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ARTIGO ORIGINAL

Prevalência de infecções em suturas de cirurgias de revascularização do miocárdio

Taciane Procópio AssunçãoI; Breno César Diniz PontesII; Carlos Américo Veiga DamascenoIII

DOI: 10.1590/S0102-76382011000100010

INTRODUÇÃO

Infecção em cirurgia pode ser conceituada como sendo o resultado da invasão, multiplicação, atividade metabólica e consequentes efeitos fisiopatológicos de microrganismos sobre os tecidos de um indivíduo. Constitui a complicação mais comum da síntese tecidual, tornando-se uma preocupação constante para o cirurgião. Sua incidência é afetada por uma série de variáveis, como, por exemplo, o grau de contaminação da ferida, a técnica operatória empregada e os materiais de síntese utilizados [1].

Um dos tipos de infecções decorrentes da revascularização do miocárdio é a que ocorre em suturas. A incidência destas deveria ser a mesma que para qualquer procedimento cirúrgico limpo, ou seja, em torno de 2%. No entanto, esta taxa de infecção chega a triplicar entre os pacientes cardiopatas, pois estes apresentam maior número de fatores de risco do que a população em geral. Quanto à infecção incisional profunda, a incidência é de 0,5% a 5% [2].

Devido à maior predisposição à infecção evidenciada em pacientes cardiopatas pela sua debilidade, aos altos custos que o tratamento destas infecções causam e à intensidade com que ocorrem, foi estudado por De Feo et al. [3], em pacientes da cirurgia cardíaca, a frequência em que aconteceram e tentando-se relacionar algumas variáveis à sua incidência.

Em cirurgia cardíaca, a infecção de ferida cirúrgica por Staphylococcus aureus, além de aumentar o tempo de internação em até 30 dias, aumenta significativamente a mortalidade. Dentre as infecções hospitalares, a infecção de sítio cirúrgico é a segunda causa mais frequente, suplantada somente pela infecção urinária. Os microrganismos mais frequentemente associados à infecção de sítio cirúrgico são Staphylococcus aureus, estafilococos coagulase negativa e bacilos Gram-negativos [4].

Este estudo tem por objetivo analisar as infecções ocorridas no sítio cirúrgico de cirurgias de revascularização do miocárdio, tais como seus microrganismos causadores, a fim de estudar a flora microbiana local e também correlacionar sua incidência com sexo e idade dos pacientes.


MÉTODOS

Trata-se de um estudo retrospectivo, no qual durante o período de 1º de janeiro de 2007 a 31 de dezembro de 2009, 357 pacientes foram submetidos a cirurgias de revascularização do miocárdio no Hospital das Clínicas Samuel Libânio, hospital universitário situado na cidade de Pouso Alegre, MG.

Do total de pacientes que passaram por cirurgia de revascularização do miocárdio, 21 apresentaram infecções devido à intervenção, e foram classificados com infecção em sítio cirúrgico através do CCIH (Comissão de Controle em Infecção Hospitalar) que segue os parâmetros do NIS. Seus prontuários foram analisados em 2009 e 2010.

As variáveis analisadas foram: sexo, idade, microrganismos encontrados nos pontos de infecção e a prevalência deste tipo de infecções no HCSL.

Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Vale do Sapucaí, número de registro 1038/08.

Para a análise dos resultados, aplicou-se o teste do Qui-Quadrado [5], com o objetivo de comparar os anos de 2007, 2008 e 2009 em relação à presença de infecções.


RESULTADOS

Durante o ano de 2007, foram realizadas 101 cirurgias de revascularização do miocárdio. Deste total, seis (5,94%) pacientes apresentaram infecção na sutura pós-cirúrgica.

No ano de 2008, foram realizadas 119 cirurgias, sendo que sete (5,88%) evoluíram com infecção de sutura.

Já em 2009, 137 cirurgias foram realizadas, sendo que oito (5,88%) evoluíram com infecção.

Durante estes 3 anos, foram constatados dois óbitos, mas nenhum devido à infecção cirúrgica.

O teste do Qui-Quadrado não mostrou diferença significante entre os anos de 2007, 2008 e 2009, quando comparados em relação à percentagem de casos com infecção, sendo a média destes 3 anos 5,88% (Tabela 1).




