Article

lock Open Access lock Peer-Reviewed

5

Views

COMUNICAÇÃO BREVE

Avaliação da captura de fragmentos por meio da filtração intra-aórtica em pacientes submetidos à troca valvar aórtica

Osanan Amorim LEITE FILHOI; Carlos Manuel de Almeida BrandãoII; Pablo Maria Alberto PomerantzeffIII; Marco Antônio Vieira GuedesIV; Maria de Lourdes HIGUCHIV; Noedir Antônio Groppo StolfVI

DOI: 10.1590/S0102-76382008000300026

INTRODUÇÃO

O acidente vascular cerebral (AVC) é a terceira maior causa de morte nos países desenvolvidos e a principal causa de deficiência física [1]. Nos últimos anos, a lesão neurológica durante a cirurgia cardíaca tem recebido atenção especial por parte dos cirurgiões. O AVC acomete ao redor de 3,8% dos pacientes submetidos à cirurgia de revascularização do miocárdio [2] e em até 10% dos pacientes submetidos à troca valvar aórtica [3,4].

Os eventos neurológicos estão associados a aumento substancial na mortalidade, tempo de hospitalização e recursos financeiros a médio e longo prazos. Sendo assim, esforços foram implantados para minimizar os riscos destas complicações. Embora as causas de complicações neurológicas sejam multifatoriais, idade e aterosclerose foram identificadas como os principais fatores de risco [5,6].

Estudos foram realizados para avaliar a capacidade de capturar fragmentos desprendidos durante o intra-operatório por meio de um dispositivo de filtração intra-aórtica em pacientes submetidos a cirurgia de revascularização do miocárdio, além de avaliar a segurança na utilização deste dispositivo. Seus resultados demonstraram não só a segurança na utilização do dispositivo, a capacidade de capturar fragmentos no intra-operatório, a composição histológica dos fragmentos (predominantemente de origem ateromatosa), bem como identificou o momento do despinçamento aórtico como de maior risco [5].

Em nosso meio, não foram realizados estudos específicos para avaliar o uso de deste dispositivo em pacientes com estenose aórtica calcificada. Esta pesquisa tem como objetivo geral analisar a atividade embólica de pacientes portadores de estenose aórtica calcificada submetidos à troca valvar aórtica por meio da análise morfométrica e histológica dos fragmentos obtidos com a filtração intra-aórtica com dispositivo de filtração EMBOL-X® System (Edwards Lifesciences Inc., Mountain View, CA, USA).


MÉTODOS

Foram incluídos nesta pesquisa 13 pacientes consecutivos portadores de estenose aórtica calcificada de etiologia degenerativa (12 casos) ou reumática (um caso), com indicação de tratamento cirúrgico eletivo. Todos os candidatos foram informados sobre os procedimentos a serem realizados e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido aprovado pela Comissão de Ética do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Os pacientes submetidos a cirurgia de emergência, a reoperação e a outros procedimentos associados, como revascularização do miocárdio, outras cirurgias valvares ou correção de cardiopatias congênitas, foram excluídos do estudo.

Dados clínicos pré-operatórios (Tabela 1) foram obtidos por meio da aplicação de questionário padrão, seguindo o modelo de avaliação de risco cirúrgico denominado Euroscore [7].




Todos os pacientes foram operados pela mesma equipe cirúrgica. A via de acesso utilizada foi a esternotomia mediana. Após a exposição padrão da cavidade pericárdica, a aorta foi medida com medidor padrão para escolha do dispositivo de filtração intra-aórtica EMBOL-X® System de tamanho adequado. A circulação extracorpórea foi instalada utilizando-se canulação arterial na aorta ascendente e canulação venosa única de dois estágios através do apêndice atrial direito. A cânula arterial possui abertura lateral destinada ao acoplamento do dispositivo EMBOL-X® System (Figura 1).


