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ARTIGO ORIGINAL

Doença arterial obstrutiva periférica e índice tornozelo-braço em pacientes submetidos à angiografia coronariana

Sthefano Atique GabrielI; Pedro Henrique SerafimI; Carlos Eduardo Moreira de FreitasI; Cristiane Knopp TRISTÃOI; Rodrigo Seiji TaniguchiI; Camila Baumann BeteliI; Edmo Atique GabrielII; José Francisco Moron MoradIII

DOI: 10.1590/S0102-76382007000100011

INTRODUÇÃO

A doença arterial obstrutiva periférica (DAOP), seja assintomática ou sintomática, caracteriza-se por uma redução gradual do fluxo sangüíneo, devido a um processo oclusivo nos leitos arteriais dos membros inferiores [1-4]. Na grande maioria das vezes, sua causa provém de fenômenos ateroscleróticos e aterotrombóticos, mas também pode refletir a influência de outras enfermidades, tais como, arterite, aneurisma e embolismo [1-4].

A claudicação intermitente, ou seja, dor em queimação ou em câimbra na panturrilha ou nádegas após atividade física, constitui a manifestação clínica mais comum de DAOP [1,3,4].

Sua estratégia diagnóstica, entretanto, deve também incluir exame físico minucioso, com investigação de sinais clínicos sugestivos, tais como, ausência de pulsos periféricos, frêmitos arteriais e alterações de pele no membro afetado, bem como a confirmação da gravidade da obstrução vascular, determinada pela medida do índice tornozelo-braço (ITB) - que expressa a relação entre a pressão arterial sistólica na artéria tibial posterior ou pediosa comparado à pressão sistólica na artéria braquial [3].

Os fatores de risco para DAOP são semelhantes aos associados à doença arterial coronariana e incluem idade avançada, tabagismo, diabetes mellitus, hiperlipidemia, obesidade e hipertensão arterial sistêmica [1,5]. A prevalência de DAOP na população geral, em indivíduos acima de 55 anos, é de 19,1% [6]; enquanto que em pacientes acima dos 65 anos é de 19,8% e 16,8%, respectivamente, em homens e mulheres [7].

Dada a coexistência freqüente de processos ateroscleróticos em distintos territórios vasculares, estudos anteriores demonstraram que o ITB apresenta uma forte correlação com a presença e a gravidade da aterosclerose nas artérias carótidas e coronárias [1,8,9]. Em adultos de meia-idade e idosos, um ITB diminuído está associado ao aumento da mortalidade e a elevado risco de doença arterial coronariana e doenças cerebrovasculares [1,10]. Pesquisas correlacionando ITB, DAOP e fatores de risco coronariano, em pacientes submetidos à angiografia coronariana, foram, entretanto, escassamente exploradas na literatura médica atual.

Os objetivos do presente estudo consistem em avaliar a prevalência de DAOP em pacientes submetidos à cineangiocoronariografia; além de analisar a relação entre ITB e doença arterial coronariana, e sua correlação com os fatores de risco cardiovascular.

MÉTODO

População

Após terem sido informados sobre a pesquisa, concordarem em participar e assinarem um termo de consentimento livre e esclarecido, participaram inicialmente deste estudo 130 pacientes submetidos à cineangiocoronariografia na unidade coronariana do Hospital Santa Lucinda - anexo 3 do Conjunto Hospitalar de Sorocaba, durante o período de junho de 2005 a maio de 2006. Foram, entretanto, excluídos da amostra inicial, 17 pacientes que apresentaram valor de ITB superior a 1,3; restando, dessa maneira, 113 pacientes efetivamente incluídos na casuística do estudo e na análise estatística dos resultados. A idade dos participantes variou de 35 a 82 anos, com média de 65,91 ± 13,44 anos. Quanto ao sexo, 53,10% (60) eram do sexo masculino e 46,90% (53), do sexo feminino.

