Article

lock Open Access lock Peer-Reviewed

50

Views

EDITORIAL

Avaliação cardíaca fetal por meio da ultrassonografia 3D/4D (STIC): qual é sua real aplicabilidade no diagnóstico das doenças cardíacas congênitas?

Edward Araujo JúniorI; Liliam Cristine RoloII; Luciano Marcondes Machado NardozzaIII; Antonio Fernandes MoronIV

DOI: 10.5935/1678-9741.20130002

ABREVIAÇÕES E ACRÔNIMOS

2D: Bidimensional

3D: Terceira dimensão

4D: Quarta dimensão

DCC: Doenças cardíacas congênitas

STIC: Spatio-Temporal Image Correlation

TUI: Tomographic Ultrasound Imaging

As doenças cardíacas congênitas (DCC) são as malformações maiores mais frequentes ao nascimento [1], com prevalência que varia de 0,6% a 5% dos recém nascidos vivos [2]. Apesar de grandes esforços e avanço tecnológico da ecocardiografia bidimensional (2D) nas duas décadas passadas, a acurácia na detecção de DCC no pré-natal está entre 31% e 96% [3].

Em 2003, com o desenvolvimento do Spatio-Temporal Image Correlation (STIC), iniciou-se a utilização da ultrassonografia de terceira e quarta dimensões (3D/4D) na avaliação cardíaca fetal [4]. O STIC é um software que permite a aquisição volumétrica do coração fetal com suas conexões vasculares, cujas imagens podem ser avaliadas tanto no modo multiplanar quanto no renderizado ou de superfície, de forma estática ou em movimento (4D), por meio de uma sequência de cineloop, que simula um ciclo cardíaco completo [4]. Esse software oferece uma novidade inexistente na ultrassonografia 2D, que é o armazenamento do volume cardíaco para uma análise off-line, ou seja, na ausência da paciente. Dessa forma, a avaliação detalhada da anatomia e do funcionamento cardíaco fetal é possível sem haver a necessidade de causar maior desconforto à gestante, situação relativamente frequente diante de estudos ultrassonográficos mais prolongados. Além disso, o armazenamento permite o envio dos volumes para centros especializados por meio de um link de internet, fortalecendo a telemedicina e potencializando o melhor rastreamento durante o pré-natal [5].

Já existem padronizações para o armazenamento dos volumes obtidos, de forma que o examinador responsável pela análise off-line tenha o real conhecimento da posição das câmaras cardíacas com relação ao eixo fetal (lados direito e esquerdo), para avaliar inclusive a presença de possíveis isomerismos cardíacos. Por isso, sempre que o feto estiver em apresentação cefálica, deve-se considerar que o lado cardíaco corresponde ao lado fetal, diferentemente dos fetos pélvicos, cujos lados são opostos [6].

A escala de cinzas e o Doppler colorido são aplicações também presentes no STIC, utilizadas para melhorar a avaliação das vias de saída dos ventrículos, dos arcos aórtico e ductal, além de auxiliar na localização dos defeitos septais [7]. Atecnologia 3D permitiu o desenvolvimento de novas técnicas conhecidas como inversion mode (técnica de análise de estruturas líquidas que inverte os voxels da escala de cinzas, ou seja, estruturas anecoicas, como câmaras cardíacas, lúmen de vasos, estômago, bexiga e pelve renal, com a inversão de modo se tornam ecogênicas, ao passo que estruturas normalmente ecogênicas, como os ossos, se tornam anecoicas) [8] (Figura 1) e o B-flow imaging (técnica que melhora os sinais fracos refletidos do sangue e suprime os sinais fortes das estruturas ao redor) [9]. O inversion mode permite a reconstrução de câmaras cardíacas, arcos aórtico e ductal, além de anomalias de conexões venosas [8]. O B-flow imaging apresenta alta sensibilidade e ângulo independência, sendo potencialmente vantajoso em relação ao Doppler colorido para a visualização de grandes vasos e retorno venoso ao coração, permitindo a identificação de pequenos vasos de fino calibre e com baixa velocidade de fluxo como as veias pulmonares, potencializando a detecção de anomalias de retorno venoso pulmonar [9].

 

 

Outra técnica também abordada pelo STIC é o Tomographic Ultrasound Imaging (TUI), que possibilita a obtenção de todos os planos axiais do coração desde o abdome até o ápice do tórax, potencializando o rastreamento e a análise das cardiopatias fetais [10] (Figura 2). O STIC também permite a mensuração dos volumes das câmaras cardíacas, assim como o cálculo do volume sistólico, da fração de ejeção e do débito cardíaco. Dessa forma, a obtenção de informações relevantes sobre o funcionamento cardíaco é possível diante das DCC [11]. Mais recentemente, uma nova abordagem da análise pelo modo renderizado do STIC obteve medidas das áreas das valvas mitral e tricúspide e do septo interventricular, determinando valores de referência para esses parâmetros, tornando viável sua aplicação em casos suspeitos ou patológicos [12,13].

 

 

Recentemente, alguns estudos tentaram correlacionar as técnicas 3D/4D (STIC) e 2D (ecocardiografia) no diagnóstico das DCC, contudo, esses estudos demonstraram resultados contraditórios [14,15]. Em um desses estudos, sendo o STIC realizados por obstetras gerais, sem conhecimento específico na metodologia, o STIC mostrou-se inferior à ecocardiografia 2D, realizada por especialista, no diagnóstico de DCC [14]. Já no outro estudo, que o STIC foi realizado por examinadores experientes nessa metodologia, a acurácia no diagnóstico de DCC foi semelhante à obtida pela ecocardiografia 2D [15].

