Article

lock Open Access lock Peer-Reviewed

18

Views

ARTIGO ORIGINAL

Estimulação elétrica nervosa transcutânea no pós-operatório de cirurgia torácica: revisão sistemática e metanálise de estudos randomizados

Graciele SbruzziI; Scheila Azeredo SilveiraII; Diego Vidaletti SilvaII; Christian Correa CoronelIII; Rodrigo Della Méa PlentzIV

DOI: 10.5935/1678-9741.20120012

ABREVIAÇÕES E ACRÔNIMOS

CAPES: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CNPq: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

CVF: capacidade vital forçada

EAV: escala analógica visual

ECRs: ensaios clínicos randomizados

IC: intervalo de confiança

PEDro: Physiotherapy Evidence Database

PRISMA: Preferred Reporting Items for Systematic Review and Meta-analyses

TENS: estimulação elétrica nervosa transcutânea

INTRODUÇÃO

Apesar da evolução tecnológica observada na medicina e na área cirúrgica de um modo geral e a utilização de métodos menos invasivos cada vez mais proeminentes, ainda é grande o número de doenças que requerem intervenções com abordagem cirúrgica aberta. A cirurgia torácica surgiu no final do século XIX e progrediu rapidamente no século XX, a partir do aprimoramento da anestesia, do controle da infecção e da reposição sanguínea [1]. Esses procedimentos são acompanhados de métodos para controle da dor, os quais auxiliam na recuperação e na qualidade de vida dos pacientes [2].

As cirurgias torácicas são divididas em dois tipos principais: pulmonares e cardíacas. Nas pulmonares, a abordagem cirúrgica predominante é via toracotomia, já nas operações cardíacas, a esternotomia mediana é a incisão mais usada, sendo melhor para a exposição da região, porém, pode alterar significativamente a função pulmonar pela extensão da incisão e gerar consequente instabilidade do tórax superior [3].

A dor tem sido apontada como uma das principais fontes de preocupação para os pacientes no pós-operatório de cirurgia torácica, e sabe-se que o tipo de abordagem cirúrgica gera diferentes níveis de dor [2]. Isso ocorre por várias causas, tais como incisão, retração dos tecidos, utilização de drenos torácicos após a cirurgia, local dos drenos e pelo processo inflamatório. Essa situação clínica pode colaborar com o aumento das complicações pulmonares no pós-operatório, tais como diminuição da força muscular respiratória, dos volumes e capacidades pulmonares, bem como a redução da efetividade da tosse e aumento de infecções, as quais interferem no quadro evolutivo do paciente e são consideradas as principais causas de morbidade e mortalidade nesses casos [3-5].

Existem divergências quanto à intensidade da dor em relação ao tipo de abordagem cirúrgica. Em estudo realizado com pacientes que realizaram cirurgia cardíaca, foi observado que a dor não se relacionou com o tipo de procedimento cirúrgico realizado (revascularização miocárdica, troca valvar e ressecção valvar parcial com envolvimento da artéria torácica interna, veia safena e colocação de válvulas metálicas) [3]. Mueller et al. [6] também não encontraram diferença significativa nas características da dor quando comparados diferentes tipos de cirurgia, mesmo em procedimentos mais profundos. Porém, Benedetti et al. [2] encontraram diferença nos níveis de dor de acordo com o tipo de abordagem cirúrgica, demonstrando maior percepção de dor nas abordagens por toracotomia posterolateral.

Além da analgesia farmacológica, a eletroanalgesia tem sido proposta como um tratamento auxiliar para o alívio da dor pós-operatória, com consequente melhora da mecânica da caixa torácica e redução de possíveis complicações respiratórias nas cirurgias torácicas. A estimulação elétrica nervosa transcutânea (TENS) é um recurso amplamente utilizado no alívio sintomático da dor [7]. Dessa forma, a TENS pode ser utilizada na rotina pós-operatória hospitalar como coadjuvante da analgesia convencional, pois, além de ser não-invasiva e não-farmacológica, é confortável e alguns estudos observaram menor necessidade do uso de fármacos no controle da dor [8].