Métodos

Delineou-se um estudo observacional e transversal - do tipo inquérito. Previamente ao estudo cineangiocoronariográfico, efetuou-se a medida do ITB, com o uso de um aparelho de ultra-sonografia Doppler (Doppler Vascular; DV610; MEDMEGA, Brasil), e foram investigados fatores de risco cardiovascular, a partir de roteiro elaborado especificamente, que incluíram idade (anos), sexo, tabagismo, etilismo, diabetes mellitus, hipertensão arterial sistêmica e obesidade. Após realização da angiografia coronariana, os pacientes foram divididos, primeiramente, em dois grupos - pacientes isentos de coronariopatia e pacientes portadores de doença arterial coronariana. Posteriormente, os pacientes foram divididos em três grupos, de acordo com a gravidade da doença coronariana: Grupo 1 - ausência de lesão coronariana; Grupo 2 - doença obstrutiva leve a moderada (quando a estenose foi menor que 70% em no mínimo uma artéria coronária principal - artéria coronária direita ou esquerda e seus ramos, artéria descendente anterior e artéria circunflexa); e Grupo 3 - doença obstrutiva grave (quando a lesão ocupou 70% ou mais do diâmetro arterial de, no mínino, uma das artérias coronárias principais: artéria coronária direita ou esquerda e seus ramos, artéria descendente anterior e artéria circunflexa). Pacientes cujos resultados de angiografia coronariana exibiram irregularidades parietais, calcificações ou ateromatose difusa, em pelo menos uma das artérias coronárias já mencionadas, foram incluídos no grupo 2. Além disso, valores de ITB superiores a 1,3 representaram o único critério de exclusão dos pacientes desta pesquisa, visto que estão associados à doença aterosclerótica difusa dos vasos com calcificação da camada média e rigidez de parede vascular, o que torna as artérias não-compressíveis durante a insuflação do manguito [3]. Este fenômeno, que ocorre com maior freqüência em grupos de alto risco cardiovascular, tais como, diabéticos, idosos e portadores de insuficiência renal crônica, compromete o valor e o significado clínico do ITB [3]. Os pacientes, portanto, que apresentaram ITB > 1,3 foram excluídos deste estudo. A realização desta pesquisa foi autorizada pela Comissão de Ensino e Pesquisa Local.

Fatores de risco cardiovascular

O Índice de Massa Corpórea (IMC) foi calculado como peso (kg)/altura (m)2. Obesidade foi considerada como IMC acima de 30 kg/m2. O tabagismo foi determinado, de acordo com a classificação dos pacientes, em fumantes à época da entrevista (no mínimo 10 cigarros/dia) e não fumantes (compreendendo ex-fumantes por, no mínimo, há dois anos, e nunca fumantes). O consumo de bebidas alcoólicas foi definido em etilistas à época da entrevista (independente da quantia consumida) e não etilistas (compreendendo ex-consumidores por, no mínimo, há um ano ou nunca consumidores). Hipertensão arterial sistêmica foi definida como pressão arterial sistólica ³140 mmHg e pressão arterial diastólica ³ 90 mmHg, ou uso atual de medicamentos anti-hipertensivos para controle pressórico. Diabetes mellitus foi considerado presente quando houve diagnóstico prévio de diabetes ou quando o paciente referiu uso de insulina ou agentes hipoglicemiantes, ou quando a glicemia de jejum foi igual ou maior do que 126 mg/dL, na ausência de diagnóstico prévio. Não foram incluídos, como variáveis do estudo, os valores de colesterol total e frações e triglicerídeos, pela dificuldade na obtenção das dosagens laboratoriais.

Índice tornozelo-braço

O ITB constitui um método simples, custo-efetivo e não-invasivo para detecção precoce de DAOP e complementação da avaliação do risco cardiovascular. Este exame tem sido recomendado, na prática clínica diária, com o objetivo de medir a perviedade da circulação arterial dos membros inferiores. Os pesquisadores deste estudo foram especificamente treinados para efetuar a medida do ITB em condições padronizadas. As medidas foram realizadas após o paciente descansar 5 minutos em decúbito dorsal. As pressões arteriais sistólicas foram medidas na seguinte ordem: artéria braquial direita; artéria tibial posterior e pediosa direita; artéria tibial posterior e pediosa esquerda; e artéria braquial esquerda. O ITB foi calculado como a relação entre a maior das duas pressões sistólicas (artéria tibial posterior e pediosa) abaixo do tornozelo com a maior pressão da porção braquial. As pressões de ambas as pernas foram medidas e o ITB foi calculado separadamente para cada perna. No caso da ausência do valor do ITB em uma das pernas (amputação) ou da pressão sistólica braquial em um dos braços, o valor dos membros contralaterais foram utilizados. Da mesma maneira, na ausência do valor da pressão arterial em uma das pernas (tibial posterior ou pediosa), o valor da outra perna foi utilizado para o cálculo do ITB. DAOP foi definida como um ITB < 0,90. O menor valor de ITB entre as duas pernas foi utilizado como referência para análise dos dados. Os pacientes, dessa forma, foram divididos em dois grupos de acordo com o valor do ITB: ITB ³ 0,90 e ITB < 0,90.

