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ARTIGO ORIGINAL

Caracterização dos cuidadores de candidatos a transplante do coração na UNIFESP

Regimar Carla MachadoI; João Nelson Rodrigues BrancoII; Jeanne Liliane Marlene MICHELIII; Edmo Atique GabrielIV; Rafael Fagionato LocaliV; Renata Almeida Barros HelitoVI; Enio BuffoloVII

DOI: 10.1590/S0102-76382007000400009

RESUMO

Objetivos: Identificar e caracterizar o principal cuidador dos pacientes candidatos a transplante do coração; comparar as diferenças entre as informações coletadas com os pacientes e cuidadores; e classificar os cuidadores segundo a sua dedicação e eficiência na assistência ao paciente, correlacionando-os aos dados sociodemográficos. Métodos: Estudo descritivo realizado de outubro de 2004 a março de 2005, no ambulatório da UNIFESP, por meio de entrevista estruturada, com amostragem de 21 pacientes e seus cuidadores. Resultados: O principal cuidador era membro da família (95%), na maioria das vezes, o cônjuge, sendo 13 (81%) mulheres e três (19%) homens, com idade variando de 24 a 65 anos (média de 44,3). Declararam-se 56% casados; 43,8% católicos; 29% cursaram o ensino fundamental, 24% completaram o ensino médio e 14% tinham nível superior. Atividade profissional era exercida por 68,8% e 81,4% possuíam renda própria. Todos os cuidadores residiam na mesma casa que o paciente. Estabelecido um escore, classificaram-se os cuidadores em oito (50%) "bons", sete (43,7%) "regulares" e apenas um (6,3%) foi considerado "ruim". Não encontramos correlação estatisticamente significante entre o escore e as variáveis escolaridade, atividade profissional e renda. Conclusão: É importante determinar os instrumentos para o reconhecimento e caracterização do cuidador. Neste estudo, identificou-se um familiar (cônjuge), do sexo feminino, com idade média de 44,3 anos, renda própria, classificados, na maioria, como "bons" ou "regulares", não havendo correlação com escolaridade, atividade profissional e renda. Novos estudos complementares, com casuística maior, deverão estabelecer a relação entre o papel do cuidador e os resultados do transplante cardíaco.

ABSTRACT

Objectives: To identify and describe the main caregiver of the patients on the heart transplant waiting list; to compare relevant information provided by patients and caregivers, and to classify the caregivers according to their dedication and efficiency in assisting the patient by correlating them to sociodemographic data. Methods: Descriptive study performed from October 2004 to October 2005 at UNIFESP outpatient clinics. The study sample consisted of 21 patients and their caregivers. Data were collected through a structured interview. Results: The main caregiver was a family member (95%), usually the spouse. There were 13 women (81%) and three men (19%). Patient age ranged from 24 to 65 years (mean 44.3). Patients were married (56%); catholic (43.8%); 29% have finished elementary school; 24% have finished high school; 14% have higher education; 68.8% have a regular job; and 81.4% had their own income. All caregivers lived in the same house as the patient. Once a score was established, the caregivers were classified as: "good" - 8 (50%); "regular" - 7 (43.7%); and "bad" 1 - (6.3%). The scores were correlated with education, professional activity, and income without any significant statistical correlation. Conclusion: It is important to determine the instruments to recognize and describe the caregivers. The caregiver is usually a family member (spouse), female, mean age of 44.3 years; has his/her own income and, most of the time, he/she is classified as "good" or "regular", and no correlation was found with education, professional activity and income. Further studies with a larger sample should establish the relationship between the caregiver's role and the heart transplant outcomes.
INTRODUÇÃO

A insuficiência cardíaca é uma doença altamente comprometedora da qualidade de vida e, se comparada a outras doenças, provoca maior desconforto que angina, doença pulmonar obstrutiva crônica, artrite reumatóide e diabetes [1]. É um problema de relevância em saúde pública, com grande incidência na população, sendo causa importante de internação, acarretando altos custos financeiros [2].

