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CORRELAÇÃO CLÍNICO-CIRÚRGICA

Comunicação interatrial e hipotireoidismo em portador de síndrome de Down

Ulisses Alexandre CrotiI; Domingo M BraileI; André Luis de Andrade BodiniI; Airton Camacho MoscardiniI

DOI: 10.1590/S0102-76382007000400024

DADOS CLÍNICOS

Criança portadora de síndrome de Down, com 14 anos e 10 meses, 38 kg, sexo feminino, natural de Paranaíba, MS. Com 2 meses, iniciou quadro de pneumonia, com suspeita de cardiopatia que, por diversas dificuldades socioeconômicas, foi encaminhada para outro centro e confirmada somente com 2 anos e 8 meses. Nesse período, apresentava febre constante, porém sem quadro clínico de insuficiência cardíaca e ou cianose e sem medicações, quando subitamente apresentou parada cardiorrespiratória sem causa definida. A partir desse momento, foi medicada com digoxina até os 7 anos, quando por conta própria os familiares suspenderam a medicação. Em janeiro de 2007, foi encaminhada para nosso Serviço com quadro clínico clássico de tamponamento cardíaco, o qual foi drenado cirurgicamente. Na ocasião, o ecocardiograma confirmou o diagnóstico de cardiopatia congênita e foi observada importante letargia. Apesar das dosagens de T3, T4 e TSH não indicarem claramente hipotireoidismo, optou-se pela introdução de tiroxina sódica. Após 6 meses, o quadro clínico evoluiu com melhora significativa e a paciente encontrava-se eupneica, hidratada, anictérica, com sopro sistólico de +/6+ no bordo esternal esquerdo baixo e desdobramento fixo de segunda bulha. Freqüência cardíaca de 100 bat/mim. Abdome indolor à palpação, fígado a 2 cm do rebordo costal direito. Pulsos radial e femoral normais.


ELETROCARDIOGRAMA

Ritmo sinusal, freqüência de 94 bpm. ÂP + 60º, ÂQRS - 60º, intervalo PR 0,45s, QTc 0,50s, QRS 0,08s. Sobrecarga atrial esquerda e ventricular direita, bloqueio divisional ântero-superior esquerdo e bloqueio atrioventricular de 1º grau (Figura 1).


Fig. 1 - Eletrocardiograma com sobrecarga atrial esquerda e ventricular direita, bloqueio divisional ântero-superior e bloqueio atrioventricular de 1º grau



RADIOGRAMA

Muito penetrado e com escoliose em coluna torácica. Coração em situs solitus visceral. Aumento de área cardíaca com ICT 0,59 e segundo arco com dilatação. Proeminência vascular pulmonar com inversão de trama vascular, sugerindo hipertensão venocapilar (Figura 2).


Fig. 2 - Radiografia de tórax com aumento de área cardíaca e sinais de hiperfluxo pulmonar



ECOCARDIOGRAMA

Situs solitus em levocardia. Comunicação interatrial (CIA) ostium secundum com repercussão hemodinâmica, medindo 16 mm, dilatação de veia cava inferior e veias supra-hepáticas, sem variabilidade respiratória ao Doppler. Insuficiência valvar mitral moderada. Relação entre os fluxos pulmonar e sistêmico (QP/QS) estimada em 2:1. Pressão sistólica no ventrículo direito de 31 mmHg, diâmetro da aorta de 28 mm, diâmetro do átrio esquerdo de 37 mm, diâmetro diastólico de ventrículo direito de 28 mm, diâmetro diastólico de ventrículo esquerdo de 41 mm, diâmetro sistólico de ventrículo esquerdo de 23 mm, "D de 43,9, fração de ejeção de 75,6%.


DIAGNÓSTICO

A história clínica nos remete à imensa dificuldade de tratamento que os pacientes menos favorecidos socialmente têm sofrido quando são portadores de cardiopatias congênitas no Brasil. A informação de febre constante, comum nos portadores de síndrome de Down, não ajudou no diagnóstico. Depois de muitos anos, já em idade inadequada e após ter sido submetida a uma operação para drenagem pericárdica, a conduta para correção cirúrgica do defeito pode ser realizada com segurança. Importante salientar a necessidade de adequação dos níveis de hormônios tireoidianos para submeter a paciente à circulação extracorpórea. Quanto ao diagnóstico de CIA, nessa situação, era importante a identificação do grau da repercussão clínica causada pela cardiopatia e o grau de origem do déficit hormonal, encontrando assim o melhor momento para indicação cirúrgica [1].


OPERAÇÃO

Toracotomia transesternal mediana, dissecção das aderências prévias devido à drenagem de pericárdio. Instalação do auxílio da circulação extracorpórea (CEC), normotermia, cardioplegia sanguínea hipotérmica e anterógrada única. Abertura de átrio direito, encontrado defeito no septo interatrial, com grande falha na formação e fenestração da lâmina da fossa oval, caracterizando CIA ostium secundum (Figura 3). Ressecadas as traves, foi testada a valva mitral com solução salina, a qual se apresentava com discreto prolapso da cúspide anterior e competente. A CIA foi corrigida com placa de pericárdio bovino, sutura contínua de polipropileno 4-0. Retirado ar das cavidades, fechamento de átrio direito e concluída a operação de forma habitual. O tempo de CEC foi de 25 minutos, isquemia miocárdica de 11 minutos. No pós-operatório, fez-se o controle do hipotireoidismo e o ecocardiograma demonstrou escape valvar mitral discreto, sem repercussão hemodinâmica, contratilidade miocárdica preservada e fração de ejeção normal. Recebeu alta hospitalar, no sexto dia de pós-operatório, em uso de diurético e tiroxina sódica.


Fig.3 - Comunicação interatrial ostium secundum com lâmina da fossa oval fenestrada

Article receive on segunda-feira, 15 de outubro de 2007

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