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CORRELAÇÃO CLÍNICO-CIRÚRGICA

A rara associação de janela aortopulmonar com coarctação de aorta

Ulisses Alexandre CrotiI; Domingo M BraileI; Marcelo Felipe KozakI; Gustavo Eduardo DIAZ SUAREZI

DOI: 10.1590/S0102-76382007000300018

DADOS CLÍNICOS

Lactante de 2 meses, 3930g, sexo feminino, nascido prematuro de 35 semanas com 2200g, evolui dentro da normalidade até o primeiro mês de vida, quando iniciou com cansaço às mamadas e episódios de cianose. Apresentava refluxo gastroesofágico, sendo tratado clinicamente. Como não havia melhora do quadro, foi solicitado ecocardiograma, que diagnosticou cardiopatia, sendo introduzidos furosemida e captopril. Encaminhada para tratamento cirúrgico, apresentava-se em BEG, ativa, reativa, corada, hidratada, taquipneica, acianótica, afebril e anictérica. Ritmo cardíaco regular em dois tempos, com a segunda bulha hipofonética, sopro sistólico ejetivo ++/4+ em borda esternal esquerda alta. Ausculta pulmonar normal. Abdome sem dor à palpação, com fígado a 3 cm do rebordo costal direito. Os pulsos chamavam atenção por serem amplos em membros superiores e de difícil palpação em membros inferiores.


ELETROCARDIOGRAMA

Taquicardia sinusal, freqüência de 166 bpm. ÂP +60º, ÂQRS +90º, intervalo PR 0,08s, QRS 0,08s, QTc 0,35s. Sinais de sobrecarga atrial esquerda.


RADIOGRAMA

Situs solitus visceral. Índice cardiotorácico de 0,61. Discreta retificação de arcos costais e proeminência vascular pulmonar, com sinais de hiperfluxo pulmonar. Aumento de câmaras cardíacas, principalmente átrio esquerdo, evidenciado em radiografia de perfil.


ECOCARDIOGRAMA

Situs solitus em levocardia. Presença de grande janela aortopulmonar com 12 mm (Figura 1), aorta ascendente 8 mm, arco 5 mm e descendente 3 mm em região pré-ductal, com fluxo turbulento e acelerado em aorta descendente, gradiente instantâneo de 50 mmHg, caracterizando coarctação de aorta (Figura 2). Átrio esquerdo com aumento de diâmetros, dilatação da artéria coronária esquerda com tronco de 3 mm e artéria coronária direita com 1 mm.


Fig. 1 - Ecocardiograma bidimensional paraesternal eixo curto, demonstrando a comunicação entre o tronco pulmonar (antes da bifurcação dos ramos pulmonares) e a aorta ascendente


Fig. 2 - Ecocardiograma com mapeamento de fluxo a cores no corte supra-esternal longitudinal, demonstrando o arco aórtico com turbulência na porção descendente, no local da coarctação de aorta



DIAGNÓSTICO

A janela aortopulmonar, quando associada às outras lesões cardíacas, pode ser observada com comunicação interventricular ou interrupção do arco aórtico [1], porém sua associação com coarctação de aorta é muito rara. O Doppler colorido demonstrou, com clareza, tal diagnóstico e a indicação de correção cirúrgica em estágio único foi definida. No diagnóstico diferencial, deve ser lembrado da persistência de canal arterial, truncus arteriosus, origem anômala da artéria pulmonar direita da aorta e tetralogia de Fallot com agenesia da valva pulmonar.


OPERAÇÃO

Abordagem por esternotomia mediana longitudinal e análise das estruturas anatômicas com fácil identificação da janela aortopulmonar (Figura 3), instalação do auxílio da circulação extracorpórea com cânulas em posição aórtica e bicaval. Iniciada hipotermia profunda após cadarçamento das artérias pulmonares. Durante o resfriamento, procedeu-se à extensa dissecção dos vasos da base, arco aórtico e aorta descendente. Aos 18ºC foi optado por hipofluxo de 40 ml/kg, pinçamento do arco aórtico e aorta descendente distalmente. Ressecada grande quantidade de parede aórtica por conter tecido do canal arterial, o qual havia sido seccionado previamente. A coarctação era segmentar, contudo, foi possível a confecção de anastomose término-terminal com fio absorvível 6-0. Restituído o fluxo normal, pinçada a aorta ascendente, cardioplegia anterógrada, hipotérmica a 4ºC, iniciada a correção da janela aortopulmonar com retirada de flap do tronco pulmonar, de tal sorte a permitir maior quantidade de tecido para a face aórtica e, assim, o fechamento direto da parede aórtica, onde também foi utilizado fio absorvível. A parede pulmonar foi reconstruída com placa de pericárdio autólogo fresco (Figura 4). O tempo de perfusão foi de 93 minutos, isquemia miocárdica, 25 minutos, com hipofluxo por 12 minutos a 18ºC. Evolui bem no pós-operatório imediato, utilizando medicações para hipertensão pulmonar. O ecocardiograma pós-operatório demonstrou excelente resultado cirúrgico, com discreto turbilhonamento ao Doppler, na região do istmo aórtico (gradiente de 22 mmHg), sem repercussão clínica. A alta hospitalar ocorreu no 14º dia, em uso de diurético e captopril.


Fig. 3 - Aspecto inicial evidenciando externamente a comunicação (janela) existente entre a aorta ascendente e o tronco pulmonar


Fig. 4 - Aspecto final com a face aórtica reconstruída com sutura direta e pulmonar com pericárdio autólogo fresco (pinças)



REFERÊNCIA

1. Konstantinov IE, Karamlou T, Williams WG, Quaegebeur JM, del Nido PJ, Spray TL, et al. Surgical management of aortopulmonary window associated with interrupted aortic arch: a Congenital Heart Surgeons Society study. J Thorac Cardiovasc Surg. 2006;131(5):1136-41.


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