Análise estatística

Utilizou-se o programa SPSS (Statistical Package for Social Sciences), em sua versão 13,0, para a obtenção dos resultados. As variáveis paramétricas foram fornecidas quanto à média ± desvio padrão. Analisando a amostra dividida em dois grupos, ausência e presença de lesão coronariana, foi aplicado o Teste de Mann-Whitney. Comparando os pacientes, divididos nos três grupos de acordo com o grau de comprometimento coronariano, primeiramente foi utilizado o Teste de Kruskal-Wallis e, posteriormente, as variáveis que apresentaram significância estatística foram analisadas par a par com o Teste de Mann-Whitney. A Análise de Correlação de Spearman foi realizada para avaliar as correlações existentes entre os fatores de risco cardiovascular e o valor do ITB, com relação à presença de lesão coronariana. A Análise de Regressão Logística, que incluiu as variáveis estatisticamente significantes na Análise de Correlação de Spearman, foi efetuada para avaliar a probabilidade de lesão coronariana, baseado no valor do ITB e nos fatores de risco cardiovascular incluídos no estudo. Analisando o grupo com ITB ³ 0,90 e o grupo com ITB < 0,90, foi aplicado o Teste de Mann-Whitney. Para as variáveis não-paramétricas, foram calculados o odds ratio (OR) e o intervalo de confiança (IC), tanto em relação à DAOP quanto em relação à doença arterial coronariana. Os valores de p<0,05 foram considerados estatisticamente significantes.

RESULTADOS

A Tabela 1 exibe as características clínicas dos pacientes com e sem doença arterial coronariana. Dos 113 pacientes incluídos na análise estatística, 53,10% pertenciam ao sexo masculino e 46,90%, ao sexo feminino. A idade média e o IMC médio foram de 65,91±13,44 anos e de 30,09±4,39 kg/m2, respectivamente. Além disso, 47,79% são tabagistas, 61,95% são diabéticos, 66,37% são hipertensos e 15,04% são etilistas. O valor médio da pressão sistólica, pressão diastólica e pressão de pulso foram, respectivamente, de 149,09±22,44 mmHg, 92,84±11,84 mmHg e 56,16±14,57 mmHg. Houve diferença significante quanto à faixa etária (p<0,001), hipertensão arterial sistêmica (p<0,001), tabagismo (p<0,001), IMC (p<0,001), pressão sistólica (p<0,001), pressão diastólica (p<0,001) e pressão de pulso (p<0,001) entre os indivíduos que apresentaram e os que não apresentaram comprometimento coronariano. Não houve diferença significante quanto ao sexo (p=0,186) e ao diabetes mellitus (p=0,145).



O valor médio do ITB foi de 0,83±0,18 na amostra total, 0,98±0,08 nos pacientes sem coronariopatia e 0,71±0,14 nos pacientes portadores de doença coronariana. Houve diferença significante entre estes dois últimos grupos (p<0,001).

Os pacientes com doença arterial coronariana apresentaram faixa etária mais avançada do que aqueles sem coronariopatia (73,08±10,15 vs. 56,21±11,09 anos); além de predomínio de indivíduos do sexo masculino (58,46% vs. 45,83%); maior proporção de fumantes (69,23% vs. 18,75%), hipertensos (84,62% vs. 41,67%) e diabéticos (67,69% vs. 54,17%); maior valor médio de IMC (32,35±2,67 vs. 27,02±4,42), pressão sistólica (160,34±21,11 vs. 133,85±13,45), pressão diastólica (98,34±11,12 vs. 85,40±8,21) e pressão de pulso (62,00±15,78 vs. 48,25±7,48); e menor valor médio de ITB (0,71±0,14 vs. 0,98±0.08).

