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RELATO DE CASO

Inalação de solução salina hipertônica como coadjuvante da fisioterapia respiratória para reversão de atelectasia no pós-operatório de cirurgia cardíaca pediátrica

Naila Luisa Saiki da SILVAI; Raquel Ferrari PiottoI; Marcelo Adriano Ingraci BARBOZAII; Ulisses Alexandre CrotiIII; Domingo M BraileIV

DOI: 10.1590/S0102-76382006000400018

INTRODUÇÃO

A atelectasia é descrita como estado de determinada região do parênquima pulmonar colapsado e não airado, associado à perda dos volumes e capacidades pulmonares, sendo diagnosticada a partir de exames clínicos e complementares [1] e correspondendo a até 80% das complicações pulmonares no pós-operatório das cirurgias cardiovasculares [2].

A fisioterapia convencional, na maioria das vezes, evita a atelectasia, porém, em alguns casos, não é suficiente, sendo necessária a associação de métodos alternativos para sua resolução [3]. Uma opção coadjuvante é a inalação de solução salina hipertônica (SSH), constituída de cloreto de sódio (NaCl) a 6%, pois induz a tosse produtiva, com maior quantidade de escarro devido ao aumento do clearance mucociliar [4]. Devido aos efeitos positivos da SSH, este relato tem o objetivo de demonstrar a possibilidade de efetividade da associação da fisioterapia respiratória e inalação de SSH com NaCl a 6%, em atelectasia de difícil resolução no pós-operatório de cirurgia cardíaca pediátrica.

RELATO DO CASO

Criança de 11 meses, sexo feminino, história de cardiopatia congênita com hiperfluxo pulmonar, sendo diagnosticada ao ecocardiograma presença de comunicação interventricular perimembranosa de via de entrada do ventrículo direito, comunicação interatrial tipo forame oval, persistência do canal arterial, insuficiência valvar mitral discreta e hipertensão pulmonar.

Em acompanhamento no ambulatório de cardiologia pediátrica do Hospital de Base de São José do Rio Preto desde os 7 meses, evoluiu com quadro de insuficiência cardíaca congestiva grau III (NYHA), mesmo em uso de diuréticos, digital e inibidor de enzima de conversão de angiotensina.

Foi submetida à operação para correção dos defeitos com fechamento da comunicação interventricular com placa de pericárdio bovino, fechamento de comunicação interatrial com sutura direta e dupla ligadura do canal arterial. O tempo de circulação extracorpórea foi de 77 minutos e isquemia miocárdica, de 48 minutos.

Admitida na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) sob ventilação artificial, no segundo dia de pós-operatório, apresentou crise de hipertensão arterial pulmonar, que se tornou constante, implicando na permanência da intubação e sendo necessário prolongar o tempo de ventilação mecânica artificial. Durante sua permanência na UTI, houve aumento significativo da quantidade de secreção pulmonar e a extubação foi possível no oitavo dia. Três dias após, ao radiograma de tórax, observou-se hipotransparência localizada em base pulmonar direita, desvio de mediastino ipsilateral à imagem e, portanto, diagnosticada atelectasia basal direita (Figura 1).


Fig. 1 - Radiograma de tórax em posição póstero-anterior, no 13º dia de pós-operatório, com atelectasia basal à direita


Diariamente, eram realizados radiogramas de tórax e quatro sessões de fisioterapia respiratória, com duração de 20 minutos cada sessão, utilizando-se manobras de reexpansão pulmonar e higiene brônquica, drenagem postural brônquica seletiva e aspiração traqueal.

Após evidenciar persistência da atelectasia, a fisioterapia respiratória foi intensificada, com seis atendimentos diários (capacidade máxima que o serviço possuía de atendimento), sem sucesso.

No 13º dia, optou-se por inalação de 5ml de SSH de NaCl a 6%, imediatamente antes e após a conduta fisioterapêutica supracitada, acreditando-se no aumento de tosse produtiva com catarro, ainda que no pós-operatório a paciente pudesse apresentar dor torácica pelo esforço, fato tratado com analgésicos e comunicado previamente aos pais da criança.

Em três dias, houve resolução completa da atelectasia, com melhora pulmonar significativa, a qual foi claramente atribuída à associação das técnicas (Figura 2).


Fig. 2 - Radiograma de tórax em posição póstero-anterior, no 16º dia de pós-operatório, com plena resolução da atelectasia basal à direita


DISCUSSÃO

A atelectasia altera a mecânica pulmonar, levando à redução do volume residual, capacidade vital, residual funcional e pulmonar total. Usualmente, representa manifestação secundária e não doença isolada. Pode ocorrer por três formas: compressão do parênquima por processos intra ou extratorácicos, aumento da tensão superficial no alvéolo e/ou bronquíolo e obstrução de vias aéreas [3], mecanismo este que associado ao acúmulo de secreção foi creditado como a causa da atelectasia na referida paciente.

Como a atelectasia é complicação comum no pós-operatório de cirurgia cardíaca pediátrica e fato constante na UTI, na obtenção de radiogramas de tórax seriados, evidenciou-se atelectasia após a operação e extubação da criança, necessitando-se métodos de abordagem eficazes, já que a fisioterapia convencional não estava sendo suficiente para reversão do quadro.

