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ARTIGO ORIGINAL

Tratamento híbrido das doenças do arco aórtico

Patrick Bastos MetzgerI; Fabio Henrique RossiII; Samuel Martins MoreiraIII; Mário IssaIV; Nilo Mitsuru IzukawaV; Jarbas J. DinkhuysenVI; Domingos Spina NetoVII; Antônio Massamitsu KambaraVIII

DOI: 10.5935/1678-9741.20140056

INTRODUÇÃO

O manejo dos pacientes com doenças da aorta torácica que envolvem a aorta ascendente, arco aórtico e aorta torácica descendente constituem um desafio técnico e é uma área em constante desenvolvimento e inovação[1,2]. Tradicionalmente, o reparo cirúrgico total do arco aórtico demanda um período de hipotermia profunda e parada circulatória, podendo provocar altas taxas de morbimortalidade perioperatória[1-3].

A realização das derivações dos troncos supra-aórticos seguidas do reparo aórtico endovascular é uma alternativa menos invasiva para o tratamento dessa grave afecção, tendo sido relatado em diversos estudos clínicos, revisões sistemáticas e meta-análises recentes[3-5].

O reparo endovascular total do arco aórtico tem se mostrado nas últimas 2 décadas como um método promissor, entretanto, existe na literatura uma divergência de informações quanto à segurança desta técnica a curto e médio prazo, aos critérios de seleção dos pacientes, além do que, pouco se sabe a respeito da durabilidade do material e do método a longo prazo[5-8].

Os dados disponíveis na literatura dos diversos tipos de tratamento são resultados de pequenas séries de casos, com amostras heterogêneas e seguimento limitado[9]. Portanto, o método ideal para o tratamento das doenças do arco aórtico é ainda motivo de intenso debate.

O objetivo deste estudo é analisar os resultados a curto e médio prazo de uma série consecutiva de pacientes submetidos ao tratamento híbrido das doenças do arco aórtico tendo como desfechos estudados o sucesso técnico e terapêutico, a morbimortalidade perioperatória e em 1 ano, os desfechos neurológicos em 30 dias, a taxa de vazamentos e de reintervenções durante o seguimento.

 

MÉTODOS

Tipo de estudo

Trata-se de um estudo retrospectivo, longitudinal, observacional, realizado em dois centros de referência para afecções cardiovasculares, no período de janeiro de 2010 a dezembro de 2012, num total de 18 pacientes submetidos ao reparo híbrido das doenças do arco aórtico.

Critérios de inclusão e exclusão

Foram incluídos no estudo pacientes de ambos os sexos, com ou sem sintomas torácicos, com indicação de correção aórtica por:

1. Aneurismas de aorta torácica com diâmetro maior que 60 mm ou dissecções agudas complicadas tipo B de Stanford (AAT), apresentando zonas de ancoragem proximal inadequadas (extensão < 2 cm e/ou presença de trombo ou placas calcificadas maiores que 50% da circunferência do colo proximal).

2. Pseudoaneurisma de arco aórtico.

3. Úlcera penetrante do arco aórtico ou de aorta torácica com mais de 2 cm de diâmetro e 1 cm de profundidade sem zonas de ancoragem proximal.

4. Aneurismas verdadeiros de arco aórtico (AArA).

5. Dissecção tipo A crônica.

Foram excluídos do estudo pacientes com: colo aórtico de fixação proximal de extensão maior que 20 mm, diâmetro das artérias ilíacas externas menor que 7 mm, creatinina sérica maior 2,0 mg/dl ou clearence de creatinina menor 30 ml/min.

Pacientes que foram submetidos à correção endovascular de aneurisma de aorta torácica e que não realizaram a revascularização dos trancos supra-aórticos foram excluídos do presente estudo.

A avaliação do risco cardiológico e/ou anestésico não foi considerada na inclusão ou exclusão dos pacientes.

A programação terapêutica foi realizada com angiotomografia em todos os casos, sendo a arteriografia pré-operatória método diagnóstico opcional. Todas as tomografias foram reconstruídas no software OSIRIX® MD em modo 3D (tridimensional) e em modo MPR (reconstrução multiplanar), sendo, então, obtidos os diâmetros, angulações e extensões do colo aórtico proximal (Figura 1).

