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ARTIGO ORIGINAL

Uso do balão intra-aórtico no trans e pós-operatório de cirurgia cardíaca: análise de 80 casos consecutivos

Fernando Pivatto JúniorI; Ana Paula TagliariI; Anderlise Bard LuvizettoII; Edemar Manuel Costa PereiraIII; Erci Maria Onzi SiliprandiIV; Ivo Abrahão NesrallaV; Rodrigo Pires dos SantosVI; Renato Abdala Karam KalilVII

DOI: 10.5935/1678-9741.20120041

ABREVIAÇÕES E ACRÔNIMOS

BIAo: Balão intra-aórtico

CCS: Canadian Cardiovascular Society

CEC: Circulação extracorpórea

CRM: Cirurgias de revascularização miocárdica

FEVE: Fração de ejeção do ventrículo esquerdo

IABP: Intra-aortic balloon pump

IAM: Infarto agudo do miocárdio

IC: Insuficiência cardíaca

IC/FUC: Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul/Fundação Universitária de Cardiologia

IRA: Insuficiência renal aguda

NYHA: New York Heart Association

PCR: Parada cardiorrespiratória

TCE: Tronco da coronária esquerda

VAD: Dispositivo de assistência ventricular

VE: Ventrículo esquerdo

INTRODUÇÃO

Os resultados dos procedimentos cirúrgicos cardíacos continuam a melhorar apesar do número cada vez maior de pacientes mais idosos e mais doentes. Muitos óbitos estão ligados às complicações relacionadas ao baixo débito cardíaco durante o período perioperatório [1].

A síndrome de baixo débito cardíaco no perioperatório de cirurgia cardíaca é definida como a necessidade de suporte inotrópico por mais de 30 minutos na Unidade de Terapia Intensiva ou de balão intra-aórtico (BIAo) no pósoperatório, sendo associada com aumento significativo da morbidade e mortalidade [2]. Essa síndrome pós-cirurgia cardíaca pode incidir em cerca de 10 a 15% dos pacientes; desse total, 2% necessitam de suporte mecânico para adequado controle hemodinâmico. Dentre as principais causas, destacam-se hipovolemia, tamponamento cardíaco, disfunção ventricular direita, falência ventricular esquerda consequente à má proteção miocárdica e/ou infarto do miocárdio perioperatório. A mortalidade hospitalar de pacientes com síndrome de baixo débito é elevada, sendo a causa mais comum a falência ventricular esquerda secundária ao infarto agudo do miocárdio [3].

A utilização de suporte mecânico no choque cardiogênico teve seu início nos modelos de cirurgia com coração aberto, nos quais ocorriam insucessos de retirada da circulação extracorpórea coração-pulmão, nos anos de 1950-1960. O desenvolvimento do mecanismo de contrapulsação aórtica tem seus primeiros registros nos primeiros anos da década de 1950, porém, o maior relato de sucesso ocorreu no ano de 1969, com publicação de Kantrowitz et al. [4], sendo ainda de uso ligado diretamente ao tratamento cirúrgico, pois seu modo de implante também se fazia dessa forma, que limitava e dificultava seu uso rotineiro. A partir do ano de 1980, houve grande ganho de conhecimento científico, associado a importnate investimento técnico industrial, com o desenvolvimento do sistema de implante através da punção da artéria femoral com bainha e dilatador [5], e o uso do BIA em vários ambientes hospitalares, associando-se a isso um grande desenvolvimento dos mecanismos de controle, que hoje praticamente se tornaram auto-ajustáveis [6].

O BIAo é, atualmente, o dispositivo de suporte circulatório mais amplamente utilizado em cirurgia cardíaca, por resultar em uma relação oferta/demanda mais favorável ao coração em falência [7]. Somente nos Estados Unidos, mais de 70.000 pacientes anualmente recebem o suporte hemodinâmico desse dispositivo. Aindicação principal do uso em cirurgia cardíaca é o uso perioperatório no tratamento do baixo débito cardíaco refratário ao suporte inotrópico usual [8].

