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ARTIGO ORIGINAL

Transplante isolado de pulmão: experiência da Escola Paulista de Medicina

José Ernesto Succi; Vicente Forte; João Alessio B. T Perfeito; Osvaldo S Beppu; José Antônio B Martinez; Ênio Buffolo; Luiz Eduardo V Leão; Manuel Lopes Santos

DOI: 10.1590/S0102-76381991000300001

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Discussão

DR. JOSÉ PEDRO DA SILVA
São Paulo, SP

Esse trabalho, embora seja o estudo de apenas dois casos, é rico em boas informações sobre o transplante de pulmão isolado, cujo sucesso ficou evidente, a partir de 1983. A nossa experiência maior é com transplante cardiopulmonar, que iniciamos em 1988 e realizamos em cinco pacientes. Uma dentre esses pacientes, portadora de hipertensão pulmonar primária, cujo coração possibilitou o transplante de uma miocardiopata em fase final com grande hiperresistência vascular pulmonar secundária, fez cateterismo cardíaco um ano após o transplante cardiopulmonar. Houve o desenvolvimento de excelente circulação colateral das artérias coronárias para as brônquicas. Com a publicação de bons resultados com transplante pulmonar isolado, principalmente pelos grupos Patterson e Trinkle, passamos a utilizar essa técnica no tratamento da hipertensão pulmonar primária. Esse método tem a desvantagem inicial de submeter o pulmão transplantado a 90% do débito cardíaco, mas, teoricamente, é melhor a longo prazo, porque exclui os problemas de rejeição cardíaca. Operamos dois pacientes com hipertensão pulmonar primária, sendo que o primeiro apresentava grande ventrículo direito e insuficiência tricúspide. Com o transplante, houve redução marcante do VD e a insuficiência tricúspide desapareceu. Essa paciente teve parada cardíaca durante broncoscopia para aspirar coágulo que obstruía a anastomose brônquica. Foi difícil a recuperação. No 2º dia após a cirurgia, apresentou fibrilação ventricular e, após nova sessão de massagem cardíaca, desenvolveu insuficiência cardíaca, sendo colocada em circulação assistida e veio falecer no 3º dia de pós-operatório. O 2º caso foi de paciente que foi bem na cirurgia, mas morreu no 12º dia de pós-operatório, devido a empiema pleural seguido de choque séptico. Esses insucessos foram acidentais, mas acreditamos que o transplante pulmonar isolado seja a opção mais racional na hipertensão pulmonar primária, porque também permite o benefício de dois pacientes com um mesmo doador.

DR. LUIZ FELIPE JÚDICE
Niterói, RJ

Agradeço à Comissão Organizadora deste congresso a gentileza do convite para comentar este excelente trabalho. O Dr. Succi apresenta a experiência da Escola Paulista de Medicina em dois casos de transplante isolado de pulmão. Usou, no primeiro caso, a metodologia preconizada pelo Dr. Trinkle, ou seja, a utilização de prednisona desde o per-operatório, anastomose brônquica por telescopagem e proteção à anastomose com gordura pericárdica. No segundo caso, observamos algumas diferenças importantes, que comentaremos a seguir: 1) Realizou um transplante lobarcom anastomose ao nível do brônquio principal e, conseqüentemente, com um coto brônquico mais longo, e sutura adicional para fechamento do brônquio intermediário. 2) A anastomose brônquica foi feita sem telescopagem porque havia discrepância entre os calibres brônquicos. Imagino que, se o pulmão doador era maior, o brônquio doador também deveria ser maior. 3) O pulmão doador estava aderido, ocasionando retirada trabalhosa e talvez traumática, ou, pelo menos, com manuseio excessivo. 4) O pulmão doador tinha fissura incompleta e, após a retirada, foi submetido a uma lobectomia, com conseqüente manuseio adicional do parênquima lobar. Gostaria de perguntar ao Dr. Succi se ele considera que o manuseio do lobo transplantado, que, sem dúvida, foi diferente do primeiro caso, poderia ter representado algum papel na gênese do edema pulmonar que causou o óbito do paciente.

