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ARTIGO ORIGINAL

Tratamento cirúrgico da comunicação interventricular pós infarto agudo do miocárdio: conduta atual

Luís Alberto Dallan; Sérgio de Almeida Oliveira; José Antônio F Ramires; Alexandre Sabino Neto; Geraldo Verginelli; Adib D Jatene

DOI: 10.1590/S0102-76381989000100007

RESUMO

Os autores descrevem sua experiência com o tratamento cirúrgico de 42 pacientes portadores de comunicação interventricular (CIV) pós infarto agudo do miocárdio (IAM). Destacam a elevada mortalidade cirúrgica nos pacientes com choque cardiogênico instalado (66,6%) em relação aos demais (9,5%). A observação de descompensações súbitas em pacientes hemodinâmicamente estáveis tem levado à indicação cirúrgica precoce, se possível, assim que estabelecido o diagnóstico da rotura do septo interventricular (RSI). O comprometimento de múltiplas artérias coronárias e faixas etárias elevadas foram considerados fatores agravantes no prognóstico cirúrgico. O mesmo não ocorreu com a relação fluxo pulmonar/sistêmico e shunt E-D, que não guardaram relação com a mortalidade. A técnica de exposição de ambas as cavidades ventriculares e reforço das 2 faces do septo roto com tecido biológico tem fornecido resultados gratificantes na correção da RSI, especialmente de localização posterior.

ABSTRACT

The authors describe the experience with surgical treatment of 42 patients with ventricular septal rupture (VSR) in post acute myocardial infarction (AMI). They showed increased mortality in patients with cardiogenic shock (66.6%) with respect to others (9.5%). Sudden descompensations in patients hemodinamically stable were indications to early surgeries, if possible when the diagnosis of ventricular septum rupture (VSR) was made. The compromise of multiple coronary arteries and advanced age were considered as aggravating factors in the prognosis of surgery. The same prognosis did not occur regarding pulmonary/systemic flow and shunt E-D. The technique of exposure in both ventricular cavity and reinforcement in the both sides of the ruptured septum with biological tissue offered good results in the correction of posterior VSR.
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Discussão