Fig. 1 - Cânula aórtica com dispositivo EMBOL-X® System



Procedeu-se, então, à hipotermia a 28ºC, ao pinçamento aórtico e à proteção miocárdica com solução cardioplégica sangüínea (Saint Thomas) a 4ºC nos óstios coronarianos repetida a cada 20 minutos. A valva aórtica foi, então, ressecada com meticulosa descalcificação do anel aórtico. Em seguida, a prótese biológica foi posicionada com pontos de mersilene 2-0 em "U" ancorados em teflon. Após as manobras de retirada de ar das cavidades esquerdas e do aquecimento a 36,5ºC, o dispositivo EMBOL-X® System foi acoplado à cânula arterial e o filtro intra-aórtico foi armado. Em seguida, a pinça aórtica foi retirada. Cinco minutos após a atividade contrátil cardíaca ser restabelecida, o filtro intra-aórtico foi retirado e encaminhado para análise. A média do tempo de circulação extracorpórea foi 60,2±7,5 (45-72) minutos e a média do tempo de pinçamento aórtico foi 50±7,5 (35-63) minutos.

Os filtros foram fixados em formalina e enviados ao laboratório de anatomia patológica (Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), onde foram analisados, macroscopicamente, por meio do sistema de quantificação Quantimet®, com pelo menos 10X de aumento. As partículas contidas em cada filtro foram contadas manualmente e digitalmente fotografadas. A análise morfométrica foi realizada utilizando Scion Image Software® (NIH image). Foi realizado exame histológico do material para detectar a natureza do fragmento, através da fixação com hematoxilina-eosina, tricromo de Masson e Verhoeff.

Todos os pacientes foram avaliados diariamente durante a internação pela equipe responsável pelos cuidados pós-operatórios quanto à presença de eventos neurológicos tipos I ou II. A insuficiência renal foi considerada quando o nível sérico de creatinina foi maior que 2,0mg/dL ou aumento maior que 1,5 vezes o valor pré-operatório [8].

As variáveis numéricas dos dados demográficos são apresentadas como média, desvio-padrão. A comparação entre médias de grupos independentes foi feita através do teste t de Student, utilizando-se o software WINKS SDA 6.0.4. O nível de significância estatística foi 5%.


RESULTADOS

Não foram evidenciados danos à aorta ou eventos adversos relativos ao uso do dispositivo de filtração intra-aórtica. Não houve eventos neurológicos, bem como nenhum paciente apresentou insuficiência renal no pós-operatório. Não correram óbitos durante a internação.

Material embólico foi capturado em cinco (38,5%) dos filtros, como exemplificado na Figura 2.


Fig. 2 - Material embólico capturado no filtro intra-aórtico do paciente 1 (aumento de 10X / cada quadrado apresenta 3mm de lado)



A análise histológica (Figura 3) mostrou que os materiais capturados eram compostos de: fibrina (dois casos), tecido conjuntivo (dois casos) e hemácias (um caso). Em um dos filtros, havia mais de um composto (fibrina e hemácias) ao passo que não foi possível determinar a natureza do material embólico em um filtro.


Fig. 3 - Exame histológico de fragmento capturado revelando presença de tecido conjuntivo (paciente 5)



Os pacientes cujos filtros intra-aórticos capturaram material embólico apresentaram índice de massa de ventrículo esquerdo menor que os pacientes cujos filtros não capturaram qualquer material com significância estatística. A fração de ejeção e o gradiente entre o ventrículo esquerdo e a aorta foram maiores nos pacientes cujos filtros capturaram material embólico, porém sem significância estatística (Tabela 2).




DISCUSSÃO

Nos últimos anos, tem aumentado o conhecimento a respeito da doença ateromatosa da aorta. Barbut et al. [9,10] demonstraram uma forte correlação entre a gravidade da ateromatose aórtica e a quantidade de êmbolos liberados. Além disso, demonstraram que a maioria dos êmbolos é liberada durante o momento de despinçamento da aorta durante a operação e que os êmbolos estão relacionados aos danos neurológicos. Então, foi sugerido que a utilização de um filtro poderia diminuir os eventos neurológicos.

O dispositivo EMBOL-X® System se mostrou seguro, já que não ocorreram quaisquer complicações intra-operatórias relacionadas ao uso do dispositivo, corroborando com dados disponíveis na literatura [8,11].

