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ARTIGO ORIGINAL

Influência da força muscular respiratória na evolução de pacientes com insuficiência cardíaca após cirurgia cardíaca

Thaísa Araujo Barreto Bastos; Valdinaldo Aragão de Melo; Fábio Serra Silveira; Danilo Ribeiro Guerra

DOI: 10.5935/1678-9741.20110009

INTRODUÇÃO

O aparelho cardiovascular tem por função fornecer e manter suficiente, contínuo e variável, fluxo sanguíneo aos diferentes tecidos do organismo segundo suas necessidades metabólicas [1]. Quando o coração torna-se incapaz de manter adequado débito cardíaco para atender à demanda do organismo, surge a síndrome clínica da insuficiência cardíaca (IC). Dentre os principais sintomas dessa síndrome estão a sensação de fadiga muscular e a dispneia aos pequenos esforços, culminando com importante limitação para as atividades de vida diária [1,2].

A relação entre insuficiência cardíaca e alterações do sistema músculo esquelético já está bem estabelecida na literatura. Mais recentemente, foi descoberto que a estrutura dos músculos respiratórios, em especial do diafragma, também está comprometida na IC, causando diminuição da força e resistência desses músculos e levando a um prejuízo na sua função, estando diretamente relacionado à piora do quadro de dispneia característico dessa síndrome [3,4].

Pesquisas têm demonstrado diminuição da força muscular (FM) respiratória, evidenciada pela avaliação das pressões respiratórias máximas em pacientes com insuficiência cardíaca. Hammond et al. [5] encontraram redução de 50% da pressão inspiratória máxima (PImáx.) em pacientes com IC biventricular quando comparados a controles normais. Já Forgiarini Jr. et al. [6] avaliaram pacientes com IC classe funcional II e III e encontraram alterações tanto da força muscular respiratória quanto da função pulmonar nesses pacientes, sendo maior o prejuízo naqueles que estavam em classe funcional III.

Pacientes com IC refratária à terapêutica medicamentosa podem ter indicação de tratamento cirúrgico. Apesar dos avanços nos cuidados operatórios, as complicações pulmonares no pós-operatório de cirurgia cardíaca continuam sendo a principal causa de morbi-mortalidade deste procedimento, além de contribuírem para o aumento dos dias de internação e dos custos hospitalares [7,8].

Atualmente, pesquisas têm sido desenvolvidas no intuito de saber se a disfunção muscular respiratória prévia poderia atuar como um fator de risco para complicações pulmonares pós-operatórias. Bellinetti & Thomson [9] observaram que os pacientes que tinham redução da força muscular respiratória apresentaram risco relativo para estas complicações de 5,5 em relação aos não expostos (força muscular normal), em cirurgias de toracotomias e laparotomias superiores eletivas. Guedes et al. [10] encontraram uma correlação negativa entre a PImáx. e o tempo de internação hospitalar pós-operatório em cirurgias torácicas eletivas e sugeriram que a PImáx. acima de 75% do valor previsto poderia ser considerada fator protetor e reduzir o tempo de internação pós-operatória nesse tipo de cirurgia.

Este trabalho tem por objetivo verificar a influência da força muscular respiratória pré-operatória na incidência de complicações pulmonares no pós-operatório de cirurgia cardíaca em pacientes portadores de IC.

 

MÉTODOS

Caracterização do estudo

O estudo foi do tipo coorte prospectivo (longitudinal, analítico), com a coleta de dados realizada no período de março de 2009 a setembro de 2010, por meio de uma amostra por conveniência.

Considerações Éticas

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo seres humanos da Universidade Federal de Sergipe (UFS) (CAAE - 3224.0.000.107-09) de acordo com a resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e todos os pacientes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Critérios de Inclusão

Fizeram parte da pesquisa indivíduos com diagnóstico de insuficiência cardíaca sistólica e/ou diastólica compensada, internados eletivamente para serem submetidos à cirurgia cardíaca. O diagnóstico de IC foi, em todos os casos, confirmado no momento da admissão pela soma de 8 ou mais pontos nos Critérios de Boston.