Não houve variação significativa quanto à distribuição dos pacientes em relação ao sexo (Figura 1).


Fig. 1 - Distribuição da população que apresentou infecção em sítio cirúrgico pós cirurgia de revascularização de miocárdio em relação ao sexo



Os pacientes eram predominantemente idosos, com idade média de 65 anos. A média de idade dos pacientes ao longo dos 3 anos encontra-se na Tabela 2.




Não houve predomínio de um único microrganismo encontrado na cultura feita a partir do material colhido da infecção de suturas dos pacientes. Os microrganismos encontrados encontram-se dispostos na Tabela 3.




DISCUSSÃO

A população estudada é predominantemente idosa (faixa de 50 a 83 anos), sendo a média de idade de 65 anos).

Numerosos estudos têm demonstrado que mulheres submetidas à cirurgia de revascularização miocárdica (RM) apresentam, na fase hospitalar, maior taxa de mortalidade e, muitas vezes, de complicações, quando comparadas aos homens, sendo o primeiro desses trabalhos atribuído a Bolooki et al. [6]. Estas conclusões, no entanto, não têm sido uniformes e, em algumas publicações, mesmo após a correção desses fatores, clínicos e anatômicos, o sexo feminino continua relacionado a maior mortalidade e complicações, como se houvesse algo intrinsecamente ligado ao sexo, e ainda não esclarecido, levando a piores resultados na fase hospitalar. Deve-se, ainda, ressaltar que, em algumas séries, principalmente dos últimos anos, estas diferenças na morbidade e mortalidade hospitalar entre homens e mulheres não têm sido mais observadas, argumentando os autores que o aperfeiçoamento da técnica cirúrgica e, eventualmente, dos cuidados peri-operatórios teriam ultrapassado as antigas dificuldades em relação ao sexo feminino [6].

Neste estudo, entretanto, não se observou diferença significativa entre os sexos, sendo praticamente igual para o feminino e o masculino (Figura 1).

Analisando-se a Tabela 1, percebe-se um aumento progressivo no número de intervenções cardíacas realizadas em idosos; 81% dos pacientes tinham mais que 60 anos de idade. Isto vai de encontro ao publicado por Weinstein et al. [7], relatando o aumento progressivo do número de pacientes idosos que se apresentam aos Serviços de cirurgia cardíaca (Tabela 3).

Infecção da ferida esternal após cirurgia cardíaca pode ser uma complicação séria. A incidência relatada de infecções esternais varia de 0,9% a 20%. Os patógenos causadores das infecções pós-operatórias foram relatados no estudo de Ridderstolpe et al. [8] e os mais comuns são Staphylococcus coagulase-negativo e S. aureus. Dos pacientes culturados, o patógeno mais isolado da ferida foi S. coagulase-negativo, responsável por 36/91 (39,6%) das infecções. O segundo patógeno mais comum foi o S. aureus, causador de 15/91 (16,5%) e mais comum nas mediastinites (80%) do que em indivíduos com infecção incisional profunda (20%). Outros patógenos responsáveis por infecção esternal e mediastinite foram Propiono, Acinetobacter, Enterobacter cloacae, Escherichia coli e Klebsiella .

Já no estudo de Habarth et al. [9], entre 231 infecções superficiais detectadas, foi realizado cultura em 76% (176). Em 70% (123 de 176) delas, houve crescimento de microrganismos, sendo que: 52 eram Staphylococci coagulase-negativo, 21 enterococcus e 51 Gram-negativo, sendo que S. aureus não foi frequentemente encontrado (n=15). Os Gram-negativos mais frequentes foram Enterobacter ssp (n=8), Serratia ssp (n=11) e Pseudomonas aeruginosa (n=11).

Os microrganismos mais frequentemente associados à infecção de sítio cirúrgico são Staphylococcus aureus, estafilococos coagulase negativa e bacilos Gram-negativos [4].

Neste estudo, não houve predomínio absoluto de um único microrganismo. A cultura foi realizada em 47% dos pacientes infectados (10/21), sendo que destes, quatro por Klebsiella (três por pneumoniae e um sp.), três foram contaminados por E. cloacae, dois por S. marcescens, três por S. aureus, e um por E. Coli (Tabela 3). A média de infecções em suturas de cirurgias de revascularização do miocárdio foi de 5,88%, ficando dentro dos parâmetros apresentados por outros autores (Tabela 1).

