Article

lock Open Access lock Peer-Reviewed

554

Views

ARTIGO ORIGINAL

Tratamento cirúrgico da tetralogía de Fallot no adulto

Carlos R MoraesI; Jorge V RodriguesI; Cláudio A GomesI; Euclides A TenórioII; Fernando Moraes NetoI; Cleusa L SantosI; Sandra S MattosII; Ivan L CavalcantiII

DOI: 10.1590/S0102-76381991000200002

Texto completo disponível apenas em PDF.



Discussão

PROF. E. J. ZERBINI
São Paulo, SP

Em primeiro lugar, desejo cumprimentar o Professor Carlos Roberto Moraes e colaboradores pela importância e oportunidade deste trabalho. No segundo grupo de 14 pacientes, com idades entre 16 e 43 anos, operados a partir de 1978, com melhor experiência, com perfusão hipotérmica e melhor proteção miocárdica, não houve mortalidade e os autores observaram menos complicações não fatais. Outro pormenor que deve ser elogiado é o seguimento tardio de todos os pacientes, difícil no nosso meio. Em segundo lugar, os autores demonstraram que o paciente adulto e idoso com tetralogia de Fallot apresenta morfologia mais favorável, que permitiu sua sobrevida. Treze pacientes (na série de 29) apresentavam obstrução no plano transverso (óstio infundibuli), de fácil ressecção, com formação de terceira câmara; somente 15 doentes exibiam estenose valvar e somente um apresentava hipoplasia do anel pulmonar. Em terceiro lugar, gostaria de mencionar os resultados tardios. Vinte e cinco sobrevivente foram seguidos por 1560 pacientes-meses (média 62 meses). Houve um óbito tardio por acidente automobilístico e duas reoperações com sucesso, por estenose infundibular residual e reabertura da comunicação interventricular. Os demais pacientes estão assintomáticos. Vários estudos demonstraram que mesmo pacientes assintomáticos após a correção cirúrgica da tetralogia de Fallot apresentam significativas e severas alterações da função dos ventrículos com repercussão hemodinâmica. Os autores chamam a atenção para a presença de fibrose miocárdica e alterações pulmonares irreversíveis no adulto e idoso, lesões que se iniciam nos primeiros meses de vida e se agravam com a evolução. Rachel Snitcowsky demonstrou que a diminuição da contratilidade miocárdica está "relacionada à alteração intrínseca da fibra cardíaca". Borow, Castañeda e colaboradores mostraram que, após a correção cirúrgica, a função do ventrículo esquerdo é normal em repouso, mas que alterações da função do ventrículo esquerdo são observadas durante o exercício, quando a correção cirúrgica foi realizada em pacientes com mais de dois anos de idade. Em quarto lugar, gostaria de sugerir ao professor Carlos Moraes, a partir de sua experiência atual, o estudo de um terceiro grupo de pacientes adultos, submetidos à correção por via atrial, que apresenta as seguintes vantagens: 1) o procedimento é realizável na maior parte dos pacientes porque a morfologia é favorável no adulto; 2) evita a ventriculotomia ou a ampliação da via de saída do ventrículo direito por próteses, que podem causar arritimias e interferem na função do ventrículo; 3) permite a possível preservação da musculatura da via de saída do ventrículo direito, pois as exageradas ressecções musculares podem repercutir na futura alteração funcional; 4). mesmo quando é necessária a ampliação do anel pulmonar e da parte mais distai da via de saída do ventrículo direito, a ventriculotomia é de mínima proporção quando se emprega a via atrial; 5) é possível que o estudo da função dos ventrículos em exercício no seguimento tardio dos pacientes comprove a vantagem da correção por via atrial nos adultos. É mais uma proteção intra-operatória que oferece menor agressão ao miocárdio já tão alterado. Muito obrigado.