Critérios de Exclusão

Não participaram da pesquisa os pacientes que apresentaram algum fator de risco que pudesse interferir no resultado da avaliação da força muscular respiratória como:

• uso de drogas psicotrópicas, relaxantes musculares e imunossupressores;

• desnutrição, evidenciada por um índice de massa corpórea (IMC) < 20 kg/m2;

• história de acidente vascular cerebral (AVC) prévio;

• portadores de doenças neuromusculares e/ou distúrbios relacionados à tireóide.

• Também foram excluídos aqueles que apresentaram fatores de risco para complicações pulmonares no pós operatório. como:

• doença pulmonar prévia;

• tabagismo ativo ou cessado há menos de dois meses.

E ainda não participaram da pesquisa aqueles que não souberam realizar a manovacuometria.

Protocolo

No dia da internação, o paciente era recebido pelo fisioterapeuta pesquisador que coletava os seus dados e realizava os testes de força muscular respiratória. Esta era avaliada por meio de um manovacuômetro analógico da marca WIKA, com valores de - 300cmH2O a + 300cmH2O, calibrado de fábrica. A mensuração das pressões respiratórias máximas era realizada com o paciente na posição sentada, segurando firmemente o bucal na boca com os cotovelos fletidos. Para a avaliação da pressão inspiratória máxima (PImáx.), era solicitado que o indivíduo expirasse até o volume residual e, em seguida, realizasse uma inspiração máxima sustentada (manobra de Müller). Já para avaliar a pressão expiratória máxima (PEmáx.), ele realizava uma inspiração máxima até a capacidade pulmonar total, seguida de uma expiração forçada (manobra de Valsalva). O procedimento era realizado três vezes para cada manobra, com 1 minuto de descanso entre elas, e o maior valor era escolhido desde que não ultrapassasse 10% de diferença entre as outras medidas. Caso isso acontecesse, nova mensuração era realizada [11]. Os valores obtidos foram comparados aos da normalidade em relação à população brasileira, sendo expressos em percentagem (%PImáx. e % PEmáx.). Para cada parâmetro, o limiar inferior da normalidade foi obtido subtraindo-se do valor previsto pela equação o produto (1,645 x EPE); se não superasse a diferença assim calculada, o valor medido teria, no máximo, 5% de probabilidades de ser normal e, por isso, já seria considerado diminuído [12].

A coleta de dados foi realizada por meio de uma ficha elaborada pelo pesquisador que era preenchida em dois momentos: no período pré-operatório, com dados de identificação, história clínica, exame físico, exames complementares e de avaliação pulmonar; e no pósoperatório, com dados referentes à cirurgia, pós-operatório e possíveis complicações pulmonares e hemodinâmicas.

Delineamento dos Grupos

Todos os pacientes que chegaram ao serviço para serem submetidos à cirurgia cardíaca eletiva foram avaliados pelo fisioterapeuta pesquisador. Os que tiveram o diagnóstico de insuficiência cardíaca confirmado pelo critério de Boston realizaram a manovacuometria pré-operatória. Em seguida, foram divididos em dois grupos de acordo com a força muscular respiratória: os que apresentaram força muscular respiratória normal, de acordo com a metodologia apresentada, foram alocados no grupo A; já os que tinham esse parâmetro reduzido foram alocados no grupo B.

Acompanhamento pós-operatório

Todos os pacientes foram acompanhados a partir da internação até o momento da alta hospitalar ou óbito pelo mesmo pesquisador. Após a cirurgia cardíaca, este registrava na ficha de coleta de dados a evolução pósoperatória daqueles, principalmente quanto às complicações pulmonares.

Fisioterapia no pós-operatório

Após a cirurgia, todos os pacientes receberam tratamento convencional da equipe de fisioterapia, que constava de dois atendimentos diários, um pela manhã e outro pela tarde, a partir do 1º dia pós-operatório (DPO). Nas sessões, era priorizada a mobilização precoce do paciente, com a transferência do leito para a poltrona, assim que as condições clínicas permitissem, associada a exercícios respiratórios, pressão positiva expiratória, exercícios metabólicos e cinesioterapia ativa para membros superiores e membros inferiores. Ainda era enfatizada, durante o atendimento, a importância da tosse e dos exercícios de respiração profunda durante o resto do dia.