A Tabela 2 exibe as características clínicas dos pacientes, divididos em três grupos, de acordo com a gravidade da doença arterial coronariana. Quanto à faixa etária, a idade média do grupo 1 foi de 56,21±11,09 anos; a do grupo 2 foi de 66,67±7,00 anos; e a do grupo 3 foi de 77,63±9,61 anos. Quanto ao sexo, o grupo 1 constituiu-se por 45,83% homens e 54,17% mulheres; o grupo 2, por 48,15% homens e 51,85% mulheres; e o grupo 3, por 65,79% homens e 34,21% mulheres. A faixa etária (p<0,001), o diabetes mellitus (p=0,030), a hipertensão arterial sistêmica (p<0,001), o tabagismo (p<0,001), o IMC (p<0,001), a pressão sistólica (p<0,001), a pressão diastólica (p<0,001) e a pressão de pulso (p<0,001) apresentaram diferença significante estatisticamente, quando os três grupos foram analisados concomitantemente. Além disso, o valor médio do ITB foi de 0,98±0,08, nos pacientes do grupo 1, 0,80±0,12, nos do grupo 2, e 0,65±0,11, nos do grupo 3. Houve diferença significante entre os três grupos, quanto ao valor do ITB (p<0,001).



Analisando os três grupos de pacientes, quando combinados par a par (Grupo 1 x Grupo 2, Grupo 1 x Grupo 3 e Grupo 2 x Grupo 3), observamos que os pacientes dos três grupos diferiram significativamente entre si, quanto à faixa etária, IMC, pressão sistólica, pressão diastólica, pressão de pulso e ITB. Não houve diferença significante entre os grupos 2 e 3 para tabagismo e hipertensão arterial sistêmica; enquanto que não houve diferença significante entre os grupos 1 e 2 para diabetes mellitus.

A Tabela 3 exibe os fatores de risco e comorbidade associadas à doença arterial coronariana, baseados no cálculo do odds-ratio. Observamos, após esta análise, que faixa etária (OR: 3,750; IC: 1,377-10,209; p=0,010), hipertensão arterial sistêmica (OR: 4,900; IC: 1,675-14,336; p=0,004), tabagismo (OR: 6,303; IC: 2,193-18,116; p=0,001) e IMC (OR: 19,341; IC: 5,502-67,991; p<0,001) estiveram fortemente associados à lesão coronariana < 70%; enquanto que ITB ³ 0,90 (OR: 0,026; IC: 0,007-0,101; p<0,001) não esteve associado à lesão coronariana < 70%, constituindo-se, portanto, em um fator de proteção para este tipo de lesão. De maneira semelhante, faixa etária (OR: 25.500; IC: 7,492-86,790; p<0,001), diabetes mellitus (OR: 3,173; IC: 1,209-8,326; p=0,019), hipertensão arterial sistêmica (OR: 11,900; IC: 3,641-38,895; p<0,001), tabagismo (OR: 13,963; IC: 4,928-39,562; p<0,001) e IMC (OR: 60,545; IC: 12,534-292,466; p<0,001) estiveram fortemente associados à lesão coronariana ³ 70%; enquanto que ITB ³0,90 (OR: 0,003; IC: 0,000-0,028; p<0,001) não esteve associado à lesão coronariana ³ 70%, constituindo-se também em um fator de proteção para coronariopatia grave.



Pela Análise de Correlação de Spearman, faixa etária (p<0,001), hipertensão arterial sistêmica (p<0,001), tabagismo (p<0,001), IMC (p<0,001), pressão sistólica (p<0,001), pressão diastólica (p<0,001), pressão de pulso (p<0,001) e ITB (p<0,001) estiveram diretamente correlacionados à presença de lesão coronariana. Não houve correlação estatisticamente significante entre sexo (p=0,187) e diabetes mellitus (p=0,146) e lesão coronariana.

Pela Análise de Regressão Logística, encontramos que pacientes com ITB < 0,90, IMC ³ 30 kg/m2 e idade ³ 60 anos apresentaram a maior probabilidade de lesão coronariana (98,93%); enquanto que pacientes com ITB ³ 0,90, IMC < 30 kg/m2 e idade < 60 anos apresentaram a menor probabilidade de lesão coronariana (1,33%). Já pacientes com ITB ³ 0,90, IMC ³ 30 kg/m2 e idade ³ 60 anos apresentaram probabilidade de lesão coronariana de 53,71%; enquanto que pacientes com ITB < 0,90, IMC < 30 kg/m2 e idade < 60 anos apresentaram uma probabilidade de lesão coronariana de 51,86%.