DR. LEOPOLDO S. PIEGAS
São Paulo, SP

Em nome do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia e em meu próprio, agradeço o convite para comentar este trabalho apresentado pelo Dr. Dallan, que resume os conhecimentos atuais sobre esta complicação do infarto do miocárdio. Foi relatado de forma brilhante e quero me congratular com o autor e seu grupo. Como não sou cirurgião, não vou me atrever a fazer comentários cirúrgicos. Apenas ressaltarei pontos que, para mim, como clínico. parecem importantes e que vêm confirmar muito do que foi aqui apresentado. Na experiência do IDPC, não observamos pacientes com condições circulatórias normais; todos apresentavam grave falência ventricular graus funcionais II e III. Observamos, ainda, presença de lesão uniarterial em 60% desses pacientes, o que sugere que não são pacientes terminais ou em fase avançada de evolução da doença coronária. Na maioria deles, este é o primeiro evento coronário. Tivemos apenas 1 paciente que apresentava infarto prévio, fato que a literatura tem ressaltado muito. Outra observação que gostaria de destacar é a maior mortalidade no infarto de localização inferior. Estudo recente realizado na Inglaterra, com revisão de 60 trabalhos, atribui ao ventrículo direito uma parcela muito grande na mortalidade pós-operatória desses pacientes. Em nosso Serviço, foram operados 35 pacientes, de um grupo de 54. Procuraremos demonstrar as características de nosso grupo e o material que foi apresentado pelo Dr. Dallan. Foi observada diferença estatisticamente significativa em relação ao sexo. Não houve diferença em relação à localização do infarto, quer seja de parede anterior ou inferior, quer em presença de lesão uniarterial ou multiarterial. Os aneurismas associados apareceram em 54% no nosso material e em 57% no material do Dr. Dallan. No que se refere à mortalidade, nossos dados confirmam o que o Dr. Dallan já disse. A literatura tem ressaltado que pacientes com infarto inferior e rotura do septo têm maior incidência de óbito em relação a pacientes cuja rotura tem posição anterior. Em relação à cirurgia precoce, tivemos 58% dos operados com menos de 30 dias, contra 50% dos aqui apresentados. A mortalidade global do nosso material foi de 34%. A época da cirurgia talvez seja o ponto mais importante a ser discutido. No ano de 1981, já tivemos a oportunidade de discutir esse assunto, denominado "o dilema da indicação cirúrgica", neste mesmo Congresso da SBCCV. Isto porque sabemos que, se operarmos precocemente haverá maior mortalidade. Entretanto, a gravidade desta lesão não nos permite esperar; portanto, somos de opinião que esses pacientes têm que ser operados imediatamente, pois raramente conseguem sobreviver a 30 dias de evolução clínica. Em relação à evolução tardia, dentre 19 pacientes com tratamento clínico, tivemos a mortalidade de quase 90% dentro de 30 dias, e apenas 1 pacientes sobreviveu, próximo a 1 ano. Ressalvo que esse paciente já chegou ao nosso Serviço com esse período de evolução. Apesar da alta mortalidade imediata, a sobrevida do paciente cirúrgico é boa, assim como a expectativa de vida. Temos pacientes sobreviventes com 12 anos de evolução. Gostaria de encerrar destacando a variação na incidência de rotura de septo pós infarto nos diferentes qüinqüênios. O primeiro caso diagnosticado em nosso Serviço foi em 1968, e, nesses qüinqüênios, tivemos, respectivamente, 3, 12, 21,14 e 4 pacientes com rotura septal. A partir de 1982, houve uma redução nesses pacientes e, no último qüinqüênio, essa incidência está em torno de 3,2%. Acreditamos que essa complicação esteja, realmente, se reduzindo, visto que há uma coincidência com a melhora do tratamento clínico, especialmente por diferentes técnicas farmacológicas, que, provavelmente, protegem mais o doente. Mais uma vez, congratulo-me com o Dr. Dallan e seu grupo.

DR. LUIZ ANTÔNIO RIVETTI
São Paulo, SP

Cumprimento o Dr. Dallan pela excelente apresentação e gostaria de parabenizar os autores pela magnífica estatística, provavelmente uma das maiores da literatura mundial para um período tão curto de 5 anos. O trabalho merece elogios, pois é muito claro, bem documentado, bem discutido e analisado, tanto sob o ponto de vista técnico, como estatístico e apresenta uma mortalidade que considero baixa, diante da gravidade de uma complicação que é considerada letal. Apesar de cirurgião, gostaria de iniciar meus comentários analisando a tentativa de estabilização clínica desses pacientes com drogas diminuidoras da pós-carga. Utilizamos a bioimpedância para controlar pacientes nessas condições e temos observado, em concordância com os autores, que, principalmente em idosos e diabéticos, o prolongamento dessa terapêutica vasodilatadora tem levado a descompensações abruptas com encharcamento pulmonar, apesar de restrição hídrica, provavelmente por alteração da permeabilidade vascular pulmonar, além do hiperfluxo específico, comprometendo, desta maneira, a indicação ou, mesmo, o resultado cirúrgico. O momento da indicação cirúrgica é outro ponto de discussão, mas já está determinado que devemos atuar no ápice do sucesso do tratamento clínico, que, em geral, ocorre na primeira semana. Outro ponto é uma crítica aos autores que, provavelmente por modéstia, não referiram esta técnica de abordagem biventricular como original, fazendo-me gastar muito tempo à procura do autor, sem sucesso. Acredito ter sido esta técnica fundamental para o sucesso do resultado alcançado. Toda técnica tem que propiciar uma correção adequada e, também, evitar recidivas. A proteção bilateral do septo propicia melhor apoio do enxerto sobre o tecido comprometido e friável. O envolvimento do septo com enxertos protege o mesmo contra a infiltração de sangue e, conseqüentemente, deve reduzir as recidivas, fato que foi comprovado, pois observou-se somente 5% de recidivas contra 12% a 40% da literatura. Devemos ressaltar, ainda, o sucesso do tratamento da RSI posterior com taxa de mortalidade de somente 16%, contra estatísticas datliteratura que variam de 30% a 40%. Finalmente, gostaria de fazer algumas perguntas ao Dr. Dallan: 1) achei altos os índices de comprometimento neurológico (28%) no pós-operatório. O senhor responsabilizaria somente o baixo débito, ou poderíamos pensar que a gênese da rotura septal teria contribuído para a morbidade?. 2) o balão intra-aórtico, sob o ponto de vista dos autores, é imprescindível, e qual a correlação do seu uso com a mortalidade? 3) a utilização de enxerto de pericárdio bovino em um ventrículo esquerdo bastante comprometido com uma CIV grande não poderia propiciar um baixo débito por discinesia septal? 4) a sua casuística mostrou uma incidência de 57% de combinação de aneurisma de VE com RSI; qual a extensão desses aneurismas e se a presença do mesmo não comprometeu a técnica citada? A RSI é considerada rara; mais raro tem sido levar os pacientes em boas condições para a sala de operações e, talvez, mais raro ainda tem sido levá-los em boas condições para os seus aposentos, no pós-operatório. Quando uma doença é catastrófica, como esta, surgem inúmeras técnicas e discussões sobre sua abordagem terapêutica e, nestes casos, a Medicina lança mão de vacinas. Nós, cirurgiões cardiovasculares, já podemos contar com a "vacina", no tratamento da RSI pós IAM. Essa "vacina" chama-se trombolítico, que, sem dúvida, diminuirá, consideravelmente, a incidência dessa complicação.

