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ARTIGO ORIGINAL

A temperatura da pele pode ser um indicador para hemorragia grave no pós-operatório?

Sinasi ManduzI; Aydin ToktamisII; Ismail SapmazIII; Kasim DoganIV

DOI: 10.1590/S0102-76382006000400013

RESUMO

Objetivo: O objetivo deste estudo é avaliar a hipotermia residual pós-operatória e sua duração, assim como discutir se a hipotermia tardia pode ser um marcador de sangramento excessivo. Método: Neste estudo retrospectivo, os registros de 12 pacientes que tiveram re-intervenção por causa de sangramento no período pós-operatório foram revisados e suas durações, que foram desde o primeiro minuto em Unidade de Terapia Intensiva até a pele alcançar uma temperatura de 36,5 graus Celsius. O tempo de duração da Circulação Extracorpórea (CEC) foi anotado. Também foi registrado o tempo ativado de coagulação (TCA). A temperatura mais baixa do corpo durante a operação foi medida. Um grupo de controle foi criado (n=16) aleatoriamente, formado por pacientes que não precisariam de re-intervenção e no qual a duração da CEC foi similar à do grupo de estudo. Todos os parâmetros foram comparados entre dois grupos com a versão do software SSPSs. Resultados: As durações desde o primeiro minuto no tratamento intensivo até a temperatura da pele alcançar 36.5 graus Celsius foram significantemente mais longas no grupo de estudo (p=0,0001). TAC pré-operatório e pós-operatório não foram diferentes (p=0,312 e p=0,576 respectivamente). A menor temperatura do corpo não foi diferente (p=0,157). Conclusões: Nossos achados indicam que a temperatura da pele é importante no sangramento excessivo que leva à re-intervenção. Hipotermia pode ser o motivo ou a causa do sangramento.

ABSTRACT

Objective: The purpose of this study was to explore if postoperative hypothermia evaluated by skin temperature could give a hint of excessive bleeding requiring re-exploration. Methods: In this retrospective study, the records of 12 patients who needed re-exploration due to bleeding in the postoperative period were reviewed and the time from the first minute in the intensive care unit until skin temperatures reaching 36.5ºC were measured. Cardiopulmonary bypass (CPB) durations were noted as were preoperative and postoperative Activated Clotting Times (ACT). The lowest body temperatures during the operation were measured. A control group was formed of 16 randomly chosen patients who did not need re-exploration with CPB times being similar to study group. All parameters were compared between the two groups using the SPSS software version 10.0. Results: Durations from the first minute in the intensive care unit until skin temperatures reached 36.5ºC were significantly longer in the study group (p=0.0001). Preoperative and postoperative ACT were not significantly different (p=0.312 and p=0.576 respectively). The lowest body temperatures were also not significantly different (p=0.157). Conclusions: Our findings show that skin temperature is an important indicator of excessive bleeding with a need for re-exploration. Hypothermia may be a reason for this or may be a result of bleeding.
INTRODUÇÃO

O sangramento pós-operatório é uma complicação que pode ocorrer em pacientes que se submetem à cirurgia cardíaca e o uso da circulação extracorpórea (CEC) pode incrementar esse sangramento [1]. Há várias causas para o sangramento em pacientes que foram expostos à circulação extracorpórea, como consumo de fatores de coagulação, hemodiluição, alteração quantitativa e de função das plaquetas, hipotermia, resposta imune do hospedeiro na formação do complexo heparina-protamina e hemostasia cirúrgica inadequada [2]. Devido ao reaquecimento inadequado do corpo, os pacientes que se submetem à cirurgia cardíaca com CEC e hipotermia sistêmica freqüentemente estão com temperatura corpórea baixa após transferência à Unidade de Terapia Intensiva [3]. Alguns pacientes necessitam de re-intervenção devido ao sangramento no início do pós-operatório e muitas vezes a causa do sangramento na cirurgia pode não ser identificada [1-4]. Portanto, o objetivo deste estudo é avaliar a hipotermia residual pós-operatória e sua duração, assim como discutir se a hipotermia tardia pode ser um marcador de sangramento excessivo.