Variáveis estudadas

Variáveis coletadas no pré-operatório

Com o intuito de verificar a homogeneidade entre os grupos ainda no período pré-operatório, foram estudadas as seguintes variáveis nos pacientes participantes da pesquisa:

• características antropométricas: gênero, idade, massa corporal, altura e IMC;

• características clínicas: pressão arterial sistólica (PAS), pressão arterial diastólica (PAD), frequência cardíaca (FC), saturação parcial de oxigênio (SatO2), fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE), classificação funcional (CF) da New York Heart Association (NYHA);

• Etiologia da IC: isquêmica, valvar ou outra.

Tempo de cirurgia e tempo de CEC

As variáveis tempo de cirurgia e tempo de CEC foram anotadas e analisadas, com o objetivo de verificar a homogeneidade entre os grupos durante o procedimento cirúrgico e no pós-operatório.

Avaliação da dor

A coleta da dor foi realizada por meio da Escala Numérica de Mensuração da Dor (END), régua que possui uma escala numérica de 0 a 10, sendo o primeiro valor referente à ausência completa de dor e o último, à maior dor imaginável. Os pacientes foram interrogados a respeito dessa sensação nos três primeiros dias de pós-operatório.

Complicações pulmonares pós-operatórias

A presença de complicações pulmonares foi avaliada diariamente pelos pesquisadores durante todo o período pós-operatório até o momento da alta hospitalar, por meio da avaliação junto à equipe dos exames clínicos e complementares dos pacientes. Qualquer informação importante era anotada na ficha de coleta de dados do pósoperatório.

Foram consideradas complicações pulmonares gerais pós-operatórias a ocorrência de: pneumonia (presença de leucograma aumentado, febre, tosse produtiva e consolidação pulmonar à radiografia); atelectasia unilateral ou bilateral com repercussão clínica evidente (dispneia, dessaturação, febre); insuficiência respiratória aguda (com necessidade de ventilação mecânica invasiva ou nãoinvasiva); ventilação mecânica prolongada (>48h); broncoespasmo (sibilos à ausculta pulmonar); pneumotórax; derrame pleural (resultando em toracocentese). Também foi realizada uma análise estatística considerando-se as complicações pulmonares que poderiam estar diretamente relacionadas à presença de disfunção muscular respiratória no pré-operatório, sendo esta variável denominada complicação pulmonar específica. Foram levadas em consideração as presenças de pneumonia; atelectasia unilateral ou bilateral com repercussão clínica evidente; insuficiência respiratória aguda; ventilação mecânica prolongada (>48h) e derrame pleural.

Tempo de internamento na UTI e total

Quanto às variáveis tempo de internação na UTI e tempo de internação total, o pesquisador anotava na ficha de coleta de dados o dia da alta do paciente da UTI e o dia da alta hospitalar, contabilizando posteriormente o número de dias de internação.

Análise estatística

Os dados obtidos e os resultados foram armazenados em banco de dados utilizando o software Excel, versão 2003, e analisados conforme cálculos estatísticos com o uso do software SPSS, versão 18.0. Considerou-se o nível de significância de 5%, intervalo de confiança de 95%, poder de 0,80 e os testes bicaudais. As variáveis quantitativas foram resumidas mediante média e desvio padrão da média ou mediana e intervalo interquartil, dependendo do mais adequado. Já as variáveis categóricas foram sumarizadas por meio de frequências simples e relativas.

Para a análise das diferentes variáveis quantitativas entre os grupos, foi utilizado o teste t de Student para dados independentes, assumindo-se a homogeneidade das variâncias e para a comparação entre os grupos para análise das variáveis categóricas foi utilizado o teste qui-quadrado e o teste exato de Fisher.