A Tabela 4 exibe as características clínicas dos pacientes com e sem DAOP, divididos de acordo com o valor do ITB. Dos 113 pacientes incluídos no estudo, 56,60% (64) apresentaram DAOP (ITB<0,90), sendo que 90,76% (59) dos pacientes com doença arterial coronariana apresentaram concomitantemente DAOP. A prevalência de DAOP foi maior no sexo masculino (57,80%) do que no feminino (42,20%). Os pacientes com DAOP apresentaram faixa etária mais avançada do que aqueles sem DAOP (72,34±11,40 vs. 57,51±11,11 anos); além de predomínio de indivíduos do sexo masculino (57,80% vs. 46,90%); maior proporção de fumantes (68,75% vs. 20,41%), hipertensos (85,94% vs. 40,82%) e diabéticos (68,75% vs. 53,06%); maior valor médio de IMC (32,13±2,99 vs. 27,42±4,53), pressão sistólica (161,33±20,42 vs. 133,10±12,93), pressão diastólica (98,73±10,97 vs. 85,14±7,89) e pressão de pulso (62,59±15,32 vs. 47,76±7,74); e menor valor médio de ITB (0,70±0,11 vs. 0,98±0,01). Houve diferença significante quanto à faixa etária (p<0,001), hipertensão arterial sistêmica (p<0,001), tabagismo (p<0,001), IMC (p<0,001), pressão sistólica (p<0,001), pressão diastólica (p<0,001) e pressão de pulso (p<0,001) entre os indivíduos que apresentaram e não apresentaram DAOP. Não houve diferença significante quanto ao sexo (p=0,253) e ao diabetes mellitus (p=0,090).



A Tabela 5 exibe os fatores de risco e comorbidades associadas à DAOP, baseados no cálculo do odds-ratio (OR). Observamos, após esta análise, que diabetes mellitus (OR: 1,76; IC: 1,53-2,02; p<0,001), hipertensão arterial sistêmica (OR: 1,06; IC: 1,05-1,07; p<0,001) e tabagismo (OR: 1,17; IC: 1,04-1,19; p<0,001) estiveram fortemente associados à DAOP; enquanto que IMC < 30 kg/m2 (OR: 0,08; IC: 0,03-0,20; p<0,001) não esteve associado à DAOP, constituindo-se em um fator de proteção para DAOP.



DISCUSSÃO

Os pacientes submetidos à cineangiocoronariografia apresentam per se um risco cardiovascular aumentado, uma vez que exibem porcentagens significativas de fatores de risco para fenômenos ateroscleróticos em leitos arteriais coronarianos e posterior infarto agudo do miocárdio, tais como, idade avançada, sexo masculino, tabagismo, diabetes mellitus, hipertensão arterial sistêmica e obesidade [11].

Dentre os 65 pacientes coronariopatas deste estudo, encontramos indivíduos com faixa etária mais elevada; maior proporção de tabagistas, hipertensos e diabéticos; maior valor médio de pressão sistólica, pressão diastólica e pressão de pulso, quando comparados com os pacientes que não apresentaram doença arterial coronariana. Além disso, pela Análise de Correlação de Spearman, faixa etária, hipertensão arterial sistêmica, tabagismo, IMC, pressão sistólica, pressão diastólica e pressão de pulso estiveram fortemente associados à presença de lesão coronariana. Nossos resultados concordam com os dados observados por Iglézias et al. [11] e Brevetti et al. [12], demonstrando a forte influência dos fatores de risco cardiovascular no desenvolvimento de fenômenos ateroscleróticos e aterotrombóticos coronarianos. Além disso, Sesso et al. [13] ressaltaram que, em pacientes abaixo dos 60 anos, as pressões sistólica e diastólica constituem importantes preditores de risco cardiovascular, ao passo que, nos indivíduos acima de 60 anos, apenas as pressões sistólica e de pulso estiveram associadas a este risco .

Efetuamos também, neste estudo, uma análise das relações existentes entre os fatores de risco cardiovascular e a gravidade do comprometimento arterial coronariano. Nossos resultados exibiram uma diferença significante para faixa etária, tabagismo, diabetes mellitus, hipertensão arterial sistêmica e IMC, com relação ao grau da doença arterial coronariana. Além disso, encontramos que a gravidade da coronariopatia está diretamente associada à faixa etária elevada e a maiores valores médios de IMC, pressões sistólica, diastólica e de pulso. Baseado no cálculo do odds-ratio, faixa etária, hipertensão arterial sistêmica, tabagismo e IMC estiveram fortemente associados à presença tanto de lesão coronariana leve a moderada (lesão < 70%) quanto para lesão coronariana grave (lesão ³ 70%), destacando, mais uma vez, o impacto dos fatores de risco cardiovascular no desenvolvimento de processos ateroscleróticos em leitos arteriais coronarianos.

