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ARTIGO ORIGINAL

Operação de Ross com homoenxertos valvares decelularizados: resultados de médio prazo

Francisco Diniz Affonso da CostaI; Pascal DohmenII; Eduardo Discher VieiraIII; Sérgio Veiga LopesIV; Claudinei ColatussoV; Elaine Welk Lopes PEREIRAVI; Camila Naomi MATSUDAVI; Sanderson CAUDUROVII

DOI: 10.1590/S0102-76382007000400012

INTRODUÇÃO

A operação de Ross é considerada por muitos especialistas como a melhor opção para a substituição valvar aórtica em crianças, adolescentes e adultos jovens [1-4]. O auto-enxerto pulmonar apresenta diversas características de um substituto valvar ideal, tais como a durabilidade, desempenho hemodinâmico fisiológico, incidência desprezível de tromboembolismo, resistência a infecções e potencial de crescimento quando utilizado em crianças. Entretanto, o procedimento é freqüentemente questionado pela complexidade técnica da operação, pela limitada disponibilidade de homoenxertos valvares e por envolver dupla troca valvar em paciente com lesão valvar única [1,3].

Os resultados de médio e longo prazo com a Operação de Ross demonstram sobrevida tardia quase que comparável com a população normal e que a maioria dos pacientes apresenta capacidade funcional normal, estando livres de medicações e com excelente qualidade de vida. Por outro lado, problemas relacionados ao auto-enxerto pulmonar e/ou homoenxerto usado na reconstrução da via de saída do ventrículo direito (VSVD) podem resultar em limitações funcionais e na necessidade de reoperações [1,5,6].

Em nossa experiência de quase 300 casos operados ao longo de 12 anos, a ocorrência de gradientes tardios no homoenxerto criopreservado implantado na VSVD tem sido a causa mais freqüente em não se obter um "resultado perfeito" após a operação [7]. Achados semelhantes foram reportados em outras séries [8,9].

Os mecanismos envolvidos na disfunção de homoenxertos implantados na VSVD são multifatoriais e ainda não completamente compreendidos [9,10]. Dados experimentais e clínicos demonstraram, inequivocamente, que os homoenxertos causam resposta imune humoral e celular, que podem ser responsáveis pela destruição e degeneração tecidual [11,12]. Na tentativa de atenuar ou mesmo abolir o estímulo antigênico, alguns grupos tem proposto o uso de homoenxertos decelularizados. Os achados experimentais com essa nova tecnologia foram muito promissores, entretanto, os resultados clínicos em seres humanos ainda são preliminares e pouco conhecidos [13-16].

Nossa experiência clínica inicial com o uso de homoenxertos decelularizados na Operação de Ross demonstrou uma redução significativa da resposta imune e desempenho hemodinâmico adequado até 18 meses de evolução [17]. No presente trabalho, fazemos uma avaliação dos resultados de médio prazo de até quatro anos de evolução (tempo médio = 23 meses), comparando com um grupo histórico pareado que recebeu homoenxertos criopreservados. Refinamentos na tecnologia de decelularização e suas implicações também são abordados.


MÉTODOS

Pacientes


Entre janeiro de 2003 e fevereiro de 2007, 128 pacientes foram submetidos a substituição da valva aórtica pelo auto-enxerto pulmonar, nos Serviços de Cirurgia Cardíaca da Aliança Saúde Santa Casa - PUCPR e do Hospital Ecoville. Em 68 deles, a reconstrução da VSVD foi feita com homoenxertos pulmonares decelularizados, e constituíram o grupo de estudo (G Desc). Esse grupo foi subdividido em dois subgrupos, de acordo com a metodologia de decelularização.

Nos primeiros 35 casos, a decelularização dos enxertos foi feita com ácido deoxicólico (DOA) 1% e etanol 80% (AutoTissue®) (G Desc-DOA) e, nos 33 casos subseqüentes, com dodecilsulfato de sódio (SDS) 0,1%, tecnologia essa desenvolvida na PUCPR (G Desc-SDS). Quarenta e oito (71%) pacientes eram do sexo masculino e a idade variou de 9 a 56 anos (média= 30,3±11,2 anos). Quatorze pacientes tinham idade inferior a 20 anos.

