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ARTIGO ORIGINAL

Troca valvar aórtica com diferentes próteses. Existem diferenças nos resultados da fase hospitalar?

Gibran Roder FeguriI; Hugo de Moraes Sarmento MacruzII; Domingos BULHÕESIII; Antônio NEVESIII; Rodrigo Moreira de CastroIII; Luciana da FonsecaI; José Francisco BAUNGRATZI; José Pedro da SilvaIV

DOI: 10.1590/S0102-76382008000400014

RESUMO

Objetivos: Analisar dados intra-operatórios e possíveis diferenças na evolução clínica da fase hospitalar de pós-operatório da troca valvar aórtica com diferentes próteses. Métodos: Análise de 60 pacientes, divididos em três grupos: os submetidos a troca valvar por prótese biológica (20); por prótese mecânica (20); e finalmente, por valva homóloga (20). A média da idade foi de 51,1 anos; 60% eram do sexo masculino e 40% do feminino; 86,7% estavam em NYHA II ou III; 63,3% eram hipertensos, 18,3% diabéticos; a etiologia valvar foi degenerativa em 39%, reumática em 36% e endocardite em 15%. Resultados: A mortalidade hospitalar foi de 5%; não houve diferenças entre os grupos na incidência de choque séptico ou cardiogênico, insuficiência renal aguda, arritmias no centro cirúrgico e na unidade de terapia intensiva (UTI), assim como para o tempo de internação na UTI e tempo de ventilação mecânica. Houve diferença estatística nos tempos de circulação extracorpórea (P=0,02) e pinçamento aórtico (P<0,0001) desfavorável aos pacientes com valva homóloga. O tempo de internação na enfermaria foi maior para os pacientes com valva mecânica (P=0,05), assim como o tempo total de internação hospitalar tende a ser maior neste grupo, porém sem significância estatística. Pacientes com hematócrito pré-operatório abaixo de 38,1% utilizaram 2,73 unidades de hemoderivados; e com hematócrito no pós-operatório abaixo de 32% utilizaram 1,79 unidades. Controle ecocardiográfico mostrou mínimas diferenças evolutivas. Conclusão: A utilização de diferentes próteses, nesta amostra, não gerou diferenças nos resultados da fase hospitalar de pós-operatório; O homoenxerto é uma opção viável e com boa aplicabilidade clínica.

ABSTRACT

Objective: To analyze intraoperative data and possible differences in clinical evolution during postoperative hospital phase for aortic valve replacement surgery using different types of prosthesis. Methods: Analysis of 60 patients divided into three groups. Valve replacement with bioprosthesis (20), mechanical prosthesis (20) and homologous valve (20). The mean age was 51.1, 60% were male and 40% female patients; 86.7 % were in NYHA II or III; 63.3% presented arterial hypertension and 18.3% had diabetes. Aetiology of valve disease was degenerative for 39%, rheumatic for 36% and endocardits for 15%. Results: The hospital mortality was 5%; there were no differences in the incidence of septical or cardiogenic shock, acute renal failure, rhythms disorders during surgery or intensive care, neither for total time in intensive care and mechanical ventilation. However, there was statistical differences as regards the cardiopulmonary bypass total time (P=0.02) and the aortic clamping time (P<0.0001) unfavorable to homograft valve group. The ward admission time was greater for mechanical valve group (P=0.05) as well as for total admission time, but without statistical significance. It was observed that patients with preoperative hematocrit smaller than 38.1% used 2.73 units of blood components, and with postoperative hematocrit smaller than 32% used 1,79 units of blood components. Echocardiography control showed minimal evolutional differences. Conclusion: The use of different types of prosthesis for this study does not cause differences in the results of postoperative hospital phase. The use of homograft valve is a feasible option with good clinical applicability.
INTRODUÇÃO

Em nosso meio, a prótese biológica tem sido o substituto valvar mais utilizado. Observamos esta preferência por inúmeras razões, como a condição socioeconômica dos pacientes e o fato de dispensar a anticoagulação por toda a vida. Estas próteses evoluíram em nosso país a partir de tecidos biológicos provenientes da dura-máter, conforme publicado por Puig et al. [1,2], e posteriormente, pericárdio bovino e valvas porcinas remontadas em anéis [3,4]. É inegável que a partir dos primeiros substitutos valvares produzidos por Hufnagel, na década de 50, houve grande evolução tecnológica determinada por vários pesquisadores e inúmeras próteses comercializáveis [3,4].