Quanto ao ITB, encontramos nesta pesquisa um valor médio de ITB significativamente menor nos pacientes com doença arterial coronariana em relação aos indivíduos isentos de coronariopatia (p<0,001). Além disso, baseado no cálculo do odds-ratio, um ITB ³ 0,90 constitui-se um fator de proteção tanto para lesão coronariana leve a moderada (lesão < 70%) quanto para comprometimento arterial coronariano grave (lesão ³ 70%). Estes resultados concordam com o observado por outros pesquisadores, sugerindo uma forte relação inversa entre ITB e coronariopatia [8,14-16].

Encontramos também, neste estudo, a partir da Análise de Regressão Logística, que pacientes idosos, obesos e com ITB diminuído (<0,90), apresentaram uma probabilidade de lesão coronariana de 98,93%; enquanto que pacientes jovens, não obesos e com ITB normal (³0,90) apresentaram uma probabilidade de lesão coronariana de 1,33%. Além disso, pacientes jovens, não obesos, mas com ITB diminuído (<0,90) apresentaram um risco de lesão coronariana de 51,86%. Estes resultados apontam um ITB diminuído como um possível marcador e preditor de doença aterosclerótica coronariana, de maneira independente ou associado a outros fatores de risco cardiovascular, sugerindo novamente uma forte relação inversa entre ITB e presença de lesão coronariana.

De acordo com nossos resultados, evidencia-se a importância de se considerar um ITB diminuído, como um fator de risco para os pacientes com sintomatologia compatível com doença coronariana. Baseado na relação direta entre a gravidade da coronariopatia e a redução do valor do ITB, demonstrada neste estudo, os cirurgiões cardiovasculares devem estar atentos para a importância da medida do ITB na avaliação clínica dos pacientes com risco para doença arterial coronariana, além de sua participação como instrumento imprescindível da decisão terapêutica quanto à necessidade de um eventual procedimento cirúrgico de revascularização do miocárdio, em pacientes com lesões coronarianas graves.

O ITB, como marcador de DAOP assintomática, fornece informações importantes sobre aterosclerose subclínica, além de constituir um importante preditor de eventos cardiovasculares [17]. Um valor de ITB < 0,90 apresenta sensibilidade de 90% a 97% e especificidade de 98% a 100% para a detecção de estenoses arteriais que comprometam 50% ou mais da luz de um ou mais vasos de maior calibre dos membros inferiores [3]. Nesta pesquisa, 56,60% dos pacientes apresentaram DAOP, sendo esta prevalência maior no sexo masculino (57,80%) do que no feminino (42,20%). Além disso, 90,76% dos pacientes coronariopatas apresentaram concomitantemente DAOP, ratificando o caráter sistêmico dos fenômenos ateroscleróticos. Quanto à prevalência de DAOP, nossos resultados superam os 25,4% encontrados por Hasimu et al. [18]; enquanto que no tocante à presença de DAOP em indivíduos com doença arterial coronariana, nossos dados são inferiores aos 98% observados por Sukhija et al. [19].

Lu et al. [20], em estudo sobre tabagismo e doença arterial periférica, apontam o tabagismo como um fator de risco importante não só para doença arterial coronariana, como também para DAOP. Os resultados encontrados neste estudo concordam com a literatura, visto que a prevalência de tabagistas foi maior tanto nos indivíduos com doença coronariana (69,23%), quanto nos pacientes com DAOP (68,75%). O tabagismo também apresentou uma associação direta com a gravidade da doença coronariana, além de que parece aumentar em 1,17 o risco de desenvolvimento de DAOP. Pelos resultados acima, demonstra-se a influência deste fator de risco no desenvolvimento de fenômenos ateroscleróticos e aterotrombóticos generalizados, tanto nos leitos arteriais coronarianos quantos nos periféricos [18,21].

