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RELATO DE CASO

Cirurgia cardíaca de emergência para ressecção de mixoma atrial esquerdo

Antônio Augusto Ramalho MOTTAI; Eloi COLEN FILHOII; Márcio Fernando BORGESIII; Eloizio Aparecido COLENIV

DOI: 10.1590/S0102-76382008000200022

INTRODUÇÃO

Os tumores primários do coração e pericárdio são pouco freqüentes, apresentando em séries de autópsias incidência entre 0,001% a 0,2%, com características histológicas benignas em 75% dos casos, respondendo os mixomas por aproximadamente 50% dessas neoplasias [1]. O mixoma cardíaco tem localização predominante no átrio esquerdo, cursando com repercussão cardiovascular associada a manifestações sistêmicas inespecíficas que podem dificultar o diagnóstico dessa neoplasia, favorecendo a sua evolução e elevando os riscos de graves complicações, incluindo acidentes embólicos e morte [2]. A precocidade no diagnóstico e o tratamento cirúrgico favorecem o prognóstico dos portadores dessas tumorações [1,3].

Neste relato é apresentado caso de paciente submetida à cirurgia de emergência para ressecção de mixoma atrial esquerdo após evoluir com edema agudo pulmonar e instabilidade hemodinâmica, demonstrando a evolução desfavorável desta tumoração e a importância na precocidade do seu diagnóstico e tratamento.


RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, 48 anos, branca, relatando mal-estar geral, adinamia, anorexia, perda de peso, fadiga, tosse não produtiva e dispnéia progressiva, com aproximadamente 8 meses de evolução, sendo várias vezes hospitalizada. A telerradiografia de tórax e a tomografia computadorizada sugeriam pneumopatia intersticial difusa, que correlacionada com as manifestações pulmonares induziram ao diagnóstico de fibrose pulmonar, passando a paciente a fazer, também, uso de corticosteróide e broncodilatadores.

Como não houve resposta com o tratamento preconizado e com acentuada queda do estado geral da paciente foi, então, solicitada avaliação cardiológica e realizado ecocardiograma bidimensional, que mostrou a presença de grande tumoração, pediculada, no interior da cavidade atrial esquerda, provável mixoma, que prolapsava através da valva mitral para o ventrículo esquerdo e sinais de hipertensão arterial pulmonar moderada (Figura 1).


Fig. 1 - Ecocardiograma transtorácico. A- Sístole ventricular. B- Prolapso da tumoração atrial através da valva mitral, para o interior do ventrículo esquerdo, durante a diástole ventricular.



A paciente foi novamente hospitalizada com quadro de insuficiência cardíaca, não respondendo adequadamente ao tratamento clínico, sendo transferida para o Serviço de cirurgia cardíaca, 30 dias após o diagnóstico de mixoma intracardíaco. Na admissão, a paciente apresentava comprometimento importante do estado geral e queixas de adinamia, anorexia, dispnéia aos esforços e, às vezes, em repouso e dor epigástrica acompanhada de náuseas, vômitos e pirose há semanas. Ao exame físico, a paciente apresentava-se afebril, hipocorada, com acentuado déficit ponderal, pesando 43 kg, levemente dispnéica e com discreto edema de membros inferiores. A freqüência cardíaca era de 96 bpm e a pressão arterial em 100 X 70 mmHg. Na ausculta cardíaca, detectou-se o "plop" do tumor; ausculta pulmonar com estertores crepitantes em ambas bases pulmonares. No eletrocardiograma, o ritmo cardíaco era sinusal regular e a telerradiografia de tórax mostrou infiltrado difuso em ambos os pulmões (Figura 2).


Fig. 2 - Telerradiografia de tórax. A - Pré-operatório: infiltrado pulmonar bilateral. B - Controle pós-operatório: padrão radiológico normal.



Os exames laboratoriais de rotina evidenciaram anemia (hemoglobina: 9,9 g% e hematócrito: 30%), hipoproteinemia (albumina: 2,3g/dl), uréia: 51 mg/dl e atividade de protrombina: 55% do normal. A paciente apresentou melhora com a otimização do tratamento clínico, permitindo, desta forma, um preparo mais adequado às condições clínicas, visando ao procedimento cirúrgico. Entretanto, na véspera da cirurgia, terceiro dia de pré-operatório, a paciente evoluiu com edema agudo pulmonar e instabilidade hemodinâmica, sendo imperativo o tratamento cirúrgico de emergência.