As próteses biológicas, em geral, possuem baixa trombogenicidade, boa hemodinâmica, não apresentam ruídos no pós-operatório e, em decorrência do fluxo central, apresentam-se com baixa turbulência. No entanto, a limitação ao uso das próteses biológicas está diretamente relacionada a sua durabilidade, calcificação e necessidade de reoperações, com aumento do risco cirúrgico [4,5]. A sua indicação está bem estabelecida, principalmente em idosos e aqueles impossibilitados de se submeterem a esquemas de anticoagulação.

As próteses mecânicas de diversos tipos são bastante utilizadas quando preenchem critérios ainda estudados e debatidos. É uma opção para troca valvar em adultos jovens e crianças, que possuem o inconveniente da rápida degeneração estrutural com as biopróteses, além do crescimento somático. As próteses mecânicas de duplo folheto são amplamente utilizadas; possuem boa hemodinâmica, baixo perfil, boa durabilidade, incidência reduzida de trombose e fenômenos tromboembólicos, principalmente se usados esquemas de anticoagulação com controle rigoroso [5]. Limitações usualmente decorrem do uso de anticoagulantes, sendo possível ocorrer hemorragias de pequena monta até quadros dramáticos de acidente vascular cerebral, além de trombose na prótese, hemólise, fratura e desgaste de oclusores.

A valva homóloga ou homoenxerto, que parece ser menos vulnerável às infecções, possui boa hemodinâmica e restauração ao fluxo próximo do normal na raiz aórtica e seios coronarianos, além de se apresentarem com gradientes aceitáveis no pós-operatório [6]. Limitação ao seu uso ocorre pela escassez de doadores, dificuldade de esterilização e armazenamento, levando pesquisadores a testar tecidos provenientes de animais, como porcos, carneiros e bezerros [3]. Há também relatos de alterações precoces na valva dado ao mau alinhamento comissural e distorção, gerando insuficiência aórtica precoce por problemas de técnica cirúrgica [6]. Ainda existem poucos centros com experiência e uso rotineiro do homoenxerto no cenário nacional.

A despeito de diferentes características, como fluxo, área, gradientes e durabilidade, a escolha do tipo de prótese deve ser criteriosa, sendo geralmente influenciada pela experiência da equipe. Esta escolha é sempre realizada após a avaliação do estado clínico, aspectos socioeconômicos, psicológicos, idade, doenças associadas e possibilidade de acompanhamento médico criterioso no pós-operatório.

O objetivo deste trabalho foi estabelecer se existiriam variáveis na fase evolutiva hospitalar que poderiam influenciar na decisão da escolha da prótese; além daquelas claramente debatidas e estabelecidas pela literatura na fase tardia de evolução [7-10]. Foram também estudadas algumas variáveis hemodinâmicas intra-operatórias e ecocardiográficas pré e pós-operatórias para análise.


MÉTODOS

Na clínica cardiocirúrgica Dr. José Pedro da Silva do Hospital São Joaquim da Real e Benemérita Associação Portuguesa de Beneficência de São Paulo, foi realizado um trabalho transversal descritivo, com análise dos prontuários de 60 pacientes submetidos a troca valvar aórtica.

Foram selecionados 20 pacientes, de um total de 35 operados com valva homóloga pela equipe (entre os anos de 1995 e 2003), cujos prontuários médicos encontravam-se contemplados com todas as variáveis que os pesquisadores pretendiam estudar. A partir dos últimos 200 pacientes consecutivos submetidos a troca valvar por prótese biológica de pericárdio bovino, que constavam no banco de dados da equipe, foram sorteados aleatoriamente 20 pacientes. Para isso, utilizou-se a função Aleatório, do programa Microsoft Excel 2003. Da mesma forma, outros 20 pacientes submetidos a troca valvar por prótese mecânica de duplo folheto foram sorteados aleatoriamente. Desta maneira, obtivemos o mesmo número de pacientes por grupo.

