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ARTIGO ORIGINAL

Com ou sem CEC? Impacto dos escores de risco na cirurgia de revascularização miocárdica

Omar Asdrúbal Vilca MejíaI; Luiz Augusto Ferreira LisboaII; Luiz Boro PuigIII; Luiz Felipe Pinho MoreiraIV; Luis Alberto Oliveira DallanV; Fabio Biscegli JateneVI

DOI: 10.5935/1678-9741.20120091

RESUMO

OBJETIVO: Permanecem as controvérsias sobre a utilização de circulação extracorpórea (CEC) na cirurgia de revascularização miocárdica (CRM). O objetivo deste estudo foi avaliar o impacto do 2000 Bernstein Parsonnet (2000BP) e EuroSCORE (EU) para escolha de CEC na CRM.
MÉTODOS: Foram submetidos à CRM 1.551 pacientes consecutivos. CEC foi utilizada em 1.121 (72,3%) pacientes. O desempenho do 2000BP e EU para a amostra foi avaliado mediante testes de calibração, discriminação e correlação. Para ambos os escores de risco, o aumento do valor do escore e a presença de CEC tiveram relação direta com maior chance de óbito (P<0,05). Portanto, com essas duas variáveis foi construído um modelo de regressão logística para cada escore de risco, com a finalidade de determinar em que valor do escore a presença de CEC aumenta significativamente a chance de óbito.
RESULTADOS: A calibração, ao igual que a área abaixo da curva ROC para o grupo com CEC [2000BP=0,80; EU=0,78] e sem CEC [2000BP=0,81; EU=0,85] foram adequadas. A correlação de Spearman para os grupos com e sem CEC foi de 0,66 (P<0,001) e 0,62 (P<0,001), respectivamente. No 2000BP, para um valor>17,75, a presença de CEC aumentou a chance de óbito para 7,4 [IC95% (4,4-12,3), P<0,0001]. No EU, para um valor>4,5, a presença de CEC aumentou a chance de óbito para 5,4 [IC95% (3,3-9), P<0,0001].
CONCLUSÃO: Na tomada de decisões, o 2000BP>17,75 ou o EU>4,5 orientam a identificar pacientes que quando submetidos a CRM com CEC têm chance de óbito aumentada significativamente.

ABSTRACT

OBJECTIVE: Remain controversies about the use of cardiopulmonary bypass (CPB) in coronary artery bypass grafting (CABG). The aim of this study was to evaluate the impact of the 2000 Bernstein Parsonnet (2000BP) and EuroSCORE (EU) for choice CPB in CABG.
METHODS: 1.551 consecutive patients underwent CABG. CPB was used in 1.121 (72.3%) patients. The performance of 2000BP and EU was assessed by calibration, discrimination and correlation tests. For both risk scores, increasing the value of the score and presence of CPB were directly related to a higher risk of death (P<0.05). Therefore with these two variables was constructed a logistic regression model for each risk score, in order to determine in which value of score the presence of CPB increases significantly the risk of death.
RESULTS: The calibration, like the area under the ROC curve for the group with CPB [2000BP=0.80; EU=0.78] and without CPB [2000BP=0.81; EU=0.85] were appropriate. The Spearman correlation for groups with and without CPB was 0.66 (P<0.001) and 0.62 (P<0.001), respectively. Using the 2000BP, for a value>17.75 the presence of CPB increased the chance of death to 7.4 [CI 95% (4.4-12.3), P<0.0001]. With the EU, for a value >4.5 the presence of CPB increased the chance of death to 5.4 [CI 95% (3.3-9), P<0.0001].
CONCLUSION: In decision making, the 2000BP>17.75 or the EU>4.5 guide to identify patients who underwent CABG with CPB increases significantly the chance of death.

ABREVIAÇÕES E ACRÔNIMOS

2000BP: 2000 Bernstein Parsonnet escore

CAPPesq: Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa

CEC: Circulação extracorpórea

CRM: Cirurgia de revascularização miocárdica

EU: EuroSCORE

InCor-HCFMUSP: Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

ROC: Receiver operating characteristic

SI3: Sistema eletrônico de prontuários do InCor- HCFMUSP

SPSS: Statistical Package for the Social Sciences

STSscore: Society of Thoracic Surgeons escore

INTRODUÇÃO

A cirurgia de revascularização miocárdica (CRM) continua sendo o procedimento cardiovascular mais realizado no mundo [1], portanto o mais estudado. Ao longo dos anos, a circulação extracorpórea (CEC) permitiu estabelecer a CRM como um tratamento seguro e efetivo. Não entanto, sempre houve a preocupação quanto à influência da CEC no aumento da morbidade [2,3]. O pioneirismo fez com que, a partir da década de 1980, alguns grupos começassem a realizar a CRM sem CEC em pacientes selecionados [4,5]. Em seguida, surgiram controvérsias quanto à indicação da CEC na CRM.