Com base em estudos recentes, ainda é precoce afirmar se a ultrassonografia 3D/4D (STIC) irá superar a ecocardiografia 2D como método padrão-ouro no diagnóstico pré-natal das DCC. Em nosso meio, os maiores entraves são a necessidade de equipamentos sofisticados e ainda caros e de pessoas com treinamento específico em ultrassonografia 3D/4D. Contudo, algumas vantagens já são vislumbradas, como menor dependência do operador e a possibilidade de envio dos volumes para centros de referência em cardiologia fetal e pediátrica, de fundamental importância em um país como o nosso, em que esses centros estão localizados nas grandes cidades.

Em síntese, somente a realização de estudos multicêntricos, com examinadores experientes na tecnologia 3D/4D, poderá comprovar o real benefício do STIC no diagnóstico pré-natal das DCC.

REFERÊNCIAS

1. Hoffmann JI. Incidence of congenital heart disease: I. Postnatal incidence. Pediatr Cardiol. 1995;16(3):103-13. [MedLine]

2. Grandjean H, Larroque D, Levi S. The performance of routine ultrasonographic screening of pregnancies in the Eurofetus Study. Am J Obstet Gynecol. 1999;181(2):446-54. [MedLine]

3. Stümpflen I, Stümpflen A, Wimmer M, Bernaschek G. Effect of detailed fetal echocardiography as part of routine prenatal ultrasonographic screening on detection of congenital heart disease. Lancet. 1996;348(9031):854-7. [MedLine]

4. DeVore GR, Falkensammer P, Sklansky MS, Platt LD. Spatio-temporal image correlation (STIC): new technology for evaluation of the fetal heart. Ultrasound Obstet Gynecol. 2003;22(4):380-7. [MedLine]

5. Gonçalves LF, Nien JK, Espinoza J, Kusanovic JP, Lee W, Swope B, et al. What does 2-dimensional imaging add to 3- and 4-dimensional obstetrics ultrasonography? J Ultrasound Med. 2006;25(6):691-9. [MedLine]

6. Paladini D. Standardization of on-screen fetal heart orientation prior to storage of spatio-temporal image correlation (STIC) volume datasets. Ultrasound Obstet Gynecol. 2007;29(6):605-11. [MedLine]

7. Gonçalves LF, Lee W, Chaiworapongsa T, Espinoza J, Schoen ML, Falkensammer P. Four-dimensional ultrasonography of the fetal heart with spatiotemporal image correlation. Am J Obstet Gynecol. 2003;189:1792-802. [MedLine]

8. Lee W, Gonçalves LF, Espinoza J, Romero R. Inversion mode: a new volume analysis tool for 3-dimensional ultrasonography. J Ultrasound Med. 2005;24(2):201-7. [MedLine]

9. Pooh PK, Korai A. B-flow and B-flow spatio-temporal image correlation in visualizing fetal cardiac blood flow. Croat Med J. 2005;46(5):808-11. [MedLine]

10. Yagel S, Cohen SM, Rosenak D, Messing B, Lipschuetz M, Shen O, et al. Added value of three-/four-dimensional ultrasound in offline analysis and diagnosis of congenital heart disease. Ultrasound Obstet Gynecol. 2011;37(4):432-7. [MedLine]

11. Simioni C, Nardozza LM, Araujo Júnior E, Rolo LC, Zamith M, Caetano AC, et al. Heart stroke volume, cardiac output, and ejection fraction in 265 normal fetus in the second half of gestation assessed by 4D ultrasound using spatiotemporal image correlation. J Matern Fetal Neonatal Med. 2011;24(9):1159-67. [MedLine]

12. Rolo LC, Nardozza LM, Araujo Júnior E, Hatanaka AR, Rocha LA, Simioni C, et al. Reference ranges of atrioventricular valve areas by means of four-dimensional ultrasonography using spatiotemporal image correlation in the rendering mode. Prenat Diagn. 2013;33(1):50-5. [MedLine]

13. Nardozza LM, Rolo LC, Araujo Júnior E, Hatanaka AR, Rocha LA, Simioni C, et al. Reference range for fetal interventricular septum area by means of four-dimensional ultrasonography using spatiotemporal image correlation. Fetal Diagn Ther. 2013 [ahead of print]. [MedLine]

14. Wanitpongpan P, Kanagawa T, Kinugasa Y, Kimura T. Spatio-temporal image correlation (STIC) used by general obstetricians is marginally clinically effective compared to 2D fetal echocardiography scanning by experts. Prenat Diagn. 2008;28(10):923-8. [MedLine]

15. Bennasar M, Martínez JM, Gómez O, Bartrons J, Olivella A, Puerto B, et al. Accuracy of four-dimensional spatiotemporal image correlation echocardiography in the prenatal diagnosis of congenital heart defects. Ultrasound Obstet Gynecol. 2010;36(4):458-64. [MedLine]

Article receive on terça-feira, 22 de janeiro de 2013

CCBY All scientific articles published at bjcvs.org are licensed under a Creative Commons license

Indexes

All rights reserved 2017 / © 2024 Brazilian Society of Cardiovascular Surgery DEVELOPMENT BY