Entretanto, há divergência de resultados entre os estudos, Gregorini et al. [8] demonstraram que a TENS é eficaz no controle da dor no pós-operatório de cirurgia cardíaca e proporciona melhora da força muscular respiratória e aumento dos volumes e capacidades pulmonares. Já Stubbing & Jellicoe [9] demonstraram que a TENS não alterou o quadro de dor dos pacientes pós-cirurgia torácica, gerando a necessidade de sistematização das informações existentes.

Dessa forma, a existência de vários ensaios clínicos randomizados (ECRs) referentes à aplicação da TENS associada ou não ao uso de fármacos no pós-operatório de cirurgia torácica com abordagem por toracotomia e por esternotomia, a ausência de revisão sistemática que englobe estudos com abordagem por esternotomia e a ausência de metanálise justificam a realização de uma revisão sistemática recente sobre o assunto [10]. Assim, o objetivo deste estudo foi avaliar os efeitos da TENS sobre a dor e a função pulmonar no pós-operatório de cirurgia torácica (cardíaca ou pulmonar com abordagem por toracotomia posterolateral ou esternotomia mediana) por meio de revisão sistemática e metanálise de ECRs.

 

MÉTODOS

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul / Fundação Universitária de Cardiologia, número 456410, e segue as recomendações propostas pela Colaboração Cochrane [11] e pelo Preferred Reporting Items for Systematic Review and Meta-analyses: The PRISMA Statement [12].

Critérios de elegibilidade

Foram incluídos ECRs com pacientes que realizaram cirurgia torácica (cardíaca ou pulmonar com abordagem por toracotomia posterolateral ou esternotomia mediana) e que foram tratados no pós-operatório com TENS associado ou não à analgesia farmacológica em comparação a TENS placebo (corrente elétrica inoperante) associado ou não à analgesia farmacológica ou, TENS associado à analgesia farmacológica versus analgesia farmacológica controlada. Os desfechos incluídos foram dor e função pulmonar representada pela capacidade vital forçada (CVF). Foram adotados os seguintes critérios de exclusão: estudos com dados incompletos e estudos sem dados do grupo controle. Artigos que não demonstrassem os valores de CVF em litros (L) foram excluídos da metanálise.

Estratégia de busca

Foram pesquisados os seguintes bancos de dados eletrônicos (do início até agosto de 2011): MEDLINE (acessado via PubMed), Physiotherapy Evidence Database (PEDro), Register of Controlled Trials (Cochrane CENTRAL), EMBASE e LILACS. Em adição, foi realizada uma busca manual nas referências de estudos já publicados sobre o assunto. A busca foi realizada em 29 de agosto de 2011 e compreendeu os seguintes termos em inglês: "transcutaneous electric nerve stimulation", "eletric stimulation", "electric stimulation therapy", "thoracic surgery", "thoracic surgery procedures", "sternotomy", "coronary artery bypass surgery", "myocardial revascularization", "aortic surgery", associados a uma lista sensível de termos para busca de ECRs, elaborada por Robinson & Dickersin [13]; e seus descritores em português: estimulação elétrica nervosa transcutânea, estimulação elétrica, estimulação elétrica terapêutica, cirurgia cardíaca, procedimentos cirúrgicos cardíacos, esternotomia, cirurgia de revascularização do miocárdio, correção aórtica, ensaio clínico randomizado. A estratégia de busca completa utilizada para o PubMed pode ser observada na Tabela 1. Não houve restrição de idioma na busca.

