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EXPERIÊNCIA DO SERVIÇO

Revascularização miocárdica por minitoracotomia esquerda: série de casos

Theófilo GAUZEI; Flávio de Almeida RosaII; Waldir Ferreira de Salvi Jr.III; Elzio TamazatoIV

DOI: 10.1590/S0102-76382007000100019

INTRODUÇÃO

O fenômeno de reestenose tem sido um dos problemas freqüentes e indesejáveis nas dilatações arteriais por cateter-balão, seguidas do implante de próteses mecânicas de suporte intraluminar ou "stents" [1]. O advento das próteses recobertas com fármacos melhorou o resultado destes procedimentos, entretanto, a presença de reestenoses intraprótese persiste, ainda que em menor incidência [2-4]. Estudos de longo prazo demonstraram que a cirurgia para revascularização do miocárdio (RM) com uso da artéria torácica interna esquerda (ATIE) para a coronária interventricular anterior (DA) produziu mais alívio de sintomas, menor incidência de reintervenção e melhor preservação da fração de ejeção do ventrículo esquerdo, comparativamente ao tratamento clínico medicamentoso e também à angioplastia [5].
O surgimento de novos dispositivos estabilizadores e os "shunts" intracoronarianos, assim como o desenvolvimento de afastadores e técnicas de abordagem cirúrgica por acessos minimamente invasivos, reacendeu o interesse pela avaliação comparativa dos verdadeiros custos e benefícios que envolvem as abordagens disponíveis para a RM - considerando-se agora a evolução de longo prazo.
Em 2001, após preparativos e treinamentos, passamos a realizar a cirurgia para RM sem o suporte da circulação extracorpórea (CEC) e com dispositivos estabilizadores epicárdicos variados. Nesta época, também utilizamos os dispositivos para perfusão intracoronariana como forma de proteção ao miocárdio isquêmico durante a realização das anastomoses distais. Progressivamente, abordamos uma porcentagem cada vez maior de pacientes atingindo hoje próximo de 80% dos casos de cirurgia para RM com esta tática (comunicação). Com o advento da experiência, começamos a desenvolver um projeto de estudo piloto para a RM através de acesso minimamente invasivo por toracotomia anterior esquerda (MTE), abordando inicialmente os ramos anteriores da coronária esquerda e sem o suporte da CEC para tratamento das obstruções de coronarianas descendente anterior e diagonal [6-8].

MÉTODO

No período de janeiro de 2004 a fevereiro de 2006, foram operados 18 pacientes portadores de insuficiência coronariana por meio de cirurgia para RM por MTE. O projeto foi apreciado pela Comissão de Ética da Instituição e todos os pacientes assinaram detalhado Consentimento Esclarecido antes da operação. A idade média foi de 56,6 ± 9,2 anos, sendo três (16,6%) pacientes do sexo feminino e 15 (72,2%) do masculino. Todos os pacientes eram sintomáticos e apresentaram teste de esforço positivo na avaliação pré-operatória. A fração de ejeção do ventrículo esquerdo (Teicholtz) variou de 34 a 68% (51,2 ± 8,5%). Co-morbidades apresentaram-se como segue: hipertensão arterial sistêmica em cinco (27,7%), diabete melito cinco (27,7%), infarto do miocárdio e angioplastia prévios em quatro (22,2%), doença pulmonar obstrutiva crônica em seis (33,3%), vasculopatia periférica importante em dois (11,1%) e envolvimento de significativo ramo diagonal (DI) em quatro (22,2%). O acesso utilizado foi a MTE com incisões que variaram de 9 a 14 cm de extensão. O dispositivo Access (CardioThoracicSystems® - Figura 1) foi utilizado para exposição da ATIE e sua dissecção na forma esqueletizada; sendo seus ramos ligados com clipes de titânio (Johnson LT200®), na porção proximal, e cauterizados com bisturi eletrônico na porção distal. Após o preparo do enxerto e abertura do pericárdio, avaliou-se a adequada extensão do mesmo. A heparinização consistiu em uma única dose de 1,5 mg/kg peso e, simultaneamente, administrou-se nestes pacientes uma dose sublingual de 200mg de ácido acetilsalisílico. Com o afastador e seu sistema de estabilização devidamente instalados sobre a artéria coronária DA, procedeu-se à arteriotomia coronariana sem garroteamento do vaso. A hemostasia nesta fase foi proporcionada pela simples compressão proximal da artéria pela porção posterior da pinça anatômica do cirurgião auxiliar. Instalou-se o "shunt" perfusor intracoronariano (Figura 2) e procedeu-se à anastomose direta da ATIE com a DA por sutura contínua com fio de polipropileno 7-0 (Figura 3). Não houve isquemia maior do que 30 segundos em nenhum caso até a instalação do "shunt" e reperfusão. Após revisão da hemostasia sob protamina, instalou-se dreno torácico com diâmetro de 28mm sob visão direta e conectou-se ao sistema de drenagem fechada em selo d'água.


