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ARTIGO ORIGINAL

Revascularização miocárdica com artéria radial: influência da anastomose proximal na oclusão a médio e longo prazo

Luciano Jannuzzi CarneiroI; Fernando PlataniaII; Luís Augusto Palma DallanIII; Luís Alberto Oliveira DallanIV; Noedir Antonio Groppo StolfV

DOI: 10.1590/S0102-76382009000100008

INTRODUÇÃO

O enxerto de artéria radial (AR) representa, ainda nos dias de hoje, alternativa controversa, porém de ampla utilização, na cirurgia de revascularização do miocárdio. Desde as primeiras publicações na década de 1970 [1], com resultados desanimadores a curto prazo [2-4], até seu "ressurgimento" na década de 1990 [5], os resultados apontados por numerosas séries de pacientes estabeleceram noções bem fundamentadas sobre este enxerto. Sabe-se da influência do grau de lesão obstrutiva da "coronária-alvo" na evolução de seu fluxo, por exemplo [6,7]. Porém, apenas recentemente, outros aspectos relativos à AR têm sido estudados, como, por exemplo, as diferentes técnicas para dissecção do enxerto ou o local da anastomose proximal [6,8-10].

Este estudo tem como objetivo determinar se o local da anastomose proximal apresenta influência ou não na perviedade a médio e longo prazo dos enxertos de AR.


MÉTODOS

Entre 1994 e 2006, 481 pacientes foram submetidos a revascularização cirúrgica do miocárdio no Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor/HCFMUSP), operados pela mesma equipe cirúrgica (considerando cirurgião e primeiro auxiliar). Em todas as cirurgias, foi utilizado ao menos um enxerto de AR. Destes pacientes, 123 (25,57%) foram submetidos a reestudo por cinecoronariografia no período pós-operatório, segundo indicação do Ambulatório de Coronariopatias da Instituição. Os dados, incluindo os exames coronariográficos realizados e respectivos laudos, foram obtidos mediante avaliação dos prontuários, com aprovação da Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa (CAPPesq) do InCor/HCFMUSP.

Dos 123 pacientes reestudados, 99 (80,48%) eram do sexo masculino e 24 (19,52%), do sexo feminino, com média de idade de 58,8 + 10,4 anos. Noventa e seis (78,05%) deles foram operados com o uso da circulação extracorpórea (CEC). No total, considerando-se todos os enxertos empregados, foram revascularizados 382 ramos coronários, com uma média de 3,1 + 0,8 artérias por paciente.

Deste total, 150 artérias foram revascularizadas com AR, por meio de anastomose término-lateral única ou látero-lateral (seqüencial) em mais de um ramo coronário. A dissecção da AR, para todos os casos, foi a mesma, através de incisão única na face ventral do antebraço selecionado, a partir da porção distal do vaso, com dissecção e ligadura manual dos respectivos ramos, preservando-se tecidos adjacentes e estendendo-se até antes da emergência do ramo interósseo. Os ramos marginais esquerdos (ME), ou equivalentes de seu território, foram os mais prevalentes (48,67%). Os demais ramos coronários, em ordem decrescente de utilização da AR, foram diagonais (DI) (30,67%), coronária direita (CD) (15,33%) e ramo interventricular anterior (IVA) (5,33%) (Figura 1).


Fig. 1 - Artérias coronárias revascularizadas com AR (n=150, em 123 pacientes)



Neste grupo de pacientes, a anastomose proximal da AR foi realizada diretamente na aorta em 50 (40,65%) pacientes, por meio de técnica término-lateral tradicional e utilizando-se fio polipropilene 7-0. Nos demais 73 (59,35%) pacientes, a AR foi utilizada como enxerto composto, com anastomose término-lateral em "Y" à artéria torácica interna esquerda (ATIE) ou direita (ATID), com fio polipropilene 7-0. Não houve complicações durante o pós-operatório e todos os pacientes receberam alta hospitalar, mantendo acompanhamento ambulatorial.

Foi realizada cinecoronariografia nos 123 pacientes estudados, num período médio de 5,36 + 3,21 anos, com injeção também em enxertos aorto-coronários e em ATIE e/ou ATID, quando presentes.

Os dados obtidos foram divididos em duas categorias, quanto à anastomose proximal (aorta/enxerto composto) e à perviedade do enxerto (ocluído/pérvio). Para comparação entre as variáveis, foi utilizado teste de qui-quadrado para duas proporções (ou tendência linear do qui-quadrado, para comparação entre mais de duas proporções), com intervalo de confiança (IC) de 95%.


RESULTADOS

Considerando-se a evolução dos enxertos de AR, independentemente da anastomose proximal, observou-se um índice de perviedade de 82,11%. Foram considerados "ocluídos" (17,89%) os enxertos que apresentaram lesão obstrutiva total nas anastomoses (distal/proximal) e/ou no próprio enxerto.

Não se observou diferença estatisticamente significativa na distribuição das lesões obstrutivas das coronárias revascularizadas, entre os dois grupos de anastomose proximal, sendo mais prevalentes as obstruções entre 90% e 99% (Figura 2).


Fig. 2 - Distribuição dos diferentes graus de lesão obstrutiva, nos dois grupos de anastomose proximal



Dos 50 enxertos com anastomose proximal na aorta, 42 (84%) apresentaram-se pérvios, contra oito (16%) ocluídos. Quanto aos 73 enxertos compostos de AR, anastomosados em "Y" com ATIE ou ATID, 59 (80,82%) apresentaram-se pérvios, contra 14 (19,18%) ocluídos. Comparando-se os enxertos ocluídos e pérvios de ambas as técnicas (Figura 3), observou-se não haver diferença estatisticamente significativa entre as proporções (P=0,651).