Seleção dos estudos e extração dos dados

Os títulos e resumos de todos os artigos identificados pela estratégia de busca foram avaliados por dois revisores de forma independente. Todos os resumos que não forneceram informações suficientes sobre os critérios de inclusão e exclusão foram selecionados para a avaliação dos textos completos. Nessa segunda fase, os mesmos revisores avaliaram independentemente os artigos completos e fizeram suas seleções, de acordo com os critérios de elegibilidade pré-especificados. Discordâncias entre os revisores foram resolvidas por consenso. O desfecho principal extraído foi dor, medida pela escala analógica visual (EAV). O outro desfecho de interesse foi a CVF, em L. Quando o estudo não apresentava todos os dados necessários para a metanálise, o autor correspondente foi contatado para solicitação dos dados faltantes.

Avaliação do risco de viés

A avaliação da qualidade metodológica foi realizada por dois investigadores de forma independente e levou em consideração as seguintes características dos estudos incluídos: geração da sequência de randomização, sigilo de alocação, cegamento, cegamento dos avaliadores dos desfechos, análise por intenção de tratar e descrição das perdas e exclusões. Estudos sem uma clara descrição dessas características foram considerados como não claros ou que não reportavam as mesmas.

Análise dos dados

A metanálise foi realizada usando modelo de efeitos randômicos e as medidas de efeito foram obtidas pelos valores pós-intervenção. Os estudos foram analisados separadamente em relação à abordagem cirúrgica: estudos em que o procedimento cirúrgico foi realizado com abordagem por toracotomia posteroletaral (análise 1) e estudos em que a abordagem foi por esternotomia mediana (análise 2). Dentro dessas análises, foram realizadas duas comparações: estudos que comparam TENS associada ou não à analgesia farmacológica vs. TENS placebo associada ou não à analgesia farmacológica e, estudos que comparam TENS associada a analgesia farmacológica vs. analgesia farmacológica controlada.

Considerou-se estatisticamente significativo um valor alfa = 0,05. A heterogeneidade estatística do efeito do tratamento entre os estudos foi avaliada por meio do teste Q de Cochran e do teste de inconsistência (I2), em que valores acima de 25% e 50% foram considerados como indicativo de moderada e alta heterogeneidade, respectivamente. Todas as análises foram conduzidas usando o software Review Manager 5.1 (Colaboração Cochrane) [11].

As análises de sensibilidade foram conduzidas considerando as características dos estudos incluídos, em que cálculos de metanálises foram refeitos, incluindo somente estudos preenchendo determinados critérios, como idade dos pacientes, tempo de intervenção e de aplicação da TENS, associação da aplicação da TENS com analgesia farmacológica e doses de analgesia farmacológica.

 

RESULTADOS

Descrição dos estudos

A busca inicial identificou 2.489 artigos, dos quais 31 estudos foram recuperados para análise detalhada. Desses, 19 foram considerados potencialmente relevantes. No entanto, oito estudos foram excluídos por não relatarem os desfechos de interesse [2,9,14], por falta de dados ou dados incompletos para a metanálise [8,15-17] ou por não terem grupo controle conforme os critérios de inclusão [18], restando 11 artigos incluídos na metanálise, totalizando 570 pacientes. Destes, cinco artigos eram relacionados a cirurgia pulmonar com abordagem por toracotomia posterolateral [19-23] e seis estudos realizaram cirurgia cardíaca com abordagem por esternotomia mediana [4,2428]. A Figura 1 demonstra o fluxograma dos estudos incluídos e a Tabela 2 resume as características desses estudos.

 

 

Risco de viés

Em relação aos cinco estudos que realizaram cirurgia pulmonar com abordagem por toracotomia posterolateral [19-23], somente um deles foi cegado e teve cegamento dos avaliadores dos desfechos [20]. Nenhum dos estudos apresentava descrição da geração da sequência aleatória, alocação sigilosa, descrição das perdas e exclusões e análise por intenção de tratar. Dentre os seis estudos que realizaram cirurgia cardíaca com abordagem por esternotomia mediana [4,24-28], 50% apresentavam descrição da geração de sequência aleatória adequada; em 17%, a alocação foi sigilosa, foram cegados e tiveram cegamento dos avaliadores dos desfechos; e 33% descreveram as perdas e exclusões. Nenhum dos estudos realizou análise por intenção de tratar (Tabela 3).