Uma das alternativas que nos é apresentada para a prevenção da Insuficiência Cardíaca (IC) é o investimento em informação e educação da nossa população [3]. Alguns estudos demonstraram que pacientes com falência avançada do coração e seus cuidadores possuem poucas informações acerca da prevenção e fatores causadores de problemas cardiovasculares [4]. O transplante do coração é uma alternativa de tratamento cada vez mais utilizada [5], e necessita também do envolvimento dos cuidadores para que se obtenham melhores resultados.

Os cuidadores são as pessoas responsáveis pelos cuidados, aquelas que estimulam o paciente durante as atividades reabilitadoras, além de serem também aqueles que estabelecem o contato com a equipe terapêutica [6]. Na maioria das vezes, o cuidador é um membro da família, com ou sem experiência na área da saúde, que assume os cuidados do paciente no domicílio, ajudando-o a suprir suas necessidades, proporcionando conforto, lazer e garantindo o bem-estar à pessoa necessitada [6]. Atualmente, o transplante de coração representa o tratamento definitivo para pacientes portadores de miocardiopatia, com IC refratária à terapêutica medicamentosa máxima e que apresenta impossibilidade de tratamento por cirurgia convencional [7].

Nos programas de transplantes cardíacos são elaboradas avaliações sociais no intuito de se verificar a ocorrência dos mais adversos fatores que possam vir a impedir a inclusão de pacientes nestes programas. Por meio da realização de entrevistas, objetiva-se identificar o quadro social do paciente a partir da classificação de algumas categorias extraídas da vida cotidiana, estruturadas em: aceitabilidade, dinâmica familiar, acesso e condição socioeconômica [8].

Assim, realizou-se este estudo com o objetivo de: identificar o principal cuidador dos pacientes candidatos a transplante do coração; caracterizá-los segundo os seus dados sociodemográficos; comparar diferenças entre as informações coletadas com os pacientes e aquelas obtidas com os cuidadores; e classificar os cuidadores segundo a sua dedicação e eficiência na assistência ao paciente, assim como correlacioná-los com os dados sociodemográficos.


MÉTODOS

Trata-se de um estudo prospectivo, longitudinal, com abordagem quantitativa, realizado no período de 1º de outubro de 2004 a 31 de março de 2005, no Ambulatório de Cirurgia Cardiovascular da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina (UNIFESP - EPM), após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da referida Universidade.

A amostra foi constituída de 21 pacientes candidatos a transplante do coração e seus respectivos cuidadores. Para a seleção dos possíveis cuidadores, foram realizadas entrevistas com os pacientes pertencentes à amostra.

Os critérios de inclusão foram: ter idade superior a 15 anos; ser um candidato a transplante de coração, familiar ou amigo próximo do paciente, independentemente do gênero, além de aceitar participar do estudo, assinando um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Cuidadores afastados do paciente por período superior a três anos, analfabetos, enquadraram-se nos critérios de exclusão adotados neste estudo.

Para a coleta de dados, foram utilizados dois instrumentos de coleta de dados. O questionário destinado aos pacientes buscava identificar o cuidador, além de buscar informações relativas ao comprometimento e identificação do cuidador perante ações esperadas, como auxiliar o paciente nas medicações, nos exames, acompanhá-lo nas consultas médicas e nas internações.

O questionário destinado aos cuidadores procurava caracterizá-los em termos socioeconômicos (escolaridade, renda), além de coletarem dados que permitiam avaliar a sua "qualidade", classificando-os em "bom", "regular" e "ruim", por meio de um escore.

Este escore foi estabelecido por quatro perguntas, relacionadas ao envolvimento do cuidador com as necessidades do paciente. Para cada pergunta deveria haver uma única resposta, numa escala do tipo Likert que incluía as opções: nunca (escore 0), raramente (1), algumas vezes (2), na maioria das vezes (3) e sempre (4). Dessa forma, um cuidador poderia ter um escore variando de 0 a 16, como relacionado no Quadro 1.




Os dados coletados a partir dos questionários aplicados foram tabulados e analisados utilizando-se diferentes tratamentos estatísticos.

Para aqueles referentes às variáveis sociodemográficas de pacientes e cuidadores foram utilizadas freqüências simples e porcentuais.