A etiologia mais freqüente da doença valvar foi a moléstia reumática em 34 (50%) casos, sendo que cinco pacientes apresentavam disfunção mitral importante associada. Dois pacientes apresentavam endocardite bacteriana na valva nativa ou em prótese valvar e dois tinham aneurisma da aorta ascendente. Sete pacientes eram reoperações.

No intuito de comparar os resultados funcionais tardios dos homoenxertos valvares, foram selecionados, do nosso banco de dados de Operação de Ross, 68 pacientes operados entre maio de 1995 e dezembro de 2006, que foram pareados de forma seqüencial pelo sexo e idade e tiveram a VSVD reconstruída com homoenxertos pulmonares criopreservados e que serviram como grupo controle (G Crio).

Alguns dados clínicos e de exames complementares de ambos os grupos encontram-se listados na Tabela 1.




Homoenxertos valvares

Todos os homoenxertos foram provenientes do Banco de Valvas Cardíacas Humanas da Santa Casa de Curitiba. Os detalhes de captação, processamento e distribuição dos enxertos foram detalhadamente descritos em publicação anterior [18]. De forma sucinta, os enxertos foram descontaminados em solução nutriente RPMI 1640, com baixas concentrações de antibióticos (240µg/mL de cefoxitina, 120µg/mL de lincomicina, 50Mg/mL de vancomicina e 100Mg/mL de polimixina B) por 24-48h, a 4ºC. O congelamento foi feito com solução de RPMI 1640, 10% de dimetil sulfóxido e 10% de soro fetal bovino em equipamento de criopreservação (Planer, modelo KRIO 10-16 Série III e controlador de temperatura modelo K 10-22, Sunbury-on-Thames - UK), com velocidade de resfriamento tecidual de -1ºC/min até que a temperatura atingisse -80ºC, sendo subseqüentemente estocados em congeladores Sanyo Ultra-low temperature freezer MDF-1155ATN à temperatura do vapor de nitrogênio líquido (-150ºC).

Nos pacientes que receberam homoenxertos criopreservados, o descongelamento foi feito de forma rápida, momentos antes do implante, com soro fisiológico 42-50ºC, seguido de diluição gradual do crioprotetor com solução de RPMI 1640 e 10% de soro fetal bovino.

Para os pacientes que receberam enxertos decelularizados, os enxertos foram descongelados aproximadamente 15 a 30 dias antes do procedimento, e submetidos ao processo químico de decelularização. Nos primeiros 35 casos, os enxertos foram decelularizados em solução de ácido deoxicólico 1%, durante 24 horas, sob agitação contínua em shakers eletromagnéticos. Em seguida, foram colocados em etanol 80% por 3 a 6 horas, sendo então estocados em solução nutriente com antibióticos até o momento do implante. A tecnologia acima descrita nos foi liberada pela AutoTissue Ltd T. Nos 33 casos subseqüentes, os enxertos foram decelularizados com tecnologia própria desenvolvida na PUCPR, que basicamente é feita em solução SDS 0,1%, também sob agitação contínua em shakers eletromagnéticos.

Técnica operatória

Todas as operações foram realizadas pelo mesmo cirurgião (F.C.) e a técnica operatória foi detalhadamente descrita em publicações anteriores [19]. De forma resumida, as operações foram feitas com circulação extracorpórea, hipotermia moderada de 30-32ºC e proteção miocárdica com cardioplegia sanguínea gelada intermitente nos óstios coronários. O tempo médio de pinçamento aórtico foi de 92±19 min (min= 64, max= 134) e o de circulação extracorpórea de 108±26 min (min= 73, max= 165).