Efeitos das intervenções

Análise 1 - Estudos que realizaram cirurgia pulmonar com abordagem por toracotomia posterolateral

Dor

Cinco estudos [19-23] realizaram cirurgia torácica pulmonar com abordagem por toracotomia posterolateral e avaliaram a dor no pós-operatório. Desses, quatro artigos [19-21,23] compararam TENS associada à analgesia farmacológica versus TENS placebo associada à analgesia farmacológica. Nessa comparação, observou-se que a TENS proporcionou redução significativa na dor comparada ao TENS placebo [-1,29; intervalo de confiança 95% (IC 95%): -1,94 a -0,65, I2: 83%] (Figura 2).

Devido à alta heterogeneidade estatística observada, foi realizada análise de sensibilidade em relação ao tempo de intervenção, na qual foram analisados separadamente os estudos em que a TENS foi aplicada em uma única sessão no primeiro dia de pós-operatório [19,21] e os estudos em que a TENS foi aplicada continuamente por 48h ou mais [20,23]. Em ambas as situações, foi observado que a TENS promoveu redução significativa na dor quando comparada à TENS placebo [(-0,83; IC95%: -1,19 a -0,47) e (-1,60; IC 95%: -1,66 a -1,54), respectivamente] com ausência de heterogeneidade (I2: 0%) (Figura 2). Também foi realizada análise de sensibilidade em relação à idade dos pacientes, já que o estudo de Chandra et al. [19] apresentou idade média de 27 anos, o que difere dos demais estudos em que a idade média foi de 52 anos. Excluindo esse estudo da análise, observamos que a idade dos pacientes não alterou o resultado observado, mas pode ter sido um dos fatores causadores da heterogeneidade estatística, pois com a exclusão desse estudo observamos a ausência de heterogeneidade (-1,6; IC95%: -1,66 a -1,54, I2: 0%).

Ainda, um estudo [22] comparou TENS associada à analgesia farmacológica versus analgesia farmacológica controlada, onde se observou que o tratamento com a TENS associado à analgesia farmacológica não foi mais eficaz na diminuição da dor (-0,5; IC95%: -1,27 a 0,27) comparado à analgesia farmacológica controlada no pós-operatório de cirurgia com abordagem por toracotomia posterolateral.

Análise 2 - Estudos que realizaram cirurgia cardíaca com abordagem por esternotomia mediana

Dor

Seis estudos [4,24-28] realizaram cirurgia torácica cardíaca com abordagem por esternotomia mediana e avaliaram a dor no pós-operatório, sendo que cinco estudos [4,25-28] compararam TENS associada à analgesia farmacológica versus TENS placebo associada à analgesia farmacológica e um estudo [24] comparou TENS versus TENS placebo sem associação com analgesia farmacológica. Analisando todos os estudos em conjunto, observou-se que a TENS proporcionou redução significativa na dor comparada a TENS placebo (-1,33; IC95%: -1,89 a -0,77, I2: 58%). Excluindo-se da análise o estudo de Cipriano et al. [24], que não associou a aplicação da TENS com a analgesia farmacológica, não foi observada alteração no resultado (-1,38; IC95%: -2,02 a -0,73). Foi realizada uma análise de sensibilidade em relação ao tempo de intervenção, onde foram analisados separadamente os estudos em que a TENS foi aplicada em uma única sessão no primeiro dia de pós-operatório [25, 26], sendo também observada redução significativa na dor comparada a TENS placebo, com ausência de heterogeneidade (-1,10; IC95%: 1,70 a -0,50) (Figura 3).