Fig. 1 - Dispositivo afastador para dissecção da ATIE por minitoracotomia


Fig. 2 - Perfusor ("shunt") intracoronariano


Fig. 3 - Anastomose com fio 7-0 posicionada sob dispositivo estabilizador


RESULTADOS

Todos os 18 pacientes puderam ser revascularizados com sucesso, sendo que quatro receberam anastomoses seqüenciais para coronária DI-DA (1,2 ponte/paciente). Não houve óbitos, transfusões ou alterações enzimáticas e eletrocardiografias. Não foi necessária a conversão para esternotomia. O tempo de permanência na Unidade Intensiva Cardiológica variou de 18 a 36 horas (24,3 ± 8,5horas). A evolução clínica pós-operatória (PO) foi adequada e as altas hospitalares puderam ser efetuadas entre o terceiro e o quinto dia PO (mediana 3,5) em todos os pacientes; que retomaram suas atividades rotineiras em até 20 dias. O resultado estético, em geral, foi satisfatório (Figura 4). Houve uma reinternação (34º dia PO - sexo feminino) por angina estável e oclusão do enxerto à angiografia; esta paciente foi tratada por meio de angioplastia da coronária DA. Ocorreu uma reinternação por infecção incisional (6º dia PO - sexo masculino) tratada com antibióticos. Seis pacientes foram reestudados voluntariamente e apresentaram enxertos com fluxo normal (Figura 5). À exceção do paciente com oclusão de enxerto, todos os demais tiveram o teste ergométrico negativo após 60 dias da operação.


Fig. 4 - Aspecto estético cicatricial


Fig. 5 - Angiografia pós-operatória tardia demonstrando anastomose seqüencial de ATIE para coronárias DI e DA.


DISCUSSÃO

A abordagem mostrou-se segura e sem obstáculos técnicos. O instrumental apropriado facilitou a técnica, pois permitiu a adequada exposição da ATIE pela elevação dos arcos costais. A ventilação seletiva foi possível em 10 pacientes, nos quais não ocorreu alteração da capnografia e simplificou a dissecção da ATIE. Um elemento casual que surpreendeu foi o fato de que a aptidão manual esquerda (cirurgião canhoto - Figura 6) permitiu o posicionamento confortável dos instrumentos para a dissecção da ATIE até o seu primeiro ramo intercostal. Esse achado permite-nos inferir que o uso da videotoracoscopia poderá facilitar em muito esta abordagem. A esqueletização do enxerto permitiu maior extensão do mesmo, evitando tensão sobre as pontes, mesmo nos casos de anastomoses seqüenciais. O tempo de hospitalização reduzido e a baixa morbidade, sem uso de hemoderivados, certamente são objetivos interessantes alcançados nesta série.
O crescimento das populações de maior risco, como os diabéticos [9] e os pacientes submetidos a múltiplos procedimentos [10], pode mudar a maneira como indicamos a cirurgia para a RM face ao custo adicional de re-intervenções com uso das próteses farmacológicas de alto custo.


Fig. 6 - Posição ergonomicamente confortável para o cirurgião canhoto


CONCLUSÕES

A técnica foi realizada com sucesso em todos os pacientes. Observou-se baixa morbi-mortalidade e os pacientes apreciaram a estética da incisão. Estudos complementares poderão determinar se e quando pode haver benefício desta operação como tratamento preferencial na RM dos vasos da parede anterior do ventrículo esquerdo.

REFERÊNCIAS

1. Gomes WJ, Buffolo E. Stent coronário e inflamação. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2003;18(4):III-VII.

2. Farb A, Sangiorgi G, Carter AJ, Walley VM, Edwards WD, Schwartz RS, et al. Pathology of acute and chronic coronary stenting in humans. Circulation. 1999;99(1):44-52.

3. Taniyasu N, Akiyama K, Hirota J, Iba Y. Newly developed left main coronary artery lesion after coronary stenting. J Cardiovasc Surg. 2002;43(1):55-8.

4. Katritsis DG, Karvouni E, Ioannidis JP. Meta-analysis comparing drug-eluting stents with bare metal stents. Am J Cardiol. 2005;95(5):640-3.

5. Hueb WA, Bellotti G, Olivera SA, Ariê S, Albuquerque CP, Jatene AD, et al. The Medicine, Angioplasty or Surgery Study (MASS): a prospective, randomized trial of medical therapy, balloon angioplasty or bypass surgery for single proximal left anterior descending artery stenoses. J Am Coll Cardiol. 1995;26(7):1600-5.

6. Alessandrini F, Luciani N, Marchetti C, Guadino M, Possati G. Early results with the minimally invasive thoracotomy for myocardial revascularization. Eur J Cardiothorac Surg. 1997;11(6):1081-5.

7. Schaff HV. New surgical techniques: implications for the cardiac anesthesiologist: mini-thoracotomy for coronary revascularization without cardiopulmonary bypass. J Cardiothorac Vasc Anesth. 1997;11(2 Suppl 1):6-9; discussion 24-5.

8. Biglioli P, Antona C, Alamanni F, Parolari A, Toscano T, Pompilio G, et al. Minimally invasive direct coronary artery bypass grafting: midterm results and quality of life. Ann Thorac Surg 2000;70(1):456-60.

9. Influence of diabetes on 5-year mortality and morbidity in a randomized trial comparing CABG and PTCA in patients with multivessel disease: the Bypass Angioplasty Revascularization Investigation (BARI). Circulation. 1997;96(6):1761-9.

10. Singh SK, Mishra SK, Kumar D, Yadave RD, Sinha SK. Multivessel total arterial revascularization via left thoracotomy. Asian Cardiovasc Thorac Ann 2004;12(1):30-2.

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