A valva homóloga foi retirada do coração de doador em morte cerebral, no qual o coração não seria utilizado para transplante e de acordo com normas estabelecidas e cumpridas pela central reguladora para doação de órgãos e tecidos, respeitando as leis vigentes. Foram armazenadas em solução contendo antibióticos com espectro para gram negativo e positivo, bem como resfriadas em local apropriado, sendo utilizadas em prazo máximo determinado pela equipe de 48 horas após a retirada.

Vinte e quatro (40%) pacientes eram do sexo feminino e 36 (60%), do sexo masculino; a idade variou de 12 a 90 anos, com média de 51,1 anos para todos os grupos associados (biológica 59,2 anos; mecânica 43,8 anos e homóloga 50,3 anos). A distribuição de peso variou de 42 a 98 kg, com média de 68,8 kg; a estatura variou de 1,45 m a 1,86 m, com a média de 1,67 m.

Dos pacientes analisados, 63,3% eram hipertensos, 18,3% diabéticos, 32,7% tinham algum tipo de dislipidemia e 41,7% eram tabagistas. A etiologia da doença valvar predominante foi a degenerativa em 39% dos casos, reumática em 36% e 15% endocardite infecciosa; em 10% não foi encontrado a etiologia nos prontuários. A lesão valvar predominante foi estenose aórtica pura ou predominante nos pacientes com valva biológica e mecânica e insuficiência aórtica pura ou predominante para o grupo da homóloga. Dos pacientes estudados, 90% possuíam ritmo sinusal. A média de contagem do hematócrito no pré-operatório foi de 40,1%.

No momento da cirurgia, a classe funcional pelos critérios da New York Heart Association (NYHA) era II em 55% dos casos e III em 31,7%, sendo que a fração de ejeção no pré-operatório, pelo método cubo (pombo), variou de 37% a 84%, com média de 67,2% para todos os pacientes.

Não foram excluídos pacientes de reoperação ou aqueles com procedimentos cirúrgicos associados. Doze (20%) pacientes já haviam sido operados previamente para troca valvar. Os procedimentos associados mais freqüentes foram a revascularização cirúrgica do miocárdio, ampliação de anel aórtico e plastia mitral. Sete pacientes foram submetidos a procedimentos associados no grupo da biológica; sete no grupo da homóloga e quatro no grupo da mecânica.

Todos os pacientes foram submetidos a circulação extracorpórea (CEC) com uso de oxigenadores de membrana, hipotermia moderada (32ºC a 28ºC) e proteção miocárdica com cardioplegia sangüínea hipotérmica anterógrada e/ou retrógrada, de acordo com tipo de lesão valvar e preferência do cirurgião da equipe.

Para comprovação estatística, foi utilizada a análise de variância (ANOVA), para testar efeitos e comparar valores médios de vários parâmetros nos três grupos quando havia distribuição paramétrica; ANOVA não-paramétrica, para grupos de dados com distribuição não-Gaussiana; teste t de Student, também para comparações de médias entre grupos; modelo de regressão linear simples, para identificar relações entre variáveis; e o teste qui-quadrado, para testar igualdade entre proporções quando se consideraram mais que dois grupos simultaneamente. Significância estatística foi estabelecida com P < 0,05.


RESULTADOS

A mortalidade da amostra no período estudado foi de 5% (três pacientes), sendo um paciente submetido a troca por valva homóloga, por endocardite tardia de prótese biológica e foi reoperado. Este paciente faleceu em decorrência de choque cardiogênico e séptico na unidade de terapia intensiva (UTI). Os outros dois pacientes foram submetidos a troca por prótese biológica, sendo também reoperados por endocardite tardia de prótese biológica. Ambos pacientes faleceram em decorrência de choque séptico.

O grupo com menor média de idade foi o da valva mecânica. No entanto, a média de idade desse grupo só teve significância estatística quando comparado ao grupo da troca por prótese biológica (P=0,03), não interferindo com a análise global da amostra.

