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ARTIGO ORIGINAL

Experiência inicial com a técnica de Pomerantzeff para redução do tamanho do átrio esquerdo gigante

Jocerlano Santos de SousaI; Pablo Maria Alberto PomerantzeffII; Carlos Manuel de Almeida BrandãoIII; Lisandro Azeredo GonçalvesIV; Marcos Gradim TiveronV; Marcelo Luiz Campos VieiraVI; Flavio TarasoutchiVII; Noedir Antônio Groppo StolfVIII

DOI: 10.5935/1678-9741.20120046

ABREVIAÇÕES E ACRÔNIMOS

AE: Átrio esquerdo

AEG: Átrio esquerdo gigante

CEC: Circulação extracorpórea

Disf. ImpPBio Ao: Disfunção importante de prótese biológica aórtica

FA: Fibrilação atrial

FEVE: Fração de ejeção do ventrículo esquerdo

Insuf.: Insuficiência

Ressett do AE: Ressecção triangular tangencial do átrio esquerdo

ReTVAo: Retroca de valva aórtica

RetVMi: Retroca de valva mitral

Rot. PBioMi: Rotura de prótese biológica mitral

INTRODUÇÃO

Átrio esquerdo gigante (AEG) é definido pela maioria dos autores pelo diâmetro dessa cavidade acima de 6,5 c, apesar de ainda não existir um consenso, com alguns considerando um diâmetro que varia de 6 a 10 cm [1]. Para Kawazoe et al. [2], a definição dessa patologia é dependente de dois achados ecocardiográficos: 1) átrio esquerdo (AE) maior que 65 mm e 2) sinal de compressão da parede pósterobasal do ventrículo esquerdo entre a cavidade atrial esquerda aumentada e a cavidade ventricular esquerda.

O aumento do volume atrial associado à consequente possível compressão de brônquios, pulmões ou ventrículo esquerdo leva a uma disfunção cardiopulmonar importante, aumentando o risco de morte súbita, justificando a necessidade de melhor avaliação e intervenção cirúrgica [1].

De acordo com a literatura, a mais comum indicação cirúrgica em casos de AEG é aquela associada à insuficiência da valva mitral, com ou sem fibrilação atrial (FA). Diversas técnicas para esse fim já estão descritas, como a plicatura do AE, variando a técnica de acordo com a parede atrial abordada, o autotransplante parcial do coração, a ressecção em espiral e a associação com o procedimento de Maze para qualquer técnica com o intuito de tratar a FA.

Neste trabalho, apresentamos a experiência inicial com a ressecção triangular tangencial descrita por Pomerantzeff e colaboradores.

 

MÉTODOS

Entre os anos de 2002 e 2010, quatro pacientes foram submetidos a operação da valva mitral em associação com redução do volume do AE pela técnica da ressecção triangular tangencial no Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Três pacientes eram do sexo feminino e um do sexo masculino. A idade variou de 21 a 51 anos, com média de 37,25 anos. Em uma paciente a etiologia era congênita com insuficiência das valvas mitral e tricúspide e com AEG. Nos outros três, a etiologia da doença mitral era reumática, sendo que um caso foi reoperação para troca de prótese mitral biológica e outro caso para segunda reoperação para trocas de próteses aórtica e mitral.

Em um paciente, realizou-se plástica da valva mitral (anuloplastia posterior) e, nos outros três, trocou-se a valva mitral por prótese biológica. Os quatro pacientes encontravam-se em ritmo de FA, em uso de anticoagulante oral. A fração de ejeção do ventrículo esquerdo no préoperatório variava de 38 a 62%. O diâmetro do AE variou de 78 a 140 mm, medidos por ecocardiografia transtorácica (Tabela 1). Em todas as pacientes, o acesso ao AE se deu pela abordagem convencional, porém em uma o crescimento atrial anormal tornou o acesso mais difícil, ocasião em que o AE tomava grande parte da cavidade, deslocando todas as outras estruturas.

 

 

Todos os pacientes foram submetidos a cirurgia com circulação extracorpórea (CEC) e hipotermia moderada (28º C). A CEC foi realizada convencionalmente com canulação da aorta e veias cavas superior e inferior. A proteção miocárdica foi obtida com solução cardioplégica sanguínea hipotérmica. O AE foi aberto por atriotomia convencional (Figura 1). Seguiu-se com exploração da valva mitral (Figura 2) e tratamento da disfunção da mesma (plástica ou troca). Em seguida, o AE foi reduzido por meio de ressecção triangular tangencial da sua parede posterior, entre as veias pulmonares, para evitar distorções anatômicas do anel mitral ou veias pulmonares e, assim, reduzir a tensão na linha de sutura (Figuras 3 a 6).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A Figura 7 ilustra esquemática a técnica de reconstrução.

