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CORRELAÇÃO CLÍNICO-CIRÚRGICA

Monocúspide de homoenxerto decelularizado no tratamento do truncus arteriosus com a técnica de Barbero Marcial

Ulisses Alexandre CrotiI; Domingo M BraileI; Lílian BEANII; Maria Cristina Passos FLEURYI

DOI: 10.1590/S0102-76382008000200024

DADOS CLÍNICOS

Recém-nascido a termo com 21 dias, 3,1 kg, sexo masculino, natural e procedente de Penápolis, SP. Desde o nascimento, muito choroso e com desconforto respiratório discreto que progrediu para taquidispnéia. No Serviço de origem, foi diagnosticada cardiopatia congênita cianogênica, com hiperfluxo pulmonar e imediatamente encaminhado para tratamento cirúrgico. No exame físico, apresentava-se em mau estado geral, afebril, taquidispneico, cianótico +/4+ e ictérico +/4+. Precórdio hiperdinâmico, ritmo cardíaco regular, sopro sistólico +++/6+ em borda esternal esquerda média e baixa, além de segunda bulha única e hiperfonética. Ausculta pulmonar normal. Abdome flácido, fígado a 3 cm do rebordo costal direito, baço não palpável e ruídos hidroaéreos presentes. Extremidades com má perfusão, sem edemas, pulsos palpáveis e simétricos em todos os membros, saturação periférica de 87%. Ainda no pré-operatório, ocorreu episódio de crise convulsiva, sendo investigada e excluída a presença de má formação arteriovenosa.


ELETROCARDIOGRAMA

Ritmo sinusal, freqüência 150 bat/mim, SÂP +90º, SÂQRS + 90º, intervalo PR 0,2s. Padrão de bloqueio de ramo direito moderado.


RADIOGRAMA

Situs solitus visceral em levocardia. Área cardíaca aumentada, com índice cardiotorácico de 0,64. Importante acentuação da trama vascular pulmonar.


ECOCARDIOGRAMA

Situs solitus em levocardia. Conexões venoatrial e atrioventricular normais. Conexão ventriculoarterial anormal com via de saída única comum, denotando diagnóstico de truncus arteriosus tipo I. O tronco pulmonar originando-se do vaso truncal na face lateral esquerda a 4 cm do plano valvar. A valva truncal com estenose e insuficiência discretas, com gradiente sistólico de pico pela valva truncal ao Doppler de 21 mmHg. Presença de comunicação interatrial fossa oval de 2,3 mm, ampla comunicação interventricular e insuficiência valvar mitral discreta.


DIAGNÓSTICO

A clínica de irritabilidade e manifestações de insuficiência cardíaca é típica de crianças portadoras de truncus arteriosus. O ecocardiograma demonstrou com clareza a origem única da artéria sistêmica, pulmonares e coronárias, firmando o diagnóstico e excluindo defeitos graves que podem estar associados à doença, como a interrupção do arco aórtico. No diagnóstico diferencial, devemos pensar em transposição das grandes artérias com comunicação interventricular, síndrome de hipoplasia do coração esquerdo, tetralogia de Fallot com agenesia da valva pulmonar e cardiopatias complexas sem estenose pulmonar.


OPERAÇÃO

Toracotomia transesternal mediana, abertura de pericárdio, cadarçamento da artéria pulmonar direita para restrição de fluxo com intuito de evitar isquemia miocárdica, situação que pode ser decisiva no prognóstico (Figura 1). Instalação do circuito de circulação extracorpórea (CEC) convencional, com utilização de cânulas em cavas e aorta. Oclusão dos ramos pulmonares, hipotermia profunda a 25ºC, pinçamento aórtico o mais distal possível da valva truncal, abertura do átrio direito e aspiração do átrio esquerdo pela comunicação interatrial. Cardioplegia sanguínea, anterógrada, intermitente e hipotérmica a 4ºC. Incisão longitudinal na parede ântero-superior do vaso truncal no sentido da artéria pulmonar esquerda até inferiormente ao seio de Valsalva esquerdo. Através desta abertura, observados os componentes sistêmicos, origem das artérias pulmonares e óstios coronarianos. Com placa de pericárdio bovino de tamanho adequado foi separada a neoaorta do tronco pulmonar. Incisão vertical na parede do ventrículo direito e por esta via de acesso foi fechada a comunicação interventricular com outra placa de pericárdio bovino. O flap lateral esquerdo do componente truncal foi suturado à parede do ventrículo direito, criando assim a parede posterior da neopulmonar com tecido autólogo [1]. A face anterior foi reconstruída com placa de homoenxerto decelularizado com monocúspide proveniente de um homoenxerto pulmonar 22 (Figuras 2 e 3). O tempo de perfusão foi de 114 minutos e de isquemia miocárdica de 75 minutos. Após a CEC, houve sangramento por distúrbio de coagulação, sendo necessário novo auxílio da CEC para aquecimento e correção das alterações metabólicas durante 30 minutos. No pós-operatório imediato, ainda com alteração na cascata de coagulação, o paciente evoluiu com síndrome do coágulo retido e necessitou toracotomia exploradora. Na unidade de terapia intensiva, por se tratar de recém-nascido com grave cardiopatia submetido a CEC, como rotineiramente, foi submetido à diálise peritoneal para remoção de líquidos e componentes da resposta inflamatória aguda. Evoluiu com infecção pulmonar tratada com antibioticoterapia adequada e recebeu alta hospitalar no 16º dia de pós-operatório, com boas condições clínicas em uso de digoxina e aldactone. Após 3 meses de pós-operatório, a criança encontra-se assintomática, ganhando peso adequadamente em uso exclusivo de leite materno e o ecocardiograma de controle confirma excelente resultado cirúrgico.


Fig. 1 - Torniquete para cadarçamento da artéria pulmonar direita imediatamente após abertura do saco pericárdico. Manobra de importância para melhor resultado cirúrgico


Fig. 2 - Monocúspide de homoenxerto decelularizado preparado para o implante na parede anterior


Fig. 3 - Aspecto final após a correção com a técnica de Barbero-Marcial



REFERÊNCIA

1. Barbero-Marcial M, Riso A, Atik E, Jatene A. A technique for correction of truncus arteriosus types I and II without extracardiac conduits. J Thorac Cardiovasc Surg. 1990;99(2):364-9. [MedLine]

Article receive on domingo, 20 de abril de 2008

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