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EDITORIAL

A medicina baseada em evidências e a coronariopatia

Eduardo Augusto Victor Rocha

DOI: 10.5935/1678-9741.20120090

ABREVIAÇÕES E ACRÔNIMOS

CABG: Cirurgia de revascularização miocárdica, do inglês coronary artery bypass graft

COURAGE: Clinical Outcomes Utilizing Revascularization and Aggressive Drug Evaluation

FREEDOM: Future REvascularization Evaluation in patients with Diabetes mellitus: Optimal Management of multivessel disease

IAM: Infarto agudo do miocárdio

PCI: Intervenção coronária percutânea, do inglês percutaneous coronary intervention

SUS: Sistema Único de Saúde

SYNTAX: SYNergy between percutaneous coronary intervention with TAXus and cardiac surgery

No mês de novembro, tivemos dois trabalhos importantes apresentados que irão mudar o rumo do tratamento da doença coronariana. A apresentação do quinto ano de seguimento do estudo SYNTAX [1] e os resultados do FREEDOM [2] demonstraram a inequívoca vantagem nos resultados da cirurgia de revascularização miocárdica (CABG) sobre a intervenção coronária percutânea (PCI) com stents eluídos com drogas, em doentes diabéticos trivasculares ou com lesão de tronco de coronária esquerda.

No seu quinto ano, o SYNTAX mostra que a mortalidade por causa cardíaca foi 9% para PCI e 5,3% para CABG, infarto agudo do miocárdio (IAM) em 5 anos: 3,8% para CABG e 9,7% para PCI. A necessidade de nova revascularização foi de 25,9% para PCI e 13,7% para CABG.

O FREEDOM, estudo patrocinado pela indústria fabricante de stents, demonstra também uma vantagem clara dos resultados da CABG em relação à PCI. A mortalidade por qualquer causa em 5 anos foi de 18,7% na CABG e 26,6% na PCI (P= 0,005), IAM 6% para CABG e 13,9% para PCI (P<0,001). Contudo, doentes submetidos a CABG tiveram mais acidentes vasculares cerebrais (5,2% contra 2,4%).

A medicina baseada em evidências vai mudar a realidade, com diversas implicações médicas e financeiras. Os planos de saúde e o SUS vão limitar as indicações de procedimentos inapropriados, para a própria sobrevivência. Nós, médicos, temos que indicar bem os procedimentos, evitando gastos desnecessários para as fontes pagadoras, para podermos conseguir remuneração adequada.

A PCI parecia uma solução moderna e adequada para a insuficiência coronariana. Em 2007, o estudo COURAGE começou a mudar essa impressão, demosntrando que o tratamento clínico é a melhor que a PCI para tratamento da angina estável [3]. Contudo, apesar de sempre ouvirmos que as próteses iriam se desenvolver, e delas estarem sempre em desenvolvimento, vemos os resultados do FREEDOM e do SYNTAX, e, ficamos descrentes. Algumas multinacionais estão desestimulando a sua produção ou encerrando a linha de stents e devices, por receio de processos ou por preverem uma queda na lucratividade desse mercado.

Nos Estados Unidos, alguns médicos estão sendo processados e presos por indicação inadequada de procedimentos terapêuticos. Além disso, questões éticas devem ser levantadas. Nenhum procedimento é isento de risco, se não houver indicação precisa, certamente certos pacientes perecerão ou sofrerão complicações graves, algo inaceitável.

Temos observado discursos totalmente infundados usados no nosso dia-a-dia que têm influenciado na indicação de procedimentos, tal como lesão culpada. Não é fácil compreender o que é uma lesão culpada, sabemos que existem doentes com lesões graves em uma, duas ou três grandes artérias coronárias. A apresentação clínica, as características e a anatomia, além da gravidade das lesões coronarianas, são os fatores que determinam a indicação dos procedimentos de revascularização.

Um artigo muito interessante foi publicado esse ano, sobre o mundo real nos Estados Unidos no tratamento das coronariopatias. O estudo demonstra que 91% dos pacientes submetidos a PCI apresentavam lesões de um ou dois vasos, sem envolvimento proximal da artéria descendente anterior, ou encontravam-se em tratamento clínico considerado insuficiente [4].

Um princípio deve existir antes mesmo da angiografia: a decisão sobre o tratamento deve ser colegiada, com um cardiologista clínico, um intervencionista e um cirurgião [5]. Essa decisão, dividida entre diversos atores do tratamento da coronariopatia, previne os conflitos de interesse e pode prover o melhor tratamento para a população.

A estruturação dos serviços de Cardiologia e Cirurgia Cardiovascular, com hospitais bem equipados e com treinamento adequado dos cirurgiões, intensivistas, cardiologistas e enfermagem, é fundamental. Precisamos conhecer nossos resultados e avaliar os mesmos usando critérios de risco internacionais, oferecendo serviços de excelência para nossos pacientes.

Não podemos mais aceitar impressões, pressões da indústria ou retórica como argumentos para a indicação de qualquer tratamento médico. Não há outro caminho a não ser a medicina baseada em evidências, com seu melhor argumento, a verdade científica.

REFERÊNCIAS

1. Mohr F, Redwood S, Venn G, Colombo A, Mack M, Kappetein P, et al. Final five-year follow-up of the syntax trial: optimal revascularization strategy in patients with three-vessel disease. J Am Coll Cardiol. 2012;60(17S). Doi:10.1016/j.jacc.2012.08.052 [MedLine]

2. Farkouh ME, Domanski M, Sleep LA, Siami FS, Dangas G, Mack M, et al. Strategies for multivessel revascularization in patients with diabetes. N Engl J Med. 2012. DOI:10.1056/NEJMoa1211585. [MedLine]

3. Boden WE, O'Rourke RA, Teo KK, Hartigan PM, Maron DJ, Kostuk WJ, et al Optimal medical therapy with or without PCI for stable coronary disease. N Engl J Med. 2007;356(15):1503-16. [MedLine]

4. Hannan EL, Cozzens K, Samadashvili Z, Walford G, Jacobs AK, Holmes DR Jr, Stamato NJ, et al. Appropriateness of coronary revascularization for patients without acute coronary syndromes. J Am Coll Cardiol. 2012;59(21):1870-6. [MedLine]

5. Hlatky MA. Compelling evidence for coronary-bypass surgery in patients with diabetes. N Engl J Med. 2012. DOI: 10.1056/NEJMe1212278 [MedLine]

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