Após a classificação do cuidador, a sua associação com algumas características relevantes foi avaliada através do teste qui-quadrado ou exato de Fisher. Utilizou-se um nível de significância de 5%.

Na classificação do cuidador, também foram elaboradas algumas comparações de escores de pacientes. Quando a comparação foi realizada entre dois grupos de pacientes, usou-se o teste não paramétrico de Mann-Whitney, e quando a comparação foi feita entre mais que dois grupos, usou-se o teste Kruskal Wallis. Optou-se por estes testes não paramétricos porque a distribuição dos escores não apresenta a forma da distribuição normal.


RESULTADOS

Os dados obtidos para a identificação pelos pacientes dos cuidadores, de acordo com atividades exercidas pelos mesmos, estão relacionados na Figura 1.


Fig. 1 - A - O cônjuge é a pessoa de referência, responsável pelo cuidado direto ao paciente. B - As pessoas de referência têm uma presença grande junto aos pacientes nas consultas ambulatoriais. C - Na maioria dos casos, quem auxilia o paciente em relação à medicação prescrita é o cônjuge, seguido de outros membros da família. D- Essas proporções são idênticas aos dados anteriores, que as pessoas de referência também têm uma presença grande junto aos pacientes na administração de medicamentos. E-19% dos doentes relataram que nunca necessitam de auxílio para medicar-se. F- Presença de um acompanhante em relação aos exames subsidiários. G- O cônjuge é o principal acompanhante no período longo de internação. H- Pode-se constatar que as internações constituem momentos em que a presença do acompanhante é mais requerida e freqüente



Apesar dos 21 pacientes entrevistados, somente 16 cuidadores puderam ser entrevistados. Durante todo o período da pesquisa, cinco cuidadores não acompanharam os pacientes durante as consultas ambulatoriais. Os dados obtidos encontram-se relacionados na Tabela 1.




A comparação das repostas dos pacientes e dos cuidadores apresentou discrepâncias. Considerando que estas discrepâncias poderiam levar à identificação de pontos de vista diferentes no que diz respeito à atuação dos cuidadores, a Tabela 2 apresenta os porcentuais válidos dessas respostas, para permitir uma comparação mais acurada desses dados.

Observa-se, na Tabela 2, que 6,7% dos cuidadores admitiram nunca participar das consultas, e 12,5% nunca auxiliaram seu paciente com medicações, fato este não relatado pelos pacientes. Por outro lado, no extremo oposto, verifica-se que os porcentuais de cuidadores que relataram sempre acompanhar consultas (66,7%), medicações (56,3%) e internações (100%) são maiores do que os relatados pelos pacientes para as mesmas atividades (61,9%, 50,0%, e 81,0%, respectivamente).




A análise dos escores de classificação atribuídos a cada um dos cuidadores segundo as suas respostas, estão apresentados na Tabela 3.




A correlação entre o nível de escolaridade, o exercício de profissão e a renda dos cuidadores com o escore obtido na sua classificação estão contidos nas Tabelas 4 a 6. Estas correlações foram realizadas visando a avaliar se estes fatores poderiam influenciar a qualidade da atuação do cuidador junto ao paciente.








DISCUSSÃO

O candidato ao transplante de coração necessita de um controle rigoroso da função cardíaca, tanto para a sua matrícula na fila do transplante como para garantir a manutenção das suas condições clínicas durante o período de espera por um coração. Esse é um período caracterizado por ansiedades e angústias, durante o qual o paciente encontra-se fragilizado e geralmente busca o apoio de uma ou mais pessoas de sua confiança, a(s) qual (is) geralmente assume(m) também um papel de interlocução com a equipe de saúde. A essa (ou essas) pessoa convencionou-se denominar de "cuidador".

O cuidador, usualmente, é dividido em dois grupos: o cuidador informal, aquele que pertence ao grupo constituído pela família, amigos e voluntários e o cuidador formal, aquele que possui formação teórica e prática para a assistência domiciliar do paciente, como médicos, enfermeiros, fisioterapeutas [9].