 

RESULTADOS

Caracterização da amostra

Durante o período que compreendeu o estudo, 129 cirurgias cardíacas eletivas foram realizadas no serviço, sendo 64 valvares, 56 coronarianas, e nove por doença da aorta, doenças congênitas e endo/ miocardiopatias. Destes pacientes, 48 foram inicialmente elegíveis para participar da pesquisa por terem o diagnóstico de IC confirmado pelo critério de Boston, porém três foram excluídos por não conseguirem realizar a manovacuometria, dois por serem portadores de doença pulmonar, dois por história de AVC prévio e um por ser tabagista ativo. Sendo assim, obtevese uma amostra total por conveniência de 40 pacientes, que foram distribuídos em grupos de acordo com a avaliação da força muscular respiratória inspiratória. O grupo A foi formado por 21 pacientes que tinham a PImáx normal, e o grupo B por 19 pacientes com a PImáx reduzida.

Características antropométricas

No Grupo A, 15 (71,4%) pacientes eram do sexo feminino e seis (28,6%) do sexo masculino, enquanto no grupo B, 11 (57,9%) eram do sexo feminino e oito (42,1%), do sexo masculino. Apesar de uma frequência maior de mulheres em ambos os grupos, não foi observada diferença estatística entre os grupos em relação ao sexo (P=0,28). Também não foi observada diferença entre os grupos em relação à idade (P=0,60), massa corporal (P=0,53), altura (P=0,63), IMC (P=0,29). Na Tabela 1, estão representadas as características antropométricas dos grupos.

 

 

 

Características clínicas

Na Tabela 2, estão representados os valores referentes às variáveis clínicas. Apenas quanto à PAS observa-se diferença entre os grupos, com P=0,02. Em relação à PAD (P=0,06), FC (P= 0,49), SatO2 (P=0,97), FEVE (P=0,85) e CF-NYHA (P=0,65) os grupos continuaram homogêneos.

 

 

 

Dessa forma, verificou-se que ambos os grupos apresentavam características semelhantes no período préoperatório, o que se mostrou importante para análise da força muscular respiratória.

Etiologia da IC

Em relação ao tipo de cirurgia realizada, 38 pacientes foram submetidos a procedimento para correção ou troca valvar e, em apenas dois, sendo um em cada grupo, foi realizada a revascularização do miocárdio (RM). Esse resultado é reflexo dos dados coletados no pré-operatório quanto à etiologia da IC, já que, no grupo A, 90,5% e, no grupo B, 94,7% dos pacientes apresentaram etiologia valvar.

Tempo de cirurgia e tempo de CEC

O tempo médio de cirurgia do grupo A foi de 285,95 ± 142,27 minutos e do grupo B de 259,74 ± 81,37 minutos, sem diferença estatística (P=0,48). Quanto ao tempo de CEC, a média do grupo A foi de 115,81 ± 63,28 minutos e a do grupo B, 97,74 ± 37,23 minutos, com P=0,28.

Dor no pós-operatório

A Tabela 3 demonstra as médias e desvio padrão, além dos valores de P nos dois grupos em relação à dor nos 1º, 2º e 3º dias pós-operatório (DPO). Como se pode observar, em ambos os grupos, essa sensação foi menor a cada dia e entre os grupos não houve diferença estatística (P= 0,39, P=0,43, P=0,89 para o 1º, 2º e 3º DPO, respectivamente).

 

 

 

Complicações pulmonares no pós-operatório de cirurgia cardíaca

Quanto à presença de complicação pulmonar pósoperatória (CPP), a Tabela 4 demonstra que, no grupo A, 19% dos pacientes (quatro pacientes) apresentaram algum tipo de CPP e, no grupo B, esse percentual foi de 31,6% (seis pacientes).

 

 

 

Porém, quando analisamos as CPP específicas, temos que, no grupo A, três (14,3%) pacientes apresentaram complicação pulmonar contra dois (10,5%) do grupo B. Nas duas análises, porém, não se pode observar diferença estatisticamente significante.

Tempo de internação na UTI e tempo de internação total

A média de dias que os pacientes do grupo A ficaram internados da UTI foi de 3,24±3,10 dias contra 2,94±2,44 dias do grupo B (P=0,75). Já em relação ao tempo total de internação (UTI + enfermaria), o grupo A apresentou 10,53±8,17 dias de média e, o grupo B, 9,18±5,32 dias, também sem diferença estatística (P=0,57).