Dentre esses seis estudos, três [4, 25, 28] possuíam um terceiro grupo que realizou somente analgesia farmacológica controlada, sendo possível a comparação entre TENS associada à analgesia farmacológica versus analgesia farmacológica controlada. Nessa análise, foi observado que a TENS associada à analgesia farmacológica reduziu a dor quando comparada à analgesia farmacológica controlada (-1,23; IC95%: -1,79 a -0,67, I2: 32%) (Figura 4). Foi realizada análise de sensibilidade em relação ao tempo de intervenção, onde foram analisados separadamente os estudos em que a TENS foi aplicada continuamente no pós-operatório [4,28], excluindo dessa forma o estudo de Emmiler et al. [25], sendo observada também uma redução na dor comparando TENS versus analgesia farmacológica controlada (-1,54; IC95%: 2,16 a -0,92, I2: 0%) (Figura 4).

Não foi necessário realizar análise de sensibilidade em relação à idade dos pacientes, pois os pacientes de todos os estudos incluídos tinham em média idade de 60 anos.

Capacidade vital forçada

Dois estudos compararam TENS versus TENS placebo em relação à CVF [24,28]. Foi observado que não houve diferença significativa entre as duas intervenções [0,12 L; IC95%: -0,27 a 0,51; I2: 80%] (Figura 5).

A alta heterogeneidade observada pode ser explicada pelo tempo em que a intervenção foi aplicada e a associação com analgesia farmacológica. Observou-se que o estudo de Cipriano et al. [24] aplicou a TENS somente no terceiro dia de pós-operatório e esta não foi em associação com a analgesia farmacológica. Excluindo esse estudo, observouse que a TENS melhora a CVF se aplicada continuamente nas primeiras 24h de pós-operatório e se for aplicada juntamente com a analgesia farmacológica (0,30 L; IC95%: 0,12 a 0,48).

Não foi possível realizar análises de sensibilidade em relação às doses de analgésicos e à via utilizada para a administração, em decorrência do protocolo analgésico que foi utilizado no período pós-operatório ser diferente entre os estudos incluídos, sendo assim de difícil comparação, como pode ser observado na Tabela 2.

 

DISCUSSÃO

Sumário das evidências

Nesse estudo, foi observado que a TENS associada à analgesia farmacológica promoveu mais alívio da dor do que comparada a TENS placebo em pacientes em pósoperatório de cirurgia torácica tanto na abordagem por toracotomia quanto por esternotomia. Na esternotomia, também se mostrou mais efetiva que a analgesia farmacológica controlada no alívio da dor, porém sem efeito significativo na função pulmonar.

Pontos fortes e limitações da revisão

Esse estudo possui vários pontos metodológicos fortes, como formulação de uma questão de pesquisa específica, realização de uma busca bibliográfica sensível, abrangente e sistemática, com critérios de elegibilidade explícitos e reprodutíveis, sem restrição de idioma, realizada por dois revisores independentemente; seleção dos estudos, extração dos dados e análise da qualidade metodológica dos artigos incluídos realizada também por dois revisores independentes; e emprego de metanálise, aumentando o poder da evidência do estudo, indo de encontro das revisões sistemáticas anteriores.

Foi observado que os ECRs incluídos foram metodologicamente limitados, pois nenhum apresentava de forma completa os itens observados na avaliação do risco de viés. Além disso, as doses de analgésicos e a via utilizada para a administração dos mesmos no período pós-operatório foi diferente entre os estudos incluídos, o que pode gerar diferenças nos resultados encontrados no alívio da dor. Devido a essas diferenças metodológicas, aos poucos estudos e ao pequeno número pacientes incluídos, as análises de sensibilidade em relação às medicações analgésicas foram prejudicadas. Apesar disso, esse trabalho demonstrou o papel benéfico da TENS na redução da dor quando associada à analgesia farmacológica, pois nos estudos incluídos existia um grupo controle que recebeu a mesma analgesia do grupo intervenção, diferindo apenas na intervenção recebida.

