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EXPERIÊNCIA DO SERVIÇO

Toracotomia esquerda para reoperação de revascularização miocárdica

Carlos Sérgio Luna Gomes DUARTEI; Fernando Ribeiro de MORAES NETOII; Carlos Roberto Ribeiro de MoraesIII

DOI: 10.1590/S0102-76382007000300011

RESUMO

Objetivo: Descrever a seleção de pacientes, a técnica cirúrgica e os resultados imediatos de reoperação de revascularização miocárdica sem circulação extracorpórea através de toracotomia póstero-lateral esquerda. Método: Oito pacientes com pontes pérvias para a artéria interventricular anterior (quatro dos quais também tinham pontes pérvias para a artéria coronária direita) foram submetidos à reoperação sem circulação extracorpórea através de toracotomia póstero-lateral esquerda. Resultados: Não houve mortalidade hospitalar ou complicação pós-operatória significativa. Todos os pacientes estão assintomáticos. Conclusões: Em pacientes selecionados, reoperação de revascularização miocárdica sem circulação extracorpórea e através de toracotomia esquerda pode reduzir os riscos da resternotomia.

ABSTRACT

Objective: To describe patient selection criteria, surgical technique and early outcomes in patients undergoing reoperative coronary artery bypass surgery (RECABG) through a left thoracotomy without cardiopulmonary bypass (CPB). Methods: Eight patients with patent grafts to the left interventricular coronary artery (four of whom had also patent grafts to the right coronary artery) requiring revascularization of the circumflex coronary system had redo-CABG without CPB through a left posterolateral thoracotomy. Results: There were no in-hospital mortality or serious postoperative complications. All patients are angina-free. Conclusions: An off-pump redo-CABG through a left posterolateral thoracotomy may reduce risks attributable to resternotomy in patients who met the selection criteria.
INTRODUÇÃO

Embora os resultados das reoperações para revascularização miocárdica tenham melhorado ao longo dos anos [1], certas situações, especialmente, enxertos de artéria torácica interna (ATI) implicam maior risco durante a resternotomia. Em 1982, Cheung et al. [2] e Faro et al. [3] descreveram, independentemente, a utilização de toracotomia esquerda para revascularização da artéria circunflexa em pacientes previamente submetidos à cirurgia cardíaca. A utilização de toracotomia esquerda para revascularização miocárdica, apesar de ter-se mostrado uma técnica simples, tem sido esporadicamente relatada [4-15]. Nossa experiência inicial ocorreu num paciente que necessitava revascularização miocárdica e era portador de coarctação da aorta [16]. Desde então, outros oito pacientes foram operados.

O objetivo deste trabalho é chamar a atenção para essa opção técnica na cirurgia coronária.


MÉTODO

No Instituto do Coração de Pernambuco, entre fevereiro de 2003 e abril de 2005, oito pacientes foram submetidos à reoperação de revascularização miocárdica sem circulação extracorpórea através de toracotomia esquerda. Sete eram do sexo masculino e um do feminino, variando a idade entre 60 e 85 anos (média 69,6 anos). Os principais dados relativos à operação prévia (data e revascularização realizada), os achados da cinecoronariografia pós-operatória e os da reoperação estão contidos na Tabela 1.




O período de tempo entre a primeira e a segunda operação variou de 4 a 23 anos (média de 12 anos). Todos os pacientes tinham angina do peito. Basicamente, a escolha da técnica deveu-se a presença de pontes pérvias, especialmente enxerto de ATI para a artéria interventricular anterior (AIA), e a necessidade de se revascularizar a artéria circunflexa. Em apenas dois pacientes, além da artéria circunflexa, foram revascularizadas também a AIA (caso 3) e o ramo diagonal da AIA (caso 4).

Após anestesia geral, realizou-se entubação traqueal com sonda duplo lúmen de Carlens, possibilitando o colapso do pulmão esquerdo após a toracotomia. Ainda com o paciente em decúbito dorsal, retirou-se a veia safena da perna direita. O doente foi colocado, então, em decúbito lateral direito, realizando-se toracotomia póstero-lateral esquerda através do 5º espaço intercostal. Aberto o tórax, a ventilação do pulmão esquerdo foi interrompida, e o pericárdio aberto longitudinalmente adiante do nervo frênico (Figura 1). Procedia-se à heparinização (4mg/kg de peso). Identificada a artéria a ser revascularizada, esta foi rodeada com fios de Prolene 4-0 para interrupção do fluxo sangüíneo (Figura 2). Obteve-se a estabilização da artéria para confecção da anastomose com a veia safena, utilizando-se estabilizador Octopus (Medtronic Inc.) - Figura 3. A anastomose foi realizada com sutura contínua de Prolene 7-0 (Figura 4). A anastomose proximal da ponte de safena foi feita na aorta descendente em sete casos (Figura 5) e na artéria subclávia esquerda em um, utilizando-se pinça de exclusão parcial e sutura contínua de Prolene 6-0. Concluída a realização da ponte, o pulmão esquerdo foi reexpandido, a heparinização revertida com igual dose de sulfato de protamina e o tórax drenado e fechado por planos.