Neste estudo, não ocorreram lesões neurológicas ou disfunções renais no pós-operatório dos 13 pacientes submetidos a troca da valva aórtica. Dois grandes estudos randomizados demonstraram que a utilização do filtro foi capaz de reduzir a morbidade pós-operatória, principalmente complicações neurológicas e renais, além de diminuir o tempo de internação e mortalidade [12,13].

Tem sido demonstrado que o filtro intra-aórtico captura material embólico em até 99% das vezes, sendo que, à análise histológica, cápsula fibrosa e depósito de fibrina são os principais conteúdos achados no material embólico capturado pelos filtros, embora, materiais diversos como cartilagem, fragmentos de pulmão e miocárdio, sutura e "pledget" de teflon já tenham sido encontrados, mostrando que a origem desses fragmentos é, principalmente, a manipulação cirúrgica [5,8,14]. Nesta pesquisa, o filtro intra-aórtico capturou material embólico em 38,5% dos casos, valor menor do que apresentado acima, supostamente, porque ficou armado durante 5 minutos enquanto que, nos estudos supracitados, o filtro permaneceu armado até que fosse procedido todo o desmame da circulação extracorpórea o que pode ter demandado maior tempo.

Recentemente, tem-se buscado determinar qual grupo de pacientes se beneficiaria do uso do dispositivo EMBOL-X® System. Neste estudo, encontramos que os pacientes cujos filtros capturaram fragmentos possuíam índice de massa de ventrículo esquerdo, significativamente, menor que os pacientes cujos filtros não capturaram fragmentos (p = 0,009). Por outro lado, o gradiente entre o ventrículo esquerdo e a aorta e a fração de ejeção se mostraram menor no grupo de pacientes onde ocorreu captura de fragmentos, embora sem significância estatística. O presente estudo é limitado pela pequena amostra, sendo, portanto, necessários estudos com amostras maiores no sentido de melhor direcionar o uso do filtro intra-aórtico aos pacientes que mais se beneficiariam. Bonatti et al. [15], analisando 113 pacientes submetidos a revascularização do miocárdio nos quais foi utilizado o dispositivo EMBOL-X® System, não encontraram correlação entre a espessura da aorta medida pelo ultra-som epiaórtico e o número de partículas capturadas pelo filtro intra-aórtico ou a área de superfície dos fragmentos encontrados. Em outro estudo, a extensão da doença aórtica se correlacionou com o número de partículas capturadas pelo filtro intra-aórtico e obesidade, hipertensão e número de anastomoses proximais tiveram influência significante no número de partículas capturadas [16].

Christenson et al. [17] usaram o filtro intra-aórtico Edwards EMBOL-X® Slim Protection System em 15 pacientes submetidos a cirurgia cardíaca antes do pinçamento aórtico e antes do despinçamento aórtico e mostraram que, em dois terços dos filtros usados antes do pinçamento aórtico, havia igual ou maior quantidade de partículas capturadas. Sugeriram, então, que, para melhor proteção contra embolismo durante cirurgia cardíaca, o filtro intra-aórtico deve ser utilizado não apenas antes do despinçamento aórtico, mas também antes do pinçamento aórtico.


CONCLUSÃO

O dispositivo EMBOL-X® System foi efetivo na captação de fragmentos intra-aórticos na substituição da valva aórtica na estenose aórtica calcificada.


REFERÊNCIAS

1. World Health Organization-International Society of Hypertension. Guidelines for the Manegement of Hypertension. Guidelines Subcommittee. J Hypertens. 1999;17(2):151-83. [MedLine]

2. Bucerius J, Gummert JF, Borger MA, Walther T, Doll N, Onnasch JF, et al. Stroke after cardiac surgery: a risk factor analysis of 16,184 consecutive adult patients. Ann Thorac Surg. 2003;75(2):472-8. [MedLine]

3. Stolz E, Gerriets T, Kluge A, Klövekorn WP, Kaps M, Bachmann G. Diffusion-weighted magnetic resonance imaging and neurobiochemical markers after aortic valve replacement: implications for future neuroprotective trials? Stroke. 2004;35(4):888-92. [MedLine]

