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CORRELAÇÃO CLÍNICO-CIRÚRGICA

Alternativa para operação tipo Fontan extracardíaco: anastomose direta entre o tronco pulmonar e a veia cava inferior

Ulisses Alexandre CrotiI; Domingo M BraileI; Moacir Fernandes de GodoyI; Fabiana Nakamura AvonaI

DOI: 10.1590/S0102-76382008000300028

DADOS CLÍNICOS

Criança com 9 anos, 20,8 kg, sexo masculino, oriunda de Salvador, BA. Mãe refere cianose desde o nascimento com piora há 2 anos, quando iniciou quadro de dispnéia e cansaço aos médios esforços, sem uso de medicações e sem intervenções cirúrgicas prévias.

Ao exame físico, apresentava-se BEG, corado, hidratado, cianose +++/4+ e hipocratismo digital. No precórdio havia frêmito sistólico ++/4+ em bordo esternal esquerda alta (BEE), ausculta cardíaca com bulhas em dois tempos, sendo a segunda bulha hiperfonética, sopro sistólico ++++/6+ em BEE, irradiando para direita. Abdome sem alterações. Pulsos periféricos presentes, simétricos e saturação periférica de 73% em ar ambiente.


ELETROCARDIOGRAMA

Ritmo sinusal, freqüência 100 bat/min, SÂP +30º, SÂQRS + 240°, PR 0,12 s, QTC 0,43 s. Sobrecarga ventricular direita evidenciada por complexos Rs em Vs rS em V6.


RADIOGRAMA

Situs solitus visceral em levocardia. Área cardíaca dentro dos limites da normalidade, com índice cardiotorácico de 0,41. Chamava atenção o fato de não se notar imagem de átrio à direita, além de lobulação da porção medial da hemicúpula diafragmática à direita, sugestiva de hérnia de Morgane ou de tecido gorduroso. A transparência dos campos pleuro-pulmonares era normal (Figura 1).


Fig. 1 - Radiografia de tórax demonstrando o posicionamento do coração com ausência de imagem sugestiva de átrio à direita



ECOCARDIOGRAMA

Situs solitus em levocardia. Conexão venoatrial e atrioventricular normal. Conexão ventrículo-arterial anormal com as duas artérias originando-se do ventrículo direito. Ao Doppler, fluxo turbulento e acelerado na dupla via de saída do ventrículo direito (DVSVD) e tronco pulmonar (TP), compatível com estenose infundíbulo-valvar, gradiente máximo de pico de 66 mmHg. Comunicação interventricular (CIV) medindo 18 mm, anel valvar aórtico de 20 mm, anel valvar pulmonar de 6,5 mm, TP de 7,5 mm, artéria pulmonar direita (APD) de 11 mm e esquerda (APE) de 6 mm. Assim, o ecocardiograma revelou DVSVD com CIV não-relacionada, aorta anterior, TP posterior, estenose pulmonar infundíbulo-valvar de grau importante e hipoplasia da APE.


DIAGNÓSTICO

Tratando-se de um paciente extremamente grave, devido à anatomia, à idade, ao grau de cianose e ao comprometimento pulmonar, optou-se por correção com fisiologia univentricular. A desproporção entre os diâmetros das artérias pulmonares (Figura 2) foi bem documentada pelo estudo hemodinâmico, o qual também evidenciou a DVSVD, com aorta anterior e TP posterior, comunicação interatrial tipo ostium secundum de moderado tamanho, estenose supravalvar pulmonar de grau importante e forneceu a pressão média da artéria pulmonar de 25 mmHg.


Fig. 2 - Estudo hemodinâmico demonstrando o posicionamento e a desproporção entre as artérias pulmonares



OPERAÇÃO

Toracotomia transesternal mediana, abertura de pericárdio, análise das estruturas cardíacas externas e dissecção ampla da veia cava superior (VCS), veia cava inferior (VCI), TP, APE e APD. Alguns aspectos chamaram a atenção, sendo a APD três vezes maior que a APE, os apêndices atriais estavam justapostos à esquerda (Figura 3) e o TP, além de posterior, estava posicionado discretamente à direita e havia uma estenose supravalvar pulmonar (Figura 4). Estas características proporcionaram pensar na possibilidade de uma conexão direta entre o TP e a VCI.