No entanto, conforme observação de alguns autores [6], o cuidador é, na maioria dos casos, um membro da família, com ou sem experiência na área da saúde, que assume os cuidados do paciente no domicílio, ajudando-o a suprir suas necessidades. Nesse sentido, é importante considerar a família como parte essencial no cuidado humano, pois é ela quem vai, por vários momentos, compartilhar com o paciente seus medos, tristezas, ansiedades, sofrimentos, alegrias, gerando até mesmo uma maior integração entre eles [10].

Na identificação dos cuidadores pelos pacientes de acordo com atividades exercidas pelo mesmo, os resultados deste estudo apontaram um membro da família como o cuidador principal, sendo que, para todas as atividades estudadas, na maioria dos casos tratava-se do cônjuge. Estes dados vêm, portanto, referendar os achados da literatura sobre o papel dos cuidadores na atenção à saúde, demonstrando a importância da família no contexto dos tratamentos de alta complexidade [6,11-14].

A espera na fila do transplante de coração pode ser demorada, portanto, é um grande desafio manter o receptor vivo e em condições clínicas e emocionais satisfatórias. Observou-se que o cuidador presente durante as consultas participa dos aspectos relacionados ao fornecimento de dados do paciente, oferecendo informações importantes quanto aos medicamentos, datas de exames, hábitos alimentares, além de sinais e sintomas apresentados pelo paciente, aspectos importantes que fazem parte do cuidar.

Em pacientes instáveis hemodinamicamente, por vezes é necessária a internação, com o objetivo primário de otimizar a condição clínica dos mesmos. Essa otimização é realizada por meio de drogas inotrópicas, balão intra-aórtico ou outros dispositivos de assistência circulatória, por períodos variáveis de tempo, minimizando, com isso, o risco perioperatório no aguardo de um órgão para transplante [15,16].

Todas essas atividades do paciente candidato a transplante fazem com que o seu cuidador tenha também uma gama de encargos muito grande, pois deve acompanhá-lo em todas as etapas. Cabe salientar que a presença de um acompanhante é sempre solicitada pela equipe, que busca integrar esta pessoa em todo o processo.

Para fins deste estudo, foram consideradas essenciais as seguintes atividades: 1) o acompanhamento às consultas ambulatoriais; 2) o acompanhamento nos exames específicos; 3) o suporte para a administração e controle da terapêutica medicamentosa; e 4) o acompanhamento durante as internações.

A resposta de acompanhamento do cuidador sempre foi apontada pelos pacientes nas seguintes atividades: 61,9% na ingestão de medicamentos; 61,9% na realização de exames; 57,1% no acompanhamento dos pacientes nas internações; e 57,1% nas consultas. Por outro lado, quatro (19,0%) pacientes relataram nunca serem acompanhados na ingestão de medicamentos e um (4,8%) deles nunca é acompanhado nos exames, o que constitui um indício preocupante. Embora o tamanho da amostra ofereça limitações para uma ampla generalização, estes porcentuais permitem inferir que o não acompanhamento seja um fato presente na vida de vários pacientes, o que poderia repercutir na sua evolução com relação aos procedimentos pré e pós-transplante.

O trabalho de Walden et al. [4] descreve a importância da educação contínua tanto dos pacientes candidatos a transplante de coração como dos seus cuidadores, salientando a importância destes últimos no processo. É importante lembrar, entretanto, que as próprias condições socioeconômicas da população referente ao estudo, discutidas a seguir, talvez venham justificar esta ausência, pela simples dificuldade dos cuidadores de deixarem seu trabalho para ficarem ao lado dos pacientes em todos os momentos.

A família pode ficar bastante abalada com a doença e o tratamento, podendo ocorrer um desequilíbrio que leva ao desenvolvimento de dificuldade em oferecer apoio ao paciente, acarretando até mesmo um prejuízo na recuperação do mesmo [11]. Seria necessário, portanto, aprofundar esta questão por meio de novos estudos, enfocando especificamente as causas destas ausências. Da mesma forma, embora ao longo da coleta de dados desta pesquisa, a importância do cuidador junto às consultas tenha sido sempre salientada pelos pacientes e profissionais de saúde, por este proporcionar maior segurança e auxiliar a fixar as informações, os dados deste estudo não permitem estimar o seu impacto em relação ao comportamento de aderência ao tratamento dos pacientes. Assim, os resultados deste trabalho apontam também a necessidade de realização de pesquisa específica junto a esta população, buscando evidenciar este impacto.