Na literatura, estudos retrospectivos em grandes populações [6,7] relataram diminuição da morbimortalidade quando a CRM foi realizada sem CEC. Entretanto, em estudos randomizados com pequenas populações, essa diferença a favor da CRM sem CEC não foi significativa [8,9]. Assim, embora existam critérios bem definidos para indicação da CRM no tratamento da doença coronariana obstrutiva, a escolha da CEC continua sendo baseada no perfil clínico do paciente e na experiência do cirurgião.

Por outro lado, os escores de risco são a melhor forma de transferir o conhecimento científico para a prática clínica e sua aplicabilidade na CRM já é certificada como recomendação IIA com nível de evidência C [10]. Dentre esses escores, o 2000 Bernstein Parsonnet (2000BP) [11] mostrou-se adequado nos pacientes submetidos a CRM com e sem CEC [12], semelhante ao EuroSCORE (EU) [13], que também foi validado para ambas as técnicas [14,15]. No Brasil, ambos os escores também foram acurados para predição de mortalidade na CRM, incluindo grupos com e sem CEC [16]. No entanto, outros escores, como o da Society of Thoracic Surgeons (STSscore), e o mais recente, o EuroSCORE II, não foram utilizados neste estudo porque ainda não foram validados na nossa realidade.

Em teoria, escores que predizem mortalidade para duas técnicas utilizadas no tratamento da mesma doença conseguem comparar e escolher no pré-operatório a melhor estratégia a ser aplicada em pacientes específicos. Assim, o objetivo do estudo foi avaliar o impacto do 2000BP e EU para escolha da CEC na CRM.

 

MÉTODOS

Tamanho da amostra, critérios de inclusão e exclusão

Este estudo prospectivo e observacional foi conduzido na Divisão de Cirurgia Cardiovascular do Departamento de Cardiopneumologia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-HCFMUSP). Na amostra, 1.551 pacientes foram submetidos sequencialmente à CRM, tanto na modalidade eletiva, urgência e emergência, no período de maio de 2008 a julho de 2010.

Foram excluídas do estudo: reoperações, cirurgias associadas (incluindo valva, aorta torácica e outros) e procedimentos alternativos da insuficiência coronariana (laser, injeção de células tronco e outros).

Coleta, definição e organização dos dados

Os dados foram coletados pré-operatoriamente à avaliação clínica e do sistema eletrônico de prontuários do InCor-HCFMUSP (SI3) e armazenados numa planilha única. Essa planilha foi adaptada de forma a contemplar todas as variáveis descritas pelo modelo do 2000BP e do EU para cada paciente. Os pacientes foram ordenados segundo os grupos de risco estabelecidos pelos escores e colocados no banco de dados confeccionado no programa Excel com essa finalidade. Todos os pacientes foram acompanhados até a alta hospitalar. Nenhum paciente foi excluído da análise por falta de dados.

O desfecho de interesse foi mortalidade intra-hospitalar, definida como a morte ocorrida no intervalo de tempo entre a cirurgia e a alta hospitalar.

Técnica cirúrgica

Após esternotomia mediana, os pacientes foram operados com ou sem a utilização da CEC, isto por opção do cirurgião responsável pelo caso. Quando operados com uso da CEC, esta foi realizada em normotermia ou hipotermia leve e teve a canulação arterial feita na aorta ascendente e a venosa no átrio direito. A parada cardíaca foi induzida por cardioplegia sanguínea ou cristaloide, utilizando sempre a via anterógrada. Pacientes operados sem CEC precisaram do dispositivo Octopus (Medtronic).

Análise estatística

Para plausibilidade do estudo foi avaliada inicialmente a aplicabilidade dos escores (2000BP e EU) nos grupos com e sem CEC da amostra estudada, mediante testes de calibração e discriminação. A correlação entre ambos os escores nos grupos com e sem CEC foi analisada mediante o teste de Spearman e a presença de outliers através do box plot. A partir da relação diretamente proporcional entre o valor do escore e a presença de óbito intra-hospitalar (P < 0,001) e ao existir maior número de cirurgias com CEC no grupo dos óbitos (P < 0,05) foi construído um modelo de regressão logística com duas variáveis (valor do escore + presença/ausência da CEC) para cada escore de risco. A finalidade do estudo foi analisar se para o mesmo valor do escore (valor global representado pela soma dos pesos atribuídos a cada variável) a presença da CEC influenciaria na probabilidade estimada de óbito.