A técnica mais freqüentemente empregada foi a da substituição total da raiz aórtica, sendo que, em alguns casos selecionados, foi utilizada a técnica de inclusão (mini-root), com anastomoses látero-laterais entre os óstios coronários nativos e o auto-enxerto pulmonar. Independente da técnica empregada, a anastomose proximal foi sempre intra-anular, de forma que o anel aórtico nativo proporcionasse sustentação para o auto-enxerto pulmonar. Quaisquer discrepâncias entre os diâmetros proximal e/ou distal do auto-enxerto pulmonar com o anel aórtico ao com a aorta ascendente foram devidamente compensadas com manobras cirúrgicas específicas.

A reconstrução da via de saída do ventrículo direito foi feita com chuleios contínuos de fio de polipropileno 4-0, tanto na anastomose proximal como na distal. Em todos os casos, foi feita a ressecção ampla da musculatura residual do homoenxerto valvar, deixando-se apenas uma borda residual de 2 a 3 mm, que foram suficientes para permitir a sua anastomose proximal na VSVD. O diâmetro dos homoenxertos utilizados no grupo Crio variou de 20 a 31 mm (média = 25 ±2,2 mm) e, no grupo Desc, variou de 22 a 30 (média = 25,1± 1,9 mm).

Avaliação pós-operatória

Nenhum paciente fez uso de anticoagulantes, e a prescrição de medicamentos cardiotônicos ou para insuficiência cardíaca ficou a critério do cardiologista de referência. A observação de complicações pós-operatórias foi feita de acordo com diretrizes bem estabelecidas [20].

Todos os pacientes realizaram ecocardiograma transtorácico mono e bidimensional com Doppler antes da alta hospitalar, e foram orientados para repetir esse exame no 6º e 12º mês de pós-operatório e depois anualmente. Os gradientes transvalvares no homoenxerto da VSVD foram calculados pela equação modificada de Bernoulli, baseadas nas velocidades de fluxo através das valvas.

O grau de insuficiência valvar foi estimado pela largura do jato de regurgitação na via de saída do ventrículo, conforme descrito por Perry, e graduada como ausente, trivial, leve, moderada ou grave [21]. Na avaliação ecocardiográfica tardia dos gradientes pulmonares, foram considerados apenas os exames realizados pelo ecocardiografista de nossa instituição, que foram feitos de forma normatizada por um único operador. Para a comparação da função tardia dos homoenxertos pulmonares, os gradientes instantâneos máximos disponíveis foram agrupados em função do tempo de pós-operatório, de forma a permitir comparação direta entre os grupos.

O levantamento dos dados clínicos de pós-operatório tardio e a realização de ecocardiogramas de controle foram feitos de forma dirigida por três médicos em nossa instituição. No grupo em estudo, 6 pacientes foram perdidos de seguimento. Os 62 restantes foram seguidos por períodos entre 1 a 50 meses (média = 23,4 meses).

Oito pacientes, dois no grupo Desc e seis no grupo Crio, que fazem parte de um estudo prospectivo comparando homoenxertos na VSVD, fizeram estudo por ressonância nuclear magnética, e os resultados preliminares são aqui apresentados.

Avaliação histológica

Dois pacientes que foram reoperados (vide resultados) tiveram segmentos da parede arterial do homoenxerto previamente implantado disponíveis para estudo microscópico e imunohistoquímica. Foram realizadas colorações de HE, Weigert e Picrosirius e estudos imunohistoquímicos para fator VIII, CD31 e alfa-actina.

Análise estatística

Para a comparação da evolução dos gradientes e diferenças entre os grupos, foi aplicado o teste não paramétrico de Mann Whitney para medidas independentes, considerando-se significativas as diferenças quando p<0,05.


RESULTADOS

A mortalidade imediata foi de um (1,6%) caso, por síndrome de baixo débito cardíaco. No pós-operatório tardio, dois pacientes foram reoperados. Um paciente, submetido a Operação de Ross por endocardite ativa na valva aórtica, teve boa evolução imediata, mas retornou 6 meses após com quadro de endocardite bacteriana na valva mitral. Foi submetido à plastia valvar mitral, e encontra-se atualmente assintomático. Durante a reoperação, retiramos uma pequena elipse na região da anastomose distal do homoenxerto pulmonar previamente implantado para avaliação histológica.