Cordova et al. [22]., avaliando as propriedades cardiovasculares benéficas do vinho, afirmam que o consumo de quantias moderadas de álcool (20 a 30g/dia) constitui um fator protetor para coronariopatias, reduzindo em 40% o risco para doença arterial coronariana. Neste estudo, a prevalência de etilistas foi maior tanto em pacientes isentos de comprometimento coronariano (16,67%) quanto em indivíduos sem DAOP (20,41%), provando ser um possível fator protetor independente, porém não significante, para DAOP e doença coronariana, assim como observado previamente por Meijer et al. [23].

De acordo com o estudo de Framingham [24], a hipertensão arterial sistêmica aumenta o risco de DAOP em 2,5%, em homens, e 3,9%, em mulheres, sendo que a pressão de pulso constitui um preditor mais potente de eventos cardiovasculares do que a pressão sistólica ou diastólica isoladamente. Em nosso estudo, o impacto da hipertensão arterial sistêmica no desenvolvimento de fenômenos aterotrombóticos foi observado tanto nas artérias coronárias quanto nos leitos arteriais periféricos, já que uma elevada porcentagem de pacientes hipertensos apresentou doença arterial coronariana (84,62%) e DAOP (85,94%). A hipertensão arterial sistêmica também exibiu uma relação direta com a gravidade do acometimento coronariano, além de que parece aumentar em 1,06 o risco de desenvolvimento de DAOP.

Observou-se também, neste estudo, uma diferença significante no tocante às pressões sistólica, diastólica e de pulso, não só entre os pacientes portadores de doença arterial coronariana, mas também entre os indivíduos com DAOP. No tocante à pressão sistólica e de pulso, nossos resultados concordam com o observado por Hasimu et al. [18], reforçando o papel destes fatores de risco no desenvolvimento de processos ateroscleróticos em distintos territórios vasculares, além de ratificar a concomitância entre os fatores de risco tanto para doença arterial coronariana quanto para DAOP.

Murabito et al. [25], avaliando a prevalência e as correlações clínicas da doença arterial periférica, apontam o diabetes mellitus como um importante fator de risco não só para doença arterial coronariana, como também para DAOP, assintomática e sintomática, além de afirmar que a prevalência de diabetes mellitus aumenta em pacientes com ITB reduzido. Os resultados encontrados neste estudo concordam com a literatura, visto que a prevalência de diabéticos foi maior tanto nos indivíduos com doença arterial coronariana (67,69%), quanto nos pacientes com DAOP (68,65%). O diabetes mellitus também apresentou uma associação direta com a gravidade da doença coronariana, além de que parece aumentar em 1,76 o risco de desenvolvimento de DAOP. Nossos resultados demonstram a influência do diabetes mellitus no desenvolvimento de fenômenos ateroscleróticos, tanto nos leitos arteriais coronarianos quantos nos periféricos [18,21,23].

Pelos dados acima, evidencia-se a necessidade de se valorizar um ITB diminuído, seja qual for o grau de redução deste índice, como um fator de risco importante nos indivíduos com sintomatologia compatível com doença coronariana, além de fornecer um importante parâmetro da gravidade do comprometimento coronariano. Percebe-se a presença de duas comorbidades, DAOP e doença arterial coronariana, que se influenciam negativamente de modo expressivo pelos seus inter-relacionamentos, contribuindo de maneira desastrosa para a evolução da doença isquêmica do coração e para a necessidade de tratamento cirúrgico com revascularização do miocárdio.

CONCLUSÃO

O estudo sugere que um ITB diminuído (<0,90) constitui um possível marcador de doença arterial coronariana em pacientes com risco de doenças cardiovasculares ateroscleróticas. Devido à elevada concomitância entre DAOP e doença arterial coronariana encontrada neste estudo (90,76%), salienta-se a importância da determinação do ITB como instrumento imprescindível no protocolo de avaliação clínica dos pacientes com risco para doença coronariana. Além disso, um ITB ³ 0,90 constituiu-se em um fator de proteção tanto para lesão coronariana moderada quanto para lesão coronariana grave. Sugere-se, ainda, que fatores de risco, tais como diabetes mellitus e hipertensão arterial sistêmica, sejam adequadamente tratados, e que a obesidade e o tabagismo sejam fortemente desencorajados.

AGRADECIMENTOS

Ao Sr. Euro de Barros Couto Júnior, pela realização da análise estatística e à Sra. Isabel Cristina Campos Feitosa, pela revisão bibliográfica.

REFERÊNCIAS

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