Dois (10,5%) pacientes no grupo A e dois (10%) no grupo B foram a óbito por motivos diversos e não relacionados à presença de complicações pulmonares.

 

DISCUSSÃO

A presença de complicações pulmonares no pósoperatório de cirurgia cardíaca é considerada umas das principais morbidades deste procedimento [13-15]. Sabese também que pacientes com insuficiência cardíaca estão mais propensos a apresentar redução da força muscular respiratória [6,16].

A partir desses dados, o presente trabalho buscou verificar a influência da força muscular respiratória pré-operatória na presença de complicações pulmonares no pós-operatório de cirurgia cardíaca em pacientes portadores de IC.

Vários trabalhos em humanos e animais já comprovaram que pacientes com IC estão mais propensos a desenvolver disfunção muscular respiratória, apesar desse mecanismo ainda não estar bem elucidado na literatura [16-18].

Nessa pesquisa, 47,5% dos pacientes com IC confirmado pelo critério de Boston apresentaram disfunção muscular respiratória inspiratória, incidência bem menor do que a encontrada por Meyer et al. [19], que verificaram a redução da PImáx. em todos os 244 pacientes com IC avaliados. Além disso, eles observaram que as 57 (25%) pessoas que faleceram no período de acompanhamento do estudo tinham uma redução ainda maior desses valores, e consideraram a avaliação dessa variável como fator preditor independente na insuficiência cardíaca.

Porém, ao analisarmos a gravidade da síndrome dos pacientes nos dois estudos, observamos que os de Meyer et al. [19] eram bem mais graves do que os nossos, com FEVE média de 22±10% contra uma média 56,78±16,77%, no grupo A, e 57,70±13,83%, no grupo B desta pesquisa.

Em outro estudo, Neto et al. [20] avaliaram a PImáx. de 47 pacientes internados com diagnóstico de IC e observaram que 66% tinham fraqueza muscular respiratória, diagnosticada pelo valor da PImáx. 70% abaixo do predito.

A presença de complicações pulmonares tem sido descrita na literatura como a principal causa de morbimortalidade no pós-operatório de cirurgia cardíaca e sua incidência pode variar de 10 a 90% [7,8,15].

A taxa de complicações pulmonares nessa pesquisa, considerando-se ambos os grupos, foi de 25%, não tão diferente do resultado encontrado por Schnaider [21], que teve uma incidência de CPP clinicamente significativa na sua amostra em pós-operatório de cirurgia cardíaca de 38%.

Ao estudar a prevalência de derrame pleural após cirurgias cardíacas, Labidi et al. [22] também encontraram que apenas 192 (6,6%) dos 2892 pacientes tiveram derrame pleural significante com necessidade de toracocentese.

Em contrapartida, Ortiz et al. [13] encontraram uma incidência de 87% de complicação pulmonar no pósoperatório de cirurgia cardíaca, sendo que 65% apresentaram atelectasia e 84% derrame pleural. Porém, os autores afirmam na sua discussão que essa alta porcentagem se deu porque o critério utilizado para estabelecer CPP foi muito abrangente, sem necessariamente considerar a relevância clínica.

Resultado semelhante foi encontrado por Jensen & Yang [23], que tiveram uma prevalência de 99,4% de CPP no pósoperatório de revascularização do miocárdio. Atelectasias e derrame pleural foram as complicações mais freqüentes e o diagnóstico era dado apenas pelo exame radiológico.

Vargas et al. [24] estudaram por meio de tomografia computadorizada (TC) a presença de atelectasias e derrame pleural no pós-operatório de cirurgias de RM e encontraram que todos os pacientes tinham no 2º DPO algum grau de atelectasia ou derrame pleural. Entretanto, eles também afirmam que na sua grande maioria as efusões pleurais observadas pela TC eram mínimas e as atelectasias laminares, ou seja, grande parte desses achados pode não ser observada à radiografia.