Quanto à ocorrência de choque na UTI, percebe-se que não houve diferença na incidência de choque cardiogênico (P=0,76) e choque séptico (P=0,34) por tipos de próteses utilizadas. Choque cardiogênico ocorreu em dois pacientes do grupo da prótese biológica, um paciente do grupo da mecânica e um do grupo da valva homóloga. Choque séptico acometeu dois pacientes submetidos a troca por prótese biológica e dois pacientes da troca por valva homóloga.

O ritmo cardíaco pré-operatório em 54 (90%) pacientes era sinusal, sendo quatro (6,7%) fibrilação atrial (FA), um (1,6%) de marca-passo definitivo e outro (1,6%) era atrial. O ritmo cardíaco pós-operatório sofreu alterações em decorrência da cirurgia, ficando 45 (75,5%) pacientes em ritmo sinusal, quatro (6,7%) em FA, um (1,7%) continuou como de marca-passo, um (1,7%) em ritmo de escape infra-hissiano, sete (11,7%) em ritmo atrial e dois (3,3%) em escape juncional. Essas alterações tiveram distribuição equivalente para os três grupos estudados.

Estudou-se, também, a incidência de arritmias supraventriculares e ventriculares no centro cirúrgico por tipos de próteses; sendo que foram definidas como significantes, aquelas arritmias que geraram instabilidade hemodinâmica, necessidade do uso de agentes antiarrítmicos e procedimentos de cardioversão e/ou desfibrilação após a retirada das cânulas da CEC. Verificou-se a igualdade na proporção de pacientes que sofreram arritmias para os três tipos de próteses (P=0,13). De modo análogo, verificou-se a igualdade entre os três grupos quanto à proporção de pacientes que sofreram arritmias na UTI (P=0,21) com algum tipo de intervenção, química ou elétrica.

Analisamos a utilização de catecolaminas e drogas vasoativas por tipos de próteses no centro cirúrgico e na UTI. Observou-se predomínio do uso de dobutamina e nitroprussiato de sódio nos três grupos, não havendo diferenças estatísticas quanto à utilização por grupos na amostra estudada.

Com relação ao tempo total de cirurgia, verificou-se igualdade para ambos os sexos (P=0,48) e para os três tipos de próteses implantadas (P=0,07).

A Figura 1 apresenta as medidas descritivas dos tempos de CEC (em minutos) por grupos. Observou-se diferença estatisticamente significativa entre os tipos de próteses utilizadas, com maiores tempos para os pacientes submetidos ao implante de valva homóloga (P=0,02); não houve diferenças significativas entre sexos (P=0,32). O tempo de pinçamento aórtico (em minutos) por sexo não diferiu (P = 0,71), porém há também nítida e importante diferença estatística entre os tipos de próteses utilizadas (P<0,0001), em conseqüência aos maiores tempos ocorridos no grupo da homóloga, como podemos observar na Figura 2.


Fig. 1 - Tempo médio de circulação extracorpórea (CEC), em minuto,s com desvio padrão, para os diferentes tipos de próteses. Observa-se que há diferença com significado estatístico desfavorável ao grupo da valva homóloga. Utilizou-se o teste ANOVA não-paramétrico


Fig. 2 - Tempo médio de pinçamento aórtico, em minutos, com desvio padrão, para os diferentes tipos de próteses. Observa-se que há diferença com significado estatístico desfavorável ao grupo da valva homóloga. Utilizou-se o teste ANOVA não-paramétrico



Em relação à ocorrência de derrame mediastinal, avaliado pelo ecocardiograma no pós-operatório (variando de moderado a importante), verificou-se que ocorreu com a mesma proporção entre os três grupos (P=0,64); ocorrendo o mesmo para o derrame pleural (P=0,88). Quatro pacientes foram acometidos por derrame mediastinal no grupo da prótese biológica e mecânica e três pacientes no grupo da homóloga, nem todos com necessidade de intervenção.

Foi testada, também, a proporção de pacientes que retornaram ao centro cirúrgico em cada grupo; novamente verificou-se igualdade entre os três tipos de próteses (P=0,36). A causa do retorno ao centro cirúrgico foi a revisão de hemostasia para um paciente do grupo da prótese mecânica, dois pacientes do grupo da biológica e um do grupo da homóloga. Também retornaram ao centro cirúrgico dois pacientes do grupo biológica e um paciente do grupo homóloga, para realização de drenagem de mediastino por derrame importante.