DR. FERNANDO SAMPAIO
São Paulo, SP

Gostaria de parabenizar o Dr. Dallan e demais autores, por trazerem um assunto tão importante como tema. Com o objetivo de definir o melhor momento para indicação cirúrgica dessa lesão, nós revimos, em nosso grupo, seu manuseio cirúrgico. No período de 1974 a 1989, 16 pacientes foram operados, com rotura do septo interventricular, no Instituto de Doenças Cardiopulmonares E. J. Zerbini, da Beneficência Portuguesa de São Paulo. Os pacientes foram subdivididos em 3 grupos, quanto ao momento da indicação cirúrgica. O 1º grupo era composto por 5 (33,2%) pacientes operados até o 3º dia após a rotura do septo. O 2º grupo, formado por 8 (50%) pacientes operados entre o 4º e o 10º dia após a rotura do septo. O 3º grupo compreendia 3 (16,8%) pacientes, com indicação cirúrgica após o 1º mês de rotura do septo. Dos 5 pacientes do 1º grupo operados, apenas 1 desenvolveu choque cardiogênico e foi a óbito (20%). No 2º grupo, durante a espera, 7 dos 8 pacientes desenvolveram choque cardiogênico, dos quais 6 (75%) foram a óbito. A mortalidade total foi de 7 pacientes, dentre os 8 pacientes que estavam em choque cardiogênico, com indicação cirúrgica. Com base nestes dados, concluímos que a principal determinante do risco cirúrgico, na correção da rotura do septo interventricular, é a presença de choque cardiogênico. A instalação do choque cardiogênico é, às vezes, rápida e ocorre, com freqüência, na 1º semana após o diagnóstico. Na nossa opinião, a indicação cirúrgica deve se; precoce, antes das complicações, ressaltando a presença do choque. Muito obrigado. Quero agradecer a Comissão Organizadora e, mais uma vez. cumprimentar o Dr. Dalian e seus colaboradores.