No segundo caso, ocorreu endocardite bacteriana mitro-aórtica-pulmonar no 3º ano de evolução, e o paciente faleceu no pós-operatório imediato com quadro de síndrome de baixo débito e falência de múltiplos órgãos. Na necropsia, um segmento aparentemente sadio da parede arterial do homoenxerto também foi examinado histologicamente. As cúspides valvares estavam totalmente destruídas pela infecção, não sendo possível sua análise microscópica. Este caso foi o único óbito tardio desta série.

A consistência dos homoenxertos decelularizados foi bastante satisfatória durante a operação, com boa hemostasia nas linhas de sutura, apesar da ausência da sua camada adventícia, retirada durante o processo de decelularização.

Os gradientes medidos no pós-operatório imediato foram bastante baixos, com gradientes instantâneos máximos geralmente abaixo de 10 mmHg. Quando observados de forma seriada, houve discreta elevação dos gradientes ao longo do tempo, sendo esse fenômeno mais evidente entre o 6º e 18º meses de pós-operatório (Figura 1 e Tabela 2).


Fig. 1 - Gradientes instantâneos máximos obtidos em diferentes períodos após o implante de homoenxertos criopreservados e descelularizados




Aos 24 meses de evolução, a média dos gradientes instantâneos máximos foi de 16,3± 12,2 mmHg. Nenhum paciente no grupo Desc foi reoperado por estenose do homoenxerto valvar. Entretanto, dois pacientes nesse grupo, apesar de assintomáticos, apresentaram gradientes instantâneos máximos superiores a 40 mmHg, e estão sob vigilância clínica.

A evolução clínica nos homoenxertos criopreservados teve o mesmo padrão observado nos decelularizados (Figura 1). Quando considerado o Grupo Desc como um todo, não houve diferenças estatisticamente significativas em relação ao Crio em todos os períodos observados (Figura 1 e Tabela 2). Entretanto, um paciente do grupo Crio apresentou gradiente superior a 60 mmHg e foi reoperado por disfunção do homoenxerto.

A análise detalhada do grupo de homoenxertos decelularizados demonstrou diferenças de acordo com a tecnologia empregada. Ao contrário dos homoenxertos criopreservados ou dos decelularizados com DOA, não foi observada nenhuma elevação dos gradientes ao longo do tempo, até 18 meses de evolução, nos pacientes com homoenxertos decelularizados com SDS. Quando analisadas do ponto de vista estatístico, houve tendência (p<0,08) a menores gradientes no grupo Desc SDS. Provavelmente, um número maior de casos após 12 meses de evolução venha a confirmar essa tendência (Figura 2 e Tabela 3).


Fig. 2 - Gradientes instantâneos máximos obtidos em diferentes períodos de tempo nos homoenxertos pulmonares criopreservados, descelularizados, descelularizados com SDS e descelularizados com ácido deoxicólico




Nenhum paciente do grupo Desc mostrou evidência de aparecimento de insuficiência valvar progressiva, estando todos os enxertos competentes ou com insuficiência mínima. Já nos homoenxertos criopreservados, dois pacientes tiveram insuficiência valvar quantificada como moderada.

A avaliação das imagens por ressonância magnética ainda é bastante preliminar. Em nenhum caso estudado, pudemos observar retração acentuada do conduto, e a mobilidade das cúspides valvares era normal (Figura 3).