A cirurgia foi realizada através de esternotomia mediana longitudinal, com instalação do circuito de circulação extracorpórea, após heparinização (4mg/kg), equipado com oxigenador de membrana (Braile Biomédica Ltda, São José do Rio Preto-SP), através da canulação da aorta ascendente e veias cavas superior e inferior. Empregou-se hipotermia sistêmica leve (32°C) e, como proteção miocárdica, solução cardioplégica hipercalêmica, sangüínea, hipotérmica e intermitente por via anterógrada. O acesso à tumoração foi por via biatrial.

Após visibilização da grande tumoração pediculada no interior do átrio esquerdo, com fixação na parede posterior, junto às veias pulmonares esquerdas, a mesma foi removida em bloco a partir de sua base, através do átrio esquerdo, com ampla margem de segurança, seguindo-se à reconstrução da parede atrial e exploração das cavidades atriais e ventriculares. Foi realizada pleurotomia esquerda e biópsia pulmonar. Após a recuperação dos batimentos cardíacos, foi interrompida a circulação extracorpórea e para neutralização da heparina empregou-se o cloridrato de protamina. Após revisão da hemostasia e colocação dos drenos mediastinal e pleural esquerdo, o fechamento foi por planos anatômicos. A cirurgia foi realizada com sucesso. Em análise macroscópica, na sala cirúrgica, a tumoração era lobulada, com superfície brilhante, de coloração acastanhada, medindo aproximadamente 7,0 x 5,0 x 3,0 cm (Figura 3).


Fig. 3 - Aspecto macroscópico do mixoma atrial esquerdo. A região mais esbranquiçada (seta) corresponde ao pedículo da tumoração.



O estudo histopatológico da tumoração confirmou o diagnóstico de mixoma; a biópsia pulmonar mostrou aspecto de fibrose intersticial muito discreta e hipertensão arterial pulmonar de grau leve. Não ocorreram complicações no período pós-operatório. A paciente recebeu alta hospitalar assintomática, assim permanecendo, nos controles clínicos, em seguimento de 93 meses. Os estudos ecocardiográficos de controle, nesse mesmo período, não evidenciaram anormalidades ou sinais sugestivos de recidiva da tumoração (Figura 4).


Fig. 4 - Estudo ecocardiográfico de controle, realizado 93 meses após a ressecção da tumoração. Ausência de sinais sugestivos de recidiva.



DISCUSSÃO

Os mixomas respondem por aproximadamente 50% das neoplasias benignas primárias do coração e localizam-se preferencialmente no átrio esquerdo, na região da fossa oval, podendo também ser detectadas no átrio direito e em ambos os ventrículos e, apesar de seu caráter histológico, essas tumorações relacionam-se com complicações incapacitantes e até morte [1,4]. Os mixomas têm maior incidência na faixa etária entre 30 e 60 anos, predominando no sexo feminino, sendo geralmente pediculados, esporádicos e solitários.

Em aproximadamente 7% dos casos, essas tumorações são de caráter familiar, fazendo ou não parte de síndromes como a NAME (nevus, mixoma atrial, neurofibroma mixóide, efélides), LAMB (lentigo, mixoma atrial, nevus azuis) ou complexo de Carney (pigmentação cutânea, tumor fibromixóide na pele, mixoma cardíaco, atividade endócrina elevada, herança autossômica dominante) [2,5]. A ocorrência de recidiva dessas tumorações é de 3%, porém pode chegar a 12% nos casos familiares e 22% no complexo de Carney [3,6].

As manifestações clínicas dessas tumorações variam na forma e intensidade e são determinadas pela sua localização, tamanho e mobilidade [6]. Estas manifestações fazem parte da tríade que inclui a obstrução intracardíaca, acidentes embólicos e sintomas constitucionais ou sistêmicos inespecíficos [3,6]. Desta forma, a obstrução cardíaca pode causar sintomas como dispnéia, arritmias, desconforto precordial, episódios de tontura e síncope, insuficiência cardíaca e edema agudo pulmonar. O grau de obstrução das valvas atrioventriculares depende do tamanho da tumoração e varia com a posição corporal, podendo ocasionar morte súbita [3,6].

Os eventos embólicos são complicações graves dos mixomas, com incidência variando entre 25% e 50% quando localizados no átrio esquerdo, devido à formação de trombos ou fragmentação da tumoração, podendo comprometer artérias cerebrais, coronarianas, renais, viscerais, periféricas e até a aorta abdominal [3,7]. Ulecia Martínez et al. [8] também reportam cirurgia cardíaca de emergência para ressecção de mixoma em átrio esquerdo, evidenciando a diversidade na apresentação clínica dessas tumorações dificultando a precocidade de seu diagnóstico e tratamento. As manifestações constitucionais ou sistêmicas estão presentes em mais de 90% dos casos e incluem fadiga, adinamia, mialgia, artralgia, febre, perda de peso, mal estar geral [1,6,7].

