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RELATO DE CASO

Migração de fio de Kirschner transfixando artéria aorta torácica ascendente

Danilo Felix Daud; Marcos Menezes Freitas de Campos

DOI: 10.5935/1678-9741.20110033

INTRODUÇÃO

As fraturas de clavícula e desarticulações esterno-claviculares são frequentes após lesões traumáticas do tórax. Em alguns casos, os cirurgiões ortopédicos necessitam utilizar hastes metálicas para fixar e estabilizar estas fraturas [1].

Fios de Kirschner são frequentemente usados para realizar osteossínteses.

A migração destes fios através dos tecidos, apesar de rara, é bem conhecida e diversas complicações significativas da fixação da clavícula já foram descritas, com a migração destes para a cavidade torácica, causando perfuração de medula espinal, esôfago, pulmão, traqueia, artéria inominada, coração, pericárdio e grandes vasos [2-5].

 

RELATO DE CASO

Descrevemos o caso de um paciente do sexo masculino, de 47 anos de idade, com antecedente de acidente automobilístico e fratura de clavícula direita havia 10 anos, tratada cirurgicamente com a fixação da mesma com uso de fio de Kirschner.

Sem retornar ao serviço de ortopedia por período prolongado, o paciente procurou o atendimento médico no hospital de referência em Araguaína, Tocantins, com manifestação de dor torácica desde aproximadamente quatro meses.

A radiografia de tórax realizada demonstrou a presença de uma imagem metálica de aproximadamente 10 cm de comprimento, em projeção central (Figura 1). No hospital de referência foi indicada toracotomia exploradora e, durante a sua realização, na presença do corpo estranho transfixante à aorta, a equipe cirúrgica local decidiu por interromper o procedimento e encaminhar para o Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital Geral de Palmas, Tocantins.

 

 

 

Na complementação do estudo de imagem, a tomografia computadorizada do tórax revelou a presença da haste em posição mediastinal, e com a informação da toracotomia realizada anteriormente concluiu-se a situação de corpo estranho transfixante à porção ascendente da aorta (Figuras 2 e 3).

 

 

 

 

 

 

Pela toracotomia póstero-lateral esquerda, abordou-se a transfixação. Com liberação da porção ascendente na face posterior, dissecção da porção descendente da aorta torácica e reparando os orifícios de entrada e saída com pontos em U preparados com reforço de feltro foi possível remover o fio de Kirschner em segurança e sem sangramento. Considerando o tempo de permanência do fio na luz da aorta, houve a formação de camada de fibrina em torno do corpo estranho, sendo que uma manobra de torção do fio foi necessária para remoção sem lacerar a parede do vaso, como também o pinçamento momentâneo da artéria carótida como prevenção quanto ao eventual êmbolo de fibrina.

O paciente apresentou evolução clínica satisfatória, e radiografia de tórax realizada 48 horas após a cirurgia confirmou ausência de corpo estranho. O paciente recebeu alta hospitalar no 4º dia pós-operatório e permaneceu em acompanhamento ambulatorial, sem as queixas de dor torácica prévias.

 

DISCUSSÃO

A migração de pinos e hastes ortopédicos colocados ao redor dos ombros para o interior da cavidade torácica tem sido pouco reportada, mas é uma complicação bem conhecida desde que foi descrita pela primeira vez, em 1943 [6]. Alguns autores publicaram revisões de literatura, como Lyons & Rockwood, em 1990 (47 casos) [7],e Freund et al., em 2007 (68 casos) [2], demonstrando a quantidade de casos desta complicação se acumulando ao redor do mundo.

O tempo decorrente da cirurgia ortopédica na clavícula para a migração para o tórax da haste metálica utilizada varia de um dia até 21 anos [7]. Seu mecanismo ainda não está claro, porém a movimentação do ombro, os movimentos respiratórios, a pressão negativa intratorácica, a força gravitacional e a reabsorção óssea local estão provavelmente envolvidos.

Apesar de a literatura mostrar migração mediastinal e perfuração de coração, grandes vasos, esôfago, traqueia, pulmão, entre outros, não encontramos nenhum caso descrito de haste metálica transfixando a artéria aorta ascendente e permanecendo naquela posição sem repercussões hemodinâmicas.

O uso de pinos e hastes metálicas utilizados para fixar fraturas e desarticulações na região dos ombros são procedimentos comuns na prática ortopédica, com bons resultados quando utilizados em casos apropriados. O relato de complicações contribui para as observações sequenciais ao tratamento.

REFERÊNCIAS

1. Marchi E, Reis MP, Carvalho MV Transmediastinal migration of Kirschner wire. Interact Cardiovasc Thorac Surg. 2008;7(5):869-70. [MedLine]

2. Freund E, Nachman R, Gips H, Hiss J Migration of a Kirschner wire used in the fixation of a subcapital humeral fracture, causing cardiac tamponade : case report and review of literature. Am J Forensic Med Pathol. 2007;28(2):155-6. [MedLine]

3. Wu YH, Lai CH, Luo CY, Tseng YL Tracheoinnominate artery fistula caused by migration of a Kirschner wire. Eur J Cardiothorac Surg. 2009;36(1):214-6. [MedLine]

4. Mamane W, Breitel D, Lenoir T, Guigui P Spinal migration of a Kirschner wire after surgery for clavicular nonunion : A case report and review of the literature. Chir Main. 2009;28(6):367-9. [MedLine]

5. Nakayama M, Gika M, Fukuda H, Yamahata T, Aoki K, Shiba S Migration of a Kirschner wire from the clavicle into the intrathoracic trachea. Ann Thorac Surg. 2009;88(2):653-4. [MedLine]

6. Mazet R Migration of a Kirschner wire from the shoulder region into the lung : report of two cases. J Bone Joint Surg Am. 1943;25:477-83.

7. Lyons FA, Rockwood CA Jr Migration of pins used in operations on the shoulder. J Bone Joint Surg. 1990;72(8):1262-7.

Article receive on segunda-feira, 3 de maio de 2010

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