MÉTODO

Esta é uma revisão retrospectiva de 721 pacientes submetidos à cirurgia cardíaca eletiva, incluindo revascularização miocárdica, cirurgias valvares e procedimentos associados. Prontuários médicos de nossas clínicas do período de março de 1995 a março de 2005 foram examinados com critério e com a permissão da Comissão de Ética da Cumhuriyet University. Seiscentos e sessenta e dois pacientes foram operados com uso da CEC e 32 desses foram submetidos à re-exploração devido à perda sangüínea excessiva no pós-operatório. Foram excluídos 19 dos 31 pacientes devido a hemostasia inadequada, portanto foram estudados 12 pacientes sem nenhuma fonte localizada de sangramento cirúrgico. Por outro lado, o grupo controle foi formado com 16 pacientes tomados aleatoriamente e que foram submetidos à cirurgia com CEC, mas que não necessitaram de re-exploração e similar com o grupo de estudo de acordo com o tempo da CEC, TP, TTP e RNI no pós-operatório e valores de hemoglobina e plaquetas. A faixa etária do grupo de estudo variou de 48 a 60 anos e do grupo de controle de 29 a 68 anos.

Condições dos pacientes

Parâmetros hematológicos avaliados no pré-operatório de todos os pacientes incluíram tempo de protrombina (TP), tempo de tromboplastina parcial ativada (TTP), relação normalizada internacional (RNI), contagem de plaquetas e tempo de sangramento. O ácido acetilsalisílico (aspirina) foi interrompido sete dias antes do procedimento e os pacientes recebendo warfarina foram descontinuados também sete dias antes da operação. Todos os pacientes estavam recebendo heparina de baixo peso molecular 0,01 ml/kg até o dia da cirurgia. Os valores de TP, TTP, RNI estavam normais no pós-operatório em todos os pacientes. As contagens de hemoglobina e plaqueta foram similares entre os grupos.

Preparação para cirurgia, a cirurgia e unidade de terapia intensiva

A preparação anestésica dos pacientes foi feita por anestésico narcótico e todos os pacientes foram monitorados com linha intra-arterial e cateter venoso central. Uma dose inicial de heparina de 300 unidades por quilograma de peso foi administrada de forma intravenosa. O tempo de coagulação ativado (TCA) foi mantido acima do 400 segundos durante a circulação extracorpórea com heparina adicional se necessário. A CEC com bomba de roletes e oxigenador de membrana foi usada em todos os casos. O circuito da circulação extracorpórea foi preenchida com 1500 mL de uma solução de Ringer Lactate e sangue. A esternotomia mediana foi utiizada em todos os pacientes, a proteção do miocárdio foi feita com Plegisol® intermitente (Abbot) e cardioplegia sangüínea gelada. Todos os pacientes foram submetidos a hemodiluição moderada (hematócrito entre 19%-24%) e hipotermia (28-32 graus Celsius). Após a cirurgia os pacientes foram reaquecidos até uma temperatura acima de 35 graus centígrados. A protamina HCI ® foi usada para normalizar o TCA (1 UI por cada 42 UI de heparina). Foi administrada uma dose adicional de protamina de 30 mg, caso o TCA se mantivesse alterado. Os pacientes foram transferidos do centro cirúrgico à Unidade de Terapia Intensiva com completo monitoramento.

Os pacientes estavam envolvidos em cobertores cheios de ar quente e circulação de ar quente foi fornecida com uma bomba de ar quente (Warmtouch®). Do primeiro minuto na unidade de terapia intensiva, todos os parâmetros vitais inclusive pressão venosa central, pulso, pressão arterial, temperatura da pele foram anotados. O eletrocardiograma (ECG) e radiografia do tórax foram realizados na primeira hora. Todos os parâmetros foram anotados cada trinta minutos rotineiramente, exceto o ECG e a radiograma do tórax. A temperatura da pele, medida na região axilar, foi verificada com termômetro de vidro com mercúrio.

Para todos os pacientes, o tempo entre a entrada na unidade de terapia intensiva até a temperatura de pele atingir os 36,5 graus centígrados foi medido e anotado. A temperatura da pele do grupo que foi submetido à re-exploração foi anotada junto com as medições dos níveis TCA pré-operatório, aferidos por tubos Actalyke e foram examinados em ambos os grupos, de controle e de estudo. A duração da CEC foi anotada no prontuário e a temperatura mais baixa durante as operações foi registrada.

Critérios de re-exploração

A decisão para re-explorar foi feita baseada na taxa de sangramento no pós-operatório e no volume acumulado. Os pacientes foram explorados quando apresentaram sangramento numa taxa de 200 ml/hora por mais que 4 horas ou por um aumento súbito de sangramento após as primeiras duas horas. Por outro lado, anúria sem causa aparente e alargamento mediastinal nas radiografias do tórax sugerindo tamponamento cardíaco devido ao sangramento foram aceitos como motivo para re-exploração.