Fig. 1 - Aspecto da exposição da face póstero-lateral do ventrículo esquerdo através de toracotomia esquerda


Fig. 2 - Ramo marginal da artéria circunflexa rodeado com fios de prolene 4-0


Fig. 3 - Estabilização da artéria para confecção da anastomose com estabilizador Octopus


Fig. 4 - Anastomose distal da ponte de safena concluída


Fig. 5 - Aspecto final da ponte de safena, observando-se as anastomoses na artéria circunflexa e na aorta descendente



RESULTADOS

Não observamos dificuldades técnicas na identificação da artéria a ser revascularizada. No total, foram feitas 10 pontes de safena, das quais oito para ramo marginal da artéria circunflexa, uma para a AIA e uma para o ramo diagonal da AIA. Também, graças ao colapso pulmonar, não houve dificuldades na confecção da anastomose na aorta descendente. Durante o ato cirúrgico, não ocorreu instabilidade hemodinâmica ou alterações eletrocardiográficas em nenhum paciente.

Não houve óbito, necessidade de reintervenção por sangramento, complicações pulmonares ou neurológicas. Apenas um paciente necessitou de nova drenagem do hemitórax esquerdo, por ter apresentado, no pós-operatório, derrame pleural.

Todos os pacientes obtiveram alívio da angina do peito e estão assintomáticos do ponto de vista cardiovascular.


DISCUSSÃO

A julgar pelo número de publicações existentes, parece que a técnica de revascularização miocárdica através de toracotomia esquerda não tem sido muito empregada, apesar de sua inequívoca utilidade em alguns casos, haja vista esse procedimento poder diminuir os riscos da resternotomia e dissecção do coração, tais como hemorragia, lesão de enxerto de ATI e embolização por manipulação de pontes de safena. Incluem-se, entre eventuais candidatos a essa opção técnica, pacientes com enxertos pérvios, de ATI ou de safena, para as AIA e artéria coronária direita e que necessitam de revascularização da artéria circunflexa.

Outras indicações seriam calcificação da aorta ascendente, osteomielite do esterno ou mediastinite na primeira operação, irradiação mediastinal, necessidade de concomitante cirurgia do pulmão esquerdo e prévia substituição da valva mitral, o que torna arriscada a rotação do coração para abordagem das artérias posteriores [3,4,6]. Na experiência da Cleveland Clinic [14], 2,5% dos candidatos à reoperação de revascularização miocárdica foram incluídos nessas indicações. Os nossos casos se enquadraram na indicação clássica: a) todos os oito pacientes tinham enxertos pérvios para a AIA, embora um deles exibisse estenose da anastomose, e outro, lesão do ramo diagonal da AIA; b) quatro doentes também apresentavam ponte pérvia para a artéria coronária direita; c) todos tinham lesão estenótica na artéria circunflexa, necessitando revascularização.

Observa-se, também, na revisão da literatura que a técnica operatória variou muito. A maioria dos grupos tem utilizado alguma forma de circulação extracorpórea, sendo a mais freqüente a perfusão femoro-femoral [2-10]. Alguns têm empregado hipotermia e fibrilação ventricular para a confecção das anastomoses [2,4]. A crescente familiaridade com a técnica de revascularização miocárdica sem circulação extracorpórea tem mostrado que não há necessidade de suporte perfusional [12,14,15]. Nossa experiência inicial utilizando a técnica padronizada por Azoury et al. [14] e Mack et al. [15], empregada sem mortalidade em 21 e 32 pacientes respectivamente, mostrou que a operação pode ser feita com baixo risco. Chamamos a atenção para a necessidade de se usar tubo traqueal de duplo lúmen, o que torna mais fácil toda a operação, especialmente o acesso à aorta descendente. Há um consenso de que a parte mais difícil da operação é a anastomose da veia na aorta descendente [14,15].

Em resumo, as vantagens de se evitar a resternotomia e a circulação extracorpórea tornam a reoperação de revascularização miocárdica através de toracotomia póstero-lateral esquerda, especialmente para a artéria circunflexa, e, em casos selecionados, uma excelente opção técnica.


REFERÊNCIAS

1. Loop FD, Lytle BW, Cosgrove DM, Woods EL, Stewart RW, Golding LA, et al. Reoperation for coronary atherosclerosis. Changing practice in 2509 consecutive patients. Ann Surg. 1990;212(3): 378-85.

2. Cheung D, Flemma RJ, Mullen DC, Lepley D Jr. An alternative approach to isolated circumflex coronary bypass reoperations. Ann Thorac Surg. 1981;33(3):302-3.

3. Faro RS, Javid H, Najafi H, Serry C. Left thoracotomy for reoperation for coronary revascularization. J Thorac Cardiovasc Surg.1982;84(3):453-5. [MedLine]

4. Ungerleider RM, Mills NL, Wechsler AS. Left thoracotomy for reoperative coronary artery bypass procedures. Ann Thorac Surg. 1985;40(1):11-5. [MedLine]

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