 

 

Técnica cirúrgica

A extensão da revascularização dos troncos supra-aórticos foi programada após a avaliação angiotomográfica das zonas de ancoragem proximais e estratificada utilizando a classificação de Ishimaru & Mitchell[10] (Figura 2):

 

 

Zona 0: Revascularização de 3 ou 4 vasos supra-aórticos com a realização de esternotomia mediana (Figura 3A).

 

 

Zona 1: Enxerto carotídeo-carotídeo com tunelização retrofaringeana ou anterior à traqueia associada à revascularização da artéria subclávia por transposição ou enxerto carotídeo-subclávio (Figura 3B).

Zona 2: Revascularização da artéria subclávia por transposição ou enxerto carotídeo- subclávio (Figura 3C).

Técnica endovascular

Todos os procedimentos foram realizados no laboratório de Hemodinâmica do Centro de Intervenções Endovasculares (CIEV) do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia e do Hospital Salvalus, pelo mesmo grupo formado por cirurgiões vasculares, cardiovasculares e radiologistas intervencionistas.

Os pacientes foram tratados sob anestesia geral inalatória. A profilaxia antimicrobiana foi realizada com 1,5 g de cefuroxima, no momento da indução anestésica. A abordagem foi preferencialmente realizada pela artéria femoral comum por dissecção cirúrgica aberta unilateral. Na impossibilidade dessa via de acesso, optou-se pela abordagem da artéria ilíaca externa por acesso retroperitoneal.

O controle radiográfico foi feito com aparelho Siemens® Artis Flat Panel ou em sala híbrida com o aparelho Siemens® Artis zeego Hybrid. Foram utilizados os dispositivos: Valiant®(Medtronic Inc, Santa Rosa, Calif), Zenith TX2® (Cook, Bloomington, Ind), TAG® (W.L. Gore & Assoc, Flagstaff, Ariz), Relay® (Bolton Medical, Sunrise, Fla). Os diâmetros das endopróteses variaram em 10% a 20% de oversize a depender do tipo de doença aórtica a ser tratada. Nos casos de aneurismas verdadeiros foi utilizado um oversize de 20% e em casos de dissecção o utilizado foi 10% a 15%.

A drenagem do líquido cérebro-espinhal foi realizada em casos selecionados a depender da extensão de cobertura da aorta ou da presença de cirurgias aórticas prévias.

Nos pacientes onde as próteses foram implantadas na zona 0, taquicardia induzida por marca-passo temporário foi utilizada. Nos casos de implante em zona 1 e 2, hipotensão permissiva foi utilizada para a liberação precisa da endoprótese.

A arteriografia intraoperatória foi realizada em todos os pacientes. O pós-operatório imediato foi feito em unidade de terapia intensiva em todos os casos.

Acompanhamento pós-operatório

Os pacientes foram acompanhados com avaliação ambulatorial aos 15, 30, 180, e 360 dias após a correção. Após o primeiro ano, as consultas foram realizadas anualmente. O controle com angiotomografia foi realizada no 30º e no 360º dias de seguimento ambulatorial. O ultrassom – Doppler (USG-D) foi realizado no 30º, 180º dias e anualmente com a finalidade de avaliar a patência dos enxertos supra-aórticos.

Desfechos e definições

Os desfechos primários analisados foram assim definidos:

1-Sucesso técnico: Quando a derivação dos troncos supra-aórticos foi realizada de maneira previamente planejada; e quando o objetivo de liberar a endoprótese na área acometida foi alcançado, mesmo na presença de vazamentos ou outras intercorrências que pudessem influenciar desfavoravelmente a evolução da doença aórtica.

2-Sucesso terapêutico: Quando a liberação da endoprótese ocorreu sem vazamentos tipo I e/ou III, ou outras intercorrências que repercutissem na evolução favorável da doença aórtica, preservando a patência dos troncos supra-aórticos revascularizados.

3-Mortalidade perioperatória: Número de óbitos registrados dentro dos primeiros 30 dias após o procedimento.

4-Morbidade neurológica nos primeiros 30 dias: acidente vascular encefálico isquêmico (AVE-i) e paraplegia secundária à isquemia medular.

5- Mortalidade durante o seguimento de 1 ano.