Analise estatística

As análises de dados foram realizadas usando o software SSPS versão 10.0 e o teste U de Mann- Whitney. O valor de p<0,05 foi aceito como significante.

RESULTADOS

A temperatura da pele de todos os pacientes estava abaixo de 35 graus centígrados nos primeiros minutos depois da entrada na Unidade de Terapia Intensiva. A média de duração da CEC entre os dois grupos não foi significativa (p= 0,417). O tempo da entrada na unidade de terapia intensiva até a temperatura de pele atingir os 36,5 graus Celsius foi significantemente mais longo no grupo de estudo (z = 4,618, p=0001) . A comparação entre os dois grupos em respeito das temperaturas mais baixa na cirurgia não foi significativa (p= 0,157). As diferenças de níveis do TCA pré-operatório e pós-operatório entre grupos de controle e de estudo também não foram significantes (Tabela 1).



DISCUSSÃO

O sangramento no pós-operatório é um problema sério em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca com CEC. Esse sangramento é curioso, visto que a re-exploração freqüentemente não se encontra nenhuma causa aparente de sangramento [4].

Em nossos dez anos de experiência, uma hipotermia tardia chamou a nossa atenção em pacientes que necessitaram de re-exploração por causa de sangramento e nenhuma causa do sangramento foi encontrada. O estudo feito por Lahtinen et al. nos encorajou a desenvolver esta análise, quando eles mostraram correlação entre volume de sangramento no pós-operatório e temperatura baixa da artéria pulmonar [5]. Nathan et al. relataram que a intensidade da hipotermia é um parâmetro importante para sangramento no pós-operatório [6]. Estes achados impulsionaram este estudo, onde foi extraída a temperatura mais baixa dos pacientes no peri-operatório e feita a comparação.

Nossa investigação mostrou que a duração da temperatura da pele baixa é significantemente mais longa em pacientes que tiveram maior sangramento.

A temperatura mais baixa da pele poderia ser a causa do sangramento de nossos pacientes. Entretanto essa afirmação ainda carece de maior estudo, já que outros fatores podem também interferir, como o débito cardíaco, que pode também alterar a coagulação sangüínea [5]. Como a medida do debito cardíaco não é parte rotineira do cuidado pós-operatório em nosso serviço, e este estudo foi retrospectivo, esse dado não pode ser correlacionado.

CONCLUSÕES

Em nosso estudo, a temperatura da pele dos pacientes que necessitaram re-exploração cirúrgica estava mais baixa no pós-operatório. Isso é causa ou conseqüência? A re-exploração poderia ser prevenida se os pacientes fossem reaquecidos adequadamente? Essa hipotermia tardia pode ser uma indicação de sangramento excessivo? Nossos estudos posteriores poderão ajudar a esclarecer este interessante achado.

AGRADECIMENTOS

À assistência técnica de nossa perfusionista, Sra. Aysel Keskin.

REFERÊNCIAS

1. Hall TS, Brevetti GR, Skoultchi AJ, Sines JC, Gregory P, Spotnitz AJ. Re-exploration for hemorrhage following open heart surgery differentiation on the causes of bleeding and the impact on patient outcomes. Ann Thorac Cardiovasc Surg. 2001;7(6):352-7.

2. Inada E. Blood coagulation and autologous blood transfusion in cardiac surgery. J Clin Anesth. 1990;2(6):393-406.

3. Marelli D, Chiu RC, Fleiszer DM, Brown RA. Residual hypothermia in patients recovering in the intensive care unit from cardiac surgery. Can J Surg. 1988;31(6):434-6.

4. Salenger R, Gammie JS, Vander Salm TJ. Postoperative care of cardiac surgical patients. In: Cohn LH, Edmunds LH Jr, eds. Cardiac surgery in the adult. New York:McGraw-Hill;2003. p.439-69.

5. Lahtinen J, Biancari F, Ala-Kokko T, Rainio P, Salmela E, Pokela R, et al. Pulmonary artery blood temperature at admission to the intensive care unit is predictive of outcome after on-pump coronary artery bypass surgery. Scand Cardiovasc J. 2004;38(2):104-12.

6. Nathan HJ, Parlea L, Dupuis JY, Hendry P, Williams KA, Rubens FD, et al. Safety of deliberate intraoperative and postoperative hypothermia for patients undergoing coronary artery surgery: a randomized trial. J Thorac Cardiovasc Surg. 2004;127(5):1270-5.

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