Ainda, os estudos incluídos na revisão sistemática incluíam diferentes tipos de procedimentos cirúrgicos, o que pode provocar diferentes mecanismos de lesão e, consequentemente, pode interferir na percepção da dor pósoperatória. Porém, em estudos realizados com pacientes que realizaram cirurgias cardíacas foi demonstrado que não há relação entre a dor e o tipo de procedimento cirúrgico [3,6]. Por isso, as metanálises foram realizadas separadamente em relação à abordagem cirúrgica (toracotomia ou esternotomia), já que essa pode produzir diferentes níveis de dor [2], independente do tipo de procedimento cirúrgico.

Foi demonstrado que a TENS associada à analgesia farmacológica comparada a TENS placebo associada à analgesia farmacológica promove maior redução na dor após a cirurgia torácica, tanto nas cirurgias pulmonares com abordagem por toracotomia posterolateral quanto nas cirurgias cardíacas com abordagem por esternotomia mediana. Isso vai ao encontro do estudo de Freynet & Falcoz [10], que demonstraram o benefício adicional da TENS no alívio da dor quando associada à analgesia farmacológica pós-toracotomia.

Vários estudos já demonstraram que a TENS atua no alívio da dor principalmente por dois mecanismos de ação: a modulação da entrada de sinais nociceptivos no corno dorsal da medula espinhal via estimulação periférica de grandes fibras nervosas mielinizadas tipo A e, a liberação de opioides endógenos que possuem efeito analgésico. Esses dois mecanismos entram em ação durante a aplicação da TENS e seu efeito permanece mesmo depois de terminada a aplicação [25]. Nas cirurgias torácicas, a TENS pode ser aplicada em dermátomos apropriados relacionados à área da incisão, proporcionando efeito diretamente sobre o local de origem da dor, o que pode amplificar os efeitos analgésicos observados.

Nessa revisão sistemática, a TENS associada à analgesia farmacológica comparada a TENS placebo não produziu alteração na CVF após esternotomia mediana. Isso pode ter ocorrido devido ao pequeno número de estudos incluídos nessa análise (2 artigos, n = 95), gerando um amplo intervalo de confiança. É possível que com mais estudos, com maior número de pacientes incluídos e com maior poder estatístico nas análises ocorra a modificação desse resultado, portanto não há evidências conclusivas a respeito da eficácia do TENS sobre a função pulmonar após esternotomia mediana.

Comparações com outras revisões

Freynet & Falcoz [10] também realizaram uma revisão sistemática sobre esse assunto. Porém, esse trabalho incluiu somente nove ECRs que aplicaram a TENS no pósoperatório apenas de toracotomia, enquanto a presente revisão incluiu 12 artigos que aplicaram a TENS no pósoperatório de cirurgias torácicas, tanto com abordagem por toracotomia quanto por esternotomia. Além disso, os referidos autores limitaram a busca para artigos em inglês, enquanto a revisão atual não apresentou limitação de idioma. A revisão atual apresenta também como vantagem a realização de metanálise, aumentando o poder da evidência gerada. Além disso, as metanálises realizadas levaram em consideração o tipo de abordagem cirúrgica utilizada nos estudos incluídos. Essa análise quantitativa dos dados não foi realizada pelos referidos autores.

Por esses motivos, alguns estudos incluídos na revisão de Freynet & Falcoz [10] foram excluídos da atual revisão, ou por não preencherem os critérios de elegibilidade ou por possuírem dados incompletos impedindo as análises estatísticas. Outro ponto positivo do presente estudo foi a revisão por dois investigadores independentes em todas as fases da pesquisa, além de apresentar a avaliação do risco de viés dos estudos incluídos. Portanto, nosso estudo gera um nível de evidência maior em relação às evidências já existentes e uma evidência atualizada com busca na literatura realizada até agosto de 2011, em contraste com a busca realizada pelos outros autores, que foi até maio de 2009.