A hipoventilação é uma das causas mais comuns de atelectasia no pós-operatório. Com o uso de anestésicos, drogas narcóticas e parada de ventilação no intra-operatório durante o período de circulação extracorpórea, associados à dor, há diminuição da função ciliar, limitação do esforço inspiratório e prejuízo da eficácia do reflexo de tosse, favorecendo o acúmulo de secreção pulmonar [5]. A paciente permaneceu por 77 minutos em circulação extracorpórea, sob anestésicos e drogas narcóticas, os quais associados à dor no período pós-operatório prejudicaram a função pulmonar, facilitando o acúmulo de secreções e a hipoventilação.

As manobras de higiene brônquica e reexpansão pulmonar, cinesioterapia respiratória ativa ou assistida, drenagem postural brônquica seletiva, inspirômetros de incentivo, resistores expiratórios com pressão positiva expiratória, tosse ou aspiração endotraqueal e mudanças de decúbito [3,6] foram técnicas insuficientes para a reversão de atelectasia, havendo necessidade de associar outro método para melhora da eficácia no tratamento pulmonar.

Desde a década de 1980, a indução de escarro pela inalação de SSH tem sido usada [4] e mostra-se segura para obtenção de amostras clínicas em crianças e adolescentes [7]. A SSH é encontrada comercialmente nas concentrações de 0,9%, 9% e 20%. Estudos comprovam que as concentrações mais eficazes neste tipo de comprometimento são as que apresentam concentração em torno de 6% [8]. Após a inalação de SSH de NaCl a 6%, por diversas vezes, a criança apresentou crise de tosse produtiva, evidenciando a eficácia na indução do escarro.

Inalação da SSH com NaCl a 6% é conhecida por acelerar a clearance traqueobrônquica em muitas condições, provavelmente, por induzir osmose para o interior das vias aéreas, que altera a reologia do muco, favorecendo o clearance mucociliar [8]. A melhora no clearance mucociliar é possível com a inalação de SSH na concentração de 3% a 12%, sendo o efeito dependente da dose [9,10]. O limite de tolerabilidade é 12% já que, em concentrações maiores, pode causar irritação faríngea e na concentração de 14,4%, efeito ciliostático irreversível [10].

No paciente descrito, observou-se que a inalação com a SSH facilitou a saída da secreção, uma vez que se associou com manobras de fisioterapia para condução dessa secreção até as vias aéreas superiores. Como o excesso de secreção era a provável causa da atelectasia revertida, estes dados corroboraram com os achados supracitados.

Foi optado por SSH a 6% por não haver experiências prévias no pós-operatório de cirurgia cardíaca pediátrica e entendermos ser uma concentração inócua e adequada, a qual não traz prejuízos ao paciente. Porém, acreditamos que devam ser realizados estudos com maior número de pacientes, avaliando os parâmetros pulmonares e verificando os efeitos a longo prazo e seu impacto nas taxas de morbidade e mortalidade.

CONCLUSÃO

A inalação de solução salina hipertônica com NaCl a 6% associada à fisioterapia respiratória convencional mostrou-se eficaz neste paciente que apresentava atelectasia de difícil resolução. Assim, pode ser lembrada como mais uma opção coadjuvante no tratamento pulmonar durante o pós-operatório de cirurgia cardíaca pediátrica.


REFERÊNCIAS

1. Schindler MB. Treatment of atelectasis: where is the evidence? Crit Care. 2005;9(4):341-2.

2. Andrejaitiene J, Sirvinskas E, Bolys R. The influence of cardiopulmonary bypass on respiratory dysfunction in early postoperative period. Medicina (Kaunas). 2004;40(Suppl 1):7-12.

3. Pasquina P, Merlani P, Granier JM, Ricou B. Continuous positive airway pressure versus noninvasive pressure support ventilation to treat atelectasis after cardiac surgery. Anesth Analg. 2004;99(4):1001-8.

4. Scheicher ME, Terra Filho J, Vianna EO. Indução de escarro: revisão de literatura e proposta de protocolo. São Paulo Med J. 2003;121(5):213-9.

5. Strandberg B. The incidence of atelectasis after heart operations with and without breathing exercises. Ann Phys Med 1956;3(1):18-20.

6. Westerdahl E, Lindmark B, Eriksson T, Hedenstierna G, Tenling A. The immediate effects of deep breathing exercises on atelectasis and oxygenation after cardiac surgery. Scand Cardiovasc J. 2003;37(6):363-7.

7. Palomino AL, Bussamra MH, Saraiva-Romanholo BM, Martins MA, Nunes MP, Rodrigues JC. Escarro induzido em crianças e adolescentes com asma: segurança, aplicabilidade clínica e perfil de células inflamatórias em pacientes estáveis e durante exacerbação. J Pediatr. 2005;81(3):216-24.

8. Middleton PG, Pollard KA, Wheatley JR. Hypertonic saline alters ion transport across the human airway epithelium. Eur Respir J. 2001;17(2):195-9.

9. Daviskas E, Anderson SD, Gonda I, Eberl S, Meikle S, Seale JP, et al. Inhalation of hypertonic saline aerosol enhances mucociliary clearance in asthmatic and health subjects. Eur Respir J. 1996;9(4):725-32.

10. Boek WM, Keles N, Graamans K, Huizing EH. Physiologic and hypertonic saline solutions impair ciliary activity in vitro. Laryngoscope. 1999;109(3):396-9.


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