas por esforços habituais.

Ao exame físico, encontrava-se em bom estado geral, eupneico e acianótico (saturação de 94% em ar ambiente). O precórdio era abaulado, hiperdinâmico, ictus visível e palpável no sexto espaço intercostal esquerdo na linha hemiclavicular. A ausculta cardíaca revelou ritmo cardíaco regular a dois tempos, hiperfonese de segunda bulha, com desdobramento amplo e fixo, e sopro sistólico ++/6 em foco pulmonar. O abdome era plano e o fígado não era palpável. Os pulsos periféricos eram amplos e simétricos e os membros não apresentavam edema.

A radiografia de tórax revelou aumento discreto da área cardíaca à custa do átrio direito e silhueta cardíaca que se assemelhava à imagem de "boneco de neve" (Figura 1). Os campos pulmonares estavam livres e apresentavam aumento da vascularização pulmonar hilar. O eletrocardiograma mostrou ritmo sinusal com frequência de 66 batimentos por minuto, bloqueio atrioventricular de primeiro grau (PR=220 ms), eixo elétrico de despolarização ventricular (ÂQRS) 160 graus e sobrecarga atrial direita. O ecocardiograma bidimensional revelou presença de CATVP supracardíaca com drenagem na veia cava superior, não-obstrutiva. Havia comunicação interatrial de 13 milímetros de diâmetro com fluxo da direita para a esquerda unidirecional e dilatação acentuada das cavidades direitas com função sistólica biventricular preservada. A pressão sistólica do ventrículo direito foi estimada em 50 mmHg, com hiperfluxo pulmonar acentuado (Qp:Qs=3,3).


Fig. 1 - Radiografia de tórax em póstero-anterior, evidenciando área cardíaca com formato de "boneco de neve"



A fim de estudar mais detalhadamente os parâmetros hemodinâmicos e as características anatômicas, foi realizado o cateterismo cardíaco direito. Este último corroborou a presença de hipertensão pulmonar importante (pressão sistólica da artéria pulmonar 60 mmHg, pressão capilar pulmonar 16 mmHg e gradiente transpulmonar 19 mmHg) secundário a hiperfluxo pulmonar (Qp:Qs=6, índice de resistência vascular pulmonar 1,6 Woods/m2).

A operação corretiva foi realizada por meio de esternotomia mediana e circulação extracorpórea com hipotermia sistêmica moderada. Encontrou-se grande dilatação das câmaras direitas, além da confirmação da drenagem de todas as veias pulmonares na veia inominada por meio de uma veia vertical. O acesso foi posterior, pelo seio transverso, tendo sido realizada a anastomose látero-lateral entre a veia vertical e o teto do átrio esquerdo, usando parte do tecido da aurícula esquerda.

Apesar das estruturas serem bem maiores que no neonato, havia certo distanciamento entre a veia vertical e o átrio esquerdo, além de pouca mobilidade destas estruturas, o que dificultou a correção. A fim de eliminar estes problemas, optamos por estender a anastomose posterior com enxerto de pericárdio autólogo fresco, distribuindo assim mais homogeneamente a tensão da anastomose. A veia vertical foi ligada próxima à veia inominada. O pós-operatório transcorreu sem problemas, e a pressão da artéria pulmonar permaneceu sempre em torno de 50% da pressão sistêmica, não havendo a necessidade de medidas específicas para o controle de hipertensão pulmonar no pós-operatório. O paciente obteve alta hospitalar no sexto dia de pós-operatório, sem defeitos residuais. No seguimento de 6 meses após a operação, encontra-se em classe funcional I da New York Heart Association, com função biventricular preservada e sem sinais ecocardiográficos de hipertensão pulmonar.


DISCUSSÃO

O presente caso demonstra que a minoria de pacientes portadores de CATVP não-obstrutivas pode atingir a idade adulta sem a ocorrência de hiper-resistência vascular pulmonar. A justificativa para tal fato reside na presença de grande comunicação interatrial, à semelhança de outros casos relatados na literatura [4,5].

Entretanto, é importante que pacientes adultos com CATVP sejam adequadamente avaliados no pré-operatório por meio de cateterismo cardíaco direito, a fim de excluir a possibilidade de hipertensão pulmonar avançada que possa contra-indicar a cirurgia corretiva ou auxiliar no planejamento intra e pós-operatório dos casos passíveis de tratamento cirúrgico. Assim, a monitorização hemodinâmica da artéria pulmonar intra e pós-operatória é importante no sentido de identificar resposta adequada a medidas terapêuticas que visem ao controle de hiper-reatividade vascular pulmonar.

Sabe-se que o hiperfluxo pulmonar crônico determina dilatação progressiva das câmaras direitas e hipertensão pulmonar que limitam a drenagem venosa sistêmica. Desta forma, as veias sistêmicas normalmente encontram-se muito dilatadas e pouco móveis no adulto, o que dificulta a exposição e consequente correção cirúrgica.

A fim de minimizar estes problemas, Nigro et al. [6] descreveram uma alternativa técnica que objetiva melhorar a exposição cirúrgica das estruturas do seio transverso, ao seccionar a veia cava superior e tracioná-la superiormente. No presente caso, não tivemos grandes dificuldades em termos de exposição cirúrgica. Todavia, a distância entre a veia vertical e o átrio esquerdo não era pequena, mesmo após ampla mobilização dessas estruturas. O uso de pericárdio autólogo fresco, estendendo a anastomose posterior, facilitou na distribuição mais homogênea da tensão na linha de sutura, minimizando eventuais sangramentos.

A controvérsia existente na correção neonatal em relação à ligadura da veia vertical parece não ser aplicável no adulto. Visto que o tamanho do átrio esquerdo é suficientemente grande neste último, quadros de baixo débito cardíaco relacionados à restrição diastólica não seriam justificáveis.

Conclui-se que pacientes adultos portadores de CATVP possam ser corrigidos desde que não haja hiper-resistência vascular pulmonar. A indicação cirúrgica criteriosa e planejamento intra e pós-operatório adequados são necessários para um resultado satisfatório.


REFERÊNCIAS

1. Atik FA, Irun PE, Barbero-Marcial M, Atik E. Total anomalous drainage of the pulmonary veins: surgical therapy for the infradiaphragmatic and mixed anatomical types. Arq Bras Cardiol. 2004;82(3):259-63. [MedLine]

2. Burroughs JT, Edwards JE. Total anomalous venous connection. Am Heart J. 1960;59:913-31. [MedLine]

3. Nurkalem Z, Gorgulu S, Eren M, Bilal MS. Total anomalous pulmonary venous return in the forth decade. Int J Cardiol. 2006;113(1):124-6. [MedLine]

4. Vicente WV, Dias-da-Silva PS, Vicente LM, Bassetto S, Romano MM, Ferreira CA, et al. Surgical correction of total anomalous pulmonary venous drainage in an adult. Arq Bras Cardiol. 2006;87(5):e172-5. [MedLine]

5. Juneja R, Saxena A, Kothari SS, Taneja K. Obstructed infracardiac total anomalous venous connection in an adult. Pediatr Cardiol. 1999;20(2):152-4. [MedLine]

6. Nigro JJ, Choi S, Graziano J, Gandy KL, Guerrero-Tiro LM, Cleveland DC. Modified superior repair of supracardiac total anomalous pulmonary venous connection in the adult. Ann Thorac Surg. 2007;84(1):312-3. [MedLine]

Article receive on segunda-feira, 28 de julho de 2008

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