DR. ORIANE LIMA
São José do Rio Preto, SP

O transplante oferece a oportunidade de monitorização do novo pulmão, para detectar sinais de possível recorrência da doença primitiva em condições tais como deficiência de α -1 antitripsina, fibrose pulmonar idiopática, fibrose cística, hipertensão pulmonar primária e linfangioleiomiomatose. Nós acreditamos que esta é uma preocupação atual da EPM em relação ao caso 1. É interessante imaginar qual teria sido a logística, caso a biopsia pulmonar ou a biopsia retal tivessem sido positivas para esquistossomose. Teriam feito o transplànte? O cruzamento da barreira imunológica é a regra nos transplantes de pulmão, e, aí, a freqüência dos episódios de rejeição, rejeições refratárias aos imunosupressores e, especula-se, até mesmo o desenvolvimento de bronquiolite obliterante. No 1º caso da EPM, não ocorreram episódios de rejeição. A que os autores atribuem este fato? Seria interessante saber o estudo do perfil imunológico, neste caso. Talvez um PRA com um percentual baixo de reatividade; um cross match negativo a 37º ou, até mesmo, positivo a 4º ; e a coincidência de antígenos do HLA pudesse explicar a pauéidade imunológica do caso 1. Com relação à imunosupressão, nós acompanhamos ativamente a realização de 35 casos de transplantes, em St. Louis. Destes, em 29 casos foi usado ALG, sem que se observasse toxidade aguda da droga. Recentemente, usamos ALG no transplante de São José do Rio Preto, sem maiores problemas. O critério para o uso do ALG é que o seu uso, concomitantemente com o uso venoso de ciclosporina e imuran, permite o controle inicial da fase aferente da resposta imunológica, sendo possível controlar os episódios de rejeição com doses diminuídas de bolus de solumedrol. Não se discute o comprovado valor clínico do omento; o que se discute é o fato do omento estar no abdome. Por isso, diversos grupos estudam a utilização alternativa de tecidos, como: músculo intercostal, gordura prépericárdica, artéria mamária interna, retalho de pericárdio e revascularização de artérias brônquicas. Não se conhece, ainda, a real freqüência moderna das complicações brônquicas; o que se sabe é que elas ocorrem nos diversos centros. Sua ocorrência é multifatorial e complexa. Na clínica, nós associamos intimamente a possibilidade de complicações brônquicas com os seguintes fatores de risco: pré-operatório - corticodependência, infecção; per-operatório - dificuldade técnica, doença brônquica, má preservação pulmonar; pós-operatório - infecção, diminuição da complacência, fator mecânico, broncomalácia, doses aumentadas de bolus de solumedrol, ventilação prolongada. É intrigante a lógica de primeira abordagem que levou o Dr. Kent Trinkle a operar corticodependentes, utilizar corticóide no per e no pós-operatório e não utilizar nenhum tipo de tecido para envolver aanastomose, como intrigante é o fato de não ter complicação brônquica (23 casos, até abril 1990). A telescopagem nem sempre é possível de ser realizada como recurso técnico (caso 2 da EPM). Nós gostaríamos de perguntar se o uso do retalho pediculado de gordura prépericárdica (experiência de Mineápolis e Arizona, baseado no trabalho de Brewer, que chamava este tecido de omento torácico), não foi o fator técnico mais importante, especialmente na ausência de intercorrências no pós-operatório? É interessante notaro recente trabalho do grupo de Pittsburgh. Este grupo estudou as alterações da cartilagem dos brônquios proximais após transplantes, observando crescimento fibrovascular, calcificação e ossificação. Os autores concluíram que, mesmo com o omento, uma perfusão incompleta pode funcionar como um mecanismo que pode contribuir para infecção, bronquiectasia e bronquiolite obliterante. Assim, a história da revascularização brônquica ainda não está toda contada. A decisão de protocolo da EPM é extremamente interessante e o resultado, significativo. Nós achamos que uma controvérsia em Medicina só é estimulante com bons resultados entre duas teorias. Eu gostaria de me congratular com meus amigos do 14º Grupo de Transplante Pulmonar da EPM, por esta muito importante contribuição clínica, na área dos transplantes de pulmão, à cirurgia torácica brasileira.

DR. SUCCI
(Encerrando)

Agradeço as palavras de estímulo dos colegas comentadores e, incicialmente, respondo ao Dr. Luis Felipe Júdice: a realização da lobectomia e preparação ex-vivo do lobo do doador para o implante foi técnicamente fácil e consideramos pouco traumática para o parênquima pulmonar. O emprego de sutura mecânica na cisura incompleta e no coto brônquico do lobo inferior facilitou, sobremaneira, o procedimento. Ao Dr. Oriane Lima: muito nos honram as palavras de estímulo vindas de um dos pioneiros em pesquisa sôbre transplante pulmonar. A ausência de episódios de rejeição, até o momento, no primeiro caso, provavelmente traduza uma rara identidade imunológica que não pudemos comprovar, pois não houve tipagem HLA retrospectiva. Mas, a nosso ver, também comprova a eficácia do esquema tríplice imunossupressor adotado. Em relação à proteção da anastomose brônquica, após estas experiências iniciais com gordura pericárdica e telescopagem, estamos inclinados a não utilizar o omento para os próximos casos. Concordamos que a história da revascularização brônquica não está toda contada, havendo inúmeros fatores nela envolvidos, mas acreditamos que haja correlação com falha na imunossupressão. Ainda, se a biopsia retal fosse positiva, não realizaríamos o transplante. Agradeço, também, ao Dr. José Pedro da Silva a participação nos comentários.

REFERÊNCIAS

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