A necessidade crescente do uso do BIAo durante cirurgia cardíaca nos últimos anos tem sido relatada por muitos centros: isso é devido, principalmente, ao fato de que a população de pacientes mudou e agora inclui pacientes mais velhos, com doença multiarterial e com maior grau de disfunção ventricular. Por outro lado, há um limiar mais baixo para o uso desse dispositivo, em decorrência da melhora da tecnologia e da relativa baixa taxa de complicações [8].

Este estudo tem como objetivo principal descrever a mortalidade de pacientes que necessitaram do uso do BIAo no trans ou pós-operatório de cirurgia cardíaca no Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul/FUC (IC/FUC), identificando variáveis pré-operatórias associadas a pior desfecho. Secundariamente, tem como meta descrever as complicações pós-operatórias e a sobrevida em médio prazo dessa população de pacientes.

 

MÉTODOS

Estudo de coorte retrospectivo incluindo todos os pacientes que necessitaram do uso do BIAo no trans ou pós-operatório de cirurgia cardíaca no IC/FUC, no período de janeiro/2009 a setembro/2011, por dificuldade de saída de circulação extracorpórea ou por choque cardiogênico pós-operatório refratário.

A classificação da insuficiência cardíaca (IC) foi realizada de acordo com os critérios estabelecidos pela New York Heart Association (NYHA). A lesão do tronco da coronária esquerda (TCE) foi considerada grave se superior a 50%. A presença de disfunção renal pré-operatória foi definida na presença de creatinina sérica superior a 2 mg/dl. Infarto agudo do miocárdio (IAM) foi considerado recente se ocorrido nos últimos 30 dias. Tabagismo atual foi definido como fumar um ou mais cigarros no último mês. O diagnóstico de isquemia de membros inferiores foi realizado com bases clínicas. O tempo de ventilação mecânica foi considerado prolongado se maior que 48 horas. O tempo de isquemia foi considerado prolongado se maior ou igual a 90 minutos e o de circulação extracorpórea (CEC) se maior ou igual a 120 minutos. Mortalidade hospitalar foi definida como a ocorrência de óbito durante a internação do paciente, independente de sua duração.

O seguimento foi realizado por meio de consulta a prontuários e ao Sistema de Informações sobre Mortalidade da Secretaria de Saúde do Estado do Rio Grande do Sul. Os pacientes cujo acompanhamento foi perdido foram censurados, sendo incluídos na análise de sobrevida até a data do último dia de internação ou da última consulta ambulatorial realizada.

Os dados foram coletados a partir dos prontuários, retrospectivamente, sendo inseridos e analisados no software SPSS 15.0. A análise descritiva para as variáveis qualitativas foi realizada a partir da distribuição de frequência absoluta e relativa, e para as quantitativas, por meio da média e desvio padrão. A fim de avaliar estatisticamente a associação entre duas variáveis qualitativas, foi utilizado o teste do qui-quadrado ou exato de Fisher, quando indicado. Para avaliar a associação entre o risco de mortalidade e as variáveis foi utilizada a regressão de Poisson com ajuste para variâncias robustas, método também utilizado na análise multivariada, na qual foram incluídas todas as variáveis com P < 0,05 na análise univariada. A descrição da sobrevida foi feita pela curva de Kaplan-Meier. O intervalo de confiança de 95% foi calculado quando se julgou adequado, sendo apresentado entre parênteses. O nível de significância adotado em todos os testes foi de 5%.

Este estudo, cadastrado na Unidade de Pesquisa do IC/ FUC sob número 4104/07, foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa local, em 20 de fevereiro de 2008.

 

RESULTADOS

No período estudado, 89 pacientes necessitaram do uso do BIAo, sendo nove (10,1%) no período pré-operatório, 39 (43,8%) no trans-operatório, por dificuldade de desmame da CEC, e 41 (46,1%) no pós-operatório, por choque cardiogênico refratário à terapia inotrópica, sendo esses dois últimos grupos, como já citado, objetivo de análise deste estudo.

