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ARTIGO ESPECIAL

AME: Ambulatório Médico de Especialidades - agilidade com resolutividade

Valdecir C. TADEII; Domingo M BraileII

DOI: 10.1590/S0102-76382008000400019

No Brasil, a luta pela construção de um sistema de saúde universal, acessível e de qualidade se confunde, num primeiro momento, com a própria luta pela redemocratização do país, e assume, no presente, contornos de resistência à guinada conservadora com relação às políticas públicas da última década.

Em 1986, ocorreu o evento político-sanitário mais importante da segunda metade do século XX, a VIII Conferência Nacional de Saúde. Nesse evento, foram lançadas as bases de um novo sistema público de saúde que tinha como temas oficiais: saúde como dever do Estado e direito do cidadão, reformulação do sistema nacional de saúde e financiamento setorial.

Assim, a luta pela reforma sanitária foi responsável pela criação do Sistema Único de Saúde (SUS), em 1988, como um processo social e político que requer um ambiente democrático para a sua construção na arena sanitária, cuja implantação tem nítido caráter de mudança cultural. Embasado a partir de uma dimensão ideológica, é alicerçado em uma concepção ampliada do cuidado em saúde do indivíduo, família e comunidade.

Do SUS, emergem princípios básicos: acesso universal e igualitário a ações e serviços; participação comunitária; rede regionalizada e hierarquizada; e descentralização, cujas ações de saúde devem ser desenvolvidas de acordo com as diretrizes previstas no artigo 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda a princípios como: universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; integralidade de assistência, entendida como um conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema; divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e sua utilização pelo usuário; igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie. Atualmente, o SUS é responsável pelo atendimento de 78% da população brasileira, sendo os demais 22% atendidos pelo sistema privado [1].

Nesse contexto, o governo do Estado de São Paulo regulamentou, por meio da Lei Complementar nº 846, de 4 de junho de 1998, a parceria do Estado com entidades filantrópicas, estipulando em relação a elas que tivessem, no mínimo, 5 anos de experiência na administração de serviços próprios de saúde, reconhecida qualidade e compromisso firmado com a população atendida. As entidades interessadas que cumpriram os pré-requisitos estipulados foram qualificadas como Organizações Sociais de Saúde (OSS) e conquistaram o direito de serem habilitadas para firmar Contrato de Gestão com a Secretaria de Estado da Saúde, visando ao gerenciamento e à operação de hospitais e outros equipamentos públicos de saúde, mediante convocações públicas.

Na área de saúde, esse modelo já é consolidado em países como Espanha [2] e Canadá [3]. Tal como o SUS, o sistema canadense é financiado mediante tributação geral (impostos), porém os serviços de saúde são prestados e administrados por entidades sem fins lucrativos, de acordo com as premissas do setor público, que mantém controle sobre todo o sistema [4].

No Brasil, esse modelo constitui alternativa pioneira, implantada pelo Governo do Estado de São Paulo, por meio da Coordenadoria de Contratação de Serviços de Saúde da Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo. Outros Estados brasileiros têm estudado esse modelo ou já possuem hospitais gerenciados por OSS: Bahia, Minas Gerais, Pará, Espírito Santo (refazendo lei) e Mato Grosso (estudando a legislação).

A busca de novas estratégias para o aperfeiçoamento da gestão pública dos serviços de saúde tem sido objeto de discussões no Brasil, desde a implantação do SUS. As parcerias público-privadas estão entre as alternativas existentes, na busca de maior eficiência na prestação de serviços públicos de saúde. A experiência da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo com novo modelo de gestão em saúde por meio de OSS tem mostrado bons resultados, com indicadores bastante positivos de eficiência, qualidade de atendimento e economia de recursos financeiros, tornando-se uma experiência bem-sucedida de gestão pública de saúde no SUS/SP [5].

Resultados de estudo realizado pela equipe da Unidade de Redução da Pobreza e Gestão Econômica da Região da América Latina e Caribe do Banco Mundial demonstraram a eficiência e a qualidade das OSS no Estado de São Paulo, quando comparadas a hospitais estaduais da administração direta, sendo esse modelo de gerenciamento importante instrumento para auxiliar o aperfeiçoamento da assistência hospitalar no Brasil [6].

Atualmente, estão funcionando 20 hospitais estaduais sob o regime de OSS, distribuídos em todo o Estado de São Paulo, que oferecem à população um total de 4.013 leitos, inclusive em Unidades de Terapia Intensiva (UTI), além de consultas e exames complementares em diversas especialidades.

Recentemente, foi celebrado contrato entre a Secretaria de Estado da Saúde do Estado de São Paulo e a Santa Casa de Misericórdia de Votuporanga, SP, qualificada como OSS, para regulamentar o desenvolvimento de ações e serviços de saúde no primeiro Ambulatório Médico de Especialidades (AME) do Estado.

Considerando a relevância da necessidade regional de atendimento por médicos especialistas, a implantação do AME revigora princípios como universalidade, integralidade e eqüidade no atendimento e melhora a qualidade do atendimento, uma vez que o paciente é atendido no mesmo ambiente físico com resolutividade imediata de média e alta complexidade ambulatorial e encaminhamento para centros médicos hospitalares de média e alta complexidade, quando necessário. No período de janeiro a agosto deste ano, foram realizadas no AME de Votuporanga 7.901 consultas e 8.542 exames nas áreas de cirurgia cardíaca e cardiologia. Desse total, 128 pacientes foram encaminhados para tratamento cirúrgico e, no restante, houve resolutividade ambulatorial.


REFERÊNCIAS

1. Braile DM. Opinião. SUS 20 anos - II; 2008. [citado 2008 Maio 24]. Disponível em: URL:http://www.diarioweb.com.br/artigos/body_artigos.asp?idCategoria=35&idNoticia=108285

2. Labrador JRR, Benedicto AS. Salud pública y sostenibilidad de los sistemas públicos de salud. Rev Esp Salud Pública. 2006;80:475-82.

3. Barata LRB, Mendes JDV. Organizações sociais de saúde: experiência bem-sucedida de gestão pública de saúde do Estado de São Paulo. Rev Adm Saúde 2006;8(31):47-56.

4. Quinhões TAT. Novos padrões gerenciais no setor público no sistema de saúde canadense. In: Cadernos ENAP - Reforma do Estado no setor de saúde: os casos de Catalunha, Canadá, Reino Unido e Estados Unidos. Rio de Janeiro:Escola Nacional de Administração Pública;1997. p.47-71.

5. Barata LRB. Entrevista. Rev Adm Saúde 2005;7(28):74-8.

6. Banco Mundial. Unidade de Redução da Pobreza e Gestão Econômica da Região da América Latina e Caribe. Relatório Nº 35691-BR. Brasil: Melhorando o desempenho no setor saúde: lições das inovações do Estado de São Paulo e da Cidade de Curitiba. 29 de Março de 2006.

Article receive on segunda-feira, 7 de julho de 2008

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