Perante a caracterização sociodemográfica dos cuidadores, o estudo incluiu 16 cuidadores, sendo a maioria (81%) do sexo feminino, esses dados corroboram também os apontados por outros autores [12,17], que apresentaram maior prevalência de cuidadores do sexo feminino para pacientes que necessitaram de transplante cardíaco. Estudos relacionados a cuidadores de outros grupos de pacientes também evidenciaram resultados similares [18-22] e alguns enfatizam o impacto de cuidar na saúde e na qualidade de vida das mulheres [23].

A pesquisa demonstrou que a idade média dos cuidadores foi de 44,38 anos, sendo semelhante a outras [12] e diferenciando de alguns autores [19], que encontraram cuidadores relativamente mais jovens, ou que apresentaram, por sua vez, extremo superior de 73 anos [20], fato relativamente comum entre cuidadores de idosos, em que ocorre de um cônjuge, também idoso, tornar-se cuidador do outro.

Quanto ao estado civil, 56% dos cuidadores entrevistados eram casados, sendo que a maioria (56%) dos mesmos era o próprio cônjuge do paciente, conforme discutido anteriormente. Embora este seja, em si, um fato positivo para o paciente em muitos casos, pois permite associar ao cuidado o componente afetivo vinculado ao relacionamento conjugal bem resolvido, acrescentando-lhe carinho e dedicação, o casamento traz também ao cuidador uma carga adicional de responsabilidades a atribuições, sobretudo quando há filhos.

No que diz respeito à religião, todos os respondentes afirmaram praticar alguma, sendo que 43,8% dos cuidadores da amostra declararam ser católicos e 25% evangélicos. Estes achados são os esperados, tendo em vista que o Brasil, embora apresente uma grande diversidade de influências culturais e, portanto, religiosas, ainda é predominantemente dominado pelas religiões de tradição judaico-cristãs, nas quais, por sua vez, o papel do cuidado é freqüentemente atribuído à mulher e também à ação de caridade.

Ao ser estudada a variável grau de escolaridade, a pesquisa demonstrou que os cuidadores cursaram o ensino fundamental ou relataram ter completado o ensino médio e poucos foram os que completaram o ensino superior. Os resultados relacionados ao nível de escolaridade foram semelhantes aos de outros autores [19,22], em que há predominância do estudo primário (fundamental).

A atividade profissional e a renda do cuidador constituem fatores que devem ser analisados em conjunto. A maioria dos cuidadores deste estudo relatou exercer alguma atividade profissional, dentro ou fora de casa, e ter renda própria (em dois casos, proveniente de aposentadoria e não de atividade profissional), para auxiliar ou mesmo proporcionar o orçamento doméstico.

Na comparação entre as respostas de pacientes e acompanhantes, a realização de entrevistas tanto com o paciente como com o seu cuidador permitiu identificar algumas respostas discrepantes quanto ao comportamento dos cuidadores.

Observa-se que os pacientes, de uma forma geral, relataram que são acompanhados pelos cuidadores nas consultas. O mesmo pode ser observado nas respostas referentes ao item "auxílio nas medicações", no qual os porcentuais apresentam-se ligeiramente diferentes entre os dois grupos de respondentes. Embora percentualmente pequenas, tais diferenças de ponto de vista poderiam refletir problemas de comunicação entre cuidador e paciente, ou mesmo dificuldades de compreensão do significado da pergunta que lhes foi feita. Os relatos dos pacientes e cuidadores, entretanto, permitiram inferir que, na realidade, elas refletem um receio dos mesmos de que isto pudesse vir a prejudicar a inclusão dos pacientes na fila de transplantes.

O Escore de classificação dos cuidadores trata-se, evidentemente, de uma avaliação extremamente subjetiva e superficial, pois retrata apenas os dados numéricos coletados, sem levar em consideração as motivações e as dificuldades enfrentadas pelos cuidadores.