A amostra, portanto, foi de 80 pacientes, cerca de 3,3% dos pacientes operados no período. A idade média foi de 62,9 ± 11,3 anos, sendo 40 (50%) com idade maior ou igual a 65 anos. As características pré-operatórias da amostra estão descritas na Tabela 1.

 

 

Durante o período do estudo, 2,1% do total de cirurgias de revascularização miocárdica (CRM) isolada realizadas necessitaram do uso do BIAo no trans ou pós-operatório, constituindo esse o principal procedimento cirúrgico realizado nessa série de casos (37,5%). A Tabela 2 descreve as cirurgias realizadas, assim como a urgência das mesmas e os tempos operatórios, observando-se que 31,2% das cirurgias foram não eletivas e que os tempos cirúrgicos de isquemia e CEC foram prolongados em 35% e 50% dos pacientes, respectivamente, sendo todos os procedimentos realizados com CEC.

 

 

A mortalidade hospitalar observada foi de 53,8% (IC95%: 42,7-64,9). Em análise univariada (Tabela 3), insuficiência cardíaca NYHA III/IV, realização de cirurgia não CRM isolada e tempos cirúrgicos prolongados se mostraram associados a maior mortalidade de maneira estatisticamente significativa. Na análise multivariada (Tabela 4), apenas o tempo de isquemia > 90 min foi preditor independente de mortalidade, apresentando a presença de insuficiência cardíaca NYHA III/IV somente tendência a ser um preditor.

 

 

 

 

Em relação às complicações (Tabela 5), 71,3% (IC95%: 61,2-81,4) dos pacientes apresentaram ao menos uma complicação adicional no período perioperatório. Como complicação diretamente atribuível ao BIAo, a isquemia de membro inferior foi a mais descrita, observada em quatro (5,0%) dos pacientes: desses, dois necessitaram de amputação do membro inferior, sendo que um deles apresentou rabdomiólise associada.

 

 

No seguimento de 1 ano, dos 37 pacientes que receberam alta hospitalar, dois tiveram óbito por complicações de suas doenças de base. Dos 35 pacientes remanescentes, 32 (91,4%) completaram o seguimento de 6 meses e 25 (71,4%) o de 1 ano, sendo os demais censurados (10 pacientes; 12,5% da amostra total). A sobrevida em 6 meses foi de 45% e, em 1 ano, de 43,6%, observando-se um platô na curva de sobrevida após queda acentuada inicial, relacionada à mortalidade hospitalar. A curva de sobrevida de Kaplan-Meier é apresentada na Figura 1.

 

 

DISCUSSÃO

A contrapulsação oferecida pelo BIAo produz efeitos hemodinâmicos que beneficiam o rendimento cardíaco de forma significativa, em decorrência do aumento da oferta de oxigênio ao miocárdio e consequente melhora da perfusão diastólica, bem como pela redução no consumo de oxigênio devido à redução na pós-carga ventricular esquerda [9]. Em razão desses efeitos hemodinâmicos, é de aplicação ideal na disfunção cardíaca pós-cardiotomia, especialmente se hipoperfusão coronariana é suspeitada, devendo sua inserção ser considerada tão logo as evidências indiquem possível disfunção miocárdica, de preferência no intraoperatório, para que se evite a necessidade de suporte inotrópico excessivo [10].

Desde sua introdução na prática clínica, o BIAo se tornou o mais amplamente utilizado meio de suporte circulatório mecânico [11]. Dados de registro internacional descrevem que as indicações mais frequentes de seu uso são suporte hemodinâmico durante ou após cateterismo cardíaco (20,6%), choque cardiogênico (18,8%), desmame de CEC (16,1%), uso pré-operatório em pacientes de alto risco (13,0%) e angina instável refratária (12,3%) [12].

Pacientes que desenvolvem a síndrome do baixo débito possuem significativa maior incidência de infarto do miocárdio perioperatório e maior mortalidade operatória. Assim, o desenvolvimento dessa síndrome representa revascularização ou proteção miocárdica inadequada e pode funcionar como um marcador de injúria cardíaca perioperatória [13]. A distinção entre choque cardiogênico e atordoamento miocárdico pós-operatório transitório, diagnosticado em 45% dos pacientes eletivos, é importante, uma vez que estão associados a diferentes desfechos: os pacientes com apenas atordoamento miocárdico podem, geralmente, ter rapidamente seu suporte inotrópico suspenso [10].