A utilização de hemoderivados (concentrado de hemáceas, plaquetas, crioprecipitado e plasma fresco humano) foi testada, sendo afetada pela contagem de hematócrito no pré e pós-operatório. Verificou-se que a relação entre a contagem de hematócrito abaixo de 38,1% no pré-operatório e a utilização de hemoderivados é significante (P = 0,03), sendo que esses pacientes utilizaram pelo menos 2,73 unidades de hemoderivados em relação aos pacientes com mais de 38,1% (IC 95%: 1,70; 3,76). O mesmo ocorre em relação à contagem de hematócrito abaixo de 32,0% no pós-operatório (P=0,01), sendo que esses pacientes utilizaram pelo menos 1,79 unidades de hemoderivados (IC 95%: 1,14; 2,44). Não houve diferenças na amostra entre os três grupos estudados quanto à utilização geral de hemoderivados no centro cirúrgico e na UTI, bem como para os valores absolutos de sangramento pelo dreno mediastinal no pós-operatório. O concentrado de hemáceas foi o hemoderivado mais utilizado em todos os grupos.

Avaliando-se outros fatores relacionados à UTI, verifica-se a igualdade no tempo de ventilação mecânica com relação ao sexo (P=0,56) e tipos de próteses (P=0,32), demonstrando-se que não houve diferenças estatísticas significantes para os três grupos estudados. Em relação ao tempo total de internação na UTI (Tabela 1), verificou-se a inexistência de diferenças com relação ao sexo (P=0,73) e aos tipos de próteses (P=0,27).




Com relação à incidência de insuficiência renal aguda na UTI, constatou-se que não existiram diferenças na incidência por grupos (P=0,77), assim como na necessidade de diálise (P=0,86). No grupo da valva homóloga, três pacientes foram acometidos por insuficiência renal aguda, sendo que um foi submetido a diálise e faleceu; do grupo da prótese biológica, três pacientes foram acometidos e dois fizeram diálise; finalmente, no grupo da prótese mecânica, dois pacientes apresentaram esta complicação, sendo que apenas um necessitou de diálise.

O tempo de internação em enfermaria no pós-operatório diferiu entre os grupos, sendo desfavorável ao grupo submetido a troca valvar mecânica (P=0,05). Analisando-se a Tabela 2, percebe-se que os pacientes deste grupo apresentaram tempo médio de internação na enfermaria maiores que os demais grupos. Este dado também aumentou o tempo total de internação hospitalar para o grupo da troca mecânica em relação aos outros dois grupos estudados (P=0,57), porém sem significância estatística.




O efeito de um paciente ter voltado à UTI sobre o tempo total de internação foi também avaliado. Nota-se que existe diferença no tempo total de internação com relação à necessidade de reinternação na UTI (P<0,0001); assim, o tempo total de internação daqueles que retornaram à UTI é, em média, 8,7 dias maior que o tempo daqueles que não retornaram. No entanto, a ocorrência de retorno à UTI por tipos de próteses implantadas não diferiu, sendo não significativo entre os três grupos (P=0,77). A maior causa de retorno à UTI foi a FA aguda, seguida de insuficiência ou desconforto respiratório.

Foram também avaliadas algumas variáveis ecocardiográficas, nos períodos pré e pós-operatórios. Em relação aos diâmetros ventriculares, nota-se que existiram diferenças evolutivas esperadas nesta fase de internação, não diferindo estatisticamente entre os tipos de próteses utilizadas (P=0,73). A média do diâmetro diastólico final do ventrículo esquerdo no pré-operatório foi de 54,8 mm para o grupo da troca biológica, 64,6 mm no grupo da mecânica e 64,4 mm no grupo homóloga. Observou-se melhora no pós-operatório, com a média caindo para 49,2 mm para o grupo da troca biológica, 55,2 mm no grupo da troca mecânica e 58 mm no grupo da homóloga. Os volumes diastólico final do ventrículo esquerdo (VDF) e sistólico final do ventrículo esquerdo (VSF) foram testados, sendo verificada ausência de diferença estatística significativa no pós-operatório por grupos, em relação aos valores de pré-operatório (P=0,35 e P=0,59); porém com tendência a melhora evolutiva, principalmente nos casos de insuficiência valvar aórtica.