 

RESULTADOS

No período compreendido entre janeiro de 2010 a dezembro de 2012, foram realizadas 95 correções endovasculares de doenças da aorta torácica, dos quais 18 pacientes foram submetidos à correção híbrida dessas de forma consecutiva. As características demográficas, as comorbidades e indicações de tratamento estão descritas na Tabela 1. A idade média foi de 62,3±8,3 anos, com prevalência do sexo masculino. Os pacientes eram assintomáticos em 13 casos (72,2%), foram diagnosticados em achados de exames de rotina. A hipertensão esteve presente em todos os pacientes. Entre as comorbidades presentes, encontramos elevada incidência de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) (44,4%) e de cardiopatia isquêmica (27,8%). Observamos também que 2 pacientes foram submetidos à correção prévia de aneurisma de aorta ascendente (11,1%) e 1 foi submetido à correção endovascular de aneurisma de aorta abdominal previamente. (Tabela 1) A maior parte das indicações para o tratamento híbrido foram: aneurismas verdadeiros do arco aórtico e da aorta torácica descendente com colo de ancoragem < 2 cm ou desfavorável (Tabela 1).

 

 

A maioria dos pacientes foi tratada de forma eletiva (72,2%), com o tratamento híbrido estagiado em dois tempos. Cinco pacientes que apresentaram dissecção tipo A ou B aguda complicada foram submetidos à cirurgia de urgência com tratamento cirúrgico e endovascular no mesmo tempo. Anestesia geral inalatória foi utilizada em todos os casos, com drenagem liquórica seletiva.

As técnicas usadas para a revascularização dos troncos supra-aórticos estão descritas na Tabela 2. Foram realizados 8 enxertos anatômicos (revascularização total do arco aórtico) e 10 enxertos extra- anatômicos (enxertos carotídeo direito-carotídeo esquerdo e/ou enxerto ou transposição carotídeo esquerdo-subclávia esquerda). Todos os enxertos anatômicos foram feitas com prótese de Dacron® bifurcado e/ou reto. Quanto às pontes extra-anatômicas, foram realizadas com o uso de PTFE anelado 6 ou 8, com tunelização retrofaringeana em 2 casos e em um caso por tunelização anterior à traqueia.

 

 

Quanto às pontes carotídea esquerda–subclávia, foram confeccionadas 7 transposições de artéria subclávia e 3 enxertos carotídeo-subclávia. Um dos pacientes, que já possuía correção prévia da aorta ascendente, realizou enxerto aorta ascendente-tronco braquiocefálico associado a enxerto carotídeo-carotídeo e em segundo tempo um implante de plug vascular na origem do tronco braquiocefálico e correção aórtica endovascular com implante de endoprótese em zona 0. Neste caso, foi feita oclusão intencional da artéria subclávia esquerda, após confirmação da patência e dominância da artéria vertebral direita (Figura 3). Não foram observadas durante o período intra e pós-operatório lesões venosas, linfáticas ou neurológicas. Durante o seguimento de um ano, não ocorreram oclusões ou estenoses hemodinamicamente significativas nos enxertos anatômicos ou extra-anatômicos (Figuras 4 e 5).

 

 

 

 

As revascularizações que necessitaram de troca do segmento da aorta ascendente foram realizadas com parada cardíaca total e circulação extracorpórea, enquanto nos casos em que apenas a revascularização supra-aórtica foi empregada a anastomose proximal foi realizada por meio de pinçamento parcial da aorta, sem interrupção do fluxo. As anastomoses cervicais foram demarcadas com material radiopaco com a finalidade de facilitar o implante da endoprótese. Todos os acessos aórticos foram realizados por esternotomia mediana convencional. Os acessos cervicais via incisão supraclavicular e/ou cervical anterior uni ou bilaterais, foram utilizadas a depender do tipo de revascularização supra-aórtica desejada.

O sucesso técnico foi obtido em 94,5%, ou seja, em 17 pacientes foi possível realizar o enxerto supra-aórtico programado e liberar a endoprótese no local desejado.

O sucesso terapêutico foi de 83,3%, ou seja, em 15 pacientes a prótese foi liberada sem vazamentos ou outras intercorrências que repercutissem na evolução favorável da intervenção. As causas de insucesso terapêutico foram o vazamento tipo I em 2 casos e um óbito ocorrido no intraoperatório durante uma correção de dissecção tipo A de Stanford, que evoluiu com dissecção retrógrada e ruptura aórtica com tamponamento cardíaco.

A taxa de complicação pós-operatória intra-hospitalar foi de 27,7%, sendo: duas lesões neurológicas isquêmicas (11,1%), dois casos de complicação pulmonar (11,1%) e um caso de insuficiência renal aguda (5,5%) (Tabela 3).