Observa-se que há grande divergência na literatura a respeito do que sejam complicações pulmonares pósoperatórias e de como é dado esse diagnóstico, e talvez por isso haja essa grande variação de incidência. Nesse trabalho, optou-se por fazer duas análises: uma geral e outra específica.

Na análise geral, 19% dos pacientes do grupo A e 31,6% dos pacientes do grupo B apresentaram alguma CPP, sem diferença estatística (P=0,29). Na análise específica, observou-se que o grupo A teve 14,3% de CPP, enquanto o grupo B, 10,5%. Da mesma forma, não houve diferença entre os grupos (P=0,55).

Resultado semelhante foi encontrado recentemente por Schnaider [21], ao avaliar se a força muscular respiratória no pré-operatório poderia influenciar a evolução após cirurgias de revascularização do miocárdio. Foi encontrado um aumento do risco para os pacientes do grupo com disfunção muscular respiratória (n= 11) desenvolverem CPP em relação ao controle (n=13) com Risco Relativo (RR) de 2,364 e odds ratio (OR) de 4, porém sem confirmação estatística, provavelmente em decorrência da amostra reduzida.

Riedi et al. [25] também concluíram que a força muscular respiratória pré-operatória não pôde ser utilizada como preditor de complicações respiratórias no pós-operatório de cirurgia cardíaca em seu trabalho.

Por outro lado, ao avaliarem 70 pacientes que foram submetidos à laparotomias e toracotomias superiores eletivas, Bellinetti & Thomson [9] verificaram um RR de 5,5 para CPP em pacientes com disfunção muscular respiratória quando comparados aos que tinham força muscular normal, com diferença estatisticamente significante.

Também não foram observadas neste trabalho diferenças estatísticas quanto ao tempo de internação em UTI e tempo total de internação hospitalar (UTI+enfermaria), corroborando com os resultados de Schnaider [21], que também não verificou essa diferença quando comparou pacientes com disfunção muscular respiratória submetidos à RM em relação ao grupo controle.

Mais uma vez, Bellinetti & Thomson [9] encontraram resultados opostos. Eles observaram visível diferença nas médias do número de dias, embora tenha sido estatisticamente significativa somente no número total de dias de internação. Guedes [10] observou correlação negativa entre PImáx. e tempo de internação pós-operatória em cirurgias torácicas eletivas (r=-0,64; P= 0,02).

A baixa porcentagem de pacientes que evoluíram com CPP nessa pesquisa pode estar relacionada a uma atuação positiva da equipe de fisioterapia do hospital, que já a partir no 1ºDPO atua incentivando a mobilização precoce do paciente, exercícios respiratórios de expansão pulmonar e tosse. Geralmente, a partir do 2º DPO, o paciente já está fora do leito e isso contribui de maneira significante para a redução das taxas de hipoventilação, para a melhora da mobilização diafragmática e, consequentemente, reduz as chances de o paciente desenvolver complicações pulmonares. A abordagem fisioterapêutica assume, portanto, papel de destaque no pós-operatório de cirurgias cardiovasculares, buscando reduzir a incidência de complicações pulmonares pós-operatórias [26-32].

Soma-se a esse fator o fato de apenas termos levado em consideração as complicações com importância clínica, o que reduz ainda mais a incidência de CPP. Como já discutido, os trabalhos não têm critérios uniformes para analisar essas complicações, alguns as considerando apenas pela imagem radiológica, outros, como neste estudo, as considerando apenas quando presente algum sinal de importância clínica associado aos exames complementares.

Diante da importância do tema e da divergência dos resultados, é de grande relevância a realização de outras pesquisas que investiguem o papel da disfunção muscular respiratória como fator de risco para desenvolvimento de complicações pulmonares no pós-operatório de diversas cirurgias.

 

CONCLUSÃO

A disfunção muscular pré-operatória, verificada pela pressão inspiratória máxima, em pacientes com insuficiência cardíaca submetidos à cirurgia cardíaca, parece não exercer influência na incidência de complicações pulmonares pósoperatórias.

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Article receive on quinta-feira, 5 de maio de 2011

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