Foram também avaliadas as medidas descritivas da fração de ejeção (FE) pelo método cubo (pombo) no pré e pós-operatório por tipos de próteses, não havendo diferenças entre os grupos (P=0,66). No entanto, em relação ao resultado da FE após a cirurgia, houve significância entre os diferentes tipos de prótese. Houve acréscimo na FE pós-operatória, sendo maior para os pacientes do grupo da troca biológica e menor para pacientes do grupo da prótese mecânica (P=0,01). Possível razão será discutida posteriormente. A Tabela 3 apresenta as medidas descritivas da FE pelo método cubo de pré e pós-operatório por grupo. Foi também analisada a medida do diâmetro da aorta no pré e pós-operatório por grupo, constatando-se ausência de diferenças evolutivas por tipos de próteses (P=0,59), assim como para os valores da dimensão do átrio esquerdo e a relação aorta/átrio esquerdo (P=0,53 e P=0,58).




DISCUSSÃO

No início desta década, em estudo multicêntrico envolvendo uso da prótese de pericárdio bovino Carpentier-Edwards (Perimount), Marchand et al. [11] apresentaram 37,1% de sobrevida actuarial, com 68,8% livre de disfunção estrutural em 14 anos na posição atrioventricular. A despeito desta freqüente complicação tardia, que ocorre principalmente em jovens, Mykén et al. [12] publicaram casuística com biopróteses porcinas e evolução satisfatória em 15 anos, além de sobrevida de 41% na posição aórtica para população predominante adulta. Estudos desenvolvidos no Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), com biopróteses de pericárdio bovino, inclusive em pacientes acima de 70 anos [2,13,14], demonstraram resultados semelhantes aos da literatura internacional; dados também apresentados por Braile et al. [4], com excelentes resultados em 12 anos de seguimento.

Segundo Lund et al. [15] e Jamieson et al. [16], as próteses mecânicas de duplo folheto possuem também em análise de pós-operatório tardio, baixa mortalidade relacionada à valva, baixa trombogenicidade, taxa de hemólise e ausência de falha mecânica em 18 anos de evolução, principalmente quando associado a esquema rigoroso de anticoagulação.

Em relação ao homoenxerto aórtico, destaca-se a experiência de O'Brien et al. [17], com casuística de 1022 pacientes em 29 anos de seguimento e sobrevida livre de reoperações em 50% dos pacientes em 20 anos. Assim como a de Sadowski et al. [18], com 655 pacientes em 23 anos e sobrevida livre de reoperações de 49,5% em 20 anos.

Os resultados apresentados neste trabalho relacionam-se ao período intra-hospitalar de pós-operatório, do momento da internação até a alta, sendo que não encontramos na literatura consultada, conforme citado anteriormente, comparações similares entre os três tipos de próteses, para esse período específico.

Os resultados encontrados em relação à mortalidade geral dos grupos não demonstraram diferenças estatisticamente significativas devido ao tamanho da amostra. Salientamos a alta morbidade e mortalidade, com sobrevida podendo ser inferior a 50% nas substituições valvares aórticas em vigência de endocardite infecciosa associada a insuficiência aórtica aguda, insuficiência renal aguda e insuficiência cardíaca congestiva [19]. Essa combinação mórbida pode ser vista em graves casos de abscessos de anel aórtico, que geralmente são de difícil tratamento, o que motivou pesquisadores [20] a buscarem novas e interessantes técnicas para aprimorar e melhorar os resultados cirúrgicos.

Observou-se a ocorrência de alterações em todos os grupos quanto ao ritmo cardíaco de pós-operatório. Alterações estas que foram decorrentes da manipulação cirúrgica do coração e suturas que estão em íntima relação com o trajeto do sistema de condução, além do acometimento do anel aórtico. Porém, esses achados, embora de relevância clínica, estão relacionados e descritos no pós-operatório da troca de valva aórtica, principalmente na presença de endocardite [21], sendo que, em grande parte dos casos, pode ocorrer reversão espontânea para o ritmo de pré-operatório. Essa reversão geralmente ocorre após melhora do processo inflamatório local e diminuição do edema.