 

CONCLUSÃO

Por meio dessa revisão sistemática e metanálise de ECRs podemos concluir que a TENS proporciona efeito adicional à analgesia farmacológica, pois promoveu maior alívio da dor quando comparada à TENS placebo em pacientes em pós-operatório de cirurgia torácica, tanto na abordagem por toracotomia quanto por esternotomia. Na esternotomia, também se mostrou mais efetiva que a analgesia farmacológica controlada no alívio da dor, porém sem efeito significativo na função pulmonar. A TENS pode ser recomendada como tratamento adicional para alívio da dor em cirurgias torácicas. Porém, em decorrência da baixa qualidade metodológica e do pequeno número amostral dos estudos incluídos, são necessários novos ECRs com maior número de pacientes e maior rigor metodológico para ampliação do poder da informação.

 

AGRADECIMENTOS

Este trabalho foi suportado parcialmente pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

REFERÊNCIAS

1. Costa IA. História da cirurgia cardíaca brasileira. Rev Bras Cir Cardiovasc. 1998;13(1):1-7. Visualizar artigo

2. Benedetti F, Amanzio M, Casadio C, Cavallo A, Cianci R, Giobbe R, et al. Control of postoperative pain by transcutaneous electrical nerve stimulation after thoracic operations. Ann Thorac Surg. 1997;63(3):773-6. [MedLine]

3. Giacomazzi CM, Lagni VB, Monteiro MB. A dor pósoperatória como contribuinte do prejuízo na função pulmonar em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2006;21(4):386-92.

4. Forster EL, Kramer JF, Lucy SD, Scudds RA, Novick RJ. Effect of TENS on pain, medications, and pulmonary function following coronary artery bypass graft surgery. Chest. 1994;106(5):1343-8. [MedLine]

5. Baumgarten MC, Garcia GK, Frantzeski MH, Giacomazzi CM, Lagni VB, Dias AS, et al. Pain and pulmonary function in patients submitted to heart surgery via sternotomy. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2009;24(4):497-505. [MedLine] Visualizar artigo

6. Mueller XM, Tinguely F, Tevaearai HT, Revelly JP, Chioléro R, von Segesser LK. Pain location, distribution, and intensity after cardiac surgery. Chest. 2000;118(2):391-6. [MedLine]

7. Melzack R, Wall PD. Pain mechanisms: a new theory. Science. 1965;150(3699):971-9. [MedLine]

8. Gregorini C, Cipriano Junior G, Aquino LM, Branco JN, Bernardelli GF. Short-duration transcutaneous electrical nerve stimulation in the postoperative period of cardiac surgery. Arq Bras Cardiol. 2010;94(3):325-31.

9. Stubbing JF, Jellicoe JA. Transcutaneous electrical nerve stimulation after thoracotomy. Pain relief and peak expiratory flow rate--a trial of transcutaneous electrical nerve stimulation. Anaesthesia. 1988;43(4):296-8. [MedLine]

10. Freynet A, Falcoz PE. Is transcutaneous electrical nerve stimulation effective in relieving postoperative pain after thoracotomy? Interact Cardiovasc Thorac Surg. 2010;10(2):283-8. [MedLine]

11. Higgins J, Green S. Cochrane handbook for systematic reviews of interventions 5.0 ed. Chichester:John Wiley & Sons;2011.

12. Moher D, Liberati A, Tetzlaff J, Altman DG. Preferred reporting items for systematic reviews and meta-analyses: the PRISMA statement. Int J Surg. 2009;8(5):336-41.