 

 

A mortalidade perioperatória foi de 11,1%. Os dois óbitos ocorreram devido à dissecção A retrograda: um por ruptura e tamponamento cardíaco agudo durante o tratamento endovascular e outro por dissecção de tronco coronário esquerdo e infarto agudo do miocárdio no 8º dia pós-operatório (Tabela 4). Após o período de 30 dias de seguimento, não houve óbitos.

 

 

A taxa de vazamento primário foi de 16,6%, ocorrendo o vazamento tipo I em 2 casos e tipo II em 1 caso. Não houve casos de vazamentos tipo III e de migração de endoprótese durante o seguimento dos pacientes. A taxa de reintervenção em um ano foi de 16,7% devido ao tratamento de vazamentos do tipo I e II de forma satisfatória (Tabela 4). A sobrevida anual, durante nosso acompanhamento, foi de 89,9%.

Os dispositivos das endopróteses utilizadas foram: em 7 casos (38,9 %) a Zenith TX2® (Cook Medical; Bloomington, INC, EUA), 6 casos (33,3%) a TAG® (Gore Medical; Flagstaff, AZ, EUA), em 3 casos a (16,6%) Valiant®(Medtronic; Minneapolis, MN, EUA), e em 2 casos (11,1%) Relay® (Bolton Medical, Sunrise, Fla). Foram utilizadas um total de 21 endopróteses.

O tempo médio de procedimento endovascular foi de 65 min (variação de 48 minutos a 151 min), o tempo médio do procedimento de revascularização dos troncos supra-aórticos foi de 196 min e o tempo de internação médio foi de 9,7 dias, com variação de 10 dias. O tempo médio de seguimento pós operatório foi de 13 meses (5 a 22 meses).

 

DISCUSSÃO

O aprimoramento das técnicas endovasculares e a associação à revascularização cirúrgica dos troncos supra-aórticos permitiram sua aplicação nas doenças do arco aórtico, território em que o tratamento cirúrgico convencional pode trazer altas taxas de morbimortalidade[11]. Revisões sistemáticas e estudos clínicos recentes têm confirmado as vantagens do método endovascular sobre o tratamento cirúrgico convencional neste segmento aórtico[1-3,7,11-13]. Uma zona de ancoragem adequada, em que haja ao menos 2 cm de extensão de aorta sadia é necessária para um correto implante da endoprótese, prevenindo assim o endoleak tipo I e mantendo a durabilidade da prótese por um longo período[14].

Para os pacientes com colo proximal desfavorável, a revascularização dos troncos supra-aórticos, seguida do avanço do dispositivo endovascular para zonas de aorta sadia, torna factível o tratamento dessa doença, evitando o procedimento cirúrgico convencional que demande parada circulatória e hipotermia profunda. A mortalidade do procedimento cirúrgico convencional sobre o arco aórtico, mesmo em centros com grande volume cirúrgico, varia entre 0,9 a 9,3%[3,15,16]. Entretanto, de acordo com os dados do National Inpatient Sample Database e do Medicare Provider Analysis and Reviewer, que refletem melhor a realidade mundial, as taxas de mortalidade variam entre 15 a 20%[17-20]. Apesar da invasibilidade da técnica híbrida, seu grau de morbidade pode ser minimizado utilizando-se menor tempo de pinçamento aórtico ou técnicas de pinçamento parcial da mesma quando se necessite avançar a prótese até a zona 0. Nos casos em que um colo de aterrissagem adequado possa ser obtido nas zonas 1 e 2, os procedimentos estagiados sem pinçamento aórtico com o uso de enxertos extra-anatômicos devem ser utilizados[2,3].

Obtivemos uma taxa de sucesso técnico de 94,5% e de terapêutico de 83,3%. A taxa de sucesso técnico foi influenciada pelo óbito intraoperatório, enquanto a taxa de sucesso terapêutico foi influenciada pela presença de vazamentos tipo Ia, gerando uma taxa de vazamento primário de 16,6%. Os dois vazamentos do tipo Ia foram tratados com o avanço de uma segunda endoprótese proximalmente de maior diâmetro com selamento completo do vazamento, enquanto que o vazamento do tipo II pela artéria subclávia foi tratada com embolização da mesma com o uso de mola, o que gerou uma taxa de reintervenção de 16,6%. Moulakakis et al.[1] relatam uma taxa de sucesso técnico de 92,8%, apresentando uma taxa de vazamentos similar de 16,6% cuja maioria era do tipo I. Os autores justificam este dado devido a presença de dissecção tipo A retrógrada em 4,5% de seus pacientes, com o avanço da endoprótese até zona 0[1].