A avaliação laboratorial de rotina pode mostrar alterações inespecíficas, como anemia, elevação da velocidade de hemossedimentação, elevação dos níveis de globulina e proteína C reativa, leucocitose, trombocitopenia e polecitemia [1,6]. A ausculta cardíaca nos mixomas atriais pode variar com o tamanho, localização, mobilidade, prolapso da tumoração através das valvas atrioventriculares e até com a posição corporal, desta forma, a detecção de sopro pode ou não ocorrer. A ausculta característica do mixoma é o chamado "plop" do tumor, que ocorre em 15% dos casos [6]. O diagnóstico diferencial envolve, principalmente, a doença valvar mitral, pneumopatia intrínseca, hipertensão arterial pulmonar, doença cerebrovascular, febre reumática, endocardite, miocardite e vasculite.

O ecocardiograma tem alto índice de positividade no diagnóstico dos mixomas cardíacos, com sensibilidade de até 100% quando associados aos métodos transtorácico e transesofágico; o cateterismo cardíaco, tomografia computadorizada e a ressonância magnética também detectam esses tumores [2,4]. O eletrocardiograma e a telerradiografia de tórax são inespecíficos.

A ressecção do mixoma atrial esquerdo por via biatrial tem sido preconizada por favorecer a remoção em bloco da tumoração e a exploração das cavidades cardíacas [7]. Em série de 11 casos de mixoma atrial esquerdo operados em nosso Serviço, inclusive o relatado neste trabalho, as tumorações eram volumosas, sugerindo estágio avançado da doença.

No presente relato, sobressai o caráter especial da evolução desfavorável de paciente, que apresentava há meses manifestações constitucionais ou sistêmicas acompanhadas de dispnéia progressiva que induziram ao diagnóstico de pneumopatia intersticial até a detecção de tumoração atrial pelo ecocardiograma. Após a remoção cirúrgica da tumoração, ainda no período pós-operatório, houve regressão das manifestações clínicas, com a paciente recebendo alta hospitalar assintomática, assim permanecendo em seguimento de 93 meses, confirmando a relação entre as implicações clínicas ora relatadas e a presença da tumoração.

O fato do mixoma cardíaco apresentar baixa incidência e usualmente evoluir com manifestações cardiovasculares e constitucionais geralmente inespecíficas dificulta seu diagnóstico e retarda o tratamento cirúrgico, implicando em maior risco para os pacientes. A atenção com a possibilidade de ocorrência desta doença e a realização do ecocardiograma nas avaliações cardiológicas pode facilitar o diagnóstico desta neoplasia cardíaca benigna. Em análise geral, pode-se concluir que a precocidade no diagnóstico e o tratamento cirúrgico, que apresentam bons resultados, favorecem o prognóstico dos pacientes portadores de mixoma cardíaco, evitando complicações graves e até morte.


REFERÊNCIAS


1. Motta AAR, Colen Filho E, Colen EA, Viera JAS, Alves MAP, Borges MF, et al. Mixoma do átrio esquerdo: relato de 3 casos. Rev Bras Cir Cardiovasc. 1997;12(4):377-83.

2. Peters PJ, Reinhardt S. The echocardiographic evaluation of intracardiac masses: a review. J Am Soc Echocardiogr. 2006;19(2):230-40. [MedLine]

3. Reynen K. Cardiac myxomas. N Engl J Med. 1995;333(24):1610-7. [MedLine]

4. Lobo Filho JG, Sales DLS, Borges AEPP, Leitão MC. Mixoma de átrio direito com prolapso para o ventrículo direito. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2006;21(2):217-20.

5. Mahilmaran A, Seshadri M, Nayar PG, Sudarsana G,Abraham KA. Familial cardiac myxoma: Carney's complex. Tex Heart Inst J. 2003;30(1):80-2. [MedLine]

6. Pinede L, Duhaut P, Loire R. Clinical presentation of left atrial cardiac myxoma. A series of 112 consecutive cases. Medicine (Baltimore). 2001;80(3):159-72. [MedLine]

7. Ipek G, Erentug V, Bozbuga N, Polat A, Guler M, Kirali K, et al. Surgical management of cardiac myxoma. J Card Surg. 2005;20(3):300-4. [MedLine]

8. Ulecia Martínez MA, Torres Ruiz JM, Chamorro Santos CE, Moreo Herrero T. Cirugía emergente por mixoma auricular izquierdo. Rev Esp Cardiol. 2000;53(9):1279-80. [MedLine]

Article receive on sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

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