Para melhor acurácia prognóstica foram obtidos pontos de corte por meio da curva Receiver operating characteristic (ROC). A análise estatística foi realizada com o uso do software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 16.0 para Windows (IBM Corporation Armonk, New York). Variáveis contínuas de distribuição anormal foram descritas como a mediana. O desvio padrão e as variáveis categóricas foram descritas pelo número absoluto e a percentagem. A comparação das variáveis categóricas foi realizada pelo teste qui-quadrado. O valor de P<0,05 foi considerado significativo.

Ética e termo de consentimento

Este trabalho foi aprovado pela Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa (CAPPesq) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo com o número 1575, sendo isentada a necessidade do termo de consentimento livre e esclarecido pelo tipo de desenho aplicado.

 

RESULTADOS

A média das idades foi de 63 ± 10 anos, sendo 27% dos pacientes do sexo feminino. A mortalidade geral foi de 5%. Na Figura 1, de forma elucidativa e não comparativa, é mostrada a prevalência das variáveis nos grupos com e sem CEC. A CRM com CEC foi realizada em 1,122 (72,3%) pacientes e a CRM sem CEC em 429 pacientes, com uma mortalidade de 5,7% e 3,2%, respectivamente. Na calibração dos modelos no grupo com CEC, o teste de Hosmer-Lemeshow apresentou um P=0,864 (χ 2=3,926, df=8) para o 2000BP e um P=0,442 (χ2=5,836, df=6) para o EU. Na calibração dos modelos no grupo sem CEC, o teste de Hosmer-Lemeshow apresentou um P=0,199 (χ2=11,046, df=8) para o 2000BP e um P=0,728 (χ2=3,623, df=6) para o EU. Na discriminação (Figura 2), a área abaixo da curva ROC para o grupo com CEC foi de 0,799 [IC 95% (0,741 - 0,856), P<0,001] para o 2000BP e de 0,775 [IC 95% (0,711-0,838), P<0,001] para o EU. A área abaixo da curva ROC para o grupo sem CEC foi de 0,807 [IC 95% (0,677-0,936), P<0,001] para o 2000BP e de 0,845 [IC 95% (0,743-0,947), P<0,001] para o EU. Portanto, a aplicabilidade dos modelos na amostra geral e por grupos foi adequada. A partir dessa análise foram confeccionadas as curvas da mortalidade observada para os grupos com e sem CEC e sua relação com a mortalidade esperada pelo EU e o 2000BP (Figura 3).

 

 

 

 

 

 

A correlação de Spearman entre o 2000BP e o EU foi boa em ambos os grupos, demonstrando um coeficiente de 0,657 (P<0,001) no grupo com CEC e 0,620 (P<0,001) no grupo sem CEC. No entanto, a presença de outliers foi evidenciada no grupo com e sem CEC quando valores estimados por ambos os escores de risco foram muito altos (Figura 4).

 

 

Na Tabela 1, ficou demonstrada a associação da CEC com óbito intra-hospitalar (P<0,05) e a relação diretamente proporcional entre o valor do escore e a presença de óbito (P<0,0001). Para o estudo do 2000BP e da presença de CEC como preditores de mortalidade, foi ajustado o modelo de regressão logística apresentado na Tabela 2. Nessa tabela, observa-se que, para um mesmo valor do 2000BP, os pacientes operados com CEC apresentam chance de óbito duas vezes maior do que os sem CEC [IC 95% (1,1 - 3,8), P<0,02] e a cada unidade de acréscimo do escore os pacientes têm aumento da chance de óbito de 1,1 [IC 95% (1,09 - 1,14), P<0,0001].

 

 

 

 

Para o estudo do EU e da presença de CEC como preditores de mortalidade, foi ajustado o modelo de regressão logística apresentado na Tabela 3. Nessa tabela, observamos que, para um mesmo valor do EU, os pacientes operados com CEC apresentam chance de óbito duas vezes maior do que os sem CEC [IC 95% (1,1 - 3,8), P<0,03] e a cada unidade de acréscimo do escore os pacientes têm aumento da chance de óbito de 1,4 vezes [IC 95% (1,3 - 1,4), P<0,0001].