Atualmente, os resultados tardios do tratamento híbrido do arco aórtico são pouco conhecidos, a maioria dos estudos apresentando acompanhamento de 15 a 18 meses[6,21]. Estes dados são extremamente escassos e heterogêneos quando especificamente se avaliam os endoleaks. Esta taxa varia na literatura de 0 a 15%, sendo que os dados de vazamentos a longo prazo são virtualmente ausentes[4,8,21].Czerny et al.[4], em recente estudo com dados de registro transcontinental incluindo 66 pacientes com revascularização total do arco aórtico e um acompanhamento médio de 25 meses, encontraram apenas 1 endoleak tardio do tipo Ib e uma sobrevida em 5 anos de 96%[4]. Já Vallejo et al.[6] em uma série de 38 reparos híbridos do arco aórtico, com uma média de seguimento de 28 meses, obtiveram 4 endoleaks tipo I e dois endoleaks tipo II[6]. Bavaria et al.[8], em acompanhamento de 30 meses, não observaram a presença de vazamentos do tipo I ou III. Em nosso estudo, não observamos a presença de vazamentos tardios do tipo I, II e III durante o seguimento médio de 13 meses.

A população do nosso estudo apresentava alto risco para cirurgia convencional devido à elevada prevalência de doença pulmonar obstrutiva crônica (50%) e de cardiopatia isquêmica (38,9%), sendo que 5 desses pacientes foram tratados de forma emergencial devido à dissecção aguda tipo A ou tipo B complicada, por isso, nossa taxa de mortalidade no período de 30 dias foi de 11,1%. Um paciente veio a óbito durante o período intraoperatório devido à progressão retrógrada da dissecção tipo A com a ruptura aórtica e tamponamento cardíaco e outro paciente veio a óbito no 8º DPO devido também à progressão da dissecção tipo A retrógrada com acometimento do tronco da coronária esquerda e infarto agudo do miocárdio. Autores brasileiros relatam taxa de mortalidade de 16,7% no período perioperatório utilizando a mesma técnica[2]. Uma recente meta-análise publicada em 2013, com 956 pacientes analisados, obteve uma taxa de mortalidade perioperatória de 11,9%[1]. Entretanto, séries de menores de casos têm sido publicadas com mortalidade variando entre 3 a 6%[3,11].

As taxas de injúria neurológica na literatura as taxas variam de 4 a 12%[11]. Quando se separam AVE-i de isquemia da coluna espinhal com paraplegia definitiva observam-se taxas de 7,6% e 3,6%, respectivamente, no estudo meta-analítico publicado por Moulakakis et al.[1] Em nosso meio, observamos uma taxa de AVE-i de 5,5%. Este ocorreu durante o avanço da endoprótese até a zona 0. A ocorrência deste desfecho neurológico está relacionada diretamente com a qualidade da aorta nativa, tendo como características desfavoráveis a presença de placas e trombos neste segmento aórtico[22]. A baixa taxa de AVE-i encontrada por Shirakawa et al.[11], em seu estudo clínico com 40 pacientes e um acompanhamento de 15,5 meses, é justificada pelo autor devido à seleção pré-operatória criteriosa dos pacientes com angiotomografia, avaliando as condições de implante da endoprótese na aorta ascendente. Quando uma aorta sadia foi encontrada, o tratamento híbrido foi realizado[11].

Tivemos um caso de isquemia medular em paciente que apresentava previamente uma correção aberta da aorta ascendente e uma correção endovascular prévia de aneurisma de aorta abdominal infra-renal. Este paciente apresentou sinais de paraplegia no 3º DPO, sendo realizada drenagem liquórica imediata, porém, permaneceu com paraplegia definitiva como sequela. A isquemia medular está diretamente relacionada à área de cobertura aórtica e ao tempo de pinçamento aórtico[1,3,23], por isso, as taxas de isquemia medular nos procedimentos híbridos são menores quando comparadas às correções aórticas abertas, uma vez que nos procedimentos híbridos a área de cobertura aórtica é menor assim como o tempo de pinçamento. Neste paciente, a área de manipulação aórtica prévia ao procedimento híbrido favoreceu esta complicação.

