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ARTIGO ORIGINAL

Tratamento cirúrgico da insuficiência mitral em crianças: dez anos de técnicas reparadoras

Francisco Gregori JrI; Samuel S SilvaII; Osney MoureIII; Roberto TakedaIV; Luciano FaçanhaIII; Icanor RibeiroIII; Luiz GóisIV; José SiqueiraI; Thelma F GregoriV; Ascêncio G LopesV; Pedro KrelingII; Luiz C MiguitaIV; Celso CordeiroIV

DOI: 10.1590/S0102-76381989000300004

Texto completo disponível apenas em PDF.



Discussão

DR. PAULO ROBERTO ÉVORA
Ribeirão Preto, SP

Após cerca de duas décadas da sua introdução, a cirurgia reparadora da valva mitral tem aumentado, no tratamento da sua insuficiência. Os argumentos favorecendo a troca valvar sobre as correções plásticas baseiam-se na dificuldade de aquisição e aperfeiçoamento em um complexo de técnicas, além da suspeita sobre, a duração destas cirurgias a médio e longo prazo. Alguns autores, como Bashour, Galloway e o próprio Carpentier, apresentam a elitista opinião, com a qual não concordamos, de que a prática da cirurgia conservadora da insuficiência mitral deva ser restrita a poucos centros. De qualquer forma, se este argumento é válido, o Serviço de Cirurgia Cardíaca de Londrina é, sem dúvida, um centro de referência neste campo. Por este motivo, eu e o Hospital do Coração de Ribeirão Preto, instituição que represento, sentimo-nos muito honrados e orgulhosos pela lembrança para ser eu um dos comentadores oficiais deste trabalho. Além deste, outras publicações nacionais e internacionais atestam a criatividade e a importância do Dr. Gregori neste setor da cirurgia cardíaca. Meus agradecimentos à Comissão Organizadora do 16º Congresso Nacional de Cirurgia Cardíaca. O grupo de Londrina apresenta uma experiência em que 53 pacientes com idade entre 4 e 16 anos (74,6% de um total de 73) foram submetidos a procedimentos plásticos do aparelho valvar mitral. Destes, em apenas duas crianças não se empregaram anéis rígidos, sendo utilizados 41 anéis de Carpentier e 10 anéis abertos Gregori-IMC associados a outras intervenções sobre as cúspides e aparelho subvalvar. O índice de reoperação nesta série foi de 5,7% em 10 anos, resultado comparável e, muitas vezes, superior a grandes séries internacionais. (Bachour et alii - Am. Heart J., 113: 1199-1206, 1987). Apenas um paciente faleceu, em uma reoperação com baixíssimo índice de mortalidade de 1,9%. Vinte e cinco pacientes estão operados há mais de 7 anos, atestando a durabilidade dos procedimentos plásticos mitrais. Entre os pacientes submetidos a controle com estudo hemodinãmico, dois pacientes com anel de Carpentier apresentaram gradiente transvalvar aórtico não superior a 20 mm/Hg, que é um valor desprezível. A obstrução do trato de saída do ventrículo esquerdo tem sido descrita como complicação em cerca de 12% das valvoplastias com anel de Carpentier em casos de degeneração mixomatosa e nunca em casos de outras etiologias, incluindo as alterações reumáticas mitrais (Schiavone et alii - Circulation, 78 (Supl. 2): 60-65, 1986). Uma explicação tem sido estudada pelo próprio grupo do Dr. Carpentier, que atribui este fato, principalmente, ao excessivo estreitamento do ângulo mitro-aórtico e ao excessivo deslocamento da cúspide mitral posterior (Mihaileanu et alii - Circulation, 78 (Supl. 2): 78-84, 1986). O anel mitral é uma estrutura dinâmica que se contrai durante a sístole à maneira de um esfincter. Esta função é, compreensivelmente, deficiente em casos de grande dilatação anular ou calcificação. Além disso, tem-se enfatizado que a dilatação do anel mitral envolve apenas a sua porção posterior e nunca o anel do folheto aórtico, que é parte do esqueleto fibroso do coração. Estes detalhes anatomofuncionais justificam o emprego dos anéis Gregori-IMC, ou outras técnicas de cerclagem do anel posterior sem elementos rígidos, constituindo-se em mais uma crítica aos anéis de Carpentier. No Hospital do Coração de Ribeirão Preto, 45% dos casos de próteses valvares mitrais, entre 1978 e 1985, eram devidos a lesões tipo insuficiência. Esta insuficiência diminuiu para 28% nos anos de 1986 e 1987, caindo para 0% em 1988. Isto configura uma curva de aprendizado, com a maioria dos pacientes operados pelo Dr. Paulo Ribeiro. A nossa casuística consta de 44 pacientes a partir de 1981, sendo 15 abaixo dos 16 anos de idade. Em 23 pacientes, utilizou-se a técnica descrita por Sauvage, da ampliação do folheto posterior. Quase sempre associamos a cerclagem do anel posterior ao avanço do folheto, ou a realizamos isoladamente, como vimos o Dr. Adib jatene e o Dr. Domongo Braile operar. A estes dois procedimentos, associamos outros detalhes, como: comissurotomias, papilarotomias, encurtamento e transposição de cordas tendineas e liberação de cordas terciárias, de acordo com os princípios da escola francesa. A cerclagem do anel posterior da valva mitral passou a ser feita com tiras de pericárdio bovino, após a experiência de dois casos de anemia hemolítica, nos quais utilizaram-se tiras de Teflon. Um destes pacientes necessitou de reoperação e o outro mantêm-se com o quadro de anemia hemolítica em regressão com tratamento clínico. Dois casos foram reoperados por endocardite com trocas valvares por próteses metálicas e um óbito. Gostaríamos de fazer quatro breves perguntas ao Dr. Gregori: 1) Ocorreram, em sua experiência, casos de endocardite e anemia hemolítica? 2) A progressão da lesão reumática não compromete a evolução dos casos tratados com anéis protéticos? 3) Porque a grande maioria dos pacientes foi aperada com anel de Carpentier, sendo que, nos dois primeiros pacientes, este dispositivo não foi utilizado? 4) Porque não há menção ao seguimento destes pacientes com eco-Dopplercardiografia, que, tenho certeza, estar sendo reslizado pelo menos nos últimos tempos? Finalmente, gostaríamos de cumprimentar o Dr. Gregori e equipe, pela sua experiência, seguramente uma das maiores do Brasil, e fazer uma crítica construtiva: para tão grande experiência, achamos a discussão do trabalho pobre, no sentido de que nela não constam impressões pessoais, que seriam de grande utilidade para os leitores da "Revista Brasileira de Cirurgia Cardiovascular".

