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ARTIGO ORIGINAL

Cirurgia cardíaca fetal: características hemodinâmicas da placenta durante circulação extracorpórea

Renato S Assad; Fan-Yen Lee; Kim Berger; Frank I Hanley

DOI: 10.1590/S0102-76381991000100007

Texto completo disponível apenas em PDF.



Discussão

DR. OTONI MOREIRA GOMES
Belo Horizonte, MG

Dr. Renato S. Assad, o senhor referiu variações aleatórias de parâmetros vetores da pesquisa como fluxo e pressão de perfusão, momento de administração e duração do efeito do nitroprussiato de sódio, que é geralmente fugaz. Numa investigação com apenas sete experimentos, essa aleatoriedade de vetores impede o alinhamento de resultados necessários à constituição do corpo científico do estudo. Isto prejudicou nosso engajamento solidário, durante a análise deste trabalho, que é original, atual, muito útil e promissor. As conclusões e os efeitos obtidos pareceram-nos dependerem muito mais da vivência dos pesquisadores, nos diferentes momentos da investigação, do que das possibilidades oferecidas pela análise e estatística dos resultados expressos e redigidos. Três conclusões principais foram destacadas pelo senhor: 1) a resistência vascular placentária (RVP) aumenta quando o fluxo de perfusão desce aquém de 150 ml/kg/min, ou com a redução da pressão de perfusão abaixo de 40 mmHg. Essa interpretação é semelhante à descrita por Replogle e Lillehei, em 1962, para a variação da resistência vascular sistêmica (RVS) durante a CEC, razão pela qual, desde aquela data, preconiza-se a rotina de fluxo arterial entre 2.200 e 2.400 ml/m2/sup. corp. em pequenos pacientes; 2) a RVP aumenta com a hipotermia. Essa conclusão é, também, absolutamente semelhante à estabelecida por Lopez-Bello e colaboradores e por OZ e colaboradores, em 1960, estudando a RVS com CEC hipotérmica. Aqui, uma das razões para a manutenção do fluxo de perfusão durante hipotermia moderada, evitando-se somação de dois efeitos vasoconstritores: hipotermia e hipofluxo. Ademais, sabe-se que, abaixo de 26ºC, cessa o efeito vasoconstrictor da hipotermia. Assim, existe analogia total entre a resposta vascular placentária entendida nesta pesquisa e os conhecimentos sedimentados sobre comportamento do RVS durante perfusão artificial, normotérmica e hipotérmica. Esse fato é reforçado pela experiência com cirurgia cardíaca em gestantes, onde sabemos que a CEC estável, não complicada, é provavelmente um dos fatores menos nocivos ao feto, de todo o procedimento. Em nosso Serviço, foram operadas duas pacientes gestantes (2º e 3º mês de gestação, respectivamente), com lesões mitráis, que deram à luz conceptos normais a termo. Com relação à 3º conclusão, de que as variações da RVP dependam do mecanismo da resistência de Starling, entendemos que problemas relevantes de metodologia da pesquisa prejudicam sua cristalização científica. Igualmente, de modo quase empírico, preferimos admitir que as variações descritas na RVP, em tudo idênticas às da RVS durante CEC, tenham dependido de modificações angiocinéticas na primeira zona de arterialização placentária e não de fenômenos extrínsecos na zona de microcirculação.

DR. ASSAD
(Encerrando)

Em primeiro lugar, gostaria de agradecer ao Dr. Otoni o seu comentário. A circulação do corpo humano apresenta um sistema complexo de controle do tônus vascular e do fluxo sangüíneo para diferentes órgão e tecidos. Os três maiores componentes deste sistema incluem mecanismos locais, neuronais e humorais. Por outro lado, a vasculatura feto-placentária é desprovida de inervação, além de não apresentar mecanismo autoregulador, o que a diferencia fisiológica e anatomicamente da circulação sistêmica. Por esses motivos, acreditamos que as alterações da resistência placentária não dependam apenas de "modificações angiocinéticas na primeira zona de arterialização placentária". Tendo em vista o fato de que a principal causa de morbidade e mortalidade fetal após a CEC está relacionada à disfunção placentária por alterações hemodinâmicas da mesma, e que pouco se entende a respeito das respostas hemodinâmicas da placenta à CEC, seria apropriado, no atual nível de conhecimento, examinar a placenta isoladamente, com o objetivo de observar a resposta intrínseca da placenta em condições de CEC. Em relação ao nitroprussiato de sódio, sua infusão foi mantida constante durante todo o experimento, após o ajuste inicial da dose ideal, independentemente de variação do fluxo placentário. Portanto, sua ação "fugaz" foi controlada pela sua infusão contínua através de uma bomba. A relação inversamente proporcional entre fluxo e resistência em condições de baixo fluxo e/ou baixa pressão de perfusão placentária foi uniformemente observada em todos os experimentos. Como as curvas e cada experimento foram estatisticamente significantes (p < 0,003), consideramos o número de experimentos realizados (sete) o suficiente para se obterem resultados estatisticamente significantes. Portanto, as conclusões aqui expostas foram baseadas nos dados concretos de análise de regressão linear expressas nos gráficos apresentados. Sobre a hipotermia como não haviam sido demonstradas anteriormente essas alterações nesse peculiar leito vascular placentário, é prudente a pesquisa dessa condição durante a CEC. O aumento da resistência vascular placentária durante a hipotermia pode ser explicado principalmente pelo aumento da viscosidade sangüínea. Para temperatura abaixo de 26ºC, a viscosidade sangüínea seria maior ainda, o que proporcionaria maior resistência vascular placentária, uma vez que o tônus vascular placentário foi minimizado pela administração de um vasodilatador direto da musculatura lisa vascular. A circulação placentária é dividida em duas partes distintas: a materno-placentária e a feto-placentária. O estudo realizado avalia o comportamento hemodinâmico da circulação feto-placentária. Em relação à circulação materno-placentária, é sabido que a vitalidade fetal durante a cirurgia cardíaca em gestantes está diretamente relacionada a uma CEC estável, isto é, aporte normal de oxigênio, nutrientes e remoção de metabólitos tóxicos da circulação fetal, garantidos por uma boa pressão de perfusão e saturação de O2 adequada durante a CEC. Estudos de Kaufmann, publicados em 1985, no periódico Contributions to Gynecology and Obstetrics, mostram que a isquemia de um a dois minutos da circulação maternoplacentária é seguida de alterações ultra-estruturais severas da placenta, confirmando a absoluta necessidade de uma pressão de perfusão e de saturação de O2 adequadas durante a intervenção materna. Quanto ao mecanismo da resistência de Starling, o qual foi exaustiva mente discutido, achamos que outros mecanismos de aumento da resistência vascular durante o baixo fluxo e/ou pressão de perfusão podem também estar presentes. Qualquer que seja o mecanismo, a principal mensagem deste trabalho reside no fato de que a normotermia e um fluxo e/ou pressão de perfusão umbilical adequados são primordiais para manter a resistência placentária baixa, vital para a manutenção das trocas gasosas e, conseqüentemente, para a sobrevida fetal durante e após a cirurgia cardíada. Muito obrigado.

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