Quanto às complicações pós-operatórias, destaca-se a baixa incidência de complicação pulmonar (11,1%). Dois pacientes apresentaram desmame ventilatório prolongado e infecção pulmonar associada, sendo tratados em unidade de terapia intensiva por período prolongado, mas evoluindo satisfatoriamente. As principais morbidades clínicas no pós-operatório no tratamento aberto e híbrido das doenças da aorta torácica são as complicações pulmonares e cardiológicas. A taxas destas complicações foram de 19,7% e 6%, respectivamente, na meta-análise publicada em 2013[1]. Em nosso estudo, tivemos um óbito por infarto agudo do miocárdio provocado por dissecção retrógrada com acometimento de tronco de coronária esquerda. Apesar do grande número de pacientes com DPOC em nosso estudo, a baixa taxa de complicações pulmonares é explicada devido à rigorosa estratificação e preparo clínico pré-operatório, assim como cuidados intensivos dedicados à reabilitação cardiopulmonar adequada.

A dissecção tipo A retrógrada é uma complicação descrita durante o reparo aberto e endovascular da aorta ascendente nativa[1,7,21]. Quando se avaliam os estudos clínicos quanto à presença desta complicação, observa-se que os dados são divulgados em relação a toda a casuística tratada, apresentando uma taxa absoluta de 3,8% na meta-análise mais recente publicada; porém, quando se observam apenas as aortas ascendentes nativas sobre risco, obtêm-se taxas mais elevadas desta complicação. No estudo publicado por Andersen et al.[7], uma incidência similar de 3,4% é relatada numa série de 87 pacientes com reparo híbrido do arco aórtico. Entretanto, os autores relatam que a verdadeira taxa deveria ser 11,1% (3 de 27 casos) quando são incluídos apenas os pacientes com aorta ascendente nativa que estão sob risco desta complicação[3,7]. Tivemos 2 casos de dissecção tipo A retrógrada em 16 aortas ascendentes nativas (12,5%).

Novas técnicas com o manejo endovascular completo dos aneurismas do arco aórtico utilizando endopróteses ramificadas e fenestradas estão em desenvolvimento. O primeiro estudo clínico está sendo conduzido e, dessa forma, pouco se sabe sobre os resultado a médio e longo prazo desta técnica[24]. Procedimentos endovasculares utilizando as técnicas de Snorkel e Chaminé, apesar de viáveis, expõem o paciente ao endoleak tipo I e a dissecção tipo A retrógrada[25].

Limitações do estudo

Devido ao pequeno número de casos, ao grupo heterogêneo de pacientes e de tipos de procedimentos realizados, assim como ao seguimento curto de acompanhamento, a comparação entre as técnicas e a relação com seus desfechos limitam os resultados de nosso estudo. Por fim, a acurácia dos resultados pode ser afetada pela análise retrospectiva dos dados.

 

CONCLUSÃO

Em nosso estudo, o tratamento híbrido das doenças do arco aórtico demonstrou ser uma alternativa tecnicamente viável e com resultados satisfatórios ao curto e médio prazo.

O acometimento da aorta ascendente por dissecção tipo A e a necessidade de implante na zona 0 apresentaram uma taxa maior de eventos neurológicos agudos e de dissecção tipo A retrógrada.

As taxas de sucesso terapêutico e das reintervenções necessárias nos diversos segmentos do arco aórtico tratados demonstram a necessidade de seguimento clínico rigoroso desses pacientes a longo prazo.

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Não houve suporte financeiro.

Papéis & responsabilidade dos autores

PBM: Análise e/ou interpretação dos dados, análise estatística, aprovação final do manuscrito, concepção e desenho do estudo, realização das operações e/ou experimentos, redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo

FHR: Aprovação final do manuscrito, realização das operações e/ou experimentos, redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo

SMM: Aprovação final do manuscrito, realização das operações e/ou experimentos

MI: Aprovação final do manuscrito, realização das operações e/ou experimentos

NMI: Aprovação final do manuscrito, realização das operações e/ou experimentos

JJD: Aprovação final do manuscrito, realização das operações e/ou experimentos

DSN: Realização das operações e/ou experimentos

AMK: Aprovação final do manuscrito, realização das operações e/ou experimentos, redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo

Article receive on segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

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