4. Wolman RL, Nussmeier NA, Aggarwal A, Kanchuger MS, Roach GW, Newman MF, et al. Cerebral injury after cardiac surgery: identification of a group at extraordinary risk. Multicenter Study of Perioperative Ischemia Research Group (McSPI) and the Ischemia Research Education Foundation (IREF) Investigators. Stroke. 1999;30(3):514-22. [MedLine]

5. Harringer W. Capture of particulate emboli during cardiac procedures in which aortic cross-clamp is used. International Council of Emboli Management Study Group. Ann Thorac Surg. 2000;70(3):1119-23. [MedLine]

6. Roach GW, Kanchuger M, Mangano CM, Newman M, Nussmeier N, Wolman R, et al. Adverse cerebral outcomes after coronary bypass surgery. Multicenter Study of Perioperative Ischemia Research Group and the Ischemia Research and Education Foundation Investigators. N Engl J Med. 1996;335(25):1857-63. [MedLine]

7. Roques F, Nashef SA, Michel P, Gauducheau E, de Vincentiis C, Baudet E, et al. Risk factors and outcome in European cardiac surgery: analysis of the EuroSCORE multinational database of 19030 patients. Eur J Cardiothorac Surg. 1999;15(6):816-22.

8. Banbury MK, Kouchoukos NT, Allen KB, Slaughter MS, Weissman NJ, Berry GJ, et al; ICEM 2000 Investigators. Emboli capture using the Embol-X intraaortic filter in cardiac surgery: a multicenter randomized trial of 1,289 patients. Ann Thorac Surg. 2003;76(2):508-15.

9. Barbut D, Hinton RB, Szatrowski TP, Hartman GS, Bruefach M, Williams-Russo P, et al. Cerebral emboli detected during bypass surgery are associated with clamp removal. Stroke. 1994;25(12):2398-402. [MedLine]

10. Barbut D, Yao FS, Lo YW, Silverman R, Hager DN, Trifiletti RR, et al. Determination of size of aortic emboli and embolic load during coronary artery bypass grafting. Ann Thorac Surg. 1997;63(5):1262-7. [MedLine]

11. Reichenspurner H, Navia JA, Berry G, Robbins RC, Barbut D, Gold JP, et al. Particulate emboli capture by an intra-aortic filter devide during cardiac surgery. J Thorac Cardiovasc Surg. 2000;119(2):233-41. [MedLine]

12. Barbut D, Yao FS, Hager DN, Kavanaugh P, Trifiletti RR, Gold JP. Comparison of transcranial Doppler ultrasonography and transesophageal echocardiography to monitor emboli during coronary artery bypass surgery. Stroke. 1996;27(1):87-90. [MedLine]

13. Schmitz C, Weinreich S, White J, Oengoeren I, Schneider R, Schneider D, et al. Can particulate extraction from the ascending aorta reduce neurologic injury in cardiac surgery? J Thorac Cardiovasc Surg. 2003;126(6):1829-38. [MedLine]

14. Horvath KA, Berry GJ; ICEM Investigators. The incidence of emboli during cardiac surgery: a histopathologic analysis of 2297 patients. Heart Surg Forum. 2005;8(3):E161-6. [MedLine]

15. Bonatti J, van Boven WJ, Nagele G, Shahin G, Schachner T, Laufer G, et al. Do particulate emboli from the ascending aorta in coronary bypass grafting correlate with aortic wall thickness? Interact Cardiovasc Thorac Surg. 2006;5(6):716-20. [MedLine]

16. Bergman P, Hadjinikolaou L, van der Linden J. Aortic atheroma is related to number of particulates captured by intra-aortic filtration in CABG. Eur J Cardiothorac Surg. 2002;22(4):539-44. [MedLine]

17. Christenson JT, Vala DL, Licker M, Sierra J, Kalangos A. Intra-aortic filtration: capturing particulate emboli during aortic cross-clamping. Tex Heart Inst J. 2005;32(4):515-21. [MedLine]

Article receive on quarta-feira, 19 de março de 2008

CCBY All scientific articles published at bjcvs.org are licensed under a Creative Commons license

Indexes

All rights reserved 2017 / © 2024 Brazilian Society of Cardiovascular Surgery DEVELOPMENT BY