Fig. 3 - Controle pós-operatório de homoenxerto descelularizado com ressonância nuclear magnética



O estudo histológico revelou que a parede arterial dos condutos estava bem preservada, havendo reação inflamatória periadventicial, com migração de células autógenas para dentro da camada média do vaso. As fibras elásticas (Weigert) também se mostravam íntegras, com mínimo grau de fragmentação, enquanto as fibras colágenas mantinham sua arquitetura ondulada normal. Por análise imunohistoquímica, pudemos observar reendotelização parcial do conduto, demonstrada pela coloração com fator VIII, repovoamento da camada média do enxerto por células com aspecto de fibroblasto e que se coraram positivamente com alfa-actina, sugerindo a diferenciação destes em miofibroblastos (Figura 4).


Fig. 4 - Análise histológica de homoenxerto valvar descelularizado e explantado com seis meses de evolução. A- Coloração HE - demonstrando reação inflamatória periadventicial (seta fina) e repovoamento parcial da camada média (seta grossa). B- Coloração de Weigert demonstrando preservação das fibras elásticas. C- Alfa-actina, demonstrando diferenciação em miofibroblastos nas células da camada média. D- Fator VIII mostrando discreta hiperplasia intimal com reendotelização focal



DISCUSSÃO

O desempenho hemodinâmico do auto-enxerto pulmonar em posição aórtica é fisiológico, superior a todos os outros tipos de próteses valvares atualmente disponíveis. Por esse motivo, diversos autores consideram a Operação de Ross como a melhor opção para pacientes aórticos jovens [1-3]. Entretanto, para que a capacidade funcional pós-operatória possa ser comparável a de indivíduos normais, é necessário que o homoenxerto utilizado para a reconstrução da VSVD também apresente funcionamento normal a longo prazo [9,10].

Apesar da incidência de disfunções importantes, que necessitem de reoperações na VSVD, ser relativamente baixa, mesmo após períodos de acompanhamento superiores a 20 anos, a ocorrência de estenoses pulmonares leve a moderadas tem sido reportada com freqüência [6-8]. Na experiência de Carr-White et al. [9], com 144 pacientes submetidos à Operação de Ross, 17% dos homoenxertos da VSVD desenvolveram gradientes máximos superiores a 30 mmHg, embora apenas em 3% dos casos foi necessária a reoperação [9]. Da mesma forma, em nossa experiência de 10 anos com 227 casos, 85% estiveram livres de gradientes pulmonares superiores a 40 mmHg, sendo que a necessidade de reoperações foi de apenas 3%.

Apesar de diversos estudos demonstrarem que o implante de homoenxertos valvares causa resposta imune humoral e celular por parte do receptor, a correlação entre a intensidade dessa resposta com a degeneração tecidual não é bem definida [11,12]. A definição de rejeição compreende não somente a presença de atividade imune celular e humoral (antigenicidade), mas também alguma conseqüência funcional da reação imune ao tecido implantado (imunogenicidade). Mitchell et al. [22] não conseguiram demonstrar sinais de injúria tecidual por processo imune em homoenxertos explantados, e uma possível explicação poderia ser de que as células intersticiais dos homoenxertos valvares possam causar uma tolerância imune por anergia das células T. Por outro lado, trabalhos mais recentes têm sugerido uma relação direta entre a reação imune e a degeneração tecidual. Dignan et al. [11] demonstraram que a presença de anticorpos HLA classe II esteve associada à ocorrência mais precoce de estenose ou insuficiência de homoenxertos aórticos de pacientes adultos. No estudo de Baskett et al. [12], a disfunção de homoenxertos na VSVD de crianças foi mais acentuada na presença de incompatibilidade HLA-DR.

Mais recentemente, a tecnologia de decelularização dos homoenxertos valvares tem sido proposta como uma solução para diminuir ou mesmo abolir a resposta imune. Diversas metodologias têm sido descritas, com resultados por vezes conflitantes [14-16,19,23,24].

Os trabalhos experimentais de Elkins et al. [14], utilizando enxertos descelularizados com soluções hipo e hipertônicas, demonstraram não somente uma redução da antigenicidade, como também observaram que os mesmos foram parcialmente repovoados por células do hospedeiro que tinham morfologia de fibroblastos, e que sintetizavam ativamente novas fibras colágenas. Presumivelmente, esses enxertos "vivos" teriam melhor durabilidade e resultados tardios mais favoráveis.