Se uma injúria miocárdica reversível ocorre durante um procedimento cirúrgico cardíaco, a função miocárdica pode melhorar se o trabalho miocárdico for reduzido, sendo esse o objetivo fisiológico dos dispositivos de assistência circulatória [14]. O atordoamento miocárdico é definido como uma disfunção miocárdica pós-isquêmica prolongada, mas transitória, de um miocárdio viável que foi recuperado pela reperfusão: apesar da cardioproteção conferida pela administração de cardioplegia fria durante o pinçamento aórtico, essa disfunção é um sequela bem reconhecida da circulação extracorpórea prolongada [15]. Vários relatos clínicos têm demonstrado função ventricular deprimida nas primeiras horas após a CRM: essa disfunção geralmente se resolve dentro de 24 a 48 horas e não parece ser dependente de alterações na pré-carga, pós-carga ou temperatura [16].

A mortalidade geral de pacientes que necessitam BIAo no intra e pós-operatório varia de 21 a 73%. A inserção nesses períodos, assim como a ocorrência de choque cardiogênico, tem sido identificada como preditor independente de mortalidade [1]. Essas taxas têm-se mantido relativamente estáveis nos últimos 10 anos, apesar de melhora nas técnicas cirúrgicas, na proteção miocárdica e na tecnologia médica, fato que se deve principalmente ao aumento da média de idades dos pacientes operados, da frequência de reoperações e cirurgias de emergência, e da gravidade dos mesmos [17]. As complicações relacionadas ao uso do BIAo são freqüentes, com incidência relatada de 8 a 18%, sendo a mortalidade relacionada diretamente ao dispositivo variando entre 0 e 2,6% [7].

Na única série de casos brasileira publicada, Jucá et al. [17] estudaram 98 casos consecutivos de inserção de BIAo no pós-operatório de cirurgia cardíaca, descrevendo 8% de complicações inerentes ao balão e 40% de outras complicações (broncopneumonia, insuficiência renal, coagulopatias e neurológicas, entre outras). No presente estudo, a taxa de complicações perioperatórias também foi elevada, sendo a principal complicação diretamente relacionada ao BIAo a isquemia de membro inferior, observada em 5% dos pacientes.

Vários estudos prévios focaram em identificar fatores prognósticos de pacientes tratados com o BIAo sem concordância nos determinantes pré-operatórios de sobrevida. Como resultado da variabilidade nas indicações para inserção do BIAo e das diferenças nas populações de pacientes, há grande variabilidade nos resultados relatados [18].

A cirurgia realizada é um dos principais determinantes de sobrevida: a maior sobrevida hospitalar e em longo prazo dos pacientes submetidos à CRM isolada que recebem BIAo, em comparação com pacientes submetidos a outros tipos de procedimentos cirúrgicos cardíacos, foi confirmada por muitos estudos. Em uma grande série de casos, Torchiana et al. [19] demonstraram que a realização de uma cirurgia não CRM foi associada a risco duas vezes maior de mortalidade. Está claro que pacientes com isquemia em curso e choque evoluem melhor do que aqueles com choque e sem isquemia: a maior mortalidade dos pacientes com doença valvular e choque cardiogênico que recebem uma BIAo é um reflexo do fato de que o problema da disfunção ventricular é não reversível ou apenas parcialmente reversível. Pacientes com comprometimento hemodinâmico profundo persistindo após a inserção do BIAo provavelmente irão sobreviver apenas com o uso de um dispositivo de assistência ventricular (VAD) [1].

No presente estudo, mais significativo que a cirurgia realizada foi o tempo do procedimento, sendo cirurgias com tempo de isquemia prolongado associadas a maior mortalidade, talvez relacionado ao atordoamento miocárdico pós-isquemia já citado. A proteção miocárdica em todos os procedimentos realizados nesta série foi realizada com solução cardioplégica cristaloide St Thomas II, em infusões coronarianas a cada 30 minutos, sendo mantida hipotermia tópica com soro fisiológico sob forma de gelo amórfico semi-líquido na cavidade pericárdica durante o período de isquemia miocárdica.