 

 

As bordas do AE foram suturadas com reforço de pericárdio bovino em duas pacientes, em decorrência da friabilidade dos tecidos. Em uma paciente, fez-se plástica da valva tricúspide através de bicuspidização por atriotomia direita padrão. Os pacientes tiveram diferentes períodos de seguimento, variando de 30 dias a 8 anos de pós-operatório, nos quais todos os pacientes foram submetidos a ecocardiografia transesofágica intraoperatória e ecocardiografia transtorácica antes da alta hospitalar e em retornos ambulatoriais.

 

RESULTADOS

O tempo médio de internação hospitalar foi de 21,5 ± 6,5 dias. O tempo de CEC médio foi de 130 ± 30 minutos. Não houve mortalidade no período de pós-operatório. Nenhum caso de sangramento pós-operatório que necessitasse de reabordagem cirúrgica. Todos os pacientes operados tiveram o ritmo sinusal restabelecido já na saída de CEC, mantendo esse ritmo no pós-operatório no período de acompanhamento. O diâmetro médio do AE foi reduzido em 50,5 ± 19,5% após a cirurgia. A fração de ejeção do ventrículo esquerdo melhorou consideravelmente em todas as pacientes. A paciente que tem 8 anos de seguimento mantém uma fração de ejeção de 62%, sendo a pré-operatória de 40%. Não se encontrou trombo em AE ao ecocardiograma transtorácico no período de seguimento. A área cardíaca avaliada pela radiografia de tórax teve redução significativa na avaliação pós-operatória.

Todas as pacientes tiveram melhora da classe funcional da New York Heart Association. A anatomia patológica das peças cirúrgicas demonstrou parede atrial com substituição fibrosa do miocárdio, hipertrofia difusa e miocitólise focal dos cardiomiócitos, além de espessamento fibromuscular do endocárdio em todos os casos operados.

 

DISCUSSÃO

A primeira descrição de AEG foi feita em 1849 [3] e, em 1967, foi reportado o primeiro manejo com sucesso do AEG em paciente sintomático.

A exata etiologia do AEG permanece desconhecida, apesar da forte associação com doença reumática crônica da valva mitral, com consequente aumento da pressão intracavitária e maior pressão e dilatação da câmara, além de insuficiência ventricular esquerda, FA crônica e shunts esquerda-direita (persistência do canal arterial, comunicação interventricular, etc.) [1]. Há ainda relatos de AEG isolado, aonde o enfraquecimento inerente da parede atrial pode ser responsável pela alteração.

De acordo com Di Eusanio et al. [4], 19% dos pacientes submetidos a cirurgia da valva mitral têm AEG, demonstrando o quão frequente é essa anormalidade, devendo-se, portanto, além de correção da disfunção valvar, reduzir o tamanho do AE. Geralmente esses pacientes têm uma longa história de doença da valva mitral, FA, palpitações, dor torácica, dispneia, rouquidão pela compressão do nervo laríngeo (Síndrome de Ortner) ou outras complicações respiratórias e/ou hemodinâmicas. Vários trabalhos descrevem a correlação entre o diâmetro atrial e o volume atrial, provando que a estase sanguínea na cavidade leva à formação de trombos ocasionando fenômenos tromboembólicos [5].

Os principais órgãos afetados pelo aumento do AE são brônquios e lobos pulmonares, causando disfunção respiratória, e esôfago, levando a disfagia, ou ainda pode comprimir aorta torácica descendente, cursando de forma assintomática.

A probabilidade de aparecimento de trombo intracavitário em pacientes com AEG associado a FA submetidos a cirurgia da valva mitral é aumentada [6].

A ideia de que a cirurgia da valva mitral isolada resultará no remodelamento e redução do tamanho atrial é considerada errônea pela maioria dos trabalhos. O tamanho do AE é fator preditor independente para tromboembolismo [7] e para morbidade e mortalidade [8].

As principais indicações para cirurgia do AEG são naqueles pacientes com indicação de cirurgia da valva mitral, em casos de compressão intra ou extracardíaca, presença de trombos ou fenômenos tromboembólicos e em associação com cirurgia de Maze. É descrito que pacientes que são submetidos a radiofrequência associada à cirurgia de redução do AE têm mais taxas de sucesso quanto à reversão do ritmo cardíaco para sinusal quando comparados aos pacientes que são tratados apenas com radiofrequência [1].

A plicatura da parede posterior do AE ou para-anular, o autotransplante parcial do coração [9], a ressecção em espiral da parede atrial [10] e a associação com o procedimento de Maze para qualquer técnica com o intuito de tratar a FA são os procedimentos mais realizados no tratamento atual do AEG. A redução insatisfatória do tamanho do AEG, o grande tempo de CEC, o insucesso do tratamento cirúrgico da FA ou sangramento pós-operatório são possibilidades recorrentes nesses procedimentos. A mortalidade geral em cirurgia do AEG associado à correção da valva mitral varia de 8% a 23% [1].