Os tempos de pinçamento aórtico e CEC foram maiores para o grupo da valva homóloga e esses achados já eram esperados devido à técnica cirúrgica do procedimento de implante desta valva ser mais trabalhosa e criteriosa do que as próteses biológicas ou mecânicas, podendo inclusive ocorrer insuficiência aórtica precoce no pós-operatório, como refere Staab et al. [6]. Esse fato não foi observado no controle ecocardiográfico do grupo estudado. O tempo total de cirurgia não obteve significado estatístico desfavorável ao grupo da valva homóloga, pois os demais grupos apresentavam maior número de procedimentos associados.

O tempo de internação na enfermaria foi maior para o grupo da troca mecânica, com significância estatística. Esse dado é importante pois, por meio da análise dos prontuários, observou-se que esse maior tempo foi necessário para o correto ajuste da anticoagulação antes da alta hospitalar. Todos receberam anticoagulantes por via oral e não foram observados sangramentos ou tromboses na amostra.

Em relação aos achados ecocardiográficos pós-operatórios e sua correlação com os valores de pré-operatório, não observamos diferenças evolutivas significativas, sendo que a melhora da FE e dos diâmetros ventriculares aconteceram de forma semelhante para os três grupos; embora dois pacientes do grupo da prótese mecânica (que tiveram revascularização do miocárdio associada) tenham se apresentado na fase de pós-operatório com queda da FE por disfunção ventricular.

De forma geral, quando analisamos as demais variáveis estudadas e testadas, foi constatado que pouco diferiram para os três grupos estudados, denotando equidade tanto no centro cirúrgico quanto na UTI, principalmente no que tange ao tempo de ventilação mecânica e internação na UTI; utilização de catecolaminas ou drogas vasoativas; incidência de arritmias; incidência de insuficiência renal aguda; acometimento por choque cardiogênico ou séptico; utilização de hemoderivados e sangramento pós-operatório.

Não obstante, observamos que é possível, em nosso meio, realizar a troca valvar utilizando-se do homoenxerto, que representa uma excelente opção no arsenal terapêutico das substituições valvares; principalmente com a possibilidade de emprego de valvas crioprecipitadas, atingindo melhor controle de qualidade, armazenamento e esterilização; e também com a criação dos bancos de valvas cardíacas humanas, como demonstrado por Costa et al. [22].

Recentemente, em artigo de revisão, Saadi [23] discutiu o desenvolvimento experimental e aplicabilidade das novas técnicas para tratamento da estenose aórtica em grupos selecionados de pacientes, dentre elas o implante valvar aórtico percutâneo e o implante transapical, através de minitoracotomia, com coração batendo. Essas novas informações são de relevância, pois no futuro poderemos estar discutindo as diferenças das fases evolutivas de pós-operatório destes substitutos valvares citados neste trabalho (entre outros), porém implantados por meio de novas técnicas.

Limitações

A amostragem de 60 pacientes, 20 por grupo, foi fator limitante para o estudo.


CONCLUSÃO

A evolução clínica dos pacientes na fase hospitalar de pós-operatório não foi influenciada pelos diferentes tipos de próteses utilizadas no estudo, a despeito de algumas variáveis que tiveram diferença estatística, como os maiores tempos cirúrgicos (CEC e pinçamento) naqueles que receberam valva homóloga. O tempo de internação dos pacientes submetidos a troca valvar mecânica tende a ser maior para adequado controle da anticoagulação.

O uso de homoenxerto aórtico é uma opção viável, com boa aplicabilidade clínica em diversos casos, principalmente nas infecções da valva ou próteses aórticas.


AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao Dr. Hugo Macruz, pelo empenho e ajuda na composição deste trabalho, e ao Dr. José Henrique Andrade Vila, pelo apoio e revisão sistemática.


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Article receive on sábado, 10 de maio de 2008

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