A isquemia de membro inferior é a complicação mais comum do uso BIAo, relatada em 8 a 42% dos casos: essa variação é em grande parte dependente da definição de isquemia e da intensidade de observação do paciente. Vários estudos já examinaram os fatores de risco para as complicações vasculares, destacando-se, entre eles, sexo feminino, doença vascular periférica e diabetes, que têm sido identificados como fatores de risco independentes para complicações vasculares. Alguns outros estudos implicam duração do uso do BIAo, tabagismo e hipertensão como fatores de risco [1].

Em estudo envolvendo 16.909 pacientes, sendo 9.179 submetidos à CRM, Ferguson et al. [12] identificaram a presença de doença vascular periférica, sexo feminino, superfície corporal < 1,65 m2 e idade > 75 anos como fatores de risco para complicações maiores. Nesse estudo, tal definição incluiu isquemia de membros inferiores maior, sangramento grave, vazamento do balão ou morte diretamente atribuível à inserção do balão ou à sua falha.

No presente estudo, a ocorrência de insuficiência renal aguda (IRA) foi a complicação não diretamente relacionada ao BIAo mais frequente, ocorrendo em 35% dos pacientes. Brito et al. [20], analisando fatores relacionados com a ocorrência de IRA no pós-operatório de CRM, observaram que a necessidade de BIAo foi um fator de risco, entretanto não independente.

A identificação de um subgrupo de alto risco para ocorrência de baixo débito cardíaco pode ditar a otimização pré-operatória com o uso de diuréticos, redução da póscarga e/ou suporte com BIAo [2]. Miceli et al. [21] desenvolveram um escore para identificar pacientes de alto risco e predizer a necessidade de inserção do BIAo em pacientes submetidos à CRM. A análise multivariada identificou idade superior a 70 anos, grau de disfunção ventricular, cirurgia cardíaca prévia, cirurgia de emergência, lesão do TCE, angina CCS III/IV e infarto do miocárdio recente como fatores de risco independentes para a necessidade de inserção do BIAo. Estudos semelhantes também existem para cirurgia valvar aórtica [22] e mitral isoladas [2]: esses escores podem auxiliar no planejamento da cirurgia e subsequente manejo pós-operatório.

A definição de choque pós-cardiotomia continua variável, mas geralmente reflete pacientes que têm o desempenho cardíaco inadequado após a cirurgia, apesar de suporte inotrópico e e uso do BIAo [23]. Vários estudos indicam uma correlação entre os parâmetros hemodinâmicos e o nível de suporte farmacológico necessário: quanto mais drogas inotrópicas são necessárias para restaurar a estabilidade hemodinâmica, pior o desfecho [24]. A identificação do grupo de pacientes que estão em maior risco de morte no momento da inserção BIAo pode ajudar a determinar quais pacientes podem se beneficiar de um suporte temporário, além do que é oferecido por esse dispositivo, ou de outras estratégias de manejo [18]: naqueles pacientes com síndrome de baixo débito cardíaco apesar do suporte do BIAo, os dispositivos de assistência ventricular (VAD) têm sido usados para conseguir a recuperação do aparelho circulatório, com sucesso variável e intenções diferentes. Em alguns pacientes, tal dispositivo foi utilizado como ponte para o transplante cardíaco; em outros, como terapia substituta permanente [25].

O "IABP score", descrito por Hausmann et al. [25], demonstrou ser capaz de estimar a sobrevida em 30 dias após 1 hora do implante do BIAo, mostrando que a recuperação rápida do ventrículo esquerdo prediz a sobrevida do paciente, sugerindo que, em indivíduos com pontuação elevada, o implante de um VAD deve ser considerado. Os parâmetros que compõem esse escore são necessidades de adrenalina, diurese sob terapia diurética máxima, saturação venosa mista e pressão atrial esquerda. Outro escore com o mesmo objetivo foi o proposto por Saeed et al. [26], que, após 6 horas do implante do BIAo, tem poder de predizer a sobrevida em 30 dias a partir da pressão arterial média, dose de adrenalina, pressão venosa central e concentração de lactato sérica.