DR. CID NOGUEIRA
Brasília, DF

Inicialmente, desejo agradecer à ilustra Comissão Organizadora do 18? Congresso Nacional de Cirurgia Cardíaca a deferência ao convidar-me para comentar oficialmente o excelente trabalho Tratamento Cirúrgico da tetralogia de Fallot no adulto, apresentado pelo Prof. Carlos Roberto Moraes e seus colaboradores. Meu interesse na cirurgia corretiva da tetralogia de Fallot data dos tempos de residência médica; na década de 50. Em 1961, publicávamos os primeiros resultados da cirurgia para correção total desta malformação, numa série de 50 casos, operados consecutivamente, onde se incluíam pacientes adolescentes e adultos. Nos trinta anos decorridos desde então, muitos foram os progressos alcançados pela cirurgia cardíaca. Nos países desenvolvidos, esses progressos fizeram com que, atualmente, pacientes com cardiopatias congênitas, raramente atinjam a adolescência ou a idade adulta sem serem submetidos à cirurgia corretiva. Estudos realizados sobre a evolução natural da tetralogía de Fallot, demonstram que apenas 11% desses pacientes atingem os 20 anos de idade. A mortalidade é bastante alta (36%) no primeiro ano de vida, diminuindo gradualmente até os 10 anos de idade, quando então se estabiliza, passando a apresentar uma taxa anual constante em torno de 6,4%. Em decorrência desse fato, apenas 11% dos pacientes com tetralogía de Fallot estarão vivos aos 20 anos, 6% aos 30 e 3% aos 40 anos. Atualmente, em conseqüência da evolução natural da doença e da maciça ocorrência do tratamento cirúrgico curativo precoce, nos países desenvolvidos raros são os centros especializados que apresentam séries estatisticamente consideráveis de pacientes operados na adolescência e na idade adulta. Somente os centros de referência, que atendem aos pacientes procedentes de áreas sócio-economicamente subdesenvolvidas, acumulam experiência com a cirurgia da tetralogía de Fallot no adulto. Este é o primeiro ponto a ser destacado na importância do trabalho aqui apresentado pelo grupo do Recife. Note-se ainda que, dos 29 pacientes operados entre os 16 e os 43 anos de idade (média 21 anos) somente dois haviam sido submetidos anteriormente a cirurgias paliativas (Blalock-Taussig). Os vinte e sete pacientes restantes cumpriram o doloroso calvário da evolução natural da doença. Esta série, apresentada pelo Prof. Carlos R. Moraes é diferente da que constitui o trabalho de Beach, do Columbia Presbyterian Medical Center de New York, onde dos 64 pacientes submetidos à correção total da tetralogía de Fallot, a partir dos 15 anos de idade, 56 haviam sido submetidos a cirurgias paliativas prévias; que certamente alteraram a sua evolução natural para melhor e criaram melhores condições clínicas para o momento da cirurgia corretiva. Menos anoxia, menores alterações sangüíneas; menor sangramento pós-operatórios, menor morbidade e mortalidade relacionadas às discrasias sangüíneas. Ao publicar sua obra "The tetralogy of Fallot from a surgical viewpoint", em 1970, Kirklín já havia estabelecido os fundamentos básicos da correção total dessa cardiopatia congênita cianótica. O grupo do Recife, ao adotar a técnica cirúrgica por ele desenvolvida, reproduzindo-a com perfeição, foi capaz de realizar, em todos os casos, a correção eficaz da malformação. As melhorias introduzidas na perfusão e na proteção miocárdica fizeram com que a mortalidade e a morbidade observadas no grupo I da série baixassem a zero no grupo II; operado a partir de 1978, beneficiando-se da melhor perfusão oferecida pelos oxigenadores descartáveis, da perfusão com hipotermia sistêmica a 24ºC e da proteção miocárdica através da infusão coronária de solução cardioplégica gelada e da hipotermia tópica do coração. Foi o apoio eficaz desses métodos de suporte, associados a uma técnica eficaz perfeitamente aplicada na correção total da tegralogia de Fallot, que permitiu ao Prof. Carlos R. Moraes e seus colaboradores alcançarem o grau de excelência observado no grupo II desta série. Certamente o uso da cardioplegia contribuiu para que se pudesse realizar com aprimoramento de detalhe técnico o fechamento da CIV evitando lesões do sistema de condução atrioventricular que sempre influem desfavoravelmente nos resultados. É bom lembrar que o destino dos pacientes submetidos à correção total da tetralogia de Fallot se decide no ato operatório. A melhor avaliação pré-operatória e a melhor rotina pós-operatória não constituem substitutivo para uma operação eficas. A evolução tardia dos 25 pacientes que receberam alta hospitalar evidencia o bom resultado alcançado. O único óbito observado foi uma fatalidade (acidente automobilístico) e não altera os bons resultados a longo prazo. É evidente que a cirurgia corretiva da tetralogia de Fallot, praticada no paciente adolescente ou adulto, melhora consideravelmente sua qualidade de vida, permite sua recuperação funcional e prolonga sua vida. Uma série de 22 pacientes com tetralogia de Fallot, adolescentes e adultos com idades entre 16 e 58 anos, foram operados pessoalmente por mim, no período de abril de 1971 a outubro de 1984, no Hospital dos Servidores do Estado e no Rio-Cór (Rio de Janeiro) e no Hospital das Forças Armadas, em Brasília. Os princípios técnicos usados na cirurgia foram semelhantes aos empregados pelo grupo do Recife. A mortalidade hospitalar foi de 9,09% e a evolução pós-operatória tardia foi extremamente gratificante em 19 pacientes. Uma paciente, operada aos 42 anos de idade, evoluiu inicialmente bem, mas veio a falecer em franca insuficiência cardíaca no 5º ano de pós-operatório. Uma avaliação hemodinâmica e angiocardiográfica realizada oito meses antes do óbito demonstrou que a correção estava completa mas que a paciente desenvolvera hipertensão pulmonar severa. Cumprimento o Prof. Carlos Moraes e seus colaboradores pelo magnífico trabalho e me contragulo com o auditório por havermos tido a oportunidade e o privilégio de assistir à sua brilhante apresentação. Muito obrigado.