 

 

Assim, por meio desses modelos logísticos, confeccionados utilizando o 2000BP (Figura 5) e o EU (Figura 6), pode-se calcular a probabilidade de óbito para um valor de escore em geral, e para cada uma das situações com e sem CEC.

 

 

 

 

Na procura pela melhor acurácia prognóstica do 2000BP e EU foram obtidos os pontos de corte (ponto de equilíbrio entre a sensibilidade e a especificidade) através da curva ROC. Assim, no 2000BP, o valor onde temos 73% de sensibilidade e também de especificidade é 17,75 e, no EU, o valor onde temos 71% de sensibilidade e 69% de especificidade é 4,5. Para ambos os modelos, o calculo do poder da amostra em função das proporções foi > 90% (α = 0,05). A partir disso, temos que, com o 2000BP, a chance de óbito dos pacientes operados com CEC em relação aos sem CEC aumenta de 1,9 para 7,4 vezes quando o valor do 2000BP ficar acima de 17,75 [OR 7,4, IC 95% (4,40 - 12,31), P < 0,0001]. Assim mesmo, com o EU, a chance de óbito dos pacientes operados com CEC em relação aos sem CEC aumenta de 1,8 para 5,4 vezes quando o valor do EU ficar acima de 4,5 [OR 5,4, IC 95% (3,3 - 9), P < 0,0001].

 

DISCUSSÃO

Vários estudos [2,3] confirmam que diminuição significativa da resposta inflamatória levaria a redução da disfunção orgânica nas CRM sem CEC.

O resultado de estudos observacionais baseados em banco de dados bem estruturados (mundo real) não supraestima a magnitude dos efeitos do tratamento quando comparado com estudos randomizados no mesmo cenário clínico [17,18]. Na CRM, análises retrospectivas em grandes populações descrevem redução significativa da morbimortalidade, principalmente intra-hospitalar, quando realizada sem CEC [6,7]. Nessa vertente, um estudo multicêntrico dos quatro maiores centros dos Estados Unidos apresentou benefício no pós-operatório imediato com a CRM sem CEC, especialmente nos pacientes considerados de alto risco [12]. Além disso, a utilização da CEC foi preditor independente de mortalidade nos centros com significativa experiência em CRM sem CEC. Assim como neste estudo, sem o artifício da randomização, foi encontrada maior chance de óbito quando os pacientes foram operados com CEC em comparação aos operados sem CEC, principalmente nos considerados de alto risco pelos escores utilizados. Da mesma forma, um estudo ímpar da autoria de Buffolo et al. [19], revelando a experiência de 30 anos da CRM sem CEC, demonstrou redução significativa nos desfechos de mortalidade hospitalar, acidente cerebrovascular, complicações pós-operatórias graves, tempo de hospitalização e diminuição de custos. Assim mesmo, foi descrita maior diferença na morbimortalidade entre pacientes de alto risco quando operados com ou sem CEC. Isto corrobora nossa análise, onde à medida que os valores dos escores aumentam (piora do perfil de risco do paciente), aumenta também o risco de óbito entre pacientes operados com ou sem CEC (Figuras 5 e 6).

Uma demonstração que essa técnica é reproduzível foi publicada por Lima et al. [20], em que 95% dos pacientes submetidos à CRM foram operados sem CEC. Assim sendo, fica revelado que praticamente todos os pacientes com indicação para CRM são potenciais candidatos para CRM sem CEC. No estudo, os autores manifestam que pacientes de baixo risco e pacientes sem comorbidades também se beneficiam da CRM sem CEC, o que foi confirmado na nossa análise, embora em menor escala (Figura 5 e 6).

No cenário internacional, trabalhos randomizados recentes que encontraram diferença a favor da CRM sem CEC no que diz respeito à morbimortalidade intra-hospitalar também não apresentaram significância estatística [21,22]. Infelizmente, os estudos randomizados são constituídos de pacientes estáveis e de baixo risco, não refletindo a realidade do perfil atual dos pacientes encaminhados para CRM. Nesse sentido, o último trabalho de maior impacto foi o publicado por Lamy et al. [23], em que 4752 pacientes de 79 centros em 19 países foram randomizados. Nos resultados, não houve diferença significativa, até 30 dias, entre CRM com e sem CEC, em relação a morte, infarto do miocárdio, acidente cerebrovascular e disfunção renal requerendo de diálise. Entretanto, a CRM sem CEC resultou em diminuição das taxas de transfusão, reoperação por sangramento, complicações respiratórias e falha renal aguda, embora aumento o risco de revascularização precoce. Em nível nacional, um trabalho randomizado e multicêntrico publicado por Gerola et al. [24], há quase uma década, já não tinha encontrado diferença significativa, até 30 dias, entre CRM com e sem CEC na morbimortalidade em pacientes de baixo risco.