Em geral, o paciente em risco de baixo débito tem longa história de aterosclerose coronária, com infartos de miocárdio prévios resultando em redução da reserva cardíaca, tem uma ou mais revascularizações coronárias e é instável, necessitando de cirurgia de emergência. A revascularização incompleta e ocorrência de infartos perioperatório são comuns; na verdade, estudos prévios evidenciaram que mais de dois terços dos pacientes que morrem após o suporte pós-cardiotomia e que são submetidos a autópsia tinham evidência de IAM extenso, sendo essa informação importante, pois permite a identificação perioperatória dos pacientes de alto risco, podendo ser usada para selecionar um dispositivo intraoperatório [27].

O IAM, trans e pós-operatório, ocorre em 5 a 15% das CRM. Análises de autópsias indicam que a maioria dos enxertos realizados estava patente, de modo que o mecanismo fisiopatológico do IAM perioperatório parece estar relacionado com a desproporção entre oferta e consumo de oxigênio pelo miocárdio, e não com oclusão das pontes de safena, referendando a ideia de que pode haver benefício de BIAo profilático em CRM [9].

Pequenos estudos randomizados, como os realizados por Christenson et al. [28-32], e estudos de coorte têm associado a inserção pré-operatória de BIAo com melhores resultados nos pacientes de alto risco que se submetem à CRM isolada. A definição de "alto risco" varia entre esses estudos e inclui idade avançada, fração de ejeção baixa ou insuficiência cardíaca congestiva sintomática, lesão do TCE, segunda CRM ou cirurgia de urgência/emergência [11]. Em metanálise recente da Cochrane [33], observou-se que as evidências sugerem que o BIAo pré-operatório pode ter efeito benéfico sobre a mortalidade e morbidade em grupos específicos de alto risco submetidos à CRM, no entanto, existindo muitos problemas com a qualidade, validade e generalização dos estudos. A evidência disponível não é robusta o suficiente para estender o uso do BIAo para os pacientes de alto risco eletivos: definir com maior precisão quais os grupos de pacientes que podem se beneficiar será o desafio para o futuro.

Apesar de mais de 30 anos de utilização clínica e da grande literatura científica sobre BIAo, várias questões críticas permanecem necessitando de resposta, como o uso apropriado e ótimo do dispositivo, seu uso pré-operatório em pacientes de alto risco e o papel do BIAo para o suporte intra e pós-operatório relativo ao uso dos VAD [1].

Pacientes que necessitam de BIAo após cirurgia cardíaca podem ter resultados piores do que os pacientes que recebem tal suporte circulatório no pré-operatório: em ambos os grupos, porém, depois de um pico precoce da mortalidade, os resultados em médio prazo são caracterizados por um platô nas taxas de sobrevida [11]. Embora a taxa de mortalidade precoce em pacientes que necessitam do BIAo seja alta, o prognóstico em longo prazo é relativamente bom para os que sobrevivem ao período pós-operatório imediato [18]: os pacientes que recebem alta hospitalar parecem ter boa sobrevida, determinada pela sua doença de base e comorbidades [1]. A maior taxa de mortalidade após a alta hospitalar ocorre no primeiro ano, especialmente nos primeiros três meses após a operação [18,34-36], dado também observado na presente série.

Os pacientes que necessitam do BIAo compõem um grupo de muito alto risco para morbidade e mortalidade: no presente estudo, a mortalidade hospitalar foi de 53,8% e a taxa de complicações pós-operatórias de 71,3%, números que corroboram essa afirmação. A utilização desse dispositivo, entretanto, permite recuperar muitos pacientes de uma evolução que seria invariavelmente fatal, tendo os pacientes com alta hospitalar uma boa sobrevida em médio prazo.

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Article receive on quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

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