Fig. 3 - Justaposição de apêndices atriais à esquerda



Fig.4 - Imagem da aorta anterior e tronco pulmonar posterior. Observa-se também imensa veia cava superior diretamente no átrio, com ausência de apêndice atrial direito



O paciente foi heparinizado, instalação do circuito de circulação extracorpórea (CEC) convencional com introdução das cânulas em aorta, VCS junto à veia inominada e VCI junto às veias supra-hepáticas. Iniciada CEC com hipotermia a 26ºC, cardioplegia sanguínea, anterógrada, intermitente a cada 20 minutos e hipotérmica a 4ºC.

Secção do TP junto à base do coração, ressecção da valva pulmonar e sutura do coto proximal com fios de polipropileno 5-0 e 6-0, com intuito de evitar sangramento externo e formação de trombo internamente ao coração. O TP foi amplamente mobilizado, com dissecção das artérias pulmonares até os hilos pulmonares e o orifício do TP ampliado discretamente com incisão longitudinal, no local onde havia a estenose supravalvar pulmonar. Após, posicionado à direita do coração em sentido da VCI, paralelo ao sulco atrioventricular.

A VCI foi seccionada do átrio com o maior comprimento possível, de tal sorte a permitir a conexão direta entre esta o TP (Figura 5), anastomose realizada com fio de polidioxanona 5-0 (operação tipo Fontan extracardíaco). Com este posicionamento espacial, a veia ázigos foi ligada e seccionada previamente à VCS ser também seccionada do átrio e anastomosada da forma mais anatômica possível diretamente na APD com fio de polidioxanona 6-0 (operação de Glenn bidirecional).


Fig. 5 - Aspecto final da operação com o tronco pulmonar anastomosado diretamente à veia cava inferior e a veia cava superior anastomosada à artéria pulmonar direita. Nota-se importante desproporção no diâmetro entre as artérias pulmonares



Os cotos atriais foram suturados com polipropileno 5-0 e o septo interatrial totalmente ressecado. O tempo de perfusão foi de 95 minutos e de isquemia miocárdica, 45 minutos [1,2].

Na Unidade de Terapia Intensiva, evoluiu com derrame pleural à direita durante 14 dias, o qual regrediu com dieta hipogordurosa e o paciente recebeu alta hospitalar no 21º dia de pós-operatório. O ecocardiograma no pós-operatório imediato demonstrava ao Doppler ausência de fluxo entre o VD e TP, fluxo laminar bifásico com velocidade máxima de 0,59 m/s, na anastomose entre a VCI e o TP, e 0,68 m/s, na anastomose entre a VCS e a APD, indicando normalidade de drenagem. A comunicação interatrial pós-atriosseptectomia de 12 mm, CIV 14,5 mm, APD 14mmm, APE 7 mm, função contrátil dos ventrículos normal.

Quatro meses após a operação, a paciente faz uso apenas de ácido acetilsalicílico 5 mg/kg, já que não há tecido protético e, portanto, sem necessidade de dicumarínico, como habitualmente deve ser utilizado na operação de cavopulmonar total ou tipo Fontan com tubo extracardíaco.


REFERÊNCIAS


1. Carotti A, Iorio FS, Amodeo A, Giamberti A, Marianeschi S, Nava S, et al. Total cavopulmonary direct anastomosis: a logical approach in selected patients. Ann Thorac Surg. 1993;56(4):963-4 [MedLine]

2. Van Son JA, Reddy M, Hanley FL. Extracardiac modification of the Fontan operation without use of prosthetic material. J Thorac Cardiovasc Surg. 1995;110(6):1766-8. [MedLine]

Article receive on sexta-feira, 22 de agosto de 2008

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