Dentre os 16 cuidadores avaliados, oito (50%) receberam o escore "bom", sete (43,7%) foram avaliados como "regulares" e apenas um (6,3%) foi considerado "ruim". Cabe salientar que cinco cuidadores não compareceram em nenhum dos dias em que se realizou a coleta e não foram localizados pela pesquisadora, embora os pacientes tenham relatado a sua existência. Apesar de não terem sido considerados pela análise estatística para a atribuição dos escores, pode-se considerar que o não comparecimento a nenhuma consulta durante os meses de coleta de dados é um indicador que os levaria à classificação como cuidadores "ruins". Este dado, somado ao fato de apenas metade da amostra analisada ter sido avaliada como "bons" cuidadores, ajuda a identificar alguns aspectos que podem vir a contribuir para uma discussão sobre a necessidade de se rever a questão do suporte social para pacientes na fila de transplante de coração.

Os escores foram também correlacionados com alguns dos dados sociodemográficos (escolaridade, atividade profissional e renda), buscando verificar se estas variáveis poderiam influenciar na "qualidade" do cuidador.

Observou-se que, estatisticamente, nenhuma destas variáveis apresentou correlação significante com o perfil dos escores. Entretanto, deve-se ressaltar que, dado o tamanho da amostra, a sensibilidade do teste exato de Fisher pode ter diminuído.

Com relação ao grau de escolaridade e à renda, a distribuição dos escores nos diferentes níveis é bastante homogênea, o que realmente sugere que estes fatores não sejam, de fato, relevantes. É interessante observar, entretanto, que, no que diz respeito à atividade profissional, embora o número de "bons" cuidadores seja igual entre os que responderam "sim" e os que responderam "não", há uma concentração de cuidadores "regulares" e "ruins" entre aqueles que exercem alguma atividade. Esta é uma situação que poderia ser relacionada com a idade dos cuidadores da amostra estudada e também com o fato de, na maioria dos casos, tratarem-se do cônjuge. Considerando que os pacientes candidatos a transplante do coração são geralmente indivíduos jovens, em idade produtiva, e que a própria doença faz com que seja necessário o seu afastamento do trabalho, é razoável supor-se que o cônjuge seja levado a assumir, então, os encargos financeiros da família.

Neste contexto, o papel de arrimo da família sobrepõe-se ao de cuidador, e nem sempre possibilita a esse indivíduo exercer o papel que se espera dele. Considerando-se a importância atribuída a esse papel, não só pela equipe de saúde como pelo próprio paciente, e também largamente afirmada pela literatura existente [6,11,12,22,23], verifica-se a necessidade de investigar mais profundamente esta situação, por meio de estudos de cunho sociológico, para que se possa propor alternativas para o suporte social desse grupo de pacientes.

Diante disso, há necessidade de se estudar estratégias que visem a um suporte ao cuidador, além do paciente, de maneira que o manejo extra-hospitalar ao candidato a transplante cardíaco seja o mais satisfatório possível. O transplante de coração é um procedimento de alto custo para o Sistema Único de Saúde (SUS), portanto, é preciso que as condições em que é realizado sejam as melhores possíveis, para garantir o seu êxito.


CONCLUSÕES

Devemos levar em consideração que o ser humano não é uma "ilha", não se presta ao isolamento, tem necessidade de viver em comunidade e, na sua evolução, sempre tiveram importância as ações de solidariedade, a ajuda aos necessitados em diferentes aspectos; isto é nobre, e é o que nos diferencia do outros animais. O cuidador cumpre um papel fundamental no acompanhamento do candidato a transplante de coração. O presente estudo relatou-nos que, na maioria das vezes, o cuidador é um familiar (cônjuge), do sexo feminino, com idade média de 44,3 anos, com renda própria, sendo na sua maioria classificados como "bons" ou "regulares" e não havendo correlação com escolaridade, atividade profissional e renda. Há, no entanto, necessidade de novos estudos, com casuística maior, para estabelecer a relação entre "cuidador" e "resultados" em transplante cardíaco. A finalidade deste trabalho é incentivar novas pesquisas neste campo tão pouco explorado.


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