Fig. 3 - Evolução da perviedade dos enxertos de AR, de acordo com a anastomose proximal



Foi observada maior predominância de perviedade dos enxertos nas lesões obstrutivas mais graves, principalmente nos grupos com obstruções de 90% ou mais (P=0,0003) (Figura 4). Este comportamento pôde ser observado de maneira semelhante nos dois grupos de anastomoses proximais, embora com significância estatística apenas no grupo da anastomose proximal em "Y" (P=0,0031) (Figuras 5 e 6).


Fig. 4 - Evolução da perviedade dos enxertos de AR, quanto à lesão obstrutiva da artéria coronária revascularizada (n=123)


Fig. 5 - Evolução da perviedade dos enxertos de AR, quanto à lesão obstrutiva da artéria coronária revascularizada - grupo anastomose proximal na aorta (n=50)


Fig. 6 - Evolução da perviedade dos enxertos de AR, quanto à lesão obstrutiva da coronária revascularizada - grupo anastomose em "Y" (n=73)



DISCUSSÃO

É conhecida a evolução histórica do emprego da AR na revascularização do miocárdio. Desde a proposta pioneira e as observações de Carpentier et al. [1], em 1973, foram conduzidas investigações em diversos aspectos, visando avaliar sua eficácia. Os primeiros reestudos, ainda na década de 1970, mostraram resultados desfavoráveis [2,3], o que estimulou diferentes pesquisas, a fim de determinar possíveis fatores - talvez em nível histopatológico - que pudessem justificar o comportamento de oclusão precoce da AR [4,11,12]. No início da década de 1990, inúmeros avanços técnicos e farmacológicos [6,8] fizeram ressurgir o interesse pelo enxerto [5,13,14]. Com esse novo enfoque, observaram-se resultados muito satisfatórios, porém, sempre em séries de pacientes reestudados de imediato [5] ou a curto prazo, entre 14 e 18 meses [6,10,13,15].

A partir dessa época e desde então, tem-se verificado preferência pela anastomose proximal em "Y", geralmente envolvendo a ATIE ou a ATID [7,15-18]. Essa tendência baseava-se na adaptação favorável demonstrada pelas artérias torácicas internas in situ no fornecimento de fluxo sangüíneo adequado para enxertos compostos em "Y" [7,19]. Por outro lado, alguns autores demonstraram bons resultados com AR, utilizando-se anastomose proximal na aorta, sempre considerando reestudos a curto prazo [9,20,21].

Bons resultados também têm sido demonstrados em séries mais recentes, cujo tempo de seguimento chega a 6 anos [22,23]. Nesses estudos, não há evidência de que a anastomose proximal exerça influência na perviedade da AR a médio prazo [24]. Atualmente, recomenda-se o local de anastomose proximal considerando-se, por exemplo, a menor ou mesmo nenhuma manipulação da aorta ascendente [21]. Cogita-se, também, que a topografia da "coronária-alvo" poderia interferir na perviedade da AR [25], dados que ainda não foram demonstrados por outros autores.

O grau de lesão obstrutiva pré-operatória apresenta interferência com a evolução de perviedade da AR. É descrita a possibilidade de competição de fluxo com o enxerto, principalmente quando a lesão obstrutiva da "coronária-alvo" não é suboclusiva [22]

Observou-se, também, em série de 54 pacientes reestudados com um ano de pós-operatório, evidente vulnerabilidade dos enxertos de AR a situações de "roubo de fluxo". Os autores descrevem 50% de oclusão do enxerto para obstruções pré-operatórias menores de 60% [26]. Em reestudo angiográfico pós-operatório (média de 32 meses) de 123 pacientes operados com enxertos de ATI e AR, observou-se, respectivamente, perviedade de 99,2% e 92%. Os maiores índices de perviedade da AR foram registrados nas "coronárias-alvo" com obstruções de 90% ou mais (98%), em relação às lesões menos obstrutivas (83,3%, P<0,05) [27]. Resultados semelhantes foram demonstrados em avaliação retrospectiva de 600 pacientes, onde 93 (15,5%) foram reestudados, com 92,5% de perviedade dos enxertos de AR, sendo todos os enxertos ocluídos relacionados a artérias coronárias com obstruções menos graves, de 56,3% + 15,4 (P<0,001) [28].

Há que se considerar, ainda, o andamento do estudo RAPCO (Radial Artery Patency and Clinical Outcome), que compara os enxertos de AR com ATID livre e pontes de veia safena (PVS). Os resultados preliminares deste estudo compreendem tempo médio de acompanhamento de 3,5 anos. Os autores observam que, embora tenham tendência a ser melhores do que PVS, os enxertos arteriais livres não mantêm perviedade comparável à ATIE ou ATID in situ. Não se demonstraram diferenças claras sobre influência da anastomose proximal nos resultados [29].

A série de pacientes por nós estudados, submetidos a revascularização do miocárdio com AR, apresenta evolução a médio prazo compatível com os dados disponíveis na literatura recente.

Ainda, considerando-se o tempo de seguimento destes pacientes e a época do reestudo, observa-se que os resultados favoráveis ora descritos estendem-se de médio a longo prazo.


CONCLUSÃO

Conclui-se que o local da anastomose proximal (aorta / "Y" com ATIE ou ATID in situ) não interfere na perviedade a médio e longo prazo dos enxertos de AR.

O grau de lesão obstrutiva apresenta interferência na perviedade dos enxertos de AR, observando-se maior número de enxertos pérvios nas obstruções de 90% ou mais.


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Article receive on sexta-feira, 11 de julho de 2008

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