De acordo com Kosakai [11], em pacientes com diagnóstico de AEG e FA submetidos a cirurgia da valva mitral associada com procedimento de Cox-Maze III, o ritmo sinusal não foi restabelecido em pacientes com diâmetro do AE acima de 8,7 cm, enquanto que os pacientes com diâmetro de AE menor que 4,5 cm tiveram 100% de reversão da FA.

Até o momento, não existe uma técnica operatória padrão para reduzir o AE. Os princípios da aneurismectomia do AE são a ressecção e reconstrução da cavidade sem distorção da anatomia da valva mitral e das veias pulmonares [12].

Em todos os casos operados do presente trabalho, realizou-se a ressecção triangular tangencial da parede atrial esquerda posterior, seguindo os princípios de manutenção da anatomia da cavidade atrial, obtendo-se excelentes taxas de redução da cavidade. Esternotomia mediana é o acesso de escolha para redução do AE, especialmente em casos de grande aneurisma, entretanto, toracotomia lateral ou técnicas minimamente invasivas são descritas na literatura [13], bem como uso de grampos cirúrgicos, sem CEC, em casos de AEG isolados, sem trombos intracavitários [12].

O reforço da sutura com pericárdio bovino é sugerido em casos de tecido atrial friável ou com inflamação crônica [14].

REFERÊNCIAS

1. Apostolakis E, Shuhaiber JH. The surgical management of giant left atrium. Eur J Cardiothorac Surg. 2008;33(2):182-90. [MedLine]

2. Kawazoe K, Beppu S, Takahara Y, Nakajima N, Tanaka K, Ichihashi K, et al. Surgical treatment of giant left atrium combined with mitral valvular disease. Plication procedure for reduction of compression to the left ventricle, bronchus, and pulmonary parenchyma. J Thorac Cardiovasc Surg. 1983;85(6):885-92. [MedLine]

3. Hewett P. Aneurysmal dilatation of left auricle with thickening and contraction of left auriculoventricular opening. Trans Pathol Soc London. 1849/1850;2-193.

4. Di Eusanio G, Gregorini R, Mazzola A, Clementi G, Procaccini B, Cavarra F, et al. Giant left atrium and mitral valve replacement: risk factor analysis. Eur J Cardiothorac Surg. 1988;2(3):151-9. [MedLine]

5. Matsuda H, Nakao M, Nohara H, Higami T, Mukohara N, Asada T, et al. The causes of prolonged postoperative respiratory care in mitral valve disease with a giant left atrium. Kyobu Geka. 1990;43(3):172-7.

6. Erdogan HB, Ipek G, Kirali K, Ömeroglu SN, Güler M, Isik Ö, et al. Volume reduction procedures in giant left atrium. Asian Cardiovasc Thorac Ann. 2001;9:171-5.

7. Itoh T, Okamoto H, Nimi T, Morita S, Sawazaki M, Ogawa Y, et al. Left atrial function after Cox's maze operation concomitant with mitral valve operation. Ann Thorac Surg. 1995:60(2):354-9.

8. Reed D, Abbott RD, Smucker ML, Kaul S. Prediction of outcome after mitral valve replacement in patients with symptomatic chronic mitral regurgitation. The importance of left atrial size. Circulation. 1991;84(1):23-34. [MedLine]

9. Lessana A, Scorsin M, Scheublé C, Raffoul R, Rescigno G. Effective reduction of a giant left atrium by partial autotransplantation. Ann Thorac Surg. 1999;67(4):1164-5. [MedLine]

10. Sugiki H, Murashita T, Yasuda K, Doi H. Novel technique for volume reduction of giant left atrium: simple and effective "spiral resection" method. Ann Thorac Surg. 2006;81(1):378-80. [MedLine]

11. Kosakai Y. Treatment of atrial fibrillation using the Maze procedure: the Japanese experience. Semin Thorac Cardiovasc Surg. 2000;12(1):44-52. [MedLine]

12. Pomerantzeff PM, Brandão CM, Guedes MA, Stolf NA. Tangential triangular resection: an option to treat the giant left atrium. Innovations (Phila). 2010;5(2):125-7. [MedLine]

13. Kiaii B, Doll N, Kuehl M, Mohr FW. Minimal invasive endoscopic resection of a giant left atrial appendage aneurysm. Ann Thorac Surg. 2004;77(4):1437-8. [MedLine]

14. Kalangos A, Ouaknine R, Hulin S, Cohen L, Lecompte Y. Pericardial reinforcement after partial atrial resection in idiopathic enlargement of the right atrium. Ann Thorac Surg. 2001;71(2):737-8. [MedLine]

Article receive on terça-feira, 25 de outubro de 2011

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