13. Robinson KA, Dickersin K. Development of a highly sensitive search strategy for the retrieval of reports of controlled trials using PubMed. Int J Epidemiol. 2002;31(1):150-3. [MedLine]

14. Rooney SM, Jain S, Goldiner PL. Effect of transcutaneous nerve stimulation on postoperative pain after thoracotomy. Anesth Analg. 1983;62(11):1010-2. [MedLine]

15. Bayindir O, Paker T, Akpinar B, Erenturk S, Askin D, Aytac A. Use of transcutaneous electrical nerve stimulation in the control of postoperative chest pain after cardiac surgery. J Cardiothorac Vasc Anesth. 1991;5(6):589-91. [MedLine]

16. Dontaille M, Reeves B. TENS and pain control after coronary artery bypass surgery. Physiotherapy. 1997;83(10):510-6.

17. Navarathnam RG, Wang IY, Thomas D, Klineberg PL. Evaluation of the transcutaneous electrical nerve stimulator for postoperative analgesia following cardiac surgery. Anaesth Intensive Care. 1984;12(4):345-50. [MedLine]

18. Rooney SM, Jain S, McCormack P, Bains MS, Martini N, Goldiner PL. A comparison of pulmonary function tests for postthoracotomy pain using cryoanalgesia and transcutaneous nerve stimulation. Ann Thorac Surg. 1986;41(2):204-7. [MedLine]

19. Chandra A, Banavaliker JN, Das PK, Hasti S. Use of transcutaneous electrical nerve stimulation as an adjunctive to epidural analgesia in the management of acute thoracotomy pain. Indian J Anaesth. 2010;54(2):116-20. [MedLine]

20. Erdogan M, Erdogan A, Erbil N, Karakaya HK, Demircan A. Prospective, Randomized, Placebo-controlled Study of the Effect of TENS on postthoracotomy pain and pulmonary function. World J Surg. 2005;29(12):1563-70. [MedLine]

21. Liu YC, Liao WS, Lien IN. Effect of transcutaneous electrical nerve stimulation for post-thoracotomic pain. Taiwan Yi Xue Hui Za Zhi. 1985;84(7):801-9. [MedLine]

22. Solak O, Turna A, Pekcolaklar A, Metin M, Sayar A, Solak O, et al. Transcutaneous electric nerve stimulation for the treatment of postthoracotomy pain: a randomized prospective study. Thorac Cardiovasc Surg. 2007;55(3):182-5. [MedLine]

23. Warfield CA, Stein JM, Frank HA. The effect of transcutaneous electrical nerve stimulation on pain after thoracotomy. Ann Thorac Surg. 1985;39(5):462-5. [MedLine]

24. Cipriano G Jr, Camargo Carvalho ACC, Bernardelli GF, Tayar Peres PA. Short-term transcutaneous electrical nerve stimulation after cardiac surgery: effect on pain, pulmonary function and electrical muscle activity. Interact Cardiovasc Thorac Surg. 2008;7(4):539-43. [MedLine]

25. Emmiler M, Solak O, Kocogullari C, Dundar U, Ayva E, Ela Y, et al. Control of acute postoperative pain by transcutaneous electrical nerve stimulation after open cardiac operations: a randomized placebo-controlled prospective study. Heart Surg Forum. 2008;11(5):E300-3. [MedLine]

26. Ferraz FS, Moreira CMC. Eletroanalgesia com utilização de TENS no pós-operatório de cirurgia cardíaca. Fisioter Mov. 2009;22(1):133-9.

27. Luchesa CA, Greca FH, Guarita-Souza LC, dos Santos JL, Aquim EE. The role of electroanalgesia in patients undergoing coronary artery bypass surgery. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2009;24(3):391-6. [MedLine] Visualizar artigo

28. Solak O, Emmiler M, Ela Y, Dundar U, Koçoiullari CU, Eren N, et al. Comparison of continuous and intermittent transcutaneous electrical nerve stimulation in postoperative pain management after coronary artery bypass grafting: a randomized, placebo-controlled prospective study. Heart Surg Forum. 2009;12(5):E266-71. [MedLine]

Apoiado parcialmente pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Article receive on quarta-feira, 18 de maio de 2011

CCBY All scientific articles published at bjcvs.org are licensed under a Creative Commons license

Indexes

All rights reserved 2017 / © 2024 Brazilian Society of Cardiovascular Surgery DEVELOPMENT BY