DR MORAES
(Encerrando)

Agradeço ao Dr. Cid Nogueira, pelo comentário, que veio enriquecer a apresentação deste trabalho. Com relação ao prof. Zerbini, obrigado pelas palavras elogiosas e, respondendo à sua única pergunta formulada, temos experiência com a correção da tetralogia de Fallot por via atrial em crianças pequenas, nas quais o componente infundibular não é tão acentuado quanto no adulto. Meus agradecimentos à Comissão Organizadora, pela oportunidade desta nossa participação.

REFERÊNCIAS

1. BEACH Jr., P. M.; BOWMAN Jr., F. O.; KAISER, G. A.; MALM, J. M. - Total correction of tetralogy of Fallot in adolescents and adults. Circulation, 43: (Supl. 1): 37-43, 1971.

2. BERTRANOU, E. G.; BLACKSTONE, E. H.; HAZELRIG, J. B.; TURNER, M. E.; KIRKLIN, J. W. - Life expectancy without surgery in tetralogy of Fallot. Am. J. Cardiol., 42: 458-466, 1978. [MedLine]

3. COLES, J. C.; GERGELY, N. E.; BOTTIGLIERO, J. B. - Congenital heart disease in the adult. Arch. Surg., 89: 130-133, 1964. [MedLine]

4. GERBODE, F.; KERTH, W. J.; SABAR, E. F.; SELZER, A.; OSBORN, J.J. - The operative treatment of congenital heart lesions in adults. J. Thorac. Cardiovasc. Surg., 48: 601-603, 1964.

5. HU, D. C. K.; SEWARD, J. B.; PUGA, F. J.; FUSTER, V.; TAJIK, A. J. - Total correction of tetralogy of Fallot at age 40 and older: long-term follow-up. J. Am. Coll. Cardiol., 5: 40-44, 1985. [MedLine]

6. RYGG, I. H.; OLESEN, K.; BOESEN, I. - The life history of tetralogy of Fallot. Dan. Med. Bull., 18: (Supl. 2): 25-30, 1971. [MedLine]

CCBY All scientific articles published at bjcvs.org are licensed under a Creative Commons license

Indexes

All rights reserved 2017 / © 2024 Brazilian Society of Cardiovascular Surgery DEVELOPMENT BY