DR. GREGORI
(Encerrando)

Agradeço as palavras do Dr. Évora, do Serviço de Cirurgia Cardíaca do Hospital do Coração de Ribeirão Preto. Lá já estive, a convite deste importante grupo, e posso atestar a seriedade com que tratam este tipo de doença, cuja incidência se sobrepõe à nossa, por se tratar Ribeirão Preto de uma região muito parecida com a de Londrina. Concordamos com sua observação de que gradientes trasvalvares aórticos com anel de Carpentier dificilmente seriam observados em nossa série, uma vez que são mais freqüentes em pacientes com insuficiência mitral de etiologia degenerativa, um paciente de nossa série apresentou hemólise no pós-operatório tardio e corresponde a um dos casos reoperados para substituição valvar. Outros dois pacientes do nosso Serviço, porém adultos, apresentaram hemólise pós-operatória e, em todos, a insuficiência mitral era importante. Acreditamos, portanto, que a presença de hemólise é relacionada com refluxo mitral significativo com anel não recoberto pelo endocárdio. A progressão da lesão reumática compromete, sim. a evolução dos pacientes operados. Devem ser acompanhados de perto, para que novos surtos de doença reumática não ocorram, o que, sem dúvida, compromete os resultados. No entanto, é sabido, pelos estudos de Antunes e colaboradores, na África do Sul, que a cirurgia conservadora da valva mitral, mesmo na fase ativa das doenças, apresenta excelentes resultados, tornando a insuficiência cardíaca mais facilmente controlada, em comparação com os doentes tratados, clinicamente. A grande maioria dos pacientes foi submetida a anuloplastia com próteses de Carpentier, porque, no início de nossa experiência, este era o procedimento de escolha. A partir de 1987, passamos a utilizar anéis abertos, partindo do princípio de que estes atingiram os mesmos objetivos dos anéis de Carpentier, sem, no entanto, causarem limitações ao crescimento normal do anel mitral de uma criança. Nos dois primeiros pacientes não empregamos nenhum anel protético para a remodelação do anel mitral, porque ainda não estávamos totalmente convencidos de sua necessidade, uma vez que os objetivos eram alcançados com plicaturas. do anel mitral à Kay-Wooler. Com o tempo, fomos observando, no nosso material e na literatura, que estava certa a afirmativa de que Carpentier teria, definitivamente, estabelecido as bases anatomopatológicas de lesão valvar mitral e, com suas técnicas, especialmente o anel protético, definitivo a maneira mais correta de tratar esta doença. O nosso intuito com a introdução do anel aberto foi o de manter as funções do anel de Carpentier, corrigindo mais o desabamento da comissura póstero-rnediana pela porção retificada do anel profético a este nível e permitir o crescimento fisiológico do anel mitral pela retirada de sua haste anterior que julgamos, não somente desnecessária, como também inconveniente, principalmente em crianças. Atualmente, os pacientes são sempre seguidos, em nosso Serviço, com estudo eco-Dopplercardiográfico. Entretanto parte desta série de pacientes não foi estudada no pós-operatório por este método, daí a razão de os pacientes terem sido submetidos a estudo hemodinâmico. Agradeço, mais uma vez, os comentários do Dr. Évora e concordo com a sua crítica sobre pouca exploração na discussão deste trabalho. Pelos trabalhos por mim publicados nestes anos, ele poderá concluir que o capítulo da "Discussão" nunca tem sido o meu forte.

REFERÊNCIAS

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13. WOOLER, G. H.; NIXON, P. F. G.; GRIMS, V. A. - Experience with repair of the mitral valve incompetence. Thorax, 37: 49-58, 1982.

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