DR. DALLAN
(Encerrando)

Inicialmente, gostaria de agradecer os comentários elogiosos dos professores Leopoldo Piegas, Luiz Rivetti e Fernando Sampaio. Dr. Leopoldo Piegas, foi com satisfação que verifiquei os excelentes resultados do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, no tratamento da CIV pós IAM, o que, mais uma vez, demonstra a ótima qualidade do Serviço a que o senhor pertence. Pude observar grande superposição entre seus dados estatísticos e os nossos, especialmente na correlação entre classe funcional pré-operatória dos pacientes e a mortalidade. Temos, igualmente, evitado postergar a correção cirúrgica, procurando indicá-la o mais precocemente possível. Sua observação de que a mortalidade é maior na CIV de localização mais posterior, ou seja, decorrente do infarto de parede inferior, vem de encontro aos achados de literatura e, também, com os nossos resultados iniciais. Recentemente, entretanto, empregamos, nos últimos 6 pacientes com rotura do septo interventricular de localização posterior, a técnica de fechamento da CIV, através da exposição biventricular. Esse artifício possibilitou a redução significativa da mortalidade, que caiu de 75 para 16,6%, tornando a técnica bastante promissora. Dr. Rivetti, considero muito oportuna sua sugestão visando ao controle desses pacientes através da bioimpedância. Realmente, temos encontrado dificuldades no acompanhamento dos mesmos apenas através de critérios clínicos. Corroborando esta afirmação está o fato de doentes estáveis, já na segunda, ou terceira semana de rotura septal, apresentarem descompensação súbita e não detectada a tempo. Isto os transferiu de uma condição clínica favorável, com baixa mortalidade cirúrgica, para o grupo de choque, cuja mortalidade é muito elevada, como já apresentado. Realmente, 11 (28%) pacientes de nossa casuística apresentaram agitação neuropsicomotora, ou coma superficial no pós-operatório imediato. Isto foi atribuído à importante condição de baixo débito desses pacientes observada no pré-operatório, associada aos efeitos da circulação extracorpórea. Entretanto, em 10 deles, esse episódio foi transitório e apenas 1 paciente persistiu com seqüela neurológica. O balão intra-aórtico (BIA) foi passado em todos os pacientes em choque cardiogênico e nos pacientes que apresentaram dificuldade para a saída de circulação extracorpórea. Nossa rotina atual, nos pacientes com CIV pós IAM inclui a passagem do cateter de Swan-Ganz e a introdução do BIA, se possível ainda no pré-operatório. O advento de cateteres de menor diâmetro e introduzidos por punção da artéria femoral tornou o método mais rápido e sem a morbidade anteriormente observada. Acredito que este seja o tipo de complicação do IAM em que a contrapulsação com o BIA encontre uma de suas maiores indicações. Dr. Rivetti, temos utilizado, de rotina, retalhos de pericárdio bovino, visando ao reforço do septo interventricular roto. Em geral, empregamos uma placa em cada lado do septo, seja através da biventriculotomia, ou pela ampliação da CIV. Não vejo a possibilidade dessas placas propiciarem discinésia septal, uma vez que sua superfície livre é pequena e o enxerto, em grande parte, acaba incorporado à ventriculografia. Complementando sua questão, podemos dizer que não observamos maior mortalidade nos pacientes que apresentavam aneurisma de VE associado. A técnica empregada nesses pacientes não variou, em relação à proposta para a correção da CIV dos demais pacientes. Pelo contrário, a presença de dilatação da cavidade ventricular esquerda facilitou, em muitos casos, o acesso às duas faces do septo interventricular. Nesses pacientes, a operação foi posteriormente complementada pela aneurismectomia do VE. Respondendo ao Dr. Fernando Sampaio, posso afirmar que também indicamos precocemente a correção cirúrgica da rotura do septo interventricular pós IAM. Ela deve ocorrer, se possível, assim que estabelecido o diagnóstico e tomadas as primeiras medidas, visando melhorar as condições hemodinâmicas do paciente. Pudemos observar que nossa mortalidade elevou-se de 9,5% nos pacientes ainda estáveis hemodinamicamente, para 66,6% naqueles operados já com choque cardiogênico instalado. E mais, esta cifra subiu para 70% e 85,7%, respectivamente, quando os sinais de choque já perduravam por 12 a 24 horas e por mais de 24 horas. Estes números falam por si. Finalizando, agradeço à Comissão Organizadora do 16º Congresso Nacional de Cirurgia Cardíaca por esta oportunidade.

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