Alguns relatos clínicos com homoenxertos tratados pela tecnologia Synergraft (Cryolife Inc) demonstraram importante redução de sua antigenicidade. Mais recentemente, Bechtel et al. [15] demonstraram que, apesar da menor resposta imune, homoenxertos Synergraft tiveram o mesmo comportamento biológico quando comparados a homoenxertos criopreservados. Por ecocardiografia e ressonância magnética, foi demonstrado que homoenxertos Synergraft também exibiram retração da parede arterial do conduto, com elevações nos gradientes comparáveis ao do grupo criopreservado controle. Entretanto, na experiência de Tavakkol et al. [16], homoenxertos Synergraft implantados na VSVD de crianças com cardiopatias congênitas tiveram menor elevação de gradientes e menos insuficiência valvar do que homoenxertos criopreservados após um tempo de seguimento de 16 meses.

Dohmen et al. [25] demonstraram excelentes resultados experimentais com heteroenxertos descelularizados com DOA. Os resultados clínicos reportados por Konertz et al. [24] com heteroenxertos assim decelularizados (Matrix P valve - Auto Tissue Ltd) foram excepcionais, não havendo nenhuma elevação de gradientes em 50 pacientes com até 2 anos de evolução.

Nossa experiência inicial com homoenxertos decelularizados com DOA demonstrou significativa redução da resposta imune, e melhor desempenho hemodinâmico quando comparado com homoenxertos criopreservados por até 18 meses de evolução [17]. O presente estudo fornece uma avaliação de mais longo prazo com maior número de pacientes. Apesar de usarmos tecnologia semelhante à de Konertz et al. [24], nossos 35 homoenxertos decelularizados com DOA tiveram alguma elevação nos gradientes, sendo que dois casos tiveram gradiente instantâneo máximo superior a 40 mmHg. Apesar de haver uma tendência a menores gradientes tardios do que os homoenxertos criopreservados, essa diferença não foi estatisticamente significativa.

Em nossa experiência, o DOA não permitiu uma decelularização completa em todos os enxertos, havendo a persistência de células residuais em alguns enxertos. Esse fato pode, pelo menos parcialmente, explicar a elevação de gradientes em alguns casos, e estão sendo motivo de investigação detalhada no Banco de Valvas.

A mudança do método de decelularização utilizando SDS, foi decorrente de extensa investigação experimental que, em nossa experiência, foi mais efetiva para uma decelularização completa e confiável dos enxertos [26]. No modelo animal, tecidos decelularizados com SDS foram melhor incorporados e mais completamente repovoados do que os decelularizados com DOA. No presente trabalho, ainda não pudemos observar nenhuma elevação tardia em homoenxertos assim decelularizados, entretanto, o tempo de seguimento clínico ainda é reduzido e não nos permite tirar conclusões mais definitivas.

O estudo histológico em dois casos confirmou, em seres humanos, que enxertos decelularizados são parcialmente repovoados por células autógenas. A reendotelização focal, presença de células com características de miofibroblastos, associados a boa preservação da matriz extracelular, com integridade das fibras colágenas e elásticas demonstram comportamento biológico mais apropriado dos enxertos decelularizados em relação aos criopreservados. Recentes relatos da literatura confirmam nossas observações.


CONCLUSÕES

A experiência de 4 anos com homoenxertos decelularizados foi satisfatória, demonstrando que seu uso foi seguro e sem complicações pela nova tecnologia introduzida. Os homoenxertos permaneceram todos competentes, e, apesar dos gradientes tardios serem um pouco inferiores do que os criopreservados, as diferenças não foram significativas. Houve tendência a menores gradientes nos homoenxertos decelularizados com SDS após 12 meses de evolução. A decelularização com SDS é provavelmente superior, entretanto, maior tempo de seguimento ainda se faz necessário para conclusões mais definitivas.


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Article receive on quinta-feira, 1 de março de 2007

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