Como podemos ver, nesses estudos não foram considerados pacientes de alto risco e com comorbidades significativas, ao contrário dos pacientes incluídos na nossa amostra (mundo real).

Recentemente, em estudo não-randomizado, Cantero et al. [25] publicaram uma mortalidade hospitalar de 4,3% e 4,7%, respectivamente, no grupo sem CEC e com CEC (P = 0,92). No entanto, os pacientes operados sem CEC apresentaram menor índice de complicações em relação ao infarto perioperatório (P=0,02) e ao uso de balão intra-aórtico (P= 0,01).

Por outro lado, os escores de risco são instrumentos de predição que podem ajudar pacientes e profissionais da saúde na tomada de decisões ao informar sobre o provável risco de complicações ou óbito. Nessa definição, dois dos procedimentos mais realizados no mundo pela cardiologia intervencionista são influenciados por escores de risco. O escore Syntax foi desenvolvido a partir de banco de dados para analisar a melhor forma de revascularização (CRM ou intervenção percutânea), baseando-se nas características angiográficas [26]. Por outro lado, o escore Wilkins foi criado para orientar os casos de estenose mitral que seriam mais bem tratados com cirurgia convencional em comparação à valvoplastia por balão [27].

Portanto, no InCor-HCFMUSP, após realizada a validação estatística dos modelos 2000BP e EU [28], mesmo em pacientes com infarto agudo do miocárdio [29], foi de interesse clínico e prático conhecer o valor do escore (ponto de corte) que teria melhor acurácia prognóstica para definir quais pacientes se beneficiariam mais da CRM sem CEC daqueles que poderiam ser tratados com segurança utilizando CEC.

Para isso, teve que ser confirmado o bom desempenho dos escores de risco, tanto para pacientes com e sem CEC (Figura 2), e demonstrada boa correlação entre ambos os modelos para cada paciente da amostra. No entanto, como é esperado para amostras no mundo real, são descritos outliers para os escores 2000BP e EU em nosso estudo, confirmando uma verdade sobre a estabilidade dos escores de risco: a perda de calibração na avaliação de pacientes de alto risco (Figura 4).

É importante ressaltar que, mesmo sendo subjetiva a escolha atual da CEC na CRM, ela fica respaldada nos pacientes com fração de ejeção baixa e deve ser evitada nos casos com disfunção renal grave. Esses dados que estão em consonância com o observado em nosso estudo (Figura 1).

Com certeza, essa análise é uma prova mais objetiva e prática, desde o olhar dos escores de risco, que justifica a preferência pela não utilização da CEC na CRM em pacientes considerados de alto risco pelos escores 2000BP e EU.

As limitações do estudo foram: 1. é um estudo realizado em um único centro, onde houve falta de distribuição aleatória entre ambos os grupos; 2. embora a mortalidade hospitalar (até 30 dias após cirurgia) pareça ser mais completa que a mortalidade intra-hospitalar (até a alta hospitalar), as definições atuais sugerem que ambas têm acurácia equivalente, sendo a mortalidade intra-hospitalar mais prática e fácil de usar [30].

Em resumo, ensaios clínicos randomizados não encontraram, em curto prazo, reduções estatisticamente significativas da morbidade e mortalidade demonstrada nos estudos observacionais. Essas discrepâncias podem ser decorrentes de diferenças na seleção de paciente e na metodologia do estudo. Estudos futuros devem concentrar-se em melhorar a metodologia da pesquisa, o recrutamento de pacientes de alto risco e a coleta de dados em longo prazo.

Finalmente, é importante reiterar que o tratamento médico atual deve estar integrado na experiência clínica individual e a melhor evidência externa disponível, portanto, os escores de risco não podem continuar sendo negligenciados [31].

 

CONCLUSÃO

Os escores 2000BP e EU demonstraram bom desempenho na avaliação de pacientes submetidos à CRM com e sem CEC. No mundo real, pacientes com 2000BP >17,75 e EU > 4,5 apresentam, respectivamente, 7,4 e 5,4 vezes maior chance de óbito quando operados com CEC em relação a sem CEC.

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Article receive on terça-feira, 3 de julho de 2012

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