Em estudo realizado por Couto et al. [10], relacionaram-se as infecções superficiais e profundas do sítio cirúrgico nos pacientes. Apesar de a evolução ter sido considerada favorável e não terem ocorrido óbitos, houve necessidade de reintervenção cirúrgica em três pacientes.

Nenhum paciente estudado foi a óbito em decorrência de infecção da sutura de cirurgia de revascularização do miocárdio, porém um teve que ser reoperado para retirada de corpo estranho (fio de aço).


CONCLUSÃO

O número de infecções em suturas de cirurgias de revascularização do miocárdio aumentou ao longo do tempo, mas proporcionalmente ao acréscimo de cirurgias realizadas, mantendo, com isso, o percentual de infecções praticamente estável.

Grande parte dos operados é idosa, confirmando que a idade é um fator de risco para o desenvolvimento de infecções, mesmo que superficiais. Porém, não se encontrou nenhuma correlação com sexo; homens e mulheres apresentam o mesmo potencial de desenvolver infecção superficial da ferida operatória.

Os microrganismos são semelhantes aos encontrados em outros serviços de cirurgia cardíaca, com o diferencial de que nenhum dos pacientes foi a óbito após infecção da ferida. Não há predomínio absoluto de uma bactéria sobre as demais, há uma incidência bem heterogênea ao longo do tempo. Não houve evolução para sepse. De todos os pacientes com infecção do sítio cirúrgico, apenas um teve que ser reoperado para retirada de corpo estranho (granuloma formado com o fio de sutura).

Os resultados quanto aos microrganismos isolados demonstraram a necessidade de se valorizar mais a cultura e o antibiograma, que aumentariam as condutas profiláticas que poderiam diminuir as taxas de morbidade e os custos hospitalares para o tratamento de infecções de feridas pós-operatórias.


REFERÊNCIAS

1. Fonseca FP, Rocha PRS. Cirurgia ambulatorial. Rio de Janeiro:Guanabara Koogan;1979. 424p.

2. Antoniali F, Costa CE, Tarelho LS, Lopes MM, Albuquerque APN, Reinert GAA, et al. O impacto de mudanças nas medidas de prevenção e no tratamento de infecções incisionais em cirurgia de revascularização do miocárdio. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2005;20(4):382-91.

3. De Feo M, Renzulli A, Ismeno G, Gregorio R, Della Corte A, Utili R, et al. Variables predicting adverse outcome in patients with deep sternal wound infection. Ann Thorac Surg. 2001;71(1):324-31. 4. Abboud CS. Infecção em pós-operatório de cirurgia cardíaca. Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2001;5(11):915-21.

5. Siegel SE, Castellan Jr NJ. Estatística não paramétrica para ciências do comportamento. 2ª ed. Porto Alegre:Artmed; 2006. 448p. 6. Amato VL, Timerman A, Paes AT, Baltar VT, Farsky PS, Farran JA, et al. Resultados imediatos da cirurgia de revascularização miocárdica: comparação entre homens e mulheres. Arq Bras Cardiol 2004;83(spe):14-20.

7. Weinstein MC, Coxson PG, Williams LW, Pass TM, Stason WB, Goldman L. Forecasting coronary heart disease incidence, mortality, and cost: the Coronary Heart Disease Policy Model. Am J Public Health. 1987;77(11):1417-26.

8. Ridderstolpe L, Gill H, Granfeldt H, Ahlfeldt H, Rutberg H. Superficial and deep sternal wound complications: incidence, risk factors and mortality. Eur J Cardiothorac Surg. 2001;20(6):1168-75.

9. Habarth S, Samore MH, Lichtenberg D, Carmeli Y. Prolonged antibiotic prophylaxis after cardiovascular surgery and its effect on surgical site infections and antimicrobial resistance. Circulation. 2000;101(25):2916-21.

10. Couto WJ, Branco JNR, Almeida D, Carvalho AC, Vick R, Teles CA, et al. Transplante cardíaco e infecção. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2001;16(2):141-